sábado, 1 de junho de 2019

Jó 1.13-23 O Problema do Sofrimento



Resultado de imagem para imagens problema do sofrimento


Introdução:

Não é fácil equacionar o problema da dor e do sofrimento...
Filósofos, teólogos, religiões, sempre estão procurando dar uma resposta para o sofrimento, mas a verdade é que nunca entenderemos, na sua profundidade o sentido da dor.
É fácil fazer equações, filosofar sobre o sofrimento, e até mesmo procurar dar respostas simplistas e carregadas de fórmulas que decoramos, como fizeram os amigos de Jó, diante de sua incrível dor.
Apesar de, aparentemente estarem dissertando sobre as respostas imediatas que o judaísmo propunha, o resultado foi que eles não apenas foram impiedosos no seu julgamento com Jó, como foram censurados ainda por Deus, por causa do julgamento que fizeram.
Eles tentaram encontrar uma equação simples para a dor:
Se você faz o bem... então Deus te abençoa e tudo te irá bem...
Se você faz o mal... será punido, e as consequências serão desastrosas para a vida...
Embora saibamos que o pecado, a transgressão, a quebra das leis, tragam sofrimento, a verdade é que o sofrimento tem muitas causas, além do pecado. Veja quantas destas causas aparecem no texto:

  1. Deus: Que permite que o mal aconteça. Esta é, na visão de Jó, a causa primeira da dor. A crise de Jó é maior, não apenas pela magnitude de sua dor, mas porque seu sofrimento se tornou uma questão teológica. Por que Deus permite que eu sofra, mesmo vivendo  de forma justa e íntegra?

  1. Diabo. Este é o executor do mal, e aquele que conspira contra a vida de Jó. Ele deseja o mau, e tem a permissão de Deus para realizá-lo. Por detrás de todo sofrimento, podemos entender, que há algo que se opõe à vida. em inglês, uma das palavras para ações malignas é evil, e quando prestamos atenção, vemos que evil (mal) é o contrário de live (viver).

  1. Pessoas. Agentes dos maus. Vemos aqui a ação dos Sabeus (Jo 1.15), que vieram abruptamente, levaram saquearam e mataram os servos ao fio da espada. Muita dor é causada por causa de pessoas más, dos perversos. Muito sofrimento é causado por ações humanas: guerras, luta pelo poder, ambição desenfreada, crueldade.

  1. Causas Naturais: A natureza gera tragédias. Os bois lavravam quando veio o fogo, vieram raios, tempestades (Jo 1.16) e grandes ventos (Jó 1.19). Quando estudamos a força dos terremotos, o poder dos vulcões, que destroem civilizações inteiras, a força das águas nas enchentes, ficamos assustados. Uma catástrofe como um vulcão, fogo, ciclones, tempestades, pode destruir uma cidade inteira como vimos alguns anos atrás em Memphis.

Portanto, existem muitas causas de sofrimento.
O diálogo do Senhor com Satanás nos desmonta, e mexe com nossos esquemas mentais. (Jo 2.3). Jó está no meio de um embate de forças espirituais. Satanás está procurando ter o controle da vida de uma pessoa, e Jó é seu alvo preferencial, neste momento específico da história.

Entre as causas do sofrimento que encontramos na Bíblia, pelo menos sete são descritas, por isto não é sábio tentar responder de forma simplista questões complexas. O sofrimento é resultante do pecado, mas nem todo sofrimento possui relação com o pecado, e nem todo pecado causa sofrimento visível (pelo menos imediato). Há sofrimentos provenientes de ações pecaminosas, mas Deus pode usar o sofrimento para nos modelar. Sofrimento nas Escrituras pode ser pedagógico, com a finalidade de ensinar o povo de Deus, ou até mesmo com finalidade redentiva, como no caso de Jesus e sua obra de expiação pelos pecados da raça humana.

No caso de Jó, o diabo encontra-se por detrás de seu sofrimento. “Satanás saiu da presença de Deus” e seu objetivo era causar aflições a Jó (1.12; 2:7).  Ao dizer isto o texto aponta para uma ação maligna.

A)- Apesar do diabo ser o agente da dor, não se resolve a dor, amarrando o demônio. Não adianta amarrar o demônio quando ele tem autorização de Deus;

b)- Não se resolve o problema remoendo-se de culpa porque estamos sofrendo. Este texto quebra exatamente a relação sofrimento x pecado. Sofrimento nem sempre é consequência  de pecados cometidos. Portanto, não necessariamente pode ser alimentado com culpa.

