Introdução:
Não é fácil equacionar
o problema da dor e do sofrimento...
Filósofos, teólogos,
religiões, sempre estão procurando dar uma resposta para o sofrimento, mas a
verdade é que nunca entenderemos, na sua profundidade o sentido da dor.
É fácil fazer
equações, filosofar sobre o sofrimento, e até mesmo procurar dar respostas
simplistas e carregadas de fórmulas que decoramos, como fizeram os amigos de
Jó, diante de sua incrível dor.
Apesar de,
aparentemente estarem dissertando sobre as respostas imediatas que o judaísmo
propunha, o resultado foi que eles não apenas foram impiedosos no seu
julgamento com Jó, como foram censurados ainda por Deus, por causa do
julgamento que fizeram.
Eles tentaram
encontrar uma equação simples para a dor:
Se você faz o bem...
então Deus te abençoa e tudo te irá bem...
Se você faz o mal...
será punido, e as consequências serão desastrosas para a vida...
Embora saibamos que o
pecado, a transgressão, a quebra das leis, tragam sofrimento, a verdade é que o
sofrimento tem muitas causas, além do pecado. Veja quantas destas causas
aparecem no texto:
- Deus: Que permite que o mal aconteça. Esta é, na
visão de Jó, a causa primeira da dor. A crise de Jó é maior, não
apenas pela magnitude de sua dor, mas porque seu sofrimento se tornou uma
questão teológica. Por que Deus permite que eu sofra, mesmo vivendo de forma justa e íntegra?
- Diabo. Este é o executor do mal, e aquele que conspira
contra a vida de Jó. Ele deseja o mau, e tem a permissão de Deus para
realizá-lo. Por detrás de todo sofrimento, podemos entender, que há algo que se opõe à vida. em inglês, uma das palavras para ações malignas é evil, e quando prestamos atenção, vemos que evil (mal) é o contrário de live (viver).
- Pessoas. Agentes dos maus. Vemos aqui a ação dos Sabeus
(Jo 1.15), que vieram abruptamente, levaram saquearam e mataram os
servos ao fio da espada. Muita dor é causada por causa de
pessoas más, dos perversos. Muito sofrimento é causado por ações humanas:
guerras, luta pelo poder, ambição desenfreada, crueldade.
- Causas Naturais: A natureza gera tragédias.
Os bois lavravam quando veio o fogo, vieram raios, tempestades (Jo 1.16) e grandes
ventos (Jó 1.19). Quando estudamos a força dos terremotos, o poder dos
vulcões, que destroem civilizações inteiras, a força das águas nas enchentes, ficamos assustados. Uma catástrofe como um vulcão, fogo,
ciclones, tempestades, pode destruir uma cidade inteira como vimos alguns
anos atrás em Memphis.
Portanto, existem
muitas causas de sofrimento.
O diálogo do Senhor
com Satanás nos desmonta, e mexe com nossos esquemas mentais. (Jo 2.3). Jó está
no meio de um embate de forças espirituais. Satanás está procurando ter o
controle da vida de uma pessoa, e Jó é seu alvo preferencial, neste
momento específico da história.
Entre as causas do
sofrimento que encontramos na Bíblia, pelo menos sete são
descritas, por isto não é sábio tentar responder de forma simplista questões complexas. O sofrimento é resultante do pecado, mas nem todo sofrimento
possui relação com o pecado, e nem todo pecado causa sofrimento visível (pelo
menos imediato). Há sofrimentos provenientes de ações pecaminosas, mas Deus
pode usar o sofrimento para nos modelar. Sofrimento nas Escrituras pode ser
pedagógico, com a finalidade de ensinar o povo de Deus, ou até mesmo com finalidade redentiva,
como no caso de Jesus e sua obra de expiação pelos pecados da raça humana.
No
caso de Jó, o diabo encontra-se por detrás de seu sofrimento. “Satanás saiu da presença de Deus” e seu
objetivo era causar aflições a Jó (1.12; 2:7).
Ao dizer isto o texto aponta para uma ação maligna.
A)- Apesar do diabo ser o agente da dor, não se
resolve a dor, amarrando o demônio. Não adianta amarrar o demônio quando ele
tem autorização de Deus;
b)- Não se resolve o problema remoendo-se de culpa
porque estamos sofrendo. Este texto quebra exatamente a relação sofrimento x
pecado. Sofrimento nem sempre é consequência de pecados cometidos. Portanto, não necessariamente
pode ser alimentado com culpa.
Jó ignora a causa do
sofrimento, embora sofra as consequências dos efeitos de todas aquelas ações
cujas causas são ignoradas por ele. Nós sabemos, porque estamos na arquibancada,
como observadores do drama, mas Jó está no picadeiro. Da mesma forma, passamos
por muito sofrimento, sem sermos capazes de entender os motivos pelos quais
somos submetidos a isto. Um acidente fatal, uma morte estúpida de uma criança,
uma tragédia. Como explicar isto? Quem poderá decodificar os processos humanos
e a permissão do Deus soberano?
