Introdução:
Um
grande dilema da fé é conciliar a convicção de que há um Deus justo e
Todo-Poderoso que governa o universo, com as ambiguidades da vida. Muitas vezes
nos deparamos com fatos cruéis que não fazem nenhum sentido. Uma tragédia na
natureza, uma doença numa pequena criança, um acidente fatal como um raio que
cai acidentalmente sobre uma pessoa. Além do mais, a vida é paradoxal e
contraditória, existem muitas questões difíceis de resolver.
Estes
dilemas, na sua maioria, são bem administrados por nós, quando a situação está
sob controle e as coisas vão bem. Em geral nos recusamos a falar sobre tais
assuntos ou os negamos para não ter que dar muitas explicações, mas quando vem
os dias maus, estas questões filosoficamente não resolvidas brotam com muita
violência em nossa mente.
É
nestas horas que o maligno lança as mais duras setas, da dúvida, da
insegurança, do amor ou até mesmo da existência de Deus. Estas questões sobre o
caráter de Deus surgem de forma inesperada, dando-nos a impressão de que Deus
não tem o controle da situação, ou não é santo e bondoso como pensávamos.
Passamos a viver uma relação de insegurança e desconfiança contra Deus, e até
mesmo de ódio. As setas do maligno vão diretamente contra o caráter de Deus
como fez com Eva, levantando suspeitas sobre os motivos de Deus e seus
objetivos. Quando não há mais confiança na soberania amorosa de Deus, as coisas
perdem o sentido e tudo mais se parece nada mais que caótico, ou se preferirmos
a linguagem de Eclesiastes, “tudo é sem sentido”.
Para
onde vamos quando a confusão e a desordem dominam? Quando a falência ou a
depressão batem à porta, quando somos confrontados com o luto e a dor, quando
nossos ídolos são quebrados? Aquilo que amávamos mais que a Deus, desejávamos
mais que qualquer outra coisa, agora já não mais existe? Quando a enfermidade
bate à porta?
Ao
deparar com as ambiguidades e dores, Jó olhou para Deus: “Eu sei que o meu
redentor vive”. Para onde mais ele
poderia olhar? Ao lidar com a tragédia de uma nação pagã destruindo o seu povo,
Habacuque correu para o único lugar seguro. “Ainda que... Eu todavia me alegro
no Senhor, e exulto no Deus da minha salvação. O senhor Deus é a minha
fortaleza”” (Hab. 1.17-18). Fortaleza é esconderijo, lugar para onde se corre
na hora dos misseis e dos bombardeios, na hora das setas incendiárias e ataque
dos inimigos. Jeremias, diante de Jerusalém, sua cidade amada, destruída
afirma: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança: As misericórdias
do Senhor, são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias
não tem fim, renovam-se cada manhã” (Lm 3.21-23).
Quais
são os conflitos de Jó demonstrados apenas neste texto?
è O silêncio de Deus –
(Jó 21.4). Deus parece ser estranhamente silencioso diante das provocações. (Jó
21.14,17-18).
è A prosperidade dos
ímpios – (Jó 21.7) Jó não entendem porque homens ímpios podem seguir na vida
com todas as coisas aparentemente tão bem sucedidas. Por que Deus permite isto?
è A falta de justiça no
tempo presente – (Jó 21.19; 29-32). Jó tem uma noção de uma justiça futura.
Algumas pessoas até comentavam isto com ele, mas ele não entendia este fato de
um assunto tão sério não ser julgado imediatamente.
Entenda
o tamanho da crise de Jó:
i.
Ele começa dizendo que tem uma queixa contra
Deus (Jó 21.4). Ele deixa claro que não está chateado diretamente com as
pessoas e as circunstâncias, mas contra Deus, que parece tão distante e alheio
às dores humanas. Ele diz: “Não tenho
motivos de me impacientar?” O fato de Deus se manter silencioso não era
suficiente para ele se inquietar e perder a paciência com Deus?
ii.
Ele afirma que os paradoxos são tão grandes que
as pessoas ficariam boquiabertas quando os relatasse (Jó 21.5). Já afirma que
as pessoas colocariam as mãos à boca quando ouvissem o que ele tinha para
dizer. Já se sentiram assim ao receber uma noticia reveladora? Ele diz que só
de pensar nesta questão teológica, isto lhe causava arrepios.