Jó ignora a causa do sofrimento, embora sofra as consequências dos efeitos de todas aquelas ações cujas causas são ignoradas por ele. Nós sabemos, porque estamos na arquibancada, como observadores do drama, mas Jó está no picadeiro. Da mesma forma, passamos por muito sofrimento, sem sermos capazes de entender os motivos pelos quais somos submetidos a isto. Um acidente fatal, uma morte estúpida de uma criança, uma tragédia. Como explicar isto? Quem poderá decodificar os processos humanos e a permissão do Deus soberano?

Jó vive num mundo espiritualmente ambíguo , sem dicotomia entre o material e o espiritual. O ataque dos sabeus é humano, mas espiritual; o fogo que caiu do céu é um desastre da natureza, mas possui um componente espiritual; o grande vento que matou os dez filhos de Jó, de uma única vez, uma tempestade tropical de categoria cinco, é tudo fruto da ação da natureza, que é neutra e cega em sua natureza, mas permeada por uma incrível ação de espiritualidade, já que quem está por detrás é Satanás - e isto não é contemplado por Jó.

Apesar deste componente espiritual ou místico, o sofrimento não é utópico, mas algo real, que Jó experimenta e sua consequência é avassaladora. Sabe lá o que é perder dez filhos de uma única vez? O estilo literário do livro de Jó é dramático. Jó possui relacionamentos, amizades, funcionários, mexe com agropecuária, come com sua família, cuida de sua vida profissional mas é atingido frontalmente pelo trágico. De repente, sua vida, tal como ele a conhecia, não existe mais; seus bens desapareceram, seus filhos se foram e a saúde sofre graves variações, ainda que ele não fosse um homem doente até então. Sua vida sofre uma reviravolta sem precedentes. Fracassado, no fundo do poço, vê sua mulher dizendo: “amaldiçoa a Deus e morra!” Jó está no centro do conflito, sem entender os movimentos da história, seus amigos são coadjuvantes, e não sabem quão duro é estar no papel principal quando a dor nos atinge. Quem foi diagnosticado com câncer é que sabe o peso disto, quem perdeu um filho ou passou por uma tragédia ou abuso  é que sabe o impacto disto sobre sua vida.

O texto porém, vai ensinar que, por maiores que sejam as tragédias, nada vai acontecer sem a permissão de Deus – Satanás não é livre para fazer o que deseja. Ele age por permissão. Ele não é soberano, nem tem todo poder. Sua ação é limitada pela liberdade delimitada por Deus.

Jesus menciona isto para Pedro. Quando Satanás quis colocá-lo à prova, ele teve que fazer um requerimento a Deus e Jesus afirmou: "todavia roguei ao Pai para que não desfalecesse".  Satanás também quis "peneirar" Pedro, e só não o fez porque não teve permissão. Deus nunca perde o controle da história. Os céus nunca são pegos de surpresa.

Princípios:

1.     Vivemos num mundo estruturalmente ambíguo - As forças espirituais do mal tentam nos destruir, aparentemente vivemos num mundo cego e impessoal, mas os relatos bíblicos nos ajudam a criar uma percepção de sobrenaturalidade. Precisamos ver além da história, do comum, do ordinário e ter uma âncora firme, que contemple os céus. Apesar da dor continuar sendo um mistério, devemos perseverar em nossa confiança em Deus.

2.     Não há no texto uma ideia maniqueísta de Deus-Jó-diabo. O maniqueísmo afirma que Deus e o diabo vivem "competindo" num mesmo pé de igualdade. O texto bíblico demonstra exatamente o contrário: Deus e o do diabo não colocados num mesmo nível de poder. Deus não corre o risco de perder. Deus é Senhor absoluto, “os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis”. Deus não é de se aventurar. A vida de José do Egito é outra história que nos mostra claramente isto. Quando Deus chama, ele cuida até o final. Seus propósitos são executados de acordo com seus planos.

3.     Não devemos abrir mão de Deus por causa da tribulação  - A vida de nos revela isto ( 1.9-10). Jó não negocia sua relação com Deus, porque o mais importante não era sair da dor, mas glorificar a Deus no meio da dor. Em todas as circunstâncias, “Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma” (Jó 1.22). Quaisquer que sejam as circunstâncias, nunca devemos nos  esquecer que Deus é o Senhor absoluto da história e trabalha a favor daquele que ele ama.

4.     Feche-se a tentação do porque. Sofremos mais pelos “porquês“ que pelos fatos em si mesmo. O nosso porque é extremamente egoísta. Porque comigo?  Implicitamente estamos dizendo que somos merecedores de um tratamento vip?  A pergunta mais certa seria, “Por que não comigo?“ Os companheiros de Jó tiveram muitos problemas depois que tentaram “explicar” o sofrimento dele. Quase sempre as tentativas de explicação são desastrosas:

-É a vontade de Deus...
-Se você tivesse fé...
-Se você estivesse na igreja.. .
-Se você não tivesse pecado...