Jó vive num mundo
espiritualmente ambíguo , sem dicotomia entre o material e o espiritual. O
ataque dos sabeus é humano, mas espiritual; o fogo que caiu do céu é um
desastre da natureza, mas possui um componente espiritual;
o grande vento que matou os dez filhos de Jó, de uma única vez, uma tempestade
tropical de categoria cinco, é tudo fruto da ação da natureza, que é neutra e
cega em sua natureza, mas permeada por uma incrível ação de
espiritualidade, já que quem está por detrás é Satanás - e isto não é contemplado por Jó.
Apesar deste
componente espiritual ou místico, o sofrimento não é utópico, mas algo real, que Jó experimenta e sua consequência é avassaladora. Sabe lá o que é perder dez
filhos de uma única vez? O estilo literário do livro de Jó é dramático. Jó possui
relacionamentos, amizades, funcionários, mexe com agropecuária, come com sua
família, cuida de sua vida profissional mas é atingido frontalmente pelo
trágico. De repente, sua vida, tal como ele a conhecia, não existe mais; seus
bens desapareceram, seus filhos se foram e a saúde sofre graves variações,
ainda que ele não fosse um homem doente até então. Sua vida sofre uma
reviravolta sem precedentes. Fracassado, no fundo do poço, vê sua mulher
dizendo: “amaldiçoa a Deus e morra!” Jó está no centro do conflito, sem
entender os movimentos da história, seus amigos são coadjuvantes, e não sabem quão duro é estar no papel principal quando a dor nos atinge. Quem foi diagnosticado com câncer é que sabe o
peso disto, quem perdeu um filho ou passou por uma tragédia ou abuso é que sabe o impacto disto sobre sua vida.
O texto porém, vai
ensinar que, por maiores que sejam as tragédias, nada vai acontecer sem a
permissão de Deus – Satanás não é livre para fazer o que deseja. Ele age por permissão. Ele não é soberano, nem tem todo poder. Sua ação é limitada pela
liberdade delimitada por Deus.
Jesus menciona isto
para Pedro. Quando Satanás quis colocá-lo à prova, ele teve que fazer um
requerimento a Deus e Jesus afirmou: "todavia roguei ao Pai para que não desfalecesse". Satanás também quis "peneirar" Pedro, e só não o fez porque não teve permissão. Deus nunca perde o controle da história. Os céus nunca são
pegos de surpresa.
Princípios:
1.
Vivemos num mundo estruturalmente
ambíguo - As forças espirituais do mal tentam nos destruir, aparentemente
vivemos num mundo cego e impessoal, mas os relatos bíblicos nos ajudam a criar uma percepção de sobrenaturalidade.
Precisamos ver além da história, do comum, do ordinário e ter uma âncora firme, que contemple os céus. Apesar da dor continuar
sendo um mistério, devemos perseverar em nossa confiança em Deus.
2.
Não há no texto uma ideia maniqueísta de
Deus-Jó-diabo. O maniqueísmo afirma que Deus e o diabo vivem "competindo" num mesmo pé de igualdade. O texto bíblico demonstra exatamente o contrário: Deus e o do diabo não colocados num mesmo nível de poder. Deus não corre o risco de perder. Deus é
Senhor absoluto, “os dons e a vocação de
Deus são irrevogáveis”. Deus não é de se aventurar. A vida de José do Egito é outra história que nos
mostra claramente isto. Quando Deus chama, ele cuida até o final. Seus
propósitos são executados de acordo com seus planos.
3.
Não devemos abrir mão de Deus por causa da
tribulação - A vida de Jó nos
revela isto (Jó 1.9-10). Jó não negocia sua relação com Deus, porque o
mais importante não era sair da dor, mas glorificar a Deus no meio da dor. Em
todas as circunstâncias, “Jó não pecou,
nem atribuiu a Deus falta alguma” (Jó 1.22). Quaisquer que sejam as
circunstâncias, nunca devemos nos esquecer
que Deus é o Senhor absoluto da história e trabalha a favor daquele que ele
ama.
4.
Feche-se a tentação do porque.
Sofremos mais pelos “porquês“ que pelos fatos em si mesmo. O nosso porque é
extremamente egoísta. Porque comigo? Implicitamente
estamos dizendo que somos merecedores de um tratamento vip? A pergunta mais certa seria, “Por que não
comigo?“ Os companheiros de Jó tiveram muitos problemas depois que tentaram
“explicar” o sofrimento dele. Quase sempre as tentativas de explicação são
desastrosas:
-É a vontade de Deus...
-Se você tivesse fé...
-Se você estivesse na igreja.. .
-Se você não tivesse pecado...
-Se você não tivesse pecado...
O fato dos amigos de Jó o condenaram,
acrescenta dor à sua dor. Agora ele não tem mais o sofrimento físico, real e brutal, mas o espiritual: "Será que errei? Será que fiz algo e por isto estou recebendo uma punição divina?" . Ao colocar Jó como responsável espiritualmente pelo
seu sofrimento, os amigos trazem mais dor, culpa e aflição. Muitas vezes, o melhor
instrumento de consolo é o silêncio. Melhor ficar em silêncio que tentar explicar
a dor. Uma das coisas que a Palavra de Deus nos ensina claramente é que Deus
usa toda dor para o bem. “Vós intentastes
o mal, mas Deus transformou o mal em bem, como hoje vedes“ (Gn 50.15).
5.
Precisamos tomar cuidado para não
agredir inconscientemente a Deus - Deus é
Todo-Poderoso mas não evitou a tragédia de Jó. Isto pode gerar em nós uma
relação de suspeita e desconfiança sobre o seu caráter. Muitos dos nossos “porquês“
não são perguntas, mas agressões a Deus.
O sofrimento é sempre o momento no qual Deus demonstra que é Senhor da
vida, tanto nos momentos claros, quanto nos momentos de contradição. Agostinho
entendeu isto claramente ao afirmar: “Tu estavas comigo, mas eu não estava
contigo”.
Elie Wiesel,
prisioneiro judeu no gueto de Auschivtz, escreveu um poema chamado “a noite”,
no qual retrata com muita precisão a dor. Dois judeus e uma criança foram
condenados á forca por tentarem fugir do gueto. Os homens morreram logo, a
criança ficou agonizando, por causa de seu corpo leve. “Então alguém perguntou: Onde está Deus? E eu permaneci em silêncio.
Meia hora depois, clamou novamente. Onde está Deus?! Onde? Uma voz dentro de
mim respondeu: Deus está li pendurado na forca”. Embora não compreendamos o
mistério da dor, Deus se identifica e protege o que sofre.
O livro de Jó termina
demonstrando que Deus é capaz de restaurar a situação mais caótica,
o quadro mais sinistro - Jó perdeu bens, saúde, entes queridos, apoio de
pessoas, sofreu incompreensão de amigos. O sofrimento o faz passar por experiências
que somente situações de calamidade podem gerar. Jó aprenderá coisas que só são
perceptíveis no meio do sofrimento. Determinadas verdades só se aprendem com os
olhos cheios de lágrima.
O maior de seu
aprendizado foi o conhecimento de Deus. “Eu
te conhecia só de ouvir falar, mas agora os meus olhos te veem. (Jó 42.5)
Nas circunstâncias desagradáveis, você vê o Deus que não abre mão de você. Jó adquire
uma nova percepção de valores e da vida. Provações são oportunidades para
conhecermos melhor a Deus.
Conclusão:
Todas as teorias
religiosas admitem o sofrimento como uma realidade na vida. Buda define a vida
da seguinte forma: “Viver é sofrer!”.
Nenhuma religião,
porém, elabora a dor de forma tão profunda quanto o cristianismo.
Jesus é chamado de
“varão de dores”. Isaias 53 afirma: “Era
desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que
é padecer; e, como um de quem os homens esconderam o rosto, era desprezado, e
dele na fizemos caso” (Is 53.3).
Jesus experimentou a
dor da forma mais profunda possível. Sua dor foi tanto física, quanto
existencial, uma vez que “Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e
as nossas dores levou sobre si; e nos o reputávamos por aflito, ferido de Deus,
e oprimido” (Is 53.4). Sua maior dor foi o abandono do Pai na cruz, por
causa de nossos pecados, e do peso de nossos pecados que ele, abnegadamente
decidiu assumir. Ele pagou nossos pecados, ele redimiu nossas culpas, ele
assumiu nossa condenação. “O castigo pela
paz estava sobre ele e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.5).
Entretanto, uma coisa
maravilhosa que vemos em Jesus: Ele não via a dor como mera dor.
A dor, para ele, tinha
propósito e intencionalidade.
“...ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito;
o meu servo, o justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as
iniquidades deles levará sobre si”. (Is 53.11).
A dor para Jesus não
era um acidente de percurso de um Deus distante e despreocupado. Ele via a dor
não como mera dor, mas percebia nela o propósito de ser esmagado.
Talvez aqui seja a
grande crise nossa no meio da dor: Não conseguimos sair da dor em si. Não
conseguimos avançar.
Quando Jó percebeu
isto, quando ele foi capaz de ver que no meio de seu sofrimento, Deus sempre
esteve olhando e não estava nem alheio nem distante, isto mudou sua
perspectiva: “Eu te conhecia só de ouvir,
mas agora os meus olhos te veem”.
Só quando temos a
mesma compreensão que encontramos em Jesus, podemos ver além da dor. A dor é
real, machuca, fere, maltrata, mas de uma forma que não conseguimos entender,
ela é pedagógica e tem propósito.
Que Deus nos ajude!!!
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