Introdução
A morte é a experiência mais traumática, mais indesejada, mais ameaçadora, mais misteriosa, mais universal e a mais democrática de todas as experiências que temos. A morte não é seletiva, parece não ter qualquer critério de escolha. Morrem pessoas cheias de vida, atletas, crianças que não apresentam qualquer disfunção física. A morte ignora a idade. Quando vamos aos cemitérios, vemos túmulos de pessoas de 90 anos, bem como pessoas de 18 anos, crianças de dois anos. Isto é assustador! Outro fator bem assustador é ver túmulos de pessoas que morreram com a idade nossa. Não é estranho? Isso me assusta. Mas a morte é a coisa mais certa que temos. Não temos nenhuma certeza além nessa além da morte. Não sabemos nada sobre o futuro, mas sabemos que o que nos aguarda é a morte. Basta puxar a senha e precisamos nos apresentar diante do tribunal de Cristo. Ec 8-8 afirma: “ninguém tem poder sobre o dia da sua morte.”
Certo homem ficou muito preocupado ao ver que na sua cidade muitas pessoas estavam morrendo e decidiu morar em outro lugar e foi para uma cidade pequena. Ali, logo na entrada encontrou um homem sentado à porta da casa e perguntou: “Ei, me diga uma coisa: há muita morte por aqui?” E o homem respondeu placidamente: “Não só uma para cada pessoa.” Uma pessoa irônica na nossa comunidade, ao se referir à morte disse que a última coisa que ele queria fazer na vida é morrer.
A morte é a angústia básica do ser humano. Um conceito filosófico e existencial profundo desde a antiguidade até hoje. É o limite absoluto da nossa capacidade de controle.
Veja este poema de Pedro Bial sobre a morte. Alguns afirmam que ele foi escrito logo depois dele ter recebido a notícia da morte de um amigo seu:
A morte, por si só, é uma piada
pronta
Morrer é ridículo
Você combinou de jantar com a namorada
Está em pleno tratamento dentário
Tem planos para semana que vem
Precisa autenticar um documento em cartório
Colocar gasolina no carro
E no meio da tarde, morre
Como assim?
E os e-mails que você ainda não abriu?
O livro que ficou pela metade?
O telefonema que você prometeu dar
À tardinha para um cliente?
Não sei de onde tiraram esta ideia
Morrer, a troco?
Você passou mais de dez anos da sua vida
Dentro de um colégio
Estudando fórmulas químicas
Que não serviram para nada
Mas se manteve lá, fez as provas
Foi em frente
Praticou muita educação física
Quase perdeu o fôlego, mas não desistiu
Passou madrugadas sem dormir para estudar
Pro vestibular, mesmo sem ter certeza
Do que gostaria de fazer da vida
Cheio de duvidas quanto à profissão escolhida
Mas era hora de decidir, então
decidiu
E mais uma vez foi em frente
De uma hora pra outra, tudo isso termina
Numa colisão na freeway
Numa artéria entupida
Num disparo feito por um delinqüente
Que gostou do seu tênis
Qual é? Morrer é um chiste
Obriga você a sair no melhor da festa
Sem se despedir de ninguém
Sem ter dançado com a garota mais linda
Sem ter tido tempo de ouvir
Outra vez sua música preferida
Você deixou, em casa
Suas camisas penduradas nos cabides
Sua toalha úmida no varal
E penduradas, também, algumas contas
Os outros vão ser obrigados
A arrumar suas tralhas
A mexer nas suas gavetas
A apagar as pistas que você deixou
Durante uma vida inteira
Logo você, que sempre dizia
Das minhas coisas cuido eu
Que pegadinha macabra
Você sai sem tomar café e talvez não almoce
Caminha por uma rua, e talvez
Nem chegue na próxima esquina
Começa a falar e talvez não conclua
O que pretende dizer
Não faz exames médicos
Fuma dois maços por dia, bebe de tudo
Curte costelas gordas e mulheres magras
E morre num sábado de manhã
Isso é para ser levado a sério?
Tendo mais de cem anos, vá lá
O sono eterno pode ser bem-vindo
Já não há muito mesmo a fazer
O corpo não acompanha a mente
E a mente também já rateia
Sem falar que há quase nada guardado nas gavetas
Ok, hora de descansar em paz
Mas antes de viver tudo?
Morrer cedo é uma transgressão
Desfaz a ordem natural das coisas
Morrer é um exagero
E, como se sabe, o exagero
É a matéria-prima das piadas
Só que esta não tem graça
Por isso, viva tudo que há para viver
Não se apegue as coisas pequenas
E inúteis da vida
Perdoe sempre!
Nesse texto que lemos, o tema central é a ressurreição. Esse texto é o mais importante tratado bíblico sobre ressurreição em um dos mais longos capítulos da Bíblia. O apóstolo Paulo estava escrevendo para clarificar algumas coisas relacionadas à morte e à ressurreição. Alguns irmãos da Igreja de Coríntios estavam questionando a doutrina da ressurreição. Depois de demonstrar a quantidade de testemunhas do Cristo ressurreto (1 Co 15.1-11) ele levanta algumas suposições (1 Co 15.12-19), com sete “se”. “Se Cristo não ressuscitou...” e vai contra-argumentando cada um dos pontos.
A partir dos vs 50 a 65, ele faz uma análise da morte, ressurreição e julgamento. A ressurreição é descrita como uma mudança de roupagem. No vs. 53, ele fala que é necessário que esse corpo corruptível se revista da imortalidade. Que uma nova veste cubra esta efêmera casca que todos nós possuímos neste corpo mortal. Esta velha natureza, frágil, corruptível, será transformada, como uma lagarta deixa seu invólucro para se transformar numa linda borboleta.
No vs. 54, há uma demonstração de quando isto se dará na “cronologia do tempo”: “Quando, porém, o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal, de imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: "A morte foi destruída pela vitória." (1 Co 15.54-NVI)
Na verdade, é desnecessário e tolo pensar em tempo, quando estamos adentrando os portais da eternidade. Como abordar questões eternas com categorias aristotélicas de tempo e espaço. O versículo 51 fala, “nem todos dormiremos, mas restaurados seremos todos.” Trata-se, portanto, de uma perspectiva. Quem não dormirá? Aqueles que não morrerão e participarão da volta de Jesus antes de morrerem. Dormir é um eufemismo alusivo à morte, que é usado repetidas vezes nas Escrituras Sagradas. Os vivos serão arrebatados e já receberão um novo corpo, sem passar pela morte. Os que já morreram ressuscitarão e receberão um novo corpo. Nem todos morreremos, mas todos seremos transformados. Teremos um corpo glorificado, não mais sujeito às intempéries e enfermidades.
OS CÉUS NÃO PODEM ESPERAR
Um homem e uma mulher, viveram quase 60 anos casados, e morreram tragicamente num acidente de carro. Eles tiveram uma boa saúde nos últimos anos, principalmente porque ela era extremamente cuidadosa com a comida e a prática de exercício. Quando eles chegaram aos portões dourados do céu, São Pedro os levou à mansão deles, que tinha um bonito jardim, uma linda cozinha e o banheiro com uma jacuzzi.
Ainda exclamando de encanto e surpresa, o velho homem perguntou a S. Pedro, quando custaria morar ali. “É de graça”, respondeu S. Pedro, "Vocês estão no céu”. No próximo dia eles foram ver um evento que estava acontecendo perto da casa deles, era um campeonato de golfe. Descobriram que eles também poderiam participar daquele evento, e o velho homem normalmente perguntou: “Quanto vai custar a manutenção destas gramas e deste lindo lugar?” E Pedro, respondeu: “É de graça, isto aqui é o céu”. No outro dia eles foram participar de um grande e luxuoso banquete que estava sendo oferecido, com todo o tipo de comida, e o velho perguntou novamente: “Quanto vai custar para comer?” E Pedro então lhe responde com certa exasperação: “Você ainda não entendeu? Isto aqui é o céu, tudo é de graça”.
O Velho olhou para o lado e disse: “Muito bem, onde estão as mesas com comidas sem gordura e sem açúcar, com baixa taxa de colesterol?” Pedro olha para ele e diz: “Esta é a melhor parte…Você pode comer o tanto que você quiser, e você nunca vai ficar gordo e nem adoecer. Isto aqui é o céu!”
Inesperadamente, aquele homem reagiu com indignação, e jogou o seu chapéu no chão pisando-o. Pedro e a mulher do homem tentaram acalmá-lo, e perguntaram porque ele estava assim tão irado? O Velho homem olhou para sua esposa e disse:
“A culpa é sua, não fosse a sua excessiva preocupação com nossa saúde e com aqueles malditos pratos sem colesterol e açúcar, nós poderíamos ter vindo para cá dez anos atrás!"
No versículo 55, há uma sentença final sobre a morte. “Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” John Piper, ao comentar este texto afirma que, na verdade, Paulo está ironizando e zombando da morte. Isso aqui é uma forma irônica de se referir à morte. Esta que causa tanto pavor nas pessoas, gera tanta angústia e ansiedade: “Oh morte, onde está a tua vitória? Oh morte, onde está o teu aguilhão?”
Você sabe o que é um aguilhão? Pessoas criadas em zonas rurais entendem melhor esse conceito. Aguilhão é um ferrão que se usa na ponta de uma vara para cutucar o animal de carga. Paulo ironiza a morte. Paulo diz que a morte que fustiga e atormenta os seres humanos, perde o seu poder de nos ferir, quando nos deparamos com a maravilhosa doutrina da ressurreição, e estamos diante da esperança em Cristo. Ela perde o seu poder devastador e angustiante que a raça humana enfrenta.
O autor da carta aos hebreus afirma: “Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida.”
Através da sua morte e ressurreição, Jesus destruiu o poder da morte. Esse é o lado teológico deste tema. Mas existe ainda um impacto prático: Ele nos livrou do pavor da morte e retirou o pavor da morte que estava sobre aqueles que viviam atormentados por ela.
Lembro-me do Pr. Ari Veloso, fundador da Igreja Batista do Morumbi. Certa vez ele contou que teve um infarto em torno dos seus 50 anos no auge de sua carreira e ministério. Assustado foi levado com urgência para uma intervenção na sala de cirurgia. E ali, inseguro com tudo que estava acontecendo, de repente se lembrou daquilo que sempre pregou. Ele se lembrou das promessas de Deus, da ressurreição de Cristo, da vida eterna. Ele se lembrou do que Cristo fez e de que a sua vida estava nas mãos dele independentemente do que acontecesse. Ele afirma que naquela hora teve um senso imenso de liberdade. Não mais pavor e angústia, mas esperança. Muitas vezes, precisamos nos lembrar de que somos crentes, reorganizar nossa mente na perspectiva do Evangelho, daquilo que cremos, do que professamos e pregamos, e é maravilhoso pensar isso. A ressurreição retirou da morte, seu poder, sua capacidade de infligir terror.
No versículo 56, Paulo faz outra declaração interessante: “O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei.” O que isto significa? É o pecado que dá a morte, sua autoridade, seu poder sobre a humanidade. Se não houvesse pecado, não haveria morte.
A segunda parte do versículo complementa a primeira. A Lei de Moisés, os mandamentos de Deus, não foi dada para gerar pecado, mas para revelar o pecado. A lei define o que é certo e errado, e ao fazer isso, expõe nossa incapacidade de cumpri-la perfeitamente. Ao mostrar o que é pecado e nossa falha em viver de acordo com os padrões divinos, a lei intensifica a consciência do pecado e, consequentemente, a condenação que leva à morte. A lei, em si, é santa e justa, mas ela funciona como um espelho que revela a mancha do pecado e, assim, a "força" ou o poder que o pecado tem sobre nós. Paulo diz que a lei foi dada para a vida, entretanto, ela gerou morte.
A graça de Deus
No versículo 57, Paulo vai introduzir uma nota de jubilo e de gratidão a Deus por esta promessa tão maravilhosa: “Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo.” Qual é o motivo de gratidão e alívio?
Apesar da terrível realidade de que o pecado é o aguilhão da morte, Paulo imediatamente segue com uma nota de triunfo: Através de sua morte e ressurreição, Jesus quebrou o poder do pecado e removeu o aguilhão da morte para aqueles que nele creem. Para o crente, a morte perde seu aguilhão, seu poder de condenar e separar definitivamente de Deus, porque o pecado, que era a causa dessa condenação, foi tratado por Cristo. O segredo é olhar para a obra de Cristo que é libertadora.
O vs. 58 nos fala dos resultados e das implicações: “Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão.” “Portanto” consiste numa conjunção conclusiva. Introduz uma sentença que contém a conclusão de um raciocínio ou exposição de motivos anteriores. As Escrituras Sagradas afirmam que, como resultado disso, precisamos nos lembrar do que Deus fez.
Por tudo que Deus fez podemos seguir firmes, sem desanimar, desencorajar ou enfraquecer. Às vezes a vida se torna dura e pesada.
Byung-Chul Han, num ensaio conhecido como "Sociedade do Cansaço", argumenta que a sociedade moderna, com sua busca incessante por desempenho e positividade, sofre um cansaço crônico que afeta a saúde mental e emocional das pessoas. É uma resposta do corpo e da mente à pressão de estar sempre produtivo e positivo, resultando em uma sensação de esgotamento e exaustão.
Han critica a cultura da sociedade do desempenho, onde a busca por resultados e a necessidade de se manter sempre ativo e empreendedor levam a um ritmo de vida frenético. Essa pressão constante para alcançar o sucesso, em todas as áreas da vida, gera um cansaço que se manifesta em diversas formas, como depressão, ansiedade, síndrome de burnout e outros transtornos.
Muitas vezes a agenda lotada, a pressão por resultado e eficiência, ou a ingratidão, podem nos desanimar, desencorajar, enfraquecer. Às vezes, somos impactados com perdas, lutos, falência. É fácil desanimar quando olhamos as circunstâncias, quando nos deparamos com a brutalidade da vida, doenças, mortes, mas o texto diz que devemos ser firmes e inabaláveis, sempre abundantes na obra do Senhor.
O segredo aqui é ser de firmes e inabaláveis, sabendo que “no Senhor” nossa obra não é vã. Preste atenção na informação: “No Senhor”. Há muita gente gastando muita energia, gastando sua vida, vigor, entusiasmo, naquilo que lá na frente trará como resultado o cansaço, o desânimo e desencorajamento.
Recentemente John Piper escreveu um livro com uma sugestão muito interessante, “Não jogue sua vida fora.” Nos dois primeiros capítulos do livro o autor conta sobre sua vida, como se afastou da fé e como encontrou a razão de existir e um motivo para viver e morrer através de autores cristãos e da própria vida, descobrindo que deveria viver para a glória de Deus. Nos capítulos 3 e 4 vai mostrar como a paixão pela glória e viver para Cristo devem tomar a vida de qualquer cristão. Vai mostrar porque devemos viver para Cristo e o morrer é lucro, que Cristo é mais precioso que a vida. A maioria das pessoas passa pela vida sem ter paixão por Deus, gastando seu tempo em diversões triviais, vivendo para o conforto e para o prazer, talvez tentando resolver o vazio do coração. Este livro adverte você a não levar uma vida inútil. Ele o desafia a viver e morrer gloriando-se na cruz de Cristo e fazendo da glória de Deus sua paixão singular.
É exatamente disto que Paulo fala: “No Senhor, o nosso trabalho não é vão.” Muitas vezes nos desencorajamos em fazer o bem, de viver em santidade, parece que este negócio é um risco perigoso, e podemos deixar de investir nosso tempo buscando o reino de Deus e a justiça do reino de Deus. Quando não ohamos para Cristo, caímos no mesmo vácuo descrito por Raul seixas em “ouro de tolo”. Fazemos as coisas sem Deus, que no final, não farão sentido algum. Estamos correndo atrás de que? O que realmente importa?
Bill Hybells, na sua palestra sobre o santo desconforto afirma que certa vez foi a um funeral de um jovem que morreu no ocidente de carro aos 20 anos de idade. Ele era um amigo de seu filho e toda família e a comunidade estavam profundamente abaladas com essa tragédia. Ao chegar na cerimônia o funeral aconteceu de forma mecânica com meras repetições de palavras e pouco consolo. Quando o caixão estava descendo para a sepultura, um senso de dor e tristeza profunda tomou conta e todos começaram a chorar. Então, o pai daquele jovem foi em direção ao pastor pedindo: “Pastor, diga alguma palavra para nós, diga alguma coisa pastor, que faça sentido, porque a vida não pode terminar de uma forma tão estúpida assim”. E o pastor pode falar da esperança em Cristo, da ressurreição de Cristo e que a vida não se encerra num funeral, e de que poderíamos nos encontrar novamente na glória.
O centro deste texto é a afirmação: “Onde está a morte o teu aguilhão?” E o resultado da ressurreição de Cristo é o impacto que tão compreensão gera no no estilo de vida. Nosso trabalho não é vão. Não corremos para o nada. A vida se enche de sentido quando nossos atos são dirigidos pelo senhor da vida.
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