terça-feira, 29 de outubro de 2013

Gn 24 Casamento é coisa séria



Introdução:

Este texto nos fala do encontro de Isaque e Rebeca. Um evento relativamente comum, que acontece todas as semanas. Só no período de Nov 2012 a Nov de 2013 foram cinco cerimônias de casamento em nossa família. Dois deles, meus filhos. Portanto, uma cena ordinária e comum presente em todas as culturas do mundo, seja ela sofisticada ou primitiva, composta de cristãos, muçulmanos ou pagãos. Mudam os rituais, os votos, os preparativos, mas todas as sociedades celebram a união de um homem com uma mulher. Apesar de ser algo tão ordinário, precisamos nos lembrar que casamento é coisa séria. Não pode ser banalizado nem menosprezado, ocupa uma das áreas mais essenciais da vida que é a formação de uma família.
Esta afirmação torna-se ainda mais urgente porque temos vivido numa sociedade esvaziou o sentido e valor do casamento. Estamos vivendo na cultura do “amor líquido”, segundo a linguagem de Zigmunt Bauman, na qual, até mesmo o verbo “ficar”, traz a ideia de efêmero, transitório e fugaz. Mas mesmo nesta sociedade que tem insistido em esvaziar o matrimônio e até mesmo a encorajar o divórcio, mesmo quando a separação é amistosa e civilizada, seja do ponto de vista social, familiar, psicológico, sem considerar sua dimensão sacral, na sua maioria, é sempre um processo traumático e dolorido.

Casamento é coisa séria!

Por ser algo de tão grande responsabilidade, seus vínculos devem ser construídos com prudência e cuidado. Princípios devem ser observados, tanto da parte da família, quanto da parte dos noivos. Este texto nos fornece alguns destes princípios, que apesar de se manifestarem na vida de pessoas que viveram a quatro mil anos atrás, por sua natureza são eternos, e transcendem a barreira do tempo e da cultura.

O que a família deve considerar:

1.       Abraão demonstra cuidado em relação ã sua futura nora – Obviamente Abraão, dentro de sua cultura oriental e primitiva, tinha a prerrogativa da escolha da esposa para seu filho, mas considerada a diferença entre aqueles dias e hoje, o que vemos é um homem preocupado com o que vai acontecer com seu filho e gerações vindouras.

Abraão pede ao seu mordomo de confiança, Eliézer, para buscar uma moca que possa ser a futura esposa de seu filho, e faz algumas recomendações claras. Ele busca uma mulher de sua família, para se tornar a companheira de Isaque. A forma como Deus dirige este momento, como todos os demais eventos das Escrituras, são extremamente significativos.
Eu sei que a geração atual tem se tornado cada vez mais independente, mas ainda assim, duas perguntas devem ser feitas e que revelam preocupação com nossa descendência:

A.     A fé que abrigamos em nosso coração está chegando ao coração da próxima geração?

B.      Se positivo, que tipo de fé (qualidade) temos gerado? Uma fé sólida ou dúbia ou quem sabe meramente institucional?

Abraão olhava o comportamento daquelas jovens da região, o tipo de atitudes que possuíam e o Deus a quem seguiam e se angustiava pensando que uma delas poderia se tornar esposa do seu filho.
Por esta razão, diz ao seu servo: “Irás a minha parentela e daí tomarás esposa para Isaque, meu filho”(Gn 24.4). Muitos pais cristãos, influenciados pelo pensamento moderno, não tem se preocupado com os valores e convicções que estão penetrando no coração de seus filhos, se se casarão com pessoas tementes a Deus ou adoradoras de ídolos ou mesmo médiuns. Alguns até mesmo dizem: “Mas é uma moça tão boa...” ou, “é rapaz de uma família boa, tem um bom emprego”.
Será que a preocupação que estava no coração de Abraão ocupa as famílias de hoje? Estamos preocupados e orando pelos futuros esposos (as) de nossos filhos (as)? Abraão sequer considera a possibilidade de que seu filho se case com as cananitas, adoradoras de Astarote e Baal, deuses pagãos da região. Ele sabe que seus netos deveriam estar debaixo do mesmo pacto feito com Yahweh, que incluía suas gerações (Gn 17.7-9) e ele teme que o coração daquelas mulheres pagãs distancie Isaque do chamado e da vocação que Deus lhe havia dado.
Muitos jovens tem se casado com pessoas de outros valores morais e espirituais, que adoram outros deuses ou não tem nenhum compromisso com o reino de deus. O que vai acontecer com os filhos e netos do futuro? Você tem se preocupado com isto?
Em nossa casa, sempre oramos para que nossos filhos se casassem com pessoas que amassem a Jesus e tivessem compromisso com as verdades do Evangelho. Sabemos que chega um determinado momento da vida deles na qual terão que tomