domingo, 29 de julho de 2012

Mc 12.18-27 O QUE ACONTECE DEPOIS DA MORTE?

Introdução:

Para o leitor curioso, é bom notar que não se trata do mesmo grupo que havia interrogado Jesus no texto anterior. Ali, os interesses são políticos, já que os herodianos e os fariseus estavam encabeçando a discussão. Neste texto entra em cena outro segmento religioso, os saduceus. Eles eram conhecidos por não crerem na ressurreição, uma crença comum entre os judeus, e afirmavam que não havia vida após a morte, por isto, de forma irônica, trazem um debate a Jesus, citando a lei do levirato no Antigo Testamento.
O levirato tinha o propósito de preservar a memória de alguém que já havia morrido. Se um jovem se casasse e em seguida morresse, sua memória se perderia, já que ele não teria descendente. Então, o levirato ensinava que um de seus irmãos deveria se casar com a viúva, gerando filhos que não seriam, para efeitos legais, seus filhos, mas filho do seu irmão que já havia morrido. Isto realmente é muito complicado para a nossa cabeça, e com certeza era também complicado para aqueles dias, mas assim funcionava. Em Gn 38, vemos um dos exemplos típicos deste acontecimento na família de Judá e a confusão que isto gerou.
Os saduceus, portanto, não criam na ressurreição. Naqueles dias e ainda hoje, muitos não crêem na ressurreição. Você já parou para pensar sobre a morte? Para considerar onde estará depois que morrer? Onde estão as pessoas que já morreram? Existe céu e inferno? Ou será que não existe nada depois da morte? Existem muitas opiniões sobre estas idéias:
  1. Muitos crêem em reencarnação – Uma crença oriental, cuja primeira referência na história surgiu há 2.600 anos atrás, nas Upanishads, escrituras sagradas do hinduísmo, a maior religião da Índia (professada por cerca de 80% da população), cuja teoria é de que depois da morte, a alma habita diversos e diferentes corpos através das gerações, nascendo sucessivamente e passando pelo processo carmático, de purificação, até que chegue a um grau de espiritualidade que não é mais necessário se reencarnar. Todos os seres humanos teriam sido outra pessoa na história, e estariam nesta existência atual, pagando pelos pecados da encarnação anterior. Este pensamento encontrou uma suposta vertente no espiritismo que quis se passar por cristianismo, através da popularização dos livros de Allan Kardec no final do Sec. XIX. Os defensores da reencarnação dizem: "há várias vidas sucessivas, até que nos tornamos o Grande Todo e que não respiramos mais a vida (nirvana)". Apesar de ser uma crença amplamente difundida pelo budismo, Buda preferia não falar sobre o assunto, e em diversas ocasiões escolheu o silêncio em lugar de partir para explicações detalhadas a respeito do que acontece depois da morte física. Na Bíblia, a palavra reencarnação sequer aparece, nos escritos do Antigo e do Novo Testamento,.pelo contrário, Jesus sempre falou da ressurreição após a morte. O autor aos é conclusivo ao afirmar: “Aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois disto o juízo” (Hb 9.27).
  2. Alguns crêem que depois da morte simplesmente deixamos de existir. Os ateus defendem o aniquilacionismo, afirmando que não há vida depois da morte. Não há juízo, não há consciência, não há Deus, não há eternidade. “Depois da morte não há nada e a morte também não é nada” (Sêneca). O filósofo Martin Heidegger acreditava que depois da morte simplesmente paramos de existir, você fecha os olhos e simplesmente nada mais existe. Os materialistas, dizem: "tudo acaba com a morte, não há senão o mundo que continua a girar". Jesus nunca deixou de falar da eternidade aos seus discípulos. Ele falava de julgamento, de condenação, de céu e do inferno. Será que ele estava fazendo isto apenas para gerar medo em nós, mentindo e nos enganando acerca destas coisas ou porque ele realmente queria nos advertir do perigo grave e sério de morrermos sem nos prepararmos para a eternidade?
  3. Alguns acham que ninguém sabe o que vem depois e dizem que somos uma energia cósmica que ao morrer voltamos à energia do universo, e pela reencarnação voltaremos em diferentes corpos em sucessivas reencarnações, até atingirmos a perfeição e não precisarmos mais voltar.
  4. Alguns defendem a idéia do “sono da alma”, inclusive entre evangélicos, existem muitos com esta opinião. A partir de nossa morte, entramos em um sono profundo, numa fase da inconsciência, até que Deus nos ressuscite, e aí voltamos a existir. Os que defendem este ponto de vista o fazem com base nos escritos paulinos que se referem aos que “dormem no Senhor”. Gostaria, porém, de citar alguns textos de fácil compreensão para que entendamos a opinião das Escrituras sobre o assunto.
    1. Várias vezes a Bíblia se refere aos patriarcas do passado, como aqueles que, ao morrerem, “foram reunidos ao seu povo” (Abraão: Gn 25.8; Arão: Nm 20.26; Moisés: Nm 27.13). Nossa morte vai nos reunir com aqueles que já partiram antes de nós. Estaremos todos juntos.
    2. Ainda no Antigo Testamento, temos uma síntese do conceito judaico sobre a vida após a morte. “...e o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu” (Ec 12.7).
    3. Na hora da sua crucificação, Jesus afirmou ao ladrão arrependido: “Em verdade, em verdade te digo, que hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc 23.43). Os Testemunhas de Jeová, num esforço mal intencionado em justificar suas opiniões sobre a vida após a morte, adulterou a tradução colocando da seguinte forma: “Em verdade, em verdade te digo hoje: Estarás comigo no paraíso!”. Jesus, porém, estava dizendo ao ladrão crucificado ao seu lado, que naquele mesmo dia estariam desfrutando das delicias celestiais.
    4. Jesus ainda conta uma história sobre o rico e Lázaro. Curiosamente o texto bíblico não diz que se trata de uma parábola, mas dá a idéia de um acontecimento: “Aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico e foi sepultado. No inferno, estando em tormentos, levantou os olhos e viu ao longe a Abraão e Lazaro no seu seio” (Lc 16.22-23). O texto descreve duas situações logo após a morte. Um sendo levado, pelos anjos, à presença de Deus. Outro se deparando com o inferno. Será que Jesus está contando estas coisas apenas por contar? Não estava de fato interessado em nos advertir e ensinar? Estava apenas fazendo galhofa das nossas dúvidas sobre a eternidade?
    5. Por último, o apóstolo Paulo fala da vida eterna como uma mera passagem. “Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus, um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E, por isso, neste tabernáculo, gememos, aspirando por sermos revestidos da nossa habitação celestial”(2 Co 5.1-2);  Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp 1.23). Ela não se refere à vida após a morte como um período de sono, mas como uma união e comunhão plena com Cristo.
Todos estes textos citados nos mostram que, após a morte, vamos estar com Deus, imediatamente, aguardando a ressurreição dos mortos e o dia do juízo final. É esta mensagem que Jesus tenta passar aos saduceus. Na ressurreição teremos um estado completamente distinto do que hoje temos, as tensões que surgem no presente, não existirão mais. “Quando ressuscitarem de entre os mortos; nem casarão, nem se darão em casamento; porém são como os anjos nos céus” (Mc 12.25). Jesus não diz “se ressuscitarem”, mas quando ressuscitarem. Ressurreição significa receber nosso corpo de volta depois da nossa morte. Ressurreição NÃO é renascer numa nova forma ou em outro corpo, mas sim receber o mesmo corpo assim como aconteceu com o corpo de Jesus. Ressurreição vem do grego anastasis, cujo significado literal é voltar à vida. A morte é a separação entre o corpo e espírito, e a ressurreição é a reunião destas duas partes intrínsecas da unidade antropológica. A fé cristã afirma que a ressurreição é uma transformação pelo poder amoroso de Deus. Assim, a morte física não é o fim, mas uma passagem. Trata-se da vivificação do corpo morto, não importa quanto tempo esteja nesse estado. Significa o reencontro do espírito com o corpo original. Na volta do Senhor, os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro e os que estiverem vivos na sua vinda serão arrebatados (1 Ts 4.16-17). A redenção dos cristãos abrange o corpo (Rm 8.23). Moisés e Elias apareceram na transfiguração de Jesus. Nada indica que tenham retornado à vida corpórea para serem purificados. Foram reconhecidos pela fisionomia original.
Após responder a questão Jesus revela os dois erros que são muito comuns até os dias de hoje: “Não provem o vosso erro de não conhecerdes as Escrituras, nem o poder de Deus?” (Mc 12.24).
1. Desconhecer as Escrituras;
2. Desconhecer o poder de Deus.

Quanto às Escrituras - Afirmamos o que não é correto, negamos o certo. Criamos o que queremos acreditar e nos firmamos em vãos pressupostos e achismos. A Bíblia não dá abertura para suposições, ela é autoritativa: Ou cremos que ela é Palavra de Deus, e a obedecemos, ou que ela é palavra de homens, e como tal pode ser questionada. A experiência pode ser um problema sério quanto a isto: “eu sinto...” Quando nos desviamos da palavra, somos enredados pelas armadilhas do diabo. Outro grave problema é a tradição ou a opinião popular. Pensamos que porque sempre ouvimos de uma forma, isto deve ser verdade, ou achamos que a tradição recebida é maior que a Palavra de Deus. Não paramos para avaliar os equívocos. “Errais não conhecendo as Escrituras”.
Não conhecer as Escrituras nos faz desviar do Reino de Deus. Se erramos na interpretação da Bíblia ou por a desconhecermos, isto tem implicações eternas. Por isto Jesus afirma que o erro dos Saduceus, antes de mais nada, estava relacionado ao conhecimento raso que possuíam da Palavra de Deus. Errar na hermenêutica é falhar na vocação divina. Grandes heresias se deram pela ignorância da Bíblia, ou pela tendenciosa interpretação dada a determinados textos.

Quanto ao poder de Deus: Você pode ter todo conhecimento da Bíblia e ainda ter o coração vazio: é muito comum que experts em exegese, teólogos, pastores e líderes percam a dimensão simples da fé cristã, porque se afastam da fonte do poder de Deus. Conhecem a Bíblia porém desconhecem o poder. Poder sem Bíblia gera fanatismo, fanatismo sem poder gera esterilidade. Homens que desconhecem e negam o poder de Deus, tornam-se estéreis espiritualmente e perdem a expectativa do assombro do poder de Deus. São pessoas que começam a afirmar que Deus fez milagres, mas não faz mais, Deus agiu, mas não age mais. M.L. Jones afirma: “Deus pode fazer num minuto o que um homem leva cinqüenta anos para fazer”. Precisamos do poder que vem de Deus. Não estamos buscando nosso próprio poder, mas um poder especial. “Errais não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus”.
Os saduceus estavam perdidos quanto à sua orientação espiritual, porque não entendiam como seria a forma de Deus fazer as coisas. Como serão tais coisas nos céus?
Todo o nosso corpo é energia, feito de partículas de átomo. Alguns ficam preocupados se a pessoa foi cremada, como será na ressurreição. Meus queridos, todos nós nos tornaremos pó ou cinza, de um jeito ou de outro. Mas não podemos esquecer do que nos ensina a Palavra de Deus: “Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem,ouvida a voz do arcanjo e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor” (1 Ts 4.16,17).

O céu não pode esperar
Um casal de idosos, com mais de 55 anos de vida em comum, estavam viajando numa estrada quando uma carreta desgovernada veio sobre eles e os matou instantaneamente. Após o enorme barulho, um silêncio e uma paz muito grande os envolveu, e eles se viram num local completamente diferente de tudo que antes conheceram, cercado de muito verde, muita alegria e sentimento de plenitude. Se sentiam fisicamente muito bem, quando um desconhecido simpático se aproximou deles e lhes disse: “Sejam bem vindos”.
Enquanto tentavam descobrir o que estava acontecendo, o senhor perguntou ao homem: “Onde estamos?”. E ele lhe respondeu: “Alguns chamam isto de céu, outros de paraíso, vocês podem dar o nome que quiserem”. E em seguida os conduziu à casa onde morariam dali em diante.
Preocupado com as finanças, o homem indagou: “Quanto custa o aluguel desta propriedade?”, e o homem respondeu: “As coisas aqui não tem preço, então pode ficar tranqüilo”.
Logo depois, foram convidados a um encontro e se dirigiram para um campo de golfe. Aquele homem amava um local assim, ao se aproximar viu todas as pessoas muito simpáticas, e uma mesa posta com muita comida, de todos os sabores e texturas, e o seu cicerone disse que poderiam comer do que quisessem, e mais uma vez o homem, perguntou quanto custaria para comer e o rapaz lhe deu a mesma resposta.
Indagou então, onde estava a sessão dieta, por causa de seu diabetes. Ele respondeu que eles não teriam mais problemas de saúde, nem sentiriam dor. Então, o homem, irritado, tirou seu chapéu, jogou ao chão e começou a murmurar. O rapaz, percebendo seu desconforto lhe perguntou se havia algum problema, e ele disse: “Estou com raiva de minha mulher, se não fosse ela ter me regrado tanto a comida por causa da minha saúde, poderia ter chegado aqui 10 anos atrás”.

Conclusão:
Jesus conclui seu raciocínio dizendo que “Deus não é Deus de mortos, mas sim de vivos”. E diz que ele era o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, pessoas que haviam morrido, mas estavam vivas, desfrutando de sua benção espiritual. Deus não está reinando sobre pessoas que não tem consciência, almas dormindo, purgatórios repletos de semi mortos, mas sobre pessoas vivas. Quando Elias e Moisés apareceram na Transfiguração, eles foram reconhecidos pelo que eram. Os que morreram em Cristo, gente querida que nos faz muita falta hoje, estão vivos na presença de Deus, cantando aos pés do trono e celebrando o Deus que os resgatou.
Jesus não ensinou estas coisas para nos ameaçar ou por romantismo, ele fez isto, porque esta é a realidade, afinal, se ele não é digno de confiança ao falar sobre céu e inferno, quem mais poderia ser? Buda, Allan Kardec, Maomé?

sábado, 28 de julho de 2012

Mc 12.28-34 Um Mandamento, Duas direções:



Introdução:

O Mandamento do Amor, considerado por Jesus como o principal de todos os mandamentos, possui duas vertentes: Uma vertical, para Deus; outra horizontal, para os homens. Ele só é preenchido quando segue as duas direções: Para Deus e para os homens.
Mais uma vez há uma mudanca nos interlocutores. Em Mc 12.12 são os herodianos, políticos entreguistas alinhados com a visão de Roma, que apoiam Herodes por causa das benesses,  e os fariseus, comerciantes que tinham todo interesse na questão dos impostos; em Mc 12.18 são os saduceus, grupo liberal, que não endossava a linha ortodoxa da interpretação do judaísmo sobre a vida eterna e a ressurreição dos mortos; e agora, os escribas, amanuenses dos textos sagrados, viviam no templo reproduzindo cópias das escrituras sagradas, eram doutores da lei, os teólogos de seus dias. A pergunta possui uma discussão provavelmente muito comum entre os estudantes da Torah e dos profetas.
Jesus afirma que “amor” é o cerne da Lei. Muitos talvez considerariam a Justiça, talvez a misericórdia; outros, a exclusividade de Iahweh, mas Jesus afirma que se trata do amor. Quem ama, guarda toda lei. “Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas”(Mt 22.40).
O amor, na visão de Jesus, é um único mandamento, mas ele segue duas direções: A Deus e aos Homens.

1ª Direção: Amor a Deus
A pergunta imediata é “Por que amar a Deus?”. Não bastaria apenas que atendéssemos suas exigências morais, cerimoniais e religiosas? Guardarmos apenas suas leis? Não é a assim que tratamos ao governo? Ele exige que paguemos impostos, mas muitas vezes odiamos suas taxas e cobranças, e o fazemos sob protesto e com raiva. Por que não poderiamos apenas fazer as coisas para Deus? Por que ele ainda exige que devotemos nosso amor?

  1. Amar é diferente da prática de rituais – Você pode fazer as coisas para Deus, mas seu coração não estar ligado a Deus. É assim que fazemos com a Receita Federal. Você acha que a Receita fica preocupada com sua sensbibilidade quando Você lhe paga o imposto? Se for feito por meio do cheque, pode cuspir nele, amassar, pisar em cima, mas se ele for compensado, pouco importa. Já pensou em fazer as coisas de Deus desta forma?
Você pode fazer muita coisa para Deus e ainda assim não amá-lo. Deus, no entanto, não aceita este tipo de sacrificio e oferta. Foi por causa do seu coração que Caim foi reprovado, e não por causa do tipo de oferta que trazia a Deus.
Imagine um homem ouvindo sua mulher dizendo assim: “Não o amo mais,   não tenho mais nenhum afeto, mas vou continuar morando contigo, cuidando da sua casa, fazendo a comida, administrando as lides domésticas”, qual seria sua reação? Você diria: “Tudo bem, está tudo certo?”, ou “Ainda que eu ame você, não estou interessado em alguém que seja minha empregada, quero minha mulher”. Sem afeto não dá.

  1. Apenas o amor a Deus é capaz de se opor aos idolos do coração. Como discernir que nosso coração tem a atenção dividida?
Uma pergunta simples e direta por nos ajudar neste sentido. O que Você ama, confia, teme e serve mais que a Deus?
Aquilo que você ama mais que a Deus é o substituto de Deus em seu coração. Por isto, o principal dos mandamentos é o amor a Deus. Sem amar a Deus, não há culto, nem adoração, mas apenas gestos mecânicos baseados no medo. Então, o que é um ídolo? Um ídolo é qualquer coisa que cremos ser necessário, além de Jesus, para nos fazer feliz, satisfeitos ou plenos. Um ídolo surge quando desejamos alguma coisa além de Jesus. Quando tememos coisas mais que a Deus, quando adoramos a nós mesmos ao invés de Cristo, quando colocamos a nossa confiança em alguma coisa além de Jesus; quando servimos alguma outra coisa além de Jesus.
Fico sempre assustado com aquilo que cantamos em nossas liturgias. Existem declarações de amor nas letras dos cânticos espirituais e hinos, que talvez não tivéssemos condições de cantar. Seria melhor, talvez, que ao vermos tais declarações, não continuassémos cantando, mas nos voltássemos para Deus em contrição dizendo: “Senhor, me dê condicoes de viver assim para o Senhor, me dê amor a ti, um coração puro e grato”.

  1. Adoração a Deus envolve o coração – Daí a insistência do próprio Deus: “Filho meu, dá-me o teu coração” (Pv 23.26). Foi exatamente isto que Jesus indagou a Pedro, logo após sua tríplice negação: “Pedro, tu me amas?”. Esta é a pergunta central do evangelho: Você me ama? O seu coração é meu?
A razão do interesse de Deus no coração é porque sem coração, não há culto. Em geral colocamos nosso coração onde estão as coisas mais preciosas da vida. “Onde estiver teu tesouro, aí estará o teu coração”.
Amar a Deus envolve todo ser: “Amarás, pois, o Senhor teu Deus, todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força” (Mc 12.30). É interessante notar que coração fala dos afetos; alma, de toda nossa dimensão espiritual; entendimento de nossa razão, e força, da intensidade com que devemos amar a Deus. Podemos assim fazer algumas perguntas:
                è Meu coração é realmente de Deus, ou está dividido?
                è Minha alma é totalmente dele?
è Minha mente está a servico dele, tenho adorado a Deus com minha forma de pensar?
è Minha força, intensidade, tem sido empregada por causa do amor a Deus? Que sacrificio tenho feito para glorificá-lo?

2ª Direção: Amor ao Próximo
A pergunta diante deste mandamento deve ser: “É possível amar o meu próximo, como a mim mesmo? Logo após esta resposta, de acordo com o Evangelista Mateus, um interprete da lei quis se desculpar: “Quem é o meu próximo?”.
Jesus está ensinando que a base do nosso amor aos outros deve ser o amor que temos a nós mesmos. Pessoas que não conseguem amar a si mesmas, tem muita dificuldade de amar os outros, mas o texto não está falando de amor próprio, e sim como, por natureza, estamos tao focados em nós mesmos, assim devemos amar o proximo.

  1. Nosso amor leva-nos à auto preservação, assim tambem somos chamados a cuidar dos outros – somos chamados a cuidar, proteger. Recentemente, o ex-presidente dos EUA, George W. Bush fez uma declaração que chocou o mundo, em relação às drogas: “Nós perdemos a batalha”. O problema é que queremos tratar das drogas como se o paciente fosse um caso isolado, esquecemos que se trata de um sistema, social, familiar e midiático. A crise começa nos lares. Sem tratarmos as causas, não teremos vitória sobre os sintomas.

  1. Nosso amor próprio leva-nos a focar em nós mesmos, mas para amarmos os outros como manda Jesus, precisamos mudar o foco. Olhar para fora de nós mesmos. Nosso auto enamoramento e narcisismo é forte demais, impedindo-nos de olhar para outros. Se quisermos cumprir a Lei, precisamos sair deste círculo de adoração conosco mesmo.



Conclusão:
Para finalizar, precisamos considerar dois aspectos importantes a mais que foram expressos por Jesus:

  1. Nosso amor deve brotar da compreensão de que Yahweh é o único Senhor – Ao ser perguntado sobre o principal dos mandamentos, Jesus inicia sua palavra com o Shemah hebraico: “Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” (Mc 12.29). Por compreender que Deus é o único Senhor, somos capazes de desprezar os idolos e nosso coração se apegar ao seu de forma completa, em adoração. Meu amor está relacionado à compreensao daquilo que Deus é.

  1. Amor é mais importante que rituais religiosos – Diante da afirmação de Jesus, o escriba lhe disse que amar a Deus e amar ao próximo, “excede a todos holocaustos e sacrificios”(Mc 12.32), e Jesus então confirmou que ele estava entendendo seus ensinamentos. Amor excede a todos os demais mandamentos.

Se tua única forma de adoração é através de ritos, de atos religiosos, mas desacompanhado do coração, tais coisas poderão impressionar muito as pessoas, mas não a Deus. Podemos e devemos trazer nossas oferendas, cânticos, músicas, mas se nosso coração não estiver presente, se não houver amor, todos sacrifícios e holocaustos, serão vazios.

Gn 1.26-30 A Mulher no Projeto da Criação


Introdução:
Continuando a série de sermões no Livro de Gênesis, a reflexao atual é sobre a criação da mulher, e o lugar que ela ocupa nas Escrituras, no ato da criação. Geralmente a leitura da relação homem e mulher se inicia a partir da queda, mas o correto, é iniciar a partir do projeto original de Deus, que é a criação, já que a queda foi uma quebra neste projeto divino.
Antes de continuar falando sobre a visão da Bíblia sobre a mulher, gostaria de relatar uma engraçada história que ouvi sobre um pastor  que foi pregar sobre a criação da mulher e começou a ler em Gênesis: - “E eis que Deus fez a mulher…” e então, veio um vento e virou a página pra parte da construção da Arca de Noé, e o pastor, desatento, continuou lendo:  -“…e tinha 30 côvados de comprimento por 500 de Altura”. Então, o pastor olhou pro pessoal e disse:- CARAMBA IRMÃOS QUE MULHERÃO HEIM!!!
Historicamente o conflito homem e mulher sempre existiu, e por isto a mulher sempre sofreu graves discriminacões e distorcões históricas quanto ao seu papel. Em muitas culturas ela foi, e continua sendo humilhada, diminuída e escravizada, como se fosse inferior ao homem. O paganismo foi pródigo em desprezar a mulher. No relato da criação, porém, fica claro que  homem e  mulher foram criados por Deus com dignidade e complementareidade recíprocas. Juntos são chamados a transmitir a vida humana e a dominar a terra como mordomos, criados e colocados no mundo com a mesma função política.
Neste texto aprendemos algumas licões importantes sobre o projeto de Deus para a mulher, no ato da criação:

  1. Homem e mulher são participantes do mesmo projeto da criação – Não há igualitarismo, cujo conceito matricial procede do marxista, que vê homem e mulher como iguais não só em essência, mas mesmo nos acidentes. Deus fez o “homem”, o macho (Zakan) e a fêmea (Nikbah) conforme descrição de Gn 1.26. Os mesmos termos ocorrem também em Gn 6.19, em relação aos animais que deveriam ser colocados em pares, dentro da arca. Apesar de diferentes na sua essência, possuem origem e destino comuns, no chamado universal à felicidade, na dignidade e missão. Homens e mulheres não são superiores ou inferiores uns aos outros, apesar de serem distintos. Em Gn 2.23, surgem, os termos “ish”, para homem e “ishah” para mulher, duas letras a mais.

  1. Homem e mulher receberam o mesmo mandato cultural – Por esta razão, em Gn 1.26,27 não aparece homem e mulher diferenciados, mas como uma unidade de propósito. Ao falar de suas funcões, Deus afirma: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhanca; tenha Tenha ELE dominio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu... Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imaem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Marquei a palavra ELE, para dar ênfase ao texto. Aos dois foi dado a tarefa de cuidado e domínio, aos dois a tarefa de construir o mundo e a história.

Quais foram estas tarefas comuns?
    1. Multiplicação – “Deus os abençoou, e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra” (Gn 1.28). Sexo foi designado por Deus para cumprir o seu propósito de procriação. Para aqueles que ainda vêem sexo como pecado, é importante notar que tal ordem foi dada antes do pecado entrar no mundo e contaminar a raça humana. Do ponto de vista biológico, e não apenas ético, o homossexualismo é um desvio do projeto original, já que não cumpre a visão de Deus. Macho e fêmea foram feitos distintamente.
    2. Administração da Natureza – Ao homem e à mulher, foi dado o mandato cultural, que estaria ligado com a responsabilidade de cuidar e construir responsavelmente o meio ambiente. Deus colocou o homem no jardim do Éden, para “o cultivar e o guardar” (Gn 2.15). A causa da ecologia e da defesa do ecossistema não deveria ser defendida apenas por grupos verdes radicais, mas por aqueles que lêem a bíblia tentando perceber a cosmovisão divina. A mulher participa ativamente desta vocação. A ordem não é apenas dada ao macho, mas à fêmea também.

Onde começa a distorção?
A queda, conforme o relato de Gn 3, traz um descompasso nesta harmonia e unidade do universo, formando ali um fosso, trazendo concorrência, acusação e grande desconfianca entre o homem e a mulher. Pela primeira vez, tentam se esquivar da culpa pelas suas decisões erradas e projetam sua responsabilidade sobre os outros.
Alguns problemas vão mostrar as raízes desta distorção da figura feminina:

  1. Competitividade – Com a queda surge a competitividade. Homem e mulher constroem seus bunkers e atiram um contra o outro. O texto é explicito ao falar disto. “Porei inimizade entre ti e a mulher”(Gn 3.15). Não mais harmonia e construção comum, mas trocas de farpas e distanciamento.

  1. Manipulação e controle – É interessante perceber como as nuances literárias revelam isto. Em Gn 5.2  lemos: “homem e mulher os criou, e os abençoou, e lhes chamou pelo nome de Adão, no dia em que foram criados”. Homem e mulher recebem o mesmo nome, Adam, cuja raiz é Adamã, terra, no entanto, logo após a queda, Adão resolve dar um nome diferenciado para sua mulher, chamando-a de Eva (Gn 3.20). Nomear, na cultura semita, tem o sentido de ter o controle sobre o outro e assim Adão lhe retira o poder político de ser agente de Deus e atender ao mandato cultural, conforme o propósito original que havia sido dado (Gn 1.26). Eva não é mais Adam. Para os antigos semitas, o nome não era algo meramente exterior e, sim, uma parte constitutiva da pessoa ou coisa nomeada. Dar ou mudar um nome era uma forma de afirmar a autoridade ou domínio, por esta razão Deus não entrega seu nome e sua identidade a Moisés (Ex 3.13).
O homem muda o nome. Já não é mais ishah (companheira/varoa), termo que destaca sua identidade (Gn 2.23), mas Eva (mãe de todos os viventes), que ressalta sua função (Gn 3.20). A utilidade suplanta a idoneidade. Passa a ser um meio para atingir um fim. O sujeito passa a ser objeto.

  1. Acusação –Adão culpa Eva por ter lhe dado o fruto, e a Deus por ter lhe dado a mulher por esposa (Gn 3.12). Boa parte da caminhada humana torna-se agora um desafio para justificar-se, defender-se e acusar. Perde-se a idéia da complementareidade, de que se completam e ambos possuem uma só vocação de exercer a administração eo cuidado na criação dos filhos e proteção à natureza. Nesta mútua vocação, surge a alteridade, ambos necessitam um do outro. As diferencas presentes na sexualidade os autenticava como seres sexuais, cuja distinção biológica os ajudava a perceber, reagir e relacionar-se de forma diferente, dando ao cosmos uma compreensão mais ampla. A diferença enriquecia a função que lhes fora dada.

  1. Relacões confusas, papéis conflitantes -  A partir da queda, a mulher passa a ter funcões distintas. “Em meio a dores, darás a luz, filhos”(Gn 3.16) e se limita à função de genitora enfrentando a limitação dos seus próprios desejos: “O teu desejo será para teu marido, e ele te governará” (Gn 3.16). A harmonia perde o lugar para os conflitos O homem, por sua vez, vê sua prazeirosa tarefa do trabalho, tornar-se complexa: “Em fadigas obterás o sustento” (Gn. 3.17).
Daí em diante, a história de humilhação da mulher se constrói, num mundo onde o mais forte é quem manda, escreve a lei e regulamenta costumes, e assim a mulher passa a ser subjugada, não é mais a companheira idônea, mas alguém a ser subjugado. Quem constrói a história é aquele que tem o poder, e o homem passa a tratar assim a mulher, que originalmente fora chamada para a construção em conjunto de uma civilização harmônica.
O incidente do Rei Assuero, no livro de Ester, demonstra como as coisas se constroem. Vasti se recusa a ir a presença do rei, para ser apresentada aos governantes e súditos do grande imperador. Os sábios demonstram preocupação com a reação da rainha, neste movimento feminista, e então, para evitar problemas futuros, aconselham que ela seja deposta, e outra colocada em seu lugar. Mulher questionando a autoridade do marido é vista como ameaça, suas atitudes de rebeldia e liberação deveriam ser podadas de imediato, evitando assim problemas futuros. Assim tem sido a incômoda situação das mluheres, que se tornam excluídas do projeto decisório sobre a humanidade.

O que isto comunica? Quais as consequêcias?

No Judaísmo, o ortodoxo orava: “Graças te dou, Senhor, por não ter nascido nem cachorro, em gentio, nem mulher”. A mulher foi excluída do local de adoração comum, e se assenta no pátio dos gentios. Mulher não é contada na sinagoga, nem no templo e tem dificuldade no seu acesso à Deus.
No cristianismo, Jesus introduz uma revolução, sintetizada em Gal 3.28. A mulher, pela primeira vez, é inserida numa religião, e é batizada, assim como o homem. No Judaismo, apenas aos homens era permitida a circuncisão, quando se tornavam parte integrante da religião; agora, no cristianismo, a mulher é incluida.
Isto significa que o problema foi vencido?
Absolutamente não! Cristo venceu o preconceito, mas a humilhação da mulher ainda é exercitada dentro e fora da igreja. No primeiro caso, por não entenderem a radicalidade de Gl 3.28, para os demais, por efeito da queda na sua compreensão do lugar que a mulher ocupa diante de Deus. Cristo vem resgatar a dignidade da muher, colocando-a no lugar originalmente designado por Deus, de participante no projeto de construção de um mundo melhor.
No episódio da mulher adúltera, vemos Jesus confrontando a visão machista que a história judaica perpetuara. Onde estava o homem adúltero? Só a mulher seria trazida? Onde estão seus acusadores? Jesus não estava justificando o pecado da mulher, mas colocando os dois, no mesmo nível de responsabilidade. “Onde estão teus acusadores?”
               
Conclusão:
Ainda há uma longa batalha para que a mulher possa retomar o ponto de partida que se perdeu desde o Éden, mas construir uma teologia a partir da criação, vendo como Deus tratou a mulher, abre um bom espaço para se resgatar um pouco de seu papel e dignidade. Milhares de mulheres ainda são massacradas por sistemas iníquos, muitos deles sustentados em nome de religiões e costumes. Talvez, em virtude da queda, nunca veremos sua situação plenamente restaurada, mas pelo menos podemos dar sinais de que o ponto de partida foi dado quando Jesus, de forma tão humana que só poderia ser divina, tratou de colocar a mulher no lugar de onde nunca deveria ter saído.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Mc 12.13-17 O que é de César?

Introdução:

Este texto suscita uma questão sempre importante: Qual a relação entre Igreja e Estado? Como os discípulos de Cristo devem agir em relação às exigências do governo e o pagamento dos impostos? O que fazer diante de regimes desumanos e ditatoriais? O cristão deve ter participação política? Até onde?
O texto afirma que dois grupos radicais, os fariseus e os herodianos, vieram a Jesus para apanhá-lo nalguma resposta ambígua e assim o entregar às autoridades romanas. Os primeiros eram do tipo xiita muçulmano, o grupo mais radical do judaísmo. Os herodianos eram políticos, que apoiavam Roma, que colocara Herodes com autoridade biônica na Judéia. Por sua natureza, eram grupos muito divergentes nas suas causas que se unem para acusar Jesus, o que moral e espiritualmente era difícil fazê-lo. Eles tinham esperança que Jesus desse uma resposta que poderia comprometê-lo e assim seria entregue para ser julgado pelo tribunal romano. Herodes era o representante de Roma, e tinha uma função delegada por um governo militar, prestando subserviência ao Império.
Por estarem debaixo do governo romano, os judeus eram obrigados a pagar um denário por ano de tributo. Considerando que um denário equivale a 1 dia de salário de um trabalhador, e que, no Brasil, trabalha-se 146 dias por ano para pagamento apenas de impostos, cujo propósito é financiar o estado, acho que Roma não era assim tão complicada...
Uma questão que sempre ocupa o campo da ética cristã, que envolve a política é como Cristo e seus discípulos lidaram com as autoridades? Aparentemente eles nunca tiveram problemas com os sistemas políticos, mas uma leitura mais criteriosa mostra alguns conflitos pesados.
ü        Jesus teve enfrentamento com Herodes – Certa feita ouviu um rumor de que o rei queria interferir no seu ministério e sua resposta foi bem reativa: “Ide dizer a esta raposa que, hoje e amanhã, expulso demônios e curo enfermos e, no terceiro dia, terminarei” (Lc 13.32). Certamente esta não foi uma resposta muito pacífica de Jesus.
ü        Paulo, ao receber uma agressão por ordem do sumo sacerdote afirmou de forma dura: “Deus há de punir-te, parede branqueada! Tu estás sentado para julgar-me segunda a lei, e contra a lei, mandas agredir-me?” (At 23.3).
ü        João Batista foi decapitado por ter agido de forma profética contra a baixa moral do estado, acusando diretamente a Herodes por ter possuído a mulher de seu irmão;
ü        Os discípulos enfrentaram as autoridades judaicas, quando foram ordenados a se silenciar diante da ressurreição de Cristo. “Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus” (At 4.19). 

Apesar destes confrontos, a Bíblia sempre recomenda que o povo de Deus se submeta as autoridades instituídas (Rm13.1; 1 Pe 2.13-17) e ore por elas (2 Tm 3.1-4). Todo cristão deve ser sujeito às autoridades por causa do Senhor. O Senhor é glorificado na nossa sujeição (1 Pe 2.13) já que toda autoridade procede de Deus (Rm 13.1). Portanto, o cristão não é anarquista, mas reconhece o governo.

Todo cristão deve ainda ser sujeito à autoridade por causa do princípio subjacente a ela.  A autoridade está baseada em Deus, sendo “enviada por Deus” (Rm 13.1,14). Deus trabalha com princípios de autoridade. O seu corpo trabalha sob uma cadeia de comandos. A autoridade foi enviada por Deus para manter o propósito para o qual ela foi criada e a vida em comunidade pressupõe autoridade. A sociedade precisa de comando (Jz 21.25), sendo estabelecida para que vivamos vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito (1 Tm 2.2).
No entanto, ao lermos Rm 13, o capítulo das Escrituras mais citado sobre o assunto, vemos que a autoridade foi instituída para atingir dois objetivos:
a)- Castigo dos malfeitores – (Rm 13.14)
b)- Louvor dos que praticam o bem – (Rm 13.14)
Então, surge uma questão hermenêutica de difícil interpretação: E quando a autoridade que deveria estar a serviço do bem, torna-se a âncora para a realização do mal? O que fazer quando a autoridade exacerba seu direito e justiça? A Palavra de Deus estabelece o limite da autoridade.
De acordo com as Escrituras, o objetivo da autoridade é estabelecer Justiça – (Rm 13.14) e quando ela deixa de ser ministro de Deus, perde sua autoridade. A Base do direito comum da Inglaterra afirma: “O poder não vem primeiro na sociedade, antes disto vem a justiça e o direito. O príncipe pode ter o poder de controlar e reinar, mas não tem o direito de fazê-lo sem justiça”. Schaeffer diz: “Porque o poder não vem primeiro, antes a justiça e o direito, o príncipe tem o poder de reinar, mas não sem justiça”. John Knox coloca a questão na clássica discussão: Lex rex ou rex Lex? A Lei reina ou reina o rei?
Segundo Rm 13, a fonte da autoridade é Deus, já que a autoridade é delegada, não autônoma. Ela “está sob Deus”. A autoridade é diaconisa de Deus. “É ministra (diakoneo) de Deus, para teu bem” (Rm 13.4), fazendo a liturgia de Deus na terra: “É ministra (leitourgos) de Deus, vingador” (Rm 13.4). Portanto, o limite da autoridade encontra-se quando ela não mais serve a Deus, sendo estabelecido ai o bottom line, ou a linha de divisão.
Este foi o posicionamento dos cristãos primitivos. Existem momentos em que a obediência a Deus é mais importante que a subordinação a um sistema. “Julgai entre vós e nós, se é lícito obedecer-vos antes que a Deus” (At 4.19; 5.29).
Jesus é colocado neste texto sob o crivo dos fariseus e herodianos e afirma seu vínculo com o estado. Somos cidadãos: temos compromisso com o voto, impostos, taxas, bem estar público, uso dos recursos públicos e participação histórica. A política de não fazer política também é política. O fundamento de nossa obediência é o próprio Deus. Ele é a fonte de toda autoridade. O Estado deve proteger seus cidadãos do malfeitor e proteger a sociedade. Quando se faz o contrário, perde a autoridade, torna-se um usurpador.
Ao dar a resposta, o que Jesus está dizendo, porém, é que existem coisas que César exige e que não lhe pertence. Jesus deixou claro isto quando foi indagado sobre o pagamento de impostos. Ele tomou uma moeda e disse: “Dá a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22.20; Mc 12.16-17; Lc 20.24-25). A melhor tradução seria: “Dai a César o que é de César, mas não lhe dê o que não lhe pertence”. Jesus estabelece claramente os limites do poder governamental. Numa tradução mais literal do texto, o que ele está dizendo é: “Daí a Cesar, apenas, o que é de César”. Nunca devemos dar aos homens aquilo que só Deus deve receber.
Nos dias apostólicos, os imperadores romanos começaram a exigir veneração, sendo colocados como semi deuses. As pessoas deveriam se curvar diante dele. Jesus está dizendo que não há nada de errado em pagar os impostos, mesmo quando se trata de um governo usurpado por um império, mas que não devemos ir além disto. Somente Deus deve ser adorado. Ninguém tem autoridade fora de Deus. As autoridades são agentes de Deus, mas elas não são Deus. Existem atitude de nações e governos que conspiram contra Deus. César não tem o poder de exigir adoração, de escravizar e oprimir as pessoas, de matar, de extorquir, de estrangular seus cidadãos com impostos exagerados e mau administrados.
O cristão deve sempre obedecer às autoridades? Sim e não!
Os cristãos têm o dever de resistir tiranias através da não violência, e desobedecê-las, quando elas resolvem entrar em áreas limítrofes. Schaeffer afirma: “O Cristão não apenas pode, mas eventualmente, deve, praticar a desobediência civil”[1]. E o bottom-line é quando se ultrapassa princípios cristãos e exige obediência. Resistir a opressão e perseguição religiosa é uma destas formas de resistência que devemos praticar. Por que os cristãos desobedeceram o Sinédrio?  (At  4.19). Por que foram lançados aos leões?  Rebelião-civil é a resposta. Desobedeceram porque o Estado resolveu assumir o lugar do próprio Deus.

Conclusão:
Em Rm 13.5 somos exortados a não nos sujeitarmos ao governo apenas pelo medo, mas pelo dever de consciência. Nossa consciência deve ser juiz nestas questões. Não podemos agir como o homem que ultrapassa o sinal vermelho e ao ser indagado pelo guarda se ele não havia visto o sinal, responde: “O sinal eu vi, não vi foi o senhor”. Não devemos fazer apenas pelo temor, mas por causa de nossa consciência cristã.
Existem duas razões para se submeter às autoridades: Uma, externa, que é o medo da disciplina e das conseqüências que isto pode trazer para nossas vidas; outra, interna, de foro intimo, tem a ver com nosso coração e consciência. O ideal é que façamos as coisas por causa de nossa consciência. Nós não obedecemos às leis apenas porque tememos que o mega computador da receita nos apanhe, ou por causa do radar rodoviário. Devemos pagar nossos impostos porque Deus afirma que devemos fazê-lo (Rm 13.7). Por causa do dever da consciência “sineidesis” (Rm 13.5).
Não apoiamos nenhuma má aplicação do dinheiro que temos enviado para o governo, mas Deus nos exorta a fazermos todo esforço, como cidadãos, para fiscalizarmos as coisas públicas e ver como o dinheiro está sendo aplicado. Devemos procurar entender o lugar do Estado nas Escrituras Sagradas e agir de conformidade com a exortação da Bíblia. E isto não tem a ver apenas com a questão do imposto. Devemos ainda dar honra, respeito e entender que o Estado é chamado por Deus para exercer certas funções por ele mesmo determinadas.

Aplicações práticas:  

I.         Sujeição não é subserviência -  O fato de aceitarmos a liderança do Estado, não implica que vamos concordar e apoiar atitudes iníquas, leis desumanas e politicas da anti vida. Calvino afirma: “É perversidade, a fim de contentar homens, incorrer na condenacao daquele que é Soberano”[2]

II.       A importância do uso da força diante da maldade e da injustiça - O cristão deve defender-se e à sociedade mediante protesto, todas as vezes que a autoridade ultrapassa seus limites e se torna uma ameaça contra seus cidadãos. Seria patético imaginar protestantismo sem protesto. M.L. King Jr afirmou que “O silêncio legitima a injustiça”. Por isto devemos não apenas falar e lutar contra princípios satânicos, mas demonstrar que existem alternativas cristãs. Impostos extorsivos é uma coisa contra a qual devemos lutar. O governo precisa ser pressionado pelos cidadaos, e pelos politicos (de tambem precisam ser pressionados), e aprender a fazer melhor uso financeiro dos impostos, ao invés de aumentá-lo, todas as vezes que surgem necessidades. Muito do extorsivo imposto que tem sido cobrado dos brasileiros tem a ver com o silencio e o medo de nos manifestarmos contra esta situação. Imprensa, professores, profissionais liberais, devem estar sempre manifestando seu repúdio quando César exige mais do que deveria. Dar a César o que é deu Deus, ou pertence ao homem que trabalha é desumano e historicamente tem sido a causa de muitas revoluções, como aconteceu na Biblia no governo do rei Salomão.

III.     A desobediência civil é muitas vezes imperiosa:  Julgai se devemos obedecer-vos antes que a Deus?  Em casos extremos, empregar o uso da força, como manifestações públicas e pressões políticas como o voto, que se torna uma forma de protesto,  (não da violência) para defender a dignidade do homem e os princípios do Reino de Deus. Por força entendemos não violência, mas o uso de todos instrumentos legais que pudermos para expressar nossa indignação toda vez que o estado abusar de suas prerrogativas. Os Guiness afirma que “num mundo caído, a idéia de justiça legal, sem o exercício da força é ingênua”.  Força não é violência, mas pressão pública.

IV.    O que é de César? O que é de Deus? Sistemas e poderes temporais sempre exigirão de nós a doação daquilo que não podemos lhes dar, porque pertencem a Deus. Durante os dias do cristianismo primitivo, muitos cristãos foram acusados de subversão, porque se recusavam a afirmar que “César é Senhor!”, saudação comum entre os romanos. Eles sempre diziam: “Jesus é Senhor!”. Não se pode dar a César o que é deu Deus.

César vai exigir nosso coração, comprometimento, consciência e adoração. Estas coisas não podem ser dadas a César. Só Deus pode ser adorado. Nosso coração pertence só a Deus, e não a partidos políticos e sistemas.
O que podemos e devemos dar a César? Como cidadãos, precisamos lutar pela nossa nação, para termos uma sociedade mais igualitária, para que a administração dos recursos provenientes das riquezas produzidas pelo nosso país possam abençoar outras pessoas. Precisamos tratar dos bens públicos com bom senso e equilíbrio. Se somos funcionários públicos, precisamos dar exemplo de lealdade e diligência. Dar exemplo de bons cidadãos, lutar pelo bem estar social, pela diminuição da miséria, são coisas que devemos e podemos fazer. Precisamos dar a César o que é de César, mas nunca, dar a César o que não lhe pertence, mas é prerrogativa de Deus.


Anápolis, Julho 2012


[1] Schaeffer, Francis – Manifesto Cristão, Ed. Refúgio, Brasília.
[2] Calvino, Juan – Instituiciones de la religión cristiana. Pg 1194