O fato dos amigos de Jó o condenaram, acrescenta dor à sua dor. Agora ele não tem mais o sofrimento físico, real e brutal, mas o espiritual: "Será que errei? Será que fiz algo e por isto estou recebendo uma punição divina?" . Ao colocar Jó como responsável espiritualmente pelo seu sofrimento, os amigos trazem mais dor, culpa e aflição. Muitas vezes, o melhor instrumento de consolo é o silêncio. Melhor ficar em silêncio que tentar explicar a dor. Uma das coisas que a Palavra de Deus nos ensina claramente é que Deus usa toda dor para o bem. “Vós intentastes o mal, mas Deus transformou o mal em bem, como hoje vedes“ (Gn 50.15).

5.     Precisamos tomar cuidado para não agredir inconscientemente a Deus - Deus é Todo-Poderoso mas não evitou a tragédia de Jó. Isto pode gerar em nós uma relação de suspeita e desconfiança sobre o seu caráter. Muitos dos nossos “porquês“ não são perguntas, mas agressões a Deus.  O sofrimento é sempre o momento no qual Deus demonstra que é Senhor da vida, tanto nos momentos claros, quanto nos momentos de contradição. Agostinho entendeu isto claramente ao afirmar: “Tu estavas comigo, mas eu não estava contigo”.

Elie Wiesel, prisioneiro judeu no gueto de Auschivtz, escreveu um poema chamado “a noite”, no qual retrata com muita precisão a dor. Dois judeus e uma criança foram condenados á forca por tentarem fugir do gueto. Os homens morreram logo, a criança ficou agonizando, por causa de seu corpo leve. “Então alguém perguntou: Onde está Deus? E eu permaneci em silêncio. Meia hora depois, clamou novamente. Onde está Deus?! Onde? Uma voz dentro de mim respondeu: Deus está li pendurado na forca”. Embora não compreendamos o mistério da dor, Deus se identifica e protege o que sofre.

O livro de Jó termina demonstrando que Deus é capaz de restaurar a situação mais caótica, o quadro mais sinistro - Jó perdeu bens, saúde, entes queridos, apoio de pessoas, sofreu incompreensão de amigos. O sofrimento o faz passar por experiências que somente situações de calamidade podem gerar. Jó aprenderá coisas que só são perceptíveis no meio do sofrimento. Determinadas verdades só se aprendem com os olhos cheios de lágrima.

O maior de seu aprendizado foi o conhecimento de Deus. “Eu te conhecia só de ouvir falar, mas agora os meus olhos te veem. (Jó 42.5) Nas circunstâncias desagradáveis, você vê o Deus que não abre mão de você. Jó adquire uma nova percepção de valores e da vida. Provações são oportunidades para conhecermos melhor a Deus.

Conclusão:
Todas as teorias religiosas admitem o sofrimento como uma realidade na vida. Buda define a vida da seguinte forma: “Viver é sofrer!”.

Nenhuma religião, porém, elabora a dor de forma tão profunda quanto o cristianismo.

Jesus é chamado de “varão de dores”. Isaias 53 afirma: “Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens esconderam o rosto, era desprezado, e dele na fizemos caso” (Is 53.3).

Jesus experimentou a dor da forma mais profunda possível. Sua dor foi tanto física, quanto existencial, uma vez que “Certamente  ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nos o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido” (Is 53.4). Sua maior dor foi o abandono do Pai na cruz, por causa de nossos pecados, e do peso de nossos pecados que ele, abnegadamente decidiu assumir. Ele pagou nossos pecados, ele redimiu nossas culpas, ele assumiu nossa condenação. “O castigo pela paz estava sobre ele e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.5).

Entretanto, uma coisa maravilhosa que vemos em Jesus: Ele não via a dor como mera dor.
A dor, para ele, tinha propósito e intencionalidade.

...ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu servo, o justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si”. (Is 53.11).

A dor para Jesus não era um acidente de percurso de um Deus distante e despreocupado. Ele via a dor não como mera dor, mas percebia nela o propósito de ser esmagado.

Talvez aqui seja a grande crise nossa no meio da dor: Não conseguimos sair da dor em si. Não conseguimos avançar.

Quando Jó percebeu isto, quando ele foi capaz de ver que no meio de seu sofrimento, Deus sempre esteve olhando e não estava nem alheio nem distante, isto mudou sua perspectiva: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem”.

Só quando temos a mesma compreensão que encontramos em Jesus, podemos ver além da dor. A dor é real, machuca, fere, maltrata, mas de uma forma que não conseguimos entender, ela é pedagógica e tem propósito.

Que Deus nos ajude!!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário