terça-feira, 23 de outubro de 2012

Ec 2.18-26 Trabalho


 
Introdução:

Como está o seu trabalho: Monótono? Cansativo? Exploratório? Repetitivo? Alguns dias atrás conversava com um rapaz que está começando a sua vida profissional, que me disse em tom de desabafo: “Estou pronto para aposentar!”

Não faz muitos dias que conversei com minha esposa sobre este negócio de “parar as atividades”. Justificava minhas idéias dizendo que desde os 17 anos estou envolvido com ministério, e agora, aos 53 anos, depois 36 anos de trabalho, sinto que o fôlego vai diminuindo consideravelmente. Só de ordenação ao pastorado já são 32 anos... E ele insistindo comigo de que estou muito jovem, e que é cedo para pensar em aposentadoria.

Meu amigo e diácono da igreja, Batista Lacerda, me provocou contando a seguinte estória:

Dos 0-10 anos: Brinque o máximo que puder

Dos 10-20: Estude o máximo que puder

Dos 20-30: Aperfeiçoe o máximo que puder

Dos 30-40 anos: Ganhe o máximo de dinheiro que puder

Dos 40-50: Lidere o máximo que puder

Dos 50 em diante: Vá saindo de mansinho, o máximo que puder.

 

Afinal, “trabalhar nunca matou ninguém, mas porque se arriscar?”

 

Por que o trabalho facilmente perde o sentido?

O pregador afirma neste texto: “Aborreci todo o meu trabalho?”

Por que isto nos acontece?

 

  1. O trabalho perde o sentido, quando não encontramos sentido maior, ou significado, naquilo que fazemos – Serviços meramente repetitivos e monótonos levam as pessoas a se aposentarem na hora em que podem: Isto inclui bombeiros, encanadores, pedreiros, metalúrgicos, etc. Isto tem acontecido também com serviços desgastantes como professor e funções que exigem muita adrenalina como juízes e afins.

É muito comum também quando o seu trabalho é apenas um meio de sobrevivência, e não há uma concepção de vocação e chamado embutido nele. Por isto, "a questão não é "quanto esta pessoa trabalha? a questão é: quanto esta pessoa realiza?"  (Pear James).

Quando se perde o significado do que se faz, os motivos tornam-se superficiais, até mesmo ganhar dinheiro deixa de ser importante. Por isto, o fator motivacional do trabalho é o entusiasmo. Embora dinheiro seja importante, ele não é definitivo para a vida.

Paul Steves é professor no Regente College, em Vancouver, e antes de ser convidado para assumir sua cadeira de teologia e espiritualidade, foi pastor, e posteriormente, construtor de casas. Ele afirma que sua crise inicial quando saiu do pastorado para se tornar empresário, estava ligado ao chamado: “Isto é um trabalho sagrado? Glorifica a Deus?”

O trabalho deixa de ter significado quando é feito apenas com a intenção de lucro. Eis como Salomão descreve suas crises existenciais:

 

  1. Ele vê que vai trabalhar para produzir riqueza para os outros – “Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria, ciência e destreza; contudo deixará o seu ganho como porção a quem por ele não se esforçou: também isto é vaidade e grande mal” (Ec 2.21). No vs 18 afirma ainda que “o seu ganho eu o havia de deixar a quem viesse depois de mim”. Em outras palavras, vai trabalhar para outros.

Um episódio me chamou a atenção sobre este assunto: uma amiga nossa dizia que descobriu que seu marido, que estava ganhando um bom dinheiro, não gostava nem dela, nem dos filhos, mas da nora e genro que viriam, porque estava ganhando para acumular. Esta é a sensação pesada que Salomão expõe neste texto: Vai trabalhar para enriquecer outros.

 

  1. Ele vê o trabalho como fadiga, não como realização – Por isto afirma que seu trabalho era “o ganho de minhas fadigas” (Ec 2.19).

É certo que trabalho tem esta dimensão do labor, do suor, da perseverança e vontade, mas trabalho também precisa encontrar a dimensão da realização enquanto pessoa. A Sociologia do trabalho ensina que o homem só pode exprimir-se e expandir-se na coletividade em que exerce sua atividade profissional.

Estava conversando com alguém da família, cuja idade está rondando os 70 anos. Ele possui uma micro empresa com cerca de 30 funcionários, prestando serviço ao governo. Lidar como prestador de serviços não é algo fácil, e administrar gente exige também outra dose muito grande de habilidade e tenacidade. Sua empresa poderia facilmente ser vendida por algo em torno de 1.5 milhão de dólares, que aplicados no mercado financeiro, poderia lhe render fácil algo em torno de R$ 30 mil reais. Não é algo para se jogar fora. Quando lhe perguntei se isto não passava pela sua cabeça ele disse que sim, mas que ficava preocupado com seus funcionários, afinal de contas, seriam 30 familias que seriam afetadas.

Creio que este empresário cristão estava vislumbrando no que fazia, algo além de ganhar dinheiro: Estava considerando o beneficio social daquilo que fazia.

O autor de Eclesiastes não conseguia perceber esta dimensão, por isto afirmou que o desespero nesta linha de raciocínio sobre o trabalho, era a ponta final (Ec 2.20). desespero é o contrario de significado e esperança. Sem esta visão do trabalho, ele  se torna algo monótono e vazio.

 

  1. O trabalho se torna vazio, quando o coração e a vida também encontram-se vazios. O autor de Eclesiastes está vivendo neste paradigma da falta de sentido. Tudo lhe parecia vaidade e correr atrás do vento, afinal “todos os dias são dores” (Ec 2.23). Por esta razão,  todas as demais coisas se tornam assim vazias, afinal, para o amargo, todos os dias são maus.

Em última instância, o problema não é o que você faz, mas como você tem vivido e interpretado sua vida.

Bill Gaither conta que seu pai foi funcionário de uma mesma empresa por 37 anos. Era um metalúrgico. Acordava cedo, pegava seu cartão, colocava na roupa, e fazia a mesma rotina, sem reclamar, nem murmurar. Com o seu trabalho, criou toda família, servindo sua igreja local, sustentando seus filhos, ajudando os outros. Apesar de ser um trabalho tão simples, ele havia encontrado sentido maior na vocação que tinha como filho de Deus.

Tenho discutido isto com minha esposa. Quando as coisas se tornam pesadas, cansativas, ou as exigências se acumulam, pergunto a mim mesmo: “Mudar de cidade?”, “ganhar mais?”, “providenciar uma nova função?”. E a resposta que encontro é que pepino de horta nova, não muda o gosto por ser produzido em terra diferente. Continua sendo pepino. Muitas vezes, o desejo de mudança tem a ver com o coração insatisfeito que acredita que encontrará sentido fazendo algo que seja diferente. Nestes casos, podemos mudar de ar e de geografia, mas se nosso coração continuar vazio, todas as coisas que fizermos serão canseira e enfado.

 

  1. O trabalho tem que encontrar sua expressão lúdica – Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto vi também que isto vem da mão de Deus” (Ec 2.24). Existe na vida este elemento hedonista que precisa ser recuperado. Precisamos encontrar prazer nas coisas que fazemos.

Poucas pessoas encontram espaço nas suas vidas para um hedonismo santo. Fazer as coisas com prazer.

Certo rapaz estava enfrentando dias de muita tensão na sua casa quando me procurou para falar que seu casamento estava ruindo, o que de fato se consumou algum tempo depois. Ele reclamava dizendo: “Não sei porque minha esposa quer se separar de mim. Minha vida é da casa para o trabalho, do trabalho para a casa”. Naquela hora entendi porque a sua esposa o estava deixando. Pode existir uma vida mais monótona que esta?

Na parábola do Filho prodigo, observamos que o filho obediente, reclama também de sua vida sem sentido e prazer. “Nunca me deste um cabrito para alegrar-me”. E o pai lhe disse. Você nunca fez isto porque nunca quis. Tudo que é meu é seu. Esta atitude do justo amargurado é muito comum. Do homem honesto, mas de vida sem alegria e prazer. Uma das coisas boas que o trabalho pode nos dar é conforto, bem estar, alegria, celebração. Precisamos resgatar esta dimensão do trabalho.

Uma das boas sínteses sobre o uso de dinheiro que encontrei são sugeridas por Charles Stanley:

Ganhe honestamente

Aplique sabiamente

Doe generosamente

Desfrute abundantemente.

 

Veja que Salomão afirma que o lúdico, o prazer, está associado àquilo que Deus é. “Isto vem das mãos de Deus...” (Ec 2.24).

 

  1. Não associe trabalho ao pecado – O autor de Eclesiastes comete este grave equivoco. “Porque Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada: mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus. Também isto é vaidade e correr atrás do vento” (Ec 2.26).

Pessoas que associam trabalho a algo ruim, ou castigo de Deus, vão enfrentar a questão de forma muito angustiante.

Antes do pecado, Adão e Eva tinham funções no Éden, foram ali colocados para cuidar da natureza criada por Deus, e nomear os animais. Quando associamos trabalho a pecado, o fazemos sempre com o sentimento de peso e condenação.

 

Conclusão:

Paul Steves[1] dá algumas diretrizes para a questão do trabalho:

 

i.                 Trabalho é um chamado para construir uma comunidade na terra - Vivenciá-la, construí-la. Faz parte do “mandato cultural” que Deus deu ao homem. Trabalho é uma co-criação, a vocação de expandir o potencial da criação que foi dado por Deus.

 

ii.               Trabalho é um chamado para gerar riqueza global – Potencializar as pessoas. Prosperidade, bem estar. Os negócios são agenda do reino. Considere o caos num país com alta taxa de desemprego nestes dias (2012. Espanha chegou a ter 25% de desempregados e entre os jovens recém formados, a taxa chegou a 50%).

Benedito (480-547) é considerado o criador da vida monástica. Por onde iam seus discípulos, tinham a tarefa de implementar a lavoura da região, fazendo-a torna-se não apenas cultura de subsistência, mas de auto suficiência financeira. Max Weber afirma que este era o espírito do capitalismo e do protestantismo: Gerar riquezas! Portanto, uma das tarefas do trabalho é diminuir a pobreza e melhor a existência humana. Trazer shalom às pessoas do mundo.

 

iii.             Trabalho é um chamado para investir no paraíso – esta foi a ordem dada a Adão e Eva. E este é o mandato cultural do povo de Deus. Investir e florescer onde foi colocado por Deus. Aproximar a criação de Deus do seu projeto original.  Chamado para abençoar.

 

 

 

 



[1] Steves, Paul – Deus e o mundo dos negócios, Ed. Ultimato, Viçosa, 2008

Ec 2.1-10 Alegria


 
Introdução:

 

Eclesiastes é um livro intrigante e contraditório. O autor atravessa um período de grande crise existencial e enfrenta profundos problemas com o sentido da existência humana. O próprio tema central do livro nos aponta para isto: “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade”. Um dos poetas modernos que melhor retratou isto foi Cazuza, quando desesperançado e não vendo alternativa para sair de sua enfermidade afirmou: “ideologia, eu quero uma pra viver”. O texto nos mostra um homem vivendo um grande vazio na alma, conforme pudemos observar no capítulo 1, e depois de refletir sobre sua condição sai em busca de resposta à sua crise. É neste contexto de vazio, que ele escreve o capítulo 2, afinal “o vazio, o poder de ser atraído para o nada nos distende e nos faz nulos” (Otto Lara Rezende).

O pregador sai em busca da alegria. Ele inicia o capítulo 2 dizendo a si mesmo: “Vamos, eu te provarei com a alegria, mas também isto era vaidade”. É exatamente esta utopia que ele chama de vaidade, que o autor se propõe a buscar. O resultado é um fracasso, porque ele resolveu buscar a felicidade como um fim em si mesmo, sem entender que felicidade é conseqüência, não a causa; ou seja, se buscarmos a felicidade como um fim em si mesma, teremos tantos problemas quanto aquele que, ao dormir, fica insistentemente dizendo para si mesmo: “Preciso dormir, preciso dormir...” O homem que deita dizendo que precisa dormir, não vai conseguir dormir. Para dormir, ele precisa esquecer que precisa dormir, e relaxar.

Ouvi a história de um homem de barbas compridas, que certo dia teve que responder a uma brincadeira que lhe fizeram perguntando-lhe se, ao dormir, ele colocava sua barba para cima ou para baixo da coberta. Naquela noite ele teve insônia, porque nunca se preocupava com esta questão, mas ao tentar descobrir o que fazia, teve dificuldade para adormecer.

As pessoas só dormem quando se esquecem de dormir, assim como a felicidade só virá, se houver condições propícias para sua manifestação.

 

Quais as alternativas que o pregador tenta buscar para encontrar a felicidade?

 

1.      Auto-reflexão –

 

Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade; mas também isso era vaidade”. (Ec 2.1). “Vamos!” este é o tolo convite do desespero.

Uma das maiores complexidades da depressão é que ela faz um movimento egóico, numa volta para si mesmo. Em geral, quando o homem se sente desesperado, ele fica longos períodos refletindo sobre sua dor, e retroalimentando a sua miséria.

Neste texto, o autor olhar para dentro de si, a fim de encontrar solução, quando exatamente o vazio de sua alma que o levou a este ponto. Por isto precisamos de ajuda do alto, e não de auto-ajuda. O caos é interior.

A vida traz muitos paradoxos: Por que tantos sofrem? Por que a justiça não se manifesta de forma tão visível? Por que existe pobreza e riqueza? Por que injustos prosperam? Por que existem homens bons sofrendo e pessoas ruins aparentemente vivendo seus dias em paz?

Quando voltamos para dentro de nossa alma, seja através da auto-sugestão, hipnose, auto- descoberta, auto ajuda, aventuras em busca do ser, viagens astrais, estamos buscando soluções que esperamos virem de dentro de nós, o resultado é um aumento considerável de angústia e depressão.

Salomão chegou à conclusão, que mesmo o riso era desproposital, e de que a alegria era impossível (2.2). Afinal, não é tudo vaidade? Qual o sentido destes comportamentos, que para uma alma angustiada parecem até mesmo bizarras.

              

2.      Entrega ao imaginário –

 

Resolvi no meu coração dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e entregar-me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do céu, durante os poucos dias da sua vida” (Ec 2;3).

Salomão deixa claro sua alternativa para resolver seu vazio: “Entregar-me-ei à loucura”. Existem várias formas de se fazer isto, e ele resolve se entregar ao vinho. Sua proposta cria vertentes para o alcoolismo, as drogas, e até mesmo movimentos psicológicos como a fantasia. Uma entrega ao imaginário.

O autor imagina que, invertendo sua vida, saindo da realidade para a utopia, vivendo-a “às avessas”, vendo-a num prisma não natural, talvez pudesse descobrir o que a vida no seu trajeto natural não pode dar. Opta desta forma pela fuga da realidade. O texto mostra sua confusão: “entregar-me-ei ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria”. Ora, quem se entrega ao vinho não pode ser regido pela sabedoria. Para fugir do vazio, diante do desespero, algumas alternativas são buscadas. Três opções são muito comuns:

 

  1. Fantasia - Na psicanálise, fantasia é um “roteiro imaginário, em que o sujeito quase sempre está presente, representando, de modo mais ou menos deformado pelos processos defensivos, a realização substituta de um desejo e, em última análise, de um desejo inconsciente, que não pode se realizar com tranquilidade, pelos impedimentos momentâneos quer físicos, de oportunidades ou morais (ideal de ego)”.


A fantasia não pode deixar de evocar a oposição entre imaginação e realidade. Por isto torna-se uma alternativa comum para se fugir da concretude e dureza da vida. Fábio Damasceno, conhecido psiquiatra evangélico no Brasil, afirma que esta foi uma das grandes tentações de sua vida. Para ele, a fantasia na criança é normal, mas quando se prolonga na fase adulta, faz a pessoa perder relação com a realidade (mentira), assim a pessoa investe no lugar errado.

Para Damasceno, Satanás incentiva esta viagem, dando um "porre"de mentiras. O grande sucesso da fantasia reside no fato de que, com ela, nos tornamos o produtor, roteirista, diretor e artista principal. Pode-se assim falar porque a loucura exerce um profundo fascínio sobre a humanidade, que deseja resolver suas tensões de forma esquiva.

A bíblia diz: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (Fp 4.8). A verdade deve ocupar nossa mente. Na fantasia, ocupamo-nos e ficamos presos na mentira.

Para que a fantasia tenha gosto, é necessário acreditar nela, colocar nela sua fé. Gastar sua fé na mentira é ficar sem cacife para a realidade, levando-nos à intolerância à verdade e gerando frustração, por isto, pessoas que vivem na fantasia nunca transformam sonhos em projetos, muito menos em realizações.

Dois filmes retratam bem este mecanismo de fuga da realidade: Rosa Púrpura de Cairo, dirigido por Woody Allen, e que trata de uma mulher que vive uma vida miserável e  resolve seu dilema, criando uma fantasia para si e vivendo em torno dela. Com esta fantasia, consegue sair da vida normal e viver como estrela de Hollywood, mas o final é dolorido, já ela tem que voltar a viver na mesma vida que ela tinha anteriormente, pois o mundo da fantasia é inconsistente.

O outro tem o titulo de Pescadores de ilusões, retrata um personagem devorado pela culpa, que cria um mundo alienado, sem contacto com a realidade, fugindo do sentimento que o destrói.  A tese central deste filme é que “a loucura é mais sã”, mas a fantasia é ainda uma mentira e cria um mundo de faz de contas.

 

b. Drogas - A pessoa faz opções pelos barbitúricos e pela viagens alucinógenas. Como a vida está uma droga, que tal injetar nela uma substância que possa energizá-la, pouco importa que esta substância venha a destruí-lo dentro de pouco tempo, desde que, no agora, resolva o conflito mais angustiante da vida que é o não-ser, expresso aqui pelo termo, “vaidade” (literalmente, bolha de sabão- algo que brilha, pode até exercer fascínio, mas no final é algo que se desmancha no ar). As drogas tem sido uma opção sempre presente na nossa cultura, milhares de pessoas vivem dependendo de comprimidos, embora inconscientemente saibam que “a paz não vem em comprimidos”.

 

c. Álcool - Segue a mesma trajetória das drogas, promove um certo grau de excitamento naquele que o ingere e as doses precisam aumentar para que novas reações possam surgir.   Busca assim, desesperadamente, resolver o buraco da alma, deixado pelas incoerências, ingratidão e injustiças sofridas. A pessoa vai lentamente se entregando à sua dependência. Toda vez que virmos uma pessoa entregue ao álcool podemos concluir que ali se encontra alguém que não resolveu de forma satisfatória suas tensões e se deixou vencer, entregou-se, desistiu de lutar. O caminho do álcool é sempre atraente. Não é sem razão que milhões de pessoas ao redor do mundo dependam e consumam álcool de forma diária.

 

3.      Riqueza - Desejo de ter, possuir

 

Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie. Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém. Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi-me de cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres” (Ec 2.5-8).

 

A terceira opção para o pregador é acumular bens, ganhar dinheiro, ser bem sucedido nos negócios.

Ele investe em plantações, palácios, escravos (que o poderiam servir da forma como desejasse). Não é interessante poder mandar? Ter pessoas à nossa disposição? Salomão comprou fazendas, bois e ovelhas, tinha grandes fazendas, se vivesse hoje seria do tipo de pessoas que teria investimentos em mercado de ação, uma carteira de imóveis.

Quem sabe um carro melhor, um emprego melhor, casa mais bonita, viagens? Milhares de pessoas hoje se afadigam para ter mais, amontoar mais. Chanfort afirmou que “ a sociedade é composta de duas classes: dos que tem mais jantares do que apetites, e dos que tem mais apetites que jantares”.

Salomão afirma ter experimentado todas estas coisas no superlativo. “Mais do que todos quantos viveram em Jerusalém antes de mim”, mas isto não lhe trouxe realização, porque a riqueza é como água do mar. Quanto mais se bebe, mais sede se tem. Ele chega a conclusão de que: “Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas” (Ec 2.10), afinal, “os que acreditam que o dinheiro faz tudo, costumam estar sujeitos a fazer qualquer coisa por dinheiro”  (Voltaire).

Afinal, dinheiro traz ou não felicidade?

Gosto muito da posição de Foster[1] quando afirma que precisamos parar de defender a idéia de que dinheiro não traz felicidade. O problema está quando achamos que o dinheiro é a fonte da felicidade e colocamos nosso coração nos bens que possuímos. Nestes casos, ao invés de possuirmos o dinheiro, ele passa a nos possuir.

 

4.      Sexo ­ - Desejo de conquistar –

 

Provi-me de cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres” (Ec 2.8).

 

Salomão parece indicar que, não encontrando a alegria na reflexão, nem fuga da realidade, nem nos bens, que outra opção razoável seria viver de forma dissoluta. Salomão investiu pesado no seu harém. Ele chegou a ter 300 princesas e 700 concubinas, todas elas viviam à sua disposição sexual.

Afirma-se que o sonho de toda mulher é o príncipe encantado, e de todo homem é um harém. Salomão então resolveu satisfazer todo seu libido e extravasá-lo da forma como pudesse. Ele então passou a colecionar mulheres, de todas as regiões, princesas de outros países, casamentos arranjados para fins políticos, e assim foi construindo uma história distanciado de Deus.

O resultado para Salomão, e para todos quantos se entregam à vida promiscua é desastroso. Ele declara que surgiu no seu coração um enorme desprezo pela figura feminina: “Juízo que ainda procuro e não achei, entre mim homens encontrei um como esperava, mas entre tantas mulheres não achei nem sequer uma”. O problema está nas mulheres? Não! Antes na atitude dele próprio em usá-las como objeto. O resultado é desprezo.

Prostitutas desenvolvem este mesmo sentimento em relação aos homens. De tanto se entregar a tipos cada vez mais estranhos e patéticos, passa a desenvolver uma visão de desprezo da figura masculina.

O psicanalista francês Charles Melman, discípulo de Jacques Lacan, aos 76 anos, deu uma entrevista à Revista veja em sua visita ao Brasil, usando os conceitos da psicanálise para interpretar as mudanças na sociedade atual. Quanto ao fato desta geração ser liberal quanto à questão da sexualidade, afirmou: “Os jovens de hoje, dos 18 aos 30 anos, não procuram o psicanalista pelo fato de reprimirem seus desejos, mas porque não sabem o que desejam... isso acontece porque nossos jovens foram criados em condições que promovem a busca rápida do prazer e sem obrigações... A idéia é aproveitar sem se engajar, mas isso impõe uma questão: Eles aproveitam plenamente? Momentos de prazer que proporcionam uma satisfação profunda são vividos, mas não organizam a existência, nem o futuro”.  (Veja, 2007).

Foi exatamente isto que aconteceu a Salomão. Ele se perdeu neste emaranhado de promiscuidade e perdeu a capacidade de desenvolver intimidade e se relacionar num nível profundo com uma mulher. “a libertação sexual não decresceu a necessidade amorosa, mas revelou um decréscimo na capacidade de amar”[2]

 

5.      Fama - Desejo de ser percebido - 2:9a

 

Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria” (Ec 2.9).

.

No seu vazio, ele desenvolveu uma verdadeira opção por reconhecimento e aclamação pública. Seu nome ultrapassou as fronteiras e Israel , indo ao Egito, mais propriamente, impressionando a Rainha de Sabá, atual Iêmen, que resolveu fazer uma viagem para conhecer este aclamado rei. O resultado foi que ela se impressionou ainda mais ao chegar a Israel  e ver sua opulência palaciana, seus palácios construídos para alimentar sua vaidade, e a riqueza de conhecimento que ele demonstrava.

Por causa de sua obsessão por reconhecimento, começou a se unir a outros reinos, fazendo conchavos políticos e acordos, envolvendo-se com mulheres que adoravam deuses pagãos e para ser aclamado, construiu palácios para estas mulheres, sufocou seu país com taxas e impostos, construiu templos para Camos, Carquemis e Moloque, deuses dos amonitas e dos moabitas e se distanciou de Deus.

Um dos grandes medos humanos é o anonimato. Ter reconhecimento, ser popular. Muitos jovens entregam sua honra pela desejo de ser popular. Um das maiores aspirações de adolescentes em colégios e jovens em universidade é de serem populares. Alguns se envolvem em situações bizarras e cometem atrocidades para impressionar colegas.

No entanto, a fama tem o poder de matar as pessoas. Não é sem razão que grandes nomes da música, como Kurt Combain, Elves Presley, Michael Jackson, Amy Winehouse, perderam cedo sua vida, porque a fama tem o poder de isolar as pessoas. Em geral estas pessoas morrem solitárias. Por isto a Palavra de Deus nos exorta: Assim diz o SENHOR: “Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte, na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR” (Jr 9.23).

Certa vez Michal Jackson afirmou numa entrevista que era o homem mais solitário do mundo. Pessoas que cedo alcançam a fama, precisam de suporte psicológico para poder lidar com a popularidade. Grandes astros no esporte e no mundo midiático precisam de mentores para poder lidar com a facilidade de acesso e privilégios que a fama pode trazer, caso contrario, se tornam completamente desorientados quanto ao poder e glória que alcançam. Salomão sucumbiu ao seu poder e fama. Não soube lidar com isto, embora reconhecesse que tudo isto se tornou “canseira e enfado”.

 

 

6.      Sabedoria – anseio pelo ser. Desejo de admiração

 

“Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria” (Ec 2.9).

.

Muitas pessoas enveredam por outras vias para resolver o vazio. Elas não são atraídas nem pelo dinheiro, fama e sexo, mas se refugia pelo campo da filosofia e do conhecimento. Esta é a vida dos os nerds e intelectuais. O saber é fascinante, um mundo de mistério, e não ocupa espaço. Milhares de pessoas optaram e se apaixonaram pelos livros, pela pesquisa e academicismo, conquistando respeito publico, medalhas de honra e reconhecimento. Mas o saber pode ser uma armadilha. O próprio Salomão, que se tornou tão respeitado pela sua mente privilegiada, comenta no final deste livro que “não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da carne” (Ec 12.12). O saber também não resolve a angústia da alma. Alguns intelectuais mais respeitados foram os que mais experimentaram densas angústias.  O existencialismo carregado de cinismo e desesperança não surgiu entre os pobres de Ruanda e das favelas brasileiras, nem do pobre do Nordeste do Brasil, mas nos sofisticados cafés parisienses.

O intelectualismo provoca outra reação danosa. A Bíblia diz que “O saber ensoberbece, mas o amor edifica” (Rm 8.1).  Outra tradução afirma que “o saber incha”. A consequência imediata é o narcisismo e o elitismo. Quem estuda demais e se torna perito em áreas do conhecimento, facilmente sofrem deste mal, e passam a se julgar superior aos outros, tratando com desprezo aqueles a quem consideram inferiores.

Quão importante é o conhecimento e quanto mau uso se faz dele. Conhecimento pode ser uma benção, trazer cura, novas descobertas, ciência, mas pode ser uma desgraça. Conhecimento aliado à compaixão é uma benção, mas o conhecimento iníquo, uma desgraça, uma tragédia.

S. João Crisóstomo (347-407 a.d) no seu sermão: A loucura da conquista da cruz afirma: “Vemos então que precisamos de fé e simplicidade, e isto deve ser buscado em toda ocasião. Devemos preferir estas coisas à sabedoria, pois Deus afirmar ser esta a sabedoria verdadeira”[3].

O homem que tem o conhecimento, procura conquistar o outro, tê-lo cativo pelas suas idéias, fazê-lo escravo num nível mais profundo. Esquecendo-se que vaidade é o pecado predileto de Satanás. Samuel Morse, o inventor do telégrafo, recebeu muitas honras por causa da sua invenção, entretanto, deixou claro que Deus havia dado a ele aquela capacidade somente porque Ele queria dar o Telégrafo à humanidade. Pessoas que temem ao Senhor costumam atribuir a Ele os méritos pelas coisas boas que fazem.

 

 

7.      Poder - O desejo de dominar

Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém” (Ec 2.9).

.

Muitas pessoas enveredam por outras vias p 7

            a. Políticos e obsessão

            b. Poder e vazio

            c. Sobrepujar: Poderoso chefão - você perde a vida.

 

II. A tragédia : Avaliando a busca

 

            a. “Fadigas” - 1:10 – O nada e a experiência da angústia

            b. “Vaidade” - 1:11 – O vazio enchendo as coisas

c.   “Correndo atrás do vento” – A inútil tentativa de viver.

Conclusão: Onde está a vida que perdi, tentando encontrá-la.

Só o temor de Deus, e o encontro com sua realidade sobrenatural pode trazer sentido a alma vazia. “Por que fora dele, ninguém pode comer, beber e alegrar-se”.(Ec 2.25). Jim Elliot: “Não é tolo aquele que dá o que não pode reter, para ganhar aquilo que não pode perder”.                                                                       

 

 



[1] Foster, Richard – Dinheiro, Sexo e Poder – São Paulo, Edit. Mundo cristão, 1986.
[2] Wolfgang Sweitzer, Liberdade para viver , pg.87
[3] Extraido do Livro: “Great sermons from master preachers of all ages”. Compilado por Theodore W. Engstrom, Grand Rapids, MI – Zondervan Publishing House, 1951, pg 11

Ec 1.1-12 Vaidades


Introdução:

Eclesiastes é um livro de crise, e por isto destoa de boa parte da Bíblia. Alguém afirmou que “São vozes de combinação de uma decadente religião com uma decadente filosofia”.

O nome Eclesiastes é extraído da septuaginta da palavra “koheleth”, dando a entender que o autor é professor ou pregador. O ofício do que fala na Assembléia. Em grande parte autobiográfico. Ele se chama de “o filho de Davi”, embora o pregador não afirme que ele seja Salomão, mas todas as evidencias parecem demonstrar que ele de fato foi seu autor. Eclesiastes afirma que “tudo é vaidade”. Que não é possível encontrar nenhum referencial que possa trazer esperança. Por isto, Heine o chama de “Cântico dos cânticos de pessimismo”.

A palavra “vaidade” evoca a idéia de algo fútil, ou de uma pessoa que gosta de coisas sofisticadas, relógios caros, adereços atraentes, e é por isto chamada de vaidosa, mas a palavra no hebraico, Hebhel), deve ser traduzida por “vapor”, “brisa”;  indica a esterilidade, a ausência de objetivos, o vazio, a transitoriedade. A NVI em inglês preferiu traduzir por “meaningless”. Literalmente significa “bolha de sabão”. Esta palavra é o centro deste livro, sendo usada nada menos que 31 vezes. Ele conclui que todas as coisas, alegres ou sombrias, são somente vapor, pairando no corredor do tempo. O livro é uma rede de meditações acerca da vida, seus significados, valores e destinos.

A natureza é um sistema fechado, volvendo e revolvendo-se em torno de si mesma, sem uma penetração do sagrado, de algo de fora que lhe rompa o vazio. Hebhel “bolha de sabão” aponta para o fato de que a vida brilha, seu brilho traz fascínio por breve tempo, e logo desaparece. Heine classifica este livro como “a canção do ceticismo”- Das hohelied der skepsis.

Este livro possui uma profunda similaridade com um livro traduzido como “a insustentável leveza do Ser” de Milan Kundera, onde o autor inicia sua reflexão dizendo: “sempre me fascinou o conceito de eterno retorno do qual Nietzsche afirma”.

Esta vaidade (vazio) existencial nos coloca numa linha de desespero: Este vazio é desgastante e aflitivo, gera profundo desespero e desilusão. Entramos na área em que não há esperança. Albert Camus, filósofo existencialista no seu clássico “O Mito de sísifo” afirma: “Se há um problema filosófico verdadeiramente sério é o suicídio”.

Eclesiastes nos apresenta o vazio de todas as coisas:

1.      O vazio de todo esforço após a sabedoria – 1.12-18

2.      O vazio da alegria – 2.1-12

3.      O vazio do conhecimento – 2.12-17

4.      O vazio do trabalho – 2.18-23

 

Esta leitura desemboca em três visões:

 

1.      O vazio da vida – O mito de sísifo na mitologia grega fala de um homem, condenado por Zeus, que é eternamente condenado a carregar uma pedra para o alto de uma montanha, e quando ele está quase alcançando, Zeus com um dedo a faz desmoronar, obrigando o homem a recomeçar esta árdua tarefa, renovando indefinidamente seu ato sem sentido.

Kundera diz: “O mito do eterno retorno, nos diz, por negação, que a vida é sem peso e que está morta desde hoje, e que por mais atroz, mais bela, mais esplêndida que seja, essa beleza, esse horror, este esplendor - não tem o menor sentido”.

Do ponto de vista da história, esta é a visão cíclica da velha disputa entre a teoria platônica x cristã. Esta é a visão que Platão preconiza. A história não tem continuidade, ela anda em círculos - não tem objetivos. O autor de Eclesiastes enxerga a vida neste prisma: “O que foi é o que há de ser, e o que se fez, isto se tornará a fazer, nada há pois, novo, debaixo do sol” (Ec 1.9), ou como diz a Bíblia Viva: “A história sempre se repete”.

Os dois livros mais negados das Escrituras são o livro de Gênesis e Apocalipse, porque revelam a consistência da história na perspectiva de um Deus que se revela. A história humanista perdeu a referência do Sagrado, e a interpreta como algo cíclico, num interminável ir-e-vir, sem conexão alguma com algo que seja concreto. Tudo é vazio. Tudo é vaidade.

Veja como este relato de Bernardo Élis[1] reflete este dilema do vazio.

Quando percebeu que a morte o espreitava mais de perto do que nunca, se tornou contundente: “Eu sempre pensei em suicídio. E acho que a vida é uma besteira”. Ao fato de não ser possível compreender como alguém tão produtivo como ele podia ter a idéia de morte tão constante em sua vida, Bernardo se tornava mais frio ainda na resposta: “É porque você é colocado contra a parede: ou você morre ou você vive. Há muito preconceito contra a morte, sendo que a morte para mim não é nada. São os minerais que estão organizados em forma orgânica e vital que voltam à natureza. Mas é difícil acabar com a vida. O ser humano é muito duro, é difícil de morrer”. Fonte, O popular, dia 01/12/97, por ocasião de sua morte. Escritor Goiano, autor de “Ermos e Gerais” década de 70, “Veranico de Janeiro”,” a enxada”e  “O Tronco”.

Um dia, Élis confessou a vontade de morrer. Revelou que o pensamento suicida o acompanhou ao longo da vida ao ponto de fazê-lo manter, quando jovem, um frasco de veneno no criado-mudo, ao lado da cama. Não queria se enforcar e ficar com aspecto feio depois de morto. A cena da confissão não era tenebrosa, nem o momento era de dor. Parecia mais obra ficcional surgida na mente fértil de um homem cujo ofício era criar imagens e histórias com as palavras. A confissão se deu durante uma entrevista descontraída à jornalista Britz Lopes, na biblioteca da casa de Bernardo, no Jardim América, em 1992. Ele confessou seu desejo de morte enquanto mostrava livros, correspondências e escritos inéditos à repórter. A revelação, provavelmente, foi a mais impressionante do escrito. “A velhice é um palavrão. Você fica impossibilitado de tudo. É uma coisa idiota, sobretudo esperar sentado que a morte chegue, é muito difícil...

 

2.      Monotonia – O autor de Eclesiastes narra a vida como uma grande chatice. Nada é novo!  Todo esforço da natureza ou do homem é realizar algo do que já havia sido realizado.

A vida é uma eterna mesmice: “ Geração vai, geração vem, mas a terra permanece para sempre” (Ec 1.4). Do vs. 5 em diante, a história é revelada com algo caótica e sem propósito: “Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre. Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo. O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e retorna aos seus circuitos. Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr. Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir. O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós” (Ec 1.5-10).

 

Existe um interminável movimento de repetição que inclui:

Sol:  nascendo e se pondo todos os dias.

Vento, que gira e se movimenta sem direção e propósito.

A natureza no seu movimento cíclico e interminável: Rios - mar - rio

 

Ocorre aqui uma simetria hebraica. Há uma nota de desencanto nestes eventos naturais. O que poderia se tornar fascinante, agora se tornam uma chatice, porque não há um sentido mais profundo em tudo que acontece. O pregador não consegue perceber a mão de Deus nestes movimentos, nem é capaz de perceber algo que dê sentido a tudo o que acontece.

 

3.      Canseira – O resultado disto é canseira: “Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir” (Ec 1.8).

Nietzsche afirma: “A idéia do eterno retorno é o mais pesados dos fardos”. A questão filosófica se resume à seguinte síntese: “Se a vida é uma droga, tudo que advém dela é angustiante: “O que é já foi, e o que há de ser também já foi” (Ec 3.15). O trabalho é fadiga e canseira (Ec 3.9 e 2.20). Muito estudar é enfado da carne (Ec 12.12). A vida é náusea (Sartre) e a pergunta mais relevante é a seguinte: “Que proveito tem?... (Ec 2.22), afinal, tudo é “correr atrás do vento” (Ec 2.11).

 

O que levou Salomão a perceber a vida de forma tão pessimista?

 

1.      O afastamento de Deus: Salomão conhecia profundamente a Deus, e desfrutou da rica companhia de Deus no início do seu reinado, mas posteriormente veio a apartar-se dele. Conheceu muitas mulheres estrangeiras, das quais o Senhor havia dito para o povo de Deus não se envolver com elas, e começou a seguir outros deuses e o seu coração deixou ser de todo fiel a Deus. Não perseverou em seguir ao Senhor e seguiu a Astarote, deusa dos sidônios, e a Milcom, abominação dos amonitas (1 Rs 11.5), chegando ao cúmulo de edificar santuário a Camos (deus dos moabitas) e a Moloque (Deus dos amonitas), que exigia sacrifícios de crianças (1 Rs 11.8).

Sem o Deus verdadeiro, o mundo se torna lúgubre e vazio. Salomão começou a experimentar este vazio na alma, e este texto relato a dura experiência de viver longe do Senhor. A verdade é que só existe uma alternativa fora da esperança: O desespero.

Jean Paul Sartre, filósofo existencialista, entendeu corretamente esta questão ao dizer: “A vida é um absurdo, Deus dá ordem ao absurdo, mas Deus não existe”, noutro lugar diz: “Nenhum ponto finito pode ter significado, se não tiver relação com um ponto infinito”. Através do profeta Jeremias, Deus mostra ao seu povo as conseqüências do afastamento: “Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas” (Jr 2.13). O homem sem Deus procura sentido em coisas que são incapazes de saciar sua sede. Assim aconteceu com Salomão.

 

2. Uma equivocada visão da história – Salomão encontra dificuldade em ver que a história tem uma perspectiva ascensional, não cíclica, por isto afirma: “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol “ (Ec 1.9).

Salomão, longe de Deus, perde a visão do propósito de todas as coisas é vazio, e vê que o esforço humano é inútil. Gerações humanas vão e vem; os dias e as noites se sucedem, num ciclo interminável de rotina; os fatos da natureza são repetitivos e as estradas são as mesmas. Esta também é a base de toda leitura secularista da vida, tudo é mera repetição. O pregador demonstra familiaridade com as leis da natureza, mas as vê como limitadores  da experiência humana.

Quando se é incapaz de enxergar o dedo de Deus para dar sentido a este absurdo histórico, a vida passa a ser canseira “tais que ninguém as pode exprimir” (Ec 1.8).

O uso freqüente da frase “debaixo do sol”, demonstra que o pregador está olhando a vida  numa perspectiva existencial. O resultado é um só: canseira e enfado. O trabalho torna-se angustiante, a sabedoria é um peso, a vida um absoluto vazio, um angustiante “já te vi”. Tudo é monotonia, mesmice e rotina. A história está em movimento, saindo do nada para lugar algum. “O que foi é o que há de ser, e o que se fez, isto se tornará a fazer”.

A visão de Eclesiastes possui o mesmo fundamento platônico. Tudo na história é cíclico! A visão da história nas Escrituras Sagradas possui uma perspectiva ascensional. A história cristã não vê a vida em departamentos estanques, mas a percebe no seu todo. Por isto ela possui princípio, meio e fim.

Para os existencialistas a visão é fragmentada. Percebe o aqui e agora, mas não identifica o sentido da vida (origem), não vê Deus, nem razão em nascer, e não vislumbra esperança (escatologia), a vida está sendo conduzida num arrastão existencial e somos levados como folhas. Deus não é perceptível na história e nem mesmo age nela. Os fatos são desordenados e mera sucessão de acasos. Afinal, “tudo depende do tempo e do acaso”. (Ec 9.11).

A vida é “mesmice” vs. 4. Esta simetria hebraica pode ser considerada com uma poesia de Chico Buarque que diz:

“Roda moinho, roda gigante,

roda moinho, roda pilão,

o tempo rodou num instante, nas rodas do meu coração”

Onde está o dedo de Deus?

 

Vinicius assim se expressa na sua belíssima música “Aquarela”:

“O futuro é uma astronave, que devemos pilotar

não tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar,

sem pedir licença,muda nossa vida e depois convida a rir ou chorar,

e no fim de tudo, descolorirá”.

 

3.  A incapacidade de perceber um Deus pessoal regendo a vida. “Pois que tem o homem de todo o seu trabalho e da fadiga do seu coração, em que ele anda trabalhando debaixo do sol? Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de noite não descansa o seu coração; também isto é vaidade” (Ec 2.22,23). Esta é uma das grandes questões humanas: Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho?  Você faz, produz, realiza, se torna respeitado para descobrir no final que tudo isto é “ouro de tolo” (Raul Seixas).

No hebraico, existem vários nomes para Deus, cada um deles expressa atributos e o caráter de Deus. Por exemplo ”El Shaddai significa “Deus Poderoso”. Três termos são comuns para considerarmos os nomes de Deus: “El”; “Elohim” e “Yahweh”.

·        “El” significa Deus num sentido mais lato, verdadeiro ou falso, ou mesmo uma imagem que é tratada como Deus, como no caso de Gênesis 35.2;

·        “Elohim”, embora seja o plural da palavra “elohá”, pode ser tratado como singular, e significa a grande e suprema divindade que nossa visão traduz por “Deus”. Transmite a noção de tudo quanto pertence o conceito de “deidade”.

·        “Yahweh”, no hebraico, estritamente falando é único nome de Deus, era o Deus pessoal, o Deus dos patriarcas: Abraão, Isaque e Jacó. Ao contrário de Elohim, que apresenta uma dimensão cósmica, mas nunca o Deus dos patriarcas. O livro de

 

Eclesiastes é um livro que não emprega a palavra “Jeová”,  apenas “Elohim”, que é um Deus criador (deísmo). O nome “Jeová”, Deus do Pacto, não é aqui empregado. O Deus que é apresentado “impõe” tarefas e atividades à humanidade (Ec 1.13); exige prestação de contas (Ec 11.9), e você deve temê-lo porque é “dever” de todo homem (Ec 12.13). O trabalho é o instrumento mais comum de Deus para os afligir (Ec 1.13, 3.10). Em contrapartida é também um Deus que dá condições ao homem para sua alegria (Ec 2.24): comer, beber, e desfrutar o bem de todo o seu trabalho é um dom de Deus (Ec 3.13); estar atento às obras de Deus é importante porque ninguém pode “endireitar” o que ele torceu”(Ec 7.13). Apesar desta afirmação, Deus não é visto como a causa do desatino da humanidade, pois Deus fez o homem reto e ele se meteu em muitas astúcias (Ec 7.29); a despeito de todo emaranhado de contradições que se perpetuam na existência humana, ele tem a impressão de que Deus abençoa os que fazem o bem, ao passo que o perverso será como sombra por não temer a Deus (Ec 8.12,13).

O tema central de Eclesiastes é “vaidade”, referindo-se não à presunção, mas ao vazio de toda uma vida sem Deus. Vaidade significa “futilidade”.  Nascer, lutar, viver, sofrer, experimentar alguma alegria transitória que é nada à vista da eternidade, deixar tudo e morrer. Por isto é uma “bolha de sabão”

 

Conclusão:

O livro de Eclesiastes termina mostrando o fim de todo o problema: “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem” (12:13). A síntese e essência da humanidade é o temor a Deus. Se existe algo que pode dar sentido, este algo é Deus. Embora o pregador não tenha uma perspectiva tão boa de Deus, pois o vê como alguém que julga e impõe trabalhos, afirma corretamente que a razão, o logos, a síntese da existência humana está em alguém maior do que nós: Deus. Pode-se buscar as mais criativas e diferentes soluções, mas os problemas existenciais mais profundos não estarão sarados. Só em Deus a vida pode ser encontrada.

Jesus afirmou: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo10.10). O mito de sísifo não é conclusivo. A vida pode ter outras rotas. As notas do Evangelho são vivas, cheias de vida e esperança. Ás pessoas desesperançadas Jesus sempre se aproximava com uma resposta específica, como podemos ver no Evangelho de João:

·        Para os religiosos – Jesus fala do novo nascimento: nova vibração do ser, um novo ser criado por Deus.

·        Para os sedentos de afeto, atenção, sentido, Jesus afirma: “Se tu soubesses quem é o que te pede, tu lhe pedirias e ele te daria água viva”.

·        Ao cansados, prostrados e desesperançados convida a levantar-se, tomar seu leito e andar.

·        À multidão faminta, Jesus faz milagre e alimenta, multiplicando os pães.

·        Aos pecaminosos afirma: “Nem eu te condeno, vai e não peques mais

Sem Deus a vida é caótica. Quando o excluímos a história se torna absurda, afinal, se tudo termina num túmulo frio, somos os mais infelizes dos homens.

 



[1] Bernardo Elis. Bernardo Élis Fleury de Campos Curado, nascido em Corumbá de Goiás, no dia 15 de novembro de 1915, foi o primeiro goiano a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL) foi considerado pelos estudiosos da literatura como um dos introdutores da fala caipira no conto brasileiro.