A
pergunta dele vem em seguida:
“Como é, pois, que vivem os perversos,
envelhecem e ainda se tornam mais poderosos?” (Jó 21.7).
Como
entender este paradoxo?
Por
que prosperam os ímpios?
Por
que acontecem coisas ruins a pessoas boas e coisas boas a pessoas ruins?
Se
Deus é Todo-Poderoso ele não é bom, se é bom, não é Todo-Poderoso.
Este
é o cerne da crise de Jó. Esta é a mesma crise de Asafe no Sl 73. Este é o
mesmo dilema de Habacuque em Hab 1.12-13.
A visão de Jó sobre os ímpios
Jó
tinha a seguinte percepção, equivocada ou não, dos homens sem Deus.
è Quanto mais velho,
mais ricos – Jó 21.7
è Seus lares não passam
por privações como os demais – Jó 21.8-9
è São prósperos nos
negócios – Jó 21.10
è Suas vidas seguem o
estilo do Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar, vida leva eu”, e parece que
isto funciona. Vivem de baile em baile, nos carnavais da vida, cantam com
tamboril e harpa, alegram-se ao som da flauta. Esta é uma descrição de
pagodeiro e sambista da Vila Isabel (Jó 21.13; 32-33).
O ímpio afronta Deus
Acima
de todas estas coisas, Jó ainda via outro aspecto mais sórdidos. Tais pessoas
não dão a mínima para realidades espirituais, elas não consideram Deus. Na
verdade, elas desacatam a Deus. O que assombra Jó é que Deus é afrontado, mas
não reage (Jó 21.14-15). Tais pessoas dizem três coisas assustadoras a Deus:
A.
Elas rejeitam aberta e hostilmente a Deus – (Jó
21.14) – Ted Turner, um dos empresários mais ricos nos EUA, afirmou alguns anos
atrás que cristianismo é religião para gente fraca. Existem pessoas que se
espantam com isto, mas os escarnecedores afrontam abertamente a Deus. “São estes
que dizem: Retira-te de nós” (Jó 21.14);
B.
Elas se recusam a servir a Deus – “Que é o Todo-Poderoso para que o sirvamos?”
(Jó 21.15). A mesma atitude de Faraó, ao ouvir que Deus queria que o seu
povo o adorasse. “Quem é o Senhor para
que lhe ouça a voz e deixe ir a Israel? Não conheço o Senhor, nem tampouco
deixarei ir a Israel” (Ex 5.2). Servir a Deus? Deve ser brincadeira! Tais
pessoas só servem aos seus próprios interesses e seu narcisismo. Só se
preocupam com auto satisfação. Vivem a vida para si mesmas.
C.
Elas não oram – “E que nos aproveitará que lhe façamos orações?” (Jó 21.15). Elas
não se submetem a Deus, não interessam em pedir direção de Deus, não dependem
de Deus, então, para que orar? A melhor definição do ímpio é a ausência de
piedade. Oração é marca de quem é piedoso. Eles não oram, porque de um ponto de
vista pragmático, não vem razão para orar. São coerentes com o que crêem.
A Falta de Julgamento
Jó
chega à conclusão de que não há, qualquer julgamento divino sobre a raça humana.
As
perguntas são retóricas; sempre precedidas da afirmação “Quantas vezes”
i.
Quantas
vezes” sucede que se apaga a lâmpada dos perversos?
ii.
Quantas
vezes lhe sobrevém a destruição?
iii.
Quantas
vezes Deus em sua ira lhes reparte dores?
iv.
Quantas
vezes são como a palha diante do vento e como a progana arrebatada pelo
remoinho?
Na
argumentação de Jó, percebe-se que ele deseja que todos os seus interlocutores
respondam “nunca!”
Os
perversos, na visão de Jó, não enfrentam calamidades e sobressaltos, parecem
blindados ao julgamento dos céus, parecem incólumes aos eventos doloridos da
vida. Esta visão de Jó o deixa estremecido e frágil.
Quem liga para a eternidade?
Uma
atitude normal do crente é afirmar: Deus vai julgar tais homens a eternidade...
ou, sua família, descendência, posteridade, vai sofrer os danos do seu desprezo
por Deus. Esta é uma resposta de senso comum, não é? Entretanto, para Jó, esta resposta é
inconsistente e vazia. Na sua inquietação filosófica ele diz:
“Deus, dizeis vós, guarda a iniquidade do
perverso para seus filhos,
mas é a ele que deveria Deus dar o pago,
para que o sinta.
Seus próprios olhos devem ver a sua ruina, e
ele, beber do furor do Todo-Poderoso.
Porque depois de morto, cortado já o número
dos seus meses, que interessa a ele a sua casa?”
(Jó 21.19-21).
O
argumento de Jó é direto. Tal homem vai ser julgado nos seus filhos? Ele nem
vai estar aqui para ver o que vai acontecer... de que vale justiça depois que
ele já partiu para a eternidade?
Os
perversos, na visão de Jó, não enfrentam calamidades, não tem doença nem mau
tempo, “suas casas tem paz, sem temor, e
a vara de Deus não os fustiga. O seu touro gera e não falha, suas novilhas tem
a cria e não abortam” (Jó 21.9-10).
Como afirmou Rui Barbosa:
De
tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver
crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de
ser honesto”.
Para
Jó, o fato é que os ímpios, e não seus filhos, deveriam ser julgados
imediatamente. Afinal, tal homem despreza a Deus, e morre em pleno vigor,
despreocupado e tranquilo, com seus baldes cheios de leite e fresca a medula de
seus ossos (Jó 21.23-24). Esta ausência imediata de juízo deixa Jó estupefato.
Você
nunca teve tais pensamentos em algum momento de sua vida?
As
respostas teológicas, amplamente defendidas e difundidas na teologia hebraica,
não solucionam o problema. As respostas pré –fabricadas dos cristãos, também
não!
No início
do texto Jó dirige-se aos seus amigos que trouxeram estas explicações de gaveta
para a questão do sofrimento:
“Respondeu, porem, Jó: Ouvi atentamente as minhas razoes,
e já isso me será a vossa consolação. Tolerai-me, e eu falarei;
e havendo eu falado, podereis zombar” (Jó 21.1-3).
E
conclui dizendo:
“Como, pois, me consolas em vão?
Das vossas respostas só resta falsidade” (Jó 21.34)
É possível responder estas questões?
1.
De
forma direta e simples, a resposta é: Não existe resposta fácil! O simplismo do espiritismo para o sofrimento
é: “Carma!” – Na encarnação passada, dizem eles, as pessoas que sofrem
praticaram muitos males e por isto precisam purgar suas culpas através do
sofrimento. O problema é muito sério:
(a)-
Se existe reencarnação, não temos consciência do que fomos. Portanto, somos
julgados sem consciência. Nenhum tribunal da vida, julgaria uma pessoa que não
se sente responsabilizada pelos seus atos. Distúrbios psiquiátricos é uma
destas causas;
(b)-
Ainda mais sério, auto-expiação dos pecados, nega a expiação de Cristo na cruz
pelos nossos pecados. Se Cristo já expiou nossos pecados, porque temos que
expiar novamente? Seu sacrifício não valeu nada?
Acho
mais razoável pensar como o grande pregador Billy Graham:
“Apesar
do progresso cientifico e humano, existem ainda três questões que desafiam o
ser humano e para a quais ainda não encontramos respostas adequadas: O mistério
do sofrimento, o mistério da morte e o mistério do mal.
2.
A
Bíblia diz que Deus vai julgar a terra – Julgamento de Deus é algo que a
cultura pós-moderna tenta negar. Deus é bom, afirmam, como vai julgar e
condenar alguém? Apesar de toda insistência filosófica atual, a verdade é que a
Bíblia afirma constantemente que o juízo vem. O inferno não é um conceito
arcaico, de uma teologia de beduínos do deserto. Ela foi reiteradas vezes
ensinada por Jesus.
O
apóstolo Paulo ensina a mesma coisa:
“Ora, Deus não levou em conta os tempos de
ignorância; agora, porem,
notifica a todos homens, que em toda parte, se
arrependam;
porquanto estabeleceu um dia em que ha de julgar o mundo com
justiça,
por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos,
ressuscitando-o dentre os mortos”
(At 17.3031).
O
livro de Apocalipse é repleto de figuras de linguagem acerca do juízo de Deus.
(Ap 14-15).
No
sermão escatológico de Cristo (que fala das últimas coisas), ele não apenas
reitera o juízo de Deus sobre indivíduos, mas fala também do julgamento sobre
nações, e fala abertamente sobre o inferno (Mt 25.31-46).
Este
mesmo pensamento está presente na literatura judaica:
“Adorai o Senhor na beleza de sua santidade;
tremei diante dele, todas as terras...
porque vem, vem julgar a terra.
Julgará o mundo com justiça, e os povos, consoante a sua fidelidade”
(Sl 94.9-13)
3.
Deus
está conduzindo a história, segundo seus projetos e propósitos – os eventos
circunstanciais que nos atingem, não estão fora de sua soberania e controle,
ainda que nos parecem tão anacrônicos e paradoxais.
Às vezes nos assustamos com a maldade humana, mas a Bíblia diz
que Deus não estabelece logo o juízo porque ele é longânimo, termo que dá a
ideia de alguém que tem “pavio longo”(ao contrário de quem tem pavio curto).
Deus não é regido por provocações, nem é passional no seu julgamento. Ao fazer
isto, ele deseja que tenhamos tempo para nos arrependermos e nos voltemos para
ele.
“Não retarda o Senhor a sua promessa,
como alguns a julgam demorada,
pelo contrario, ele é longânimo para
convosco,
não querendo que nenhum pereça,
senão que todos cheguem ao arrependimento”
(2
Pe 3.9)
Jó está impaciente. Jó questiona.
Não é assim que fazemos
tantas vezes?
Contudo, Deus possui agenda e propósito. O livro de Jó não foi
escrito por causa de Jó, mas por nossa causa. A vida humana é instável, cheia
de contingencias, não temos controle sobre as circunstâncias e sobre a vida,
não podemos controlar o tempo, o vento, as tempestades. Vivemos num mundo mal,
afastado de Deus e corrompido pelas escolhas morais e pela ganância humana.
Muitas vezes nos assustamos e nos chocamos. O sofrimento nos impacta, nos
assusta. Se nesta hora, nossos alicerces forem estabilidade, sucesso, ausência
de sofrimento e vitória, podemos nos assustar.
Jesus já nos advertiu:
“No mundo passais por aflições,
mas tende bom animo, eu venci o mundo”
(Jo
16.33)
O Grande paradoxo
J. I. Packer, no seu livro "Evangelização e Soberania de Deus", faz uma diferença semântica entre Paradoxo e contradição. Contradição surge quando uma ideia se opor à outra, e temos que estabelecer o que é verdadeiro e falso. Neste caso, afirmar que Deus é soberano mas não é bom, que Ele é Todo-Poderoso, mas não é justo, torna-se paradoxal. Um atributo não exclui o outro. Paradoxo, é quando duas ideias parecem ser contraditórias, mas que na verdade não o são. Ele afirma que a Bíblia possui muitos exemplos como este, principalmente se falarmos de oração e decreto de deus: "Se Deus ja sabe todas as coisas, por que orar?", ou "Evangelização e predestinação". Se Deus já tem seus predestinados, porque anunciar a salvação? Estas coisas são paradoxais, não contraditórias.
O maior paradoxo da Bíblia, porém, tem a ver com um Deus santo sendo julgado e condenado numa cruz. Ali acontece o maior de todos os paradoxos. Aquele que não pecou, torna-se maldição em nosso lugar. Na cruz, Jesus, o justo, tomou o amargo remédio de Deus contra o pecado e a iniquidade. "Ele foi moído pelas nossas transgressões, e palas suas pisaduras fomos sarados.
O maior paradoxo da vida, não são as contradições históricas, nem justos que sofrem como pecadores, são serrados ao meio, são julgados por governos iníquos ou ainda, perdem sua vida por causa de seu testemunho fiel.
o maior paradoxo é um Deus justo, assumindo o lugar dos pecadores.
O maior paradoxo da humanidade é de um Deus assumindo o lugar dos pecadores.
Toda vez que você se sentir injustiçado, como Jó se percebe, observando a vida com suas ambiguidades, julgando-se no direito de "ter um tratamento melhor", da parte de Deus, olhe para Jesus. Este sim, sofreu até a morte, para satisfazer a justiça de Deus, por causa do seu e do meu pecado.
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