sábado, 13 de julho de 2019

Is 1.1-20 Os danos colaterais do pecado


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Introdução:

O Livro de Isaías é considerado o mais evangélico de todos os livros do Antigo Testamento. Alguns temas são centrais na sua mensagem:

a.     A vinda do Messias. Há sempre mensagens descrevendo a vinda do Messias, incluindo seu ministério. Se você é judeu e ler Isaías 53 com a mente aberta, certamente você se converterá a Jesus.

b.    A universalidade do Evangelho. O Evangelho não seria apenas para os judeus, mas transcendia os limites geográficos de Israel e deveria ser levado a todos os povos.

c.     A doutrina do Pacto. É maravilhoso estudar o livro de Isaias nesta perspectiva: As promessas que Deus tem para os filhos. Deus está sempre reiterando sua promessa de salvação para as gerações de seus filhos.

O capitulo 1 nos leva a considerar quais serão os temas do livro. Deus começa a denunciar os pecados de Israel e mostrar como seus pecados traziam consequências espirituais tão danosas.

Primeiro, o pecado nos distancia do conhecimento de Deus. Deus está exortando seu povo à conversão.

Uma das primeiras coisas que ele afirma:  O boi reconhece o seu dono, e o jumento o dono da sua manjedoura do seu proprietário; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende" (Is 1.3). O cãozinho conhece seu dono (ou o seu escravo, se for em nossos dias), mas o homem não conhece seu criador.

O pecado nos afasta da santidade de Deus. O povo é chamado de Sodoma e Gomorra (Is 1.10). “Governantes de Sodoma, ouçam a palavra do Senhor! Vocês, povo de Gomorra, escutem a instrução de nosso Deus!” (Is 1.10-NVI). Ao lermos o texto, podemos imediatamente ter a ideia de que Deus estava falando aos antigos habitantes destas cidades que foram destruídas por Deus por causa de seus pecados, mas na verdade, Deus está se dirigindo ao seu povo, a quem ele chama de povo de Sodoma e Gomorra. É uma palavra dura!

O pecado estava distanciando o povo de Deus, a tal ponto, de ser comparado com uma nação que agrediu tanto a Deus que foi extinguida da face da terra.

Segundo, o pecado possui uma dimensão comunitária. Não apenas indivíduos pecavam contra Deus, mas Israel enquanto nação.  Ai desta nação pecaminosa, povo de iniquidade, raça de malignos, filhos corruptores; abandonaram o Senhor, blasfemaram do Santo de Israel, voltaram para trás” (Is 1.4)

Quase nunca pensamos em pecado na sua dimensão sistêmica, coletiva, comunitária.  Maioria das vezes tratamos de pecado como algo individual.

Considere pecados de forma coletiva.
ü  A família age assim. São pecados, atitudes, ou “fútil procedimento que vossos pais vos legaram” (1 Pe 1.18).

ü  Igreja. São atitudes pecaminosas que se tornam marca de uma igreja: discórdia, dissensão, falta de santidade, farisaísmo. Ninguém toca em algumas das vacas sagradas da comunidade.

ü  Sociedade: Ana Arendt, filósofa alemã faz duras críticas ao comportamento coletivo da Alemanha, que sustentou o nazismo, fazendo vistas grossas ao genocídio que seus líderes cometiam.  Podemos nos referir à nossa nação desta forma: A idolatria dominante; a sensualidade cultuada e celebrada; a corrupção como estilo de vida.

Desde a planta do pé até à cabeça, não há nele coisa sã, senão feridas, contusões e chagas inflamadas, umas e outras não espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo” (Is 1.6). Pecados estruturais, atingindo classes sociais diferentes.

Terceiro, Deus mostra a dimensão ecológica do pecado – É estranho pensar sobre isto, mas Deus leva o povo  a refletir sobre as consequência do pecado sobre a natureza.

“A terra de vocês está devastada, suas cidades foram destruídas a fogo; os seus campos estão sendo tomados por estrangeiros, diante de vocês, e devastados como a ruína que os estrangeiros costumam causar” (Is 1.7). A terra, os campos, estavam sofrendo o impacto espiritual do povo. A natureza sofrendo.

O Profeta Jeremias também demonstra como o pecado afeta diretamente a natureza:
“A palavra do SENHOR, que veio a Jeremias, a respeito da grande seca.
Anda chorando Judá, e as suas portas estão enfraquecidas; andam de luto até ao chão, e o clamor de Jerusalém vai subindo. E os seus mais ilustres enviam os seus pequenos a buscar água; vão às cisternas, e não acham água; voltam com os seus cântaros vazios; envergonham-se e confundem-se, e cobrem as suas cabeças. Por causa da terra que se fendeu, porque não há chuva sobre a terra, os lavradores se envergonham e cobrem as suas cabeças. Porque até as cervas no campo têm as suas crias, e abandonam seus filhos, porquanto não há erva. E os jumentos monteses se põem nos lugares altos, sorvem o vento como os chacais; desfalecem os seus olhos, porquanto não há erva. Posto que as nossas maldades testificam contra nós, ó Senhor, age por amor do teu nome; porque as nossas rebeldias se multiplicaram; contra ti pecamos
” (Jr 14.1-7).
 
O vs 7 mostra como a relação pecado & natureza estão interligados: “Posto que”.

A causa da situação de caos na natureza está intimamente ligado ao pecado daquela nação. A queda trouxe vários desequilíbrios na natureza: “E ao homem declarou: "Visto que você deu ouvidos à sua mulher e comeu do fruto da árvore da qual eu lhe ordenara que não comesse, maldita é a terra por sua causa; com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da sua vida. Ela lhe dará espinhos e ervas daninhas, e você terá que alimentar-se das plantas do campo. Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao pó voltará" (Gn 3.17-19). A espiritualidade do povo afetava a natureza.

John Stott afirma que precisamos ter uma conceito mais abrangente de pecado”, não apenas olhar para o pecado como algo individual, mas como algo coletivo e que impacta a natureza. Ao mesmo tempo, Stott nos desafia a ter também, um conceito mais abrangente da redenção. A obra de Cristo impacta não apenas nossa vida individualmente, mas atinge a família, a sociedade e a ecologia.

Quarto, o pecado produz uma espiritualidade vazia –Deus questiona a forma de vida de seu povo na sua presença.

"Para que me oferecem tantos sacrifícios? ", pergunta o Senhor. Para mim, chega de holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos gordos; não tenho nenhum prazer no sangue de novilhos, de cordeiros e de bodes! Quando lhes pediu que viessem à minha presença, quem lhes pediu que pusessem os pés em meus átrios? Parem de trazer ofertas inúteis! O incenso de vocês é repugnante para mim. Luas novas, sábados e reuniões! Não consigo suportar suas assembleias cheias de iniquidade. Suas festas da lua nova e suas festas fixas, eu as odeio. Tornaram-se um fardo para mim; não as suporto mais! Quando vocês estenderem as mãos em oração, esconderei de vocês os meus olhos; mesmo que multipliquem as suas orações, não as escutarei! As suas mãos estão cheias de sangue! Lavem-se! Limpem-se! Removam suas más obras para longe da minha vista! Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva” (Is 1.11-17).

Ele demonstra como a espiritualidade daquele povo estava esvaziada em seus corações, como sua adoração se tornara vazia. Os atos religiosos, instituídos por Deus, passam a ser questionados pelo próprio Deus.

Quando a espiritualidade se torna vazia?
O texto mostra dois aspectos centrais:

A.    Quando a religiosidade se torna ritualista, sem que o coração esteja presente. O povo continuava a fazer os atos religiosos exigidos por Deus. Qual era o problema?

Leia novamente o texto:
O problema estava na religiosidade meramente externa.
Deus afirma que não podia mais suportar iniquidade com ajuntamento solene. Deus questiona os sacrifícios, as ofertas, e até mesmo as orações, porque estas não eram acompanhadas do coração. Muitas orações estavam cheias de sangue.
O que Deus queria: Um culto integral, que associasse teologia & ética; louvor e justiça; oferta e atos de misericórdia.
Muitas vezes na Bíblia Deus adverte seu povo por causa do culto esvaziado do coração: “

"Eu odeio e desprezo as suas festas religiosas; não suporto as suas assembleias solenes. Mesmo que vocês me tragam holocaustos e ofertas de cereal, isso não me agradará. Mesmo que me tragam as melhores ofertas de comunhão, não darei a menor atenção a elas. Afastem de mim o som das suas canções e a música das suas liras. Em vez disso, corra a retidão como um rio, a justiça como um ribeiro perene! (Am 5.21-24-NVI).

O livro de Provérbios adverte: “O que desvia os ouvidos de ouvir a lei; até a sua oração será abominável” (Pv 28.9).

Religiosidade sem o coração não adianta. Portanto, ao adorar a Deus, venha por inteiro. No próprio livro de Isaias leremos outro texto sobre este assunto: “O Senhor diz: Esse povo se aproxima de mim com a boca e me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. A adoração que me prestam só é feita de regras ensinadas por homens” (Is 29.13), e que posteriormente seria citado por Jesus: “Hipócritas! Bem profetizou Isaías sobre vós, denunciando:  ‘Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; pois ensinam doutrinas que não passam de regras criadas por homens’” (Mt 15.8).

B.    Quando a ética se distancia do culto – Este é o tema central destes versículos. O culto era ritualista porque a vida não era acompanhada por inteiro. A teologia não estava ligada à ética; o louvor não estava ligado à justiça; as ofertas e sacrifícios não eram integrados aos atos de misericórdia.
Culto com gestos espirituais desacompanhado de uma vida de justiça e justiça torna-se afronta para Deus: “exercitar justiça e juízo é mais aceitável ao Senhor do que sacrifícios” (Pv 21.3).

Existe todo um livro na Bíblia tratando deste assunto, é o livro de Amós. O profeta traz a dura mensagem de Deus ao povo. “E ainda que me ofereçais holocaustos, ofertas de alimentos, não me agradarei delas; nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais gordos. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos; porque não ouvirei as melodias das tuas liras”(Am 5.22,23).

O que Deus está constantemente pedindo ao povo é coerência no seu culto.
Precisamos aprender a cultuar a Deus com uma ética santa. Num tempo de moral tão relativa, tentar “enrolar” a Deus com culto, música e ofertas, sem trazermos um coração quebrantado e uma vida santa, pode se tornar condenação contra nós mesmos.

Ética e culto não podem estar dissociadas.

Conclusão:
O impacto do pecado

Em síntese, quatro pontos foram aqui levantados:
A.   O pecado nos distancia do conhecimento de Deus – vs. 3
B.    O pecado tem impacto estrutural e sistêmico – vs. 4-6
C.    O pecado atinge a natureza de forma direta – vs. 7
D.   O pecado gera uma espiritualidade vazia – vs 1.10-17

Mas precisamos chegar aos vs 1.18-19.
Estes versículos nos apontam para a essência do evangelho: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor. "Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão. Se vocês estiverem dispostos a obedecer, comerão os melhores frutos desta terra” (Is 1.18-19).

Até estes versículos, Deus está falando duramente ao seu povo, até que então, ele convida o seu povo para refletir com ele, e esta mensagem aqui é surpreendente: “Vinde, pois, e arrazoemos”.

“Arrazoar” literalmente é trazer à razão. Deus convida o povo para refletir com ele. O que esperamos aqui é que Deus fale das consequências da atitude de infidelidade deste povo, mas o que acontece aqui nos surpreende. Deus chama o povo para que o povo experimente o seu perdão e sua graça.

Deus afirma que se se voltarem para ele, “Ainda que seus pecados sejam como a escarlata, eles se tornaram brancos como a neve”. Deus está afirmando que ele pode mudar a situação do seu povo de forma radical, quando o seu povo se voltar para ele.

Deus não está chamando o seu povo para o julgamento, mas para o arrependimento, para que experimentem “o melhor desta terra”. Deus deseja ver mudança de atitude na vida de seu povo. Transformação de caráter. Deus está oferecendo seu perdão.

Certa vez fui visitar uma mulher que estava com vários distúrbios psiquiátricos. Ela, literalmente, tinha saído da internação de uma clínica depois de um surto psiquiátrico. Sua alma estava carregada de confusão e culpa. Ela precisava falar de sua vida, e queria conversar com um pastor.

Depois de ouvir a explanação de sua confusa vida, ela me confidenciou que havia traído seu marido e disto havia resultado uma gravidez indesejada. Para restaurar seu relacionamento, ela decidiu fazer um aborto. “A Bíblia afirma que “um abismo chama outro abismo ao fragor de suas das suas cachoeiras” (Sl 42.7). Esta é a dinâmica do pecado: para resolver um problema, se não optarmos pelo caminho do arrependimento e contrição, vamos tentando acobertar e criamos outros problemas. Uma mentira para encobrir outra, e assim passamos a viver numa vida de engano sobre engano.

Depois de ouvir a sua dura narrativa, olhei para fora. Era época de inverno e naquele dia estava caindo uma linda neve do lado de fora de casa, tudo estava lindo e a neve já tinha coberto todo o campo e a rua. A brancura da neve é um espetáculo. Então eu me lembrei deste texto e disse àquela amargurada mulher: “Deus está te chamando para algo maravilhoso. Ele quer te chamar à razão. Veja o que este texto diz: ainda que vossos pecados estejam como a escarlata, eles se tornarão brancos com a neve. Olhe para aquela neve caindo lá fora. É assim que Deus quer que você entenda como o sangue de Cristo pode purificar sua vida”.

O pecado machuca, fere, destrói, desestrutura, mas Deus está chamando seu povo a uma vida de transformação e mudança. Deus está nos convidando para experimentarmos os efeitos do sacrifício de Cristo sobre a nossa história.

O sangue de Cristo, nos purifica de todo pecado, purifica de má consciência, nos transforma. Assim é a obra de Cristo. Quando lemos a Bíblia, vemos que não há chance para nossa vida, só nos resta a condenação. Erramos, ferimos a Deus, mas quando olhamos para a cruz de Cristo, encontramos sua misericórdia, seu braço estendido, a dívida paga pelo seu sangue.

Precisamos olhar para nosso coração fragmentado, nossa adoração dividida, nossa vida de injustiça, e nos arrependermos, mas isto é apenas um lado da moeda. Precisamos continuar colocando nossa vida à luz do evangelho. Olhe para sua vida: frustração, cansaço, miséria. Mas olhe para Cristo. Ali encontramos perdão, restauração, graça e misericórdia.

Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor, ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornaram brancos como a neve”. Aleluia!