terça-feira, 31 de março de 2020

Jó 1.13-22 Muito além da dor

A cruz como já a participação de Jesus na Glória

Introdução:
O Livro de Jó desafia o pensamento humano. Não foram poucos os que tentaram decodificá-lo, entre eles William James, Carl Gustav Jung e outros autores de renome. Não sem razão, dos 700 sermões de Calvino, 159 foram baseados em Jó. Todos eles tentando explicar o mistério do sofrimento e da dor.

A.   Por que as pessoas sofrem?

B.    Por que Deus, sendo bom e poderoso, não evita a dor e permite que pessoas passem por tribulação.

C.    Por que Deus parece silencioso e frio em meio a situações provocativas?

D.   Por que Deus tantas vezes não nos responde quando mais precisamos?

A resposta a estas e tantas outras perguntas nunca é claramente respondida. O livro de Jó, entra também nesta categoria.

Algumas observações:

1.     Jó é um homem integro, reto e temente a Deus (Jó 1.1), e mesmo assim, isto não impede que ele passe por terríveis sofrimentos.

O livro de Jó é oposto ao triunfalismo religioso e à Teologia da Prosperidade que afirma que homens de Deus não passam por grandes dificuldades. Também se distancia da fórmula judaica que entende que “homens justos não sofrem”. O livro de Jó nos ensina que não podemos associar sofrimento a pecados. A Bíblia fala de sete fatores que geram sofrimento, mas apenas um destes fatores está associado ao pecado. O pecado pode sim, gerar sofrimento, mas não é a causa única do sofrimento.

A fórmula “se, se, então”, aparece algumas vezes nos lábios dos amigos de Jó (Jó 8.4-6; 11.13-15; 22.21-25), mas não é suficiente para equacionar a dor, e a  relação filosófica causa/efeito torna-se insuficiente. Deus mesmo há de censurá-los por semelhante leitura. “Voces não falaram de mim e de meu servo Jó, o que era reto”(Jó 42.7). Os amigos de Jó Eliu, Bildade, Elifaz e Zofar possuem respostas prontas e previamente estabelecidas para explicar a dor, mas a equação que usam não é correta.

O Livro de Jó rejeita as respostas simples à condição dos judeus no Holocausto, às vítimas de fome na África, aos cristãos em prisões marxistas e em países islâmicos, aos inocentes que são cruelmente massacrados por sistemas de governos cruéis,n ou à pestes e tragédias.  A tentativa de dizer que Deus recompensa os justos e livra os piedosos nem sempre é tão clara. 

Em tempos de tragédias e calamidades, é fácil afirmar que se trata de juízo de Deus, e dar explicações catastróficas à dor humana. Mas esta leitura é perigosa. Perguntaram a Jesus sobre o cego de nascença: “Quem pecou, este ou seus pais para nascer cego?” E Jesus respondeu:  “Nem este nem seus pais, mas é para que se manifeste nele a glória de Deus” (Jo 9.1-3). De alguma forma, o sofrimento não pode ser explicado, mas pode trazer glória à Deus.

2.     A Questão central não é o sofrimento em si, mas o dilema da fé.
Jó não consegue entender o porque do sofrimento, mas não tem para onde ir. Jó questiona os critérios de justiça de Deus, mas nunca sua soberania. Ele sabe que Deus governa sobre todos os eventos, por mais assustadores que sejam. Por isto afirma: “Sabei agora que Deus é quem me oprimiu e com sua rede me cercou...o meu caminho ele fechou e não posso passar” (Jó 19.6,8).

Num dado momento afirma: “Acaso é do homem que eu me queixo? Não tenho motivo de impacientar-me?” (Jó 21.4). Ele sabe que sem Deus não há para onde ir, mas Deus é quem está permitindo que venha toda dor sobre sua vida. Deus parece seu juiz e acusador.

Isto leva Philip Yancey a afirmar que a questão central do livro de Jó não é a dor, mas como interpretar a dor à luz do sofrimento. Isto é desafiador. A questão não é o que você enfrenta, mas como você interpreta os eventos da sua vida, afinal, o mesmo sol que derrete a cera endurece o barro. No meio de sofrimento muitos se apostatam da fé, e no meio do sofrimento, muitos se tornam gigantes na fé. Por esta razão existem tantos mártires. A dor não é o problema central, mas a fidelidade.

3.    Deus pode ser amado, quando não nos dá bençãos?

O livro de Jó possui uma batalha colossal sobre a questão da relação do homem com Deus. Satanás questiona a possibilidade de Deus ser amado sem dar algo aos homens. Ele insinua que as pessoas só se aproximam dEle por motivos egoístas. Por causa dos favores e bençãos. Mas, e se Deus retirar o favor, os homens ainda assim serão fieis e lhe darão louvores?

Encontramos aqui dois modelos de espiritualidade:
Uma espiritualidade que responde em fé a Deus, por causa dos benefícios que dele recebe. Se as coisas não andarem conforme o esperado, a fé não é validada. Nesta direção vamos encontrar os empiristas, os pragmáticos e a teologia da prosperidade.

A outra espiritualidade segue em direção diferente: Vamos crer que Deus e colocar nele nossa esperança e confiança, a despeito das circunstâncias, se são favoráveis ou não. Neste modelo, o adorador não corre atrás da benção de Deus, mas do Deus da benção. Ele não faz as coisas porque recebe de Deus, mas porque ama a Deus.

Estes dois modelos serão claramente representados no livro de Jó. Sua esposa desiste e o induz à blasfêmia: “Por que conservas ainda a tua fidelidade? Amaldiçoa a Deus e morra”. O que ela está sugerindo é que, se a benção não vem, não há motivo para seguir a Deus, e podemos desistir dele.

A resposta de Jó, segue em outra direção: “Temos recebido o bem do Senhor, não poderíamos também receber o mal? Deus deu, Deus tirou, bendito seja o nome do Senhor”. Esta adoração não está baseada nos benefícios nem na barganha, mas unicamente no relacionamento que é possível desenvolver com Deus apenas pelo amor.

A verdade é que Deus procura pessoas com fé autêntica e retruca a Satanás que ele poderia fazer o mal que ainda assim, Jó continuaria a lhe amar mesmo sem recompensas, saúde ou riquezas. Jó amava a Deus pelo que ele era, e não pelo que dele recebia.

Jó se nega a desistir de Deus. Ele prefere viver com o paradoxo, quando a fé parece impossível, que negar sua fé ou se apostatar, como sugeriu sua esposa (Jó 2.9). Nos momentos em que a fé parece impossível é exatamente quando mais precisamos dela.


4.     Deus não explica seus motivos.

Outro ponto interessante no livro de Jó é que Deus não responde aos “porquês” de Jó. Por sete vezes Jó questiona os motivos de Deus, mas este não responde a nenhum deles. Antes, coloca os olhos de Jó em outra questão mais importante. Deus lhe indaga por 42 vezes: “Quem”.

Yancey afirma:
“Ironicamente Deus entra na história como uma tempestade avassaladora ... mas evita completamente o tema do sofrimento”. Entre Jó 38-42 Parece que Deus está tentando levar Jó a colocar seus olhos na criação. As perguntas que Deus faz sobre “quem”, demonstram que ele queria demonstrar que, o fato de Jó ser tão limitado que não era capaz de responder as questões do universo física, como ele seria capaz de entender os mistérios e entender o universo moral. Jó parece entender isto posteriormente ao afirmar: “Na verdade falei do que não entendia, coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia” (Jó 42.3).

Aplicações:
Para refletir na sua vida pessoal, gostaria de dar quatro diretrizes:

Primeiro, precisamos nos silenciar diante do mistério de Deus e da dor

Jó fez muitas perguntas a Deus. Os amigos de Jó deram muitas explicações teológicas sobre a condição de Jó. Certamente ele havia pecado... afinal, na teologia judaica, as pessoas são prósperas porque guardam os mandamentos...

Entretanto, observamos que enquanto os amigos de Jó se mantiveram em silêncio eles foram extremamente solidários e efetivos, o problema deles foi tentar explicar o inexplicável.

Já no final do livro, algumas considerações sobre Deus nos levam a refletir sobre sua grandeza:

Eis que Deus é grande, e não o podemos compreender. O número de seus anos não se pode calcular” (Jó 36.26)
com a sua voz troveja Deus maravilhosamente; faz grandes coisas que nós não compreendemos” (Jó 37.5).

Precisamos nos silenciar diante do mistério.
Deus é grande. A sua natureza é misteriosa.
Deus faz grandes coisas. Não dá para entender a mente de Deus e nem os seus caminhos.

Portanto, pare de tentar explicar e justificar a Deus.

Segundo, Evite respostas simplistas sobre a dor e a morte

Facilmente queremos equacionar Deus e os problemas da vida. A dor, o mal, a morte, são problemas que temos dificuldade em resolver. Filósofos, teólogos, pensadores do mundo inteiro tem criado teorias sobre estas coisas, e todas elas são frágeis e inconsistentes, por que então achamos que seremos capazes de resolvê-las? Não seria melhor não tentar explicar Deus e as complexas questões da vida?

Pastores são hábeis e ágeis em tentar dar resposta pré-fabricada. Nem tudo é simples. Muitas coisas transcendem nossas possibilidades. A reação de Jó às respostas que seus amigos lhe deram e a tentativa de explicar os acontecimentos, reflete bem como podemos nos equivocar no afã de dar respostas: “Então respondeu Jó: Tenho ouvido muitas coisas como estas; todos vós sois consoladores molestos. Porventura, não terão fim essas palavras de vento? Ou o que te instiga para responderes assim?”(Jó 16.1-3).

Respostas simplistas estão na boca do povo: todos falam. “tenho ouvido muitas coisas iguais a estas”.
Respostas simplistas trazem mais dor: “vós sois consoladores molestos”.
Respostas simplistas são “palavras de vento”.

Então, tome cuidado com as respostas simplistas.

Terceiro, Aprenda a ser solidário diante do sofrimento

Os amigos de Jó, enquanto não falaram, foram extremamente sábios e empáticos.
Ouvindo, pois, três amigos de Jó todo este mal que lhe sobreviera, chegaram, cada um do seu lugar (...) e, combinaram ir juntamente condoer-se dele e consolá-lo... Sentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande” (Jó 2.11,13).

Que coisa maravilhosa a solidariedade traz.

Eles se aproximaram.
Eles foram empáticos...
Eles se identificaram com o que sofria...
Eles ficaram em silêncio...

Na hora da dor, a presença, o abraço, o ouvido, é melhor que a palavra em si. Não precisamos dizer nada, explicar o que não sabemos, mas precisamos ser solidários. E isto é muito efetivo.

Quarto, precisamos entender que Deus tem a última palavra.

No final do livro, Deus dá resposta.
Jó “traduz” os fatos.
Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia” (Jó 42.3).
E Deus então dá a ultima palavra, agora sobre Jó, e sobre os amigos de Jó.
(vós) não dissestes de mim o que era reto, como o meu servo Jó” (Jó 42.7).
A última palavra é de Deus. Só ele pode decifrar o indecifrável.

Alguns anos atrás, acompanhei a história de uma senhora muito fiel de uma de nossas igrejas irmãs, cujo filho estava profundamente doente e clinicamente condenado à morte. Quando as pessoas falavam, sua resposta era sempre: “Jesus tem a última palavra”.

Eventualmente aquele jovem morreu. Ele não foi curado. Mas ela continuava afirmando: Jesus tem a última palavra!

Que Deus nos abençoe para que entendemos, abriguemos, nos silenciemos diante de Deus e de situações que vão muito além da dor.

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Um comentário:

  1. Maravilha. Estou edificado com essa palavra. Era isso que eu precisava ouvir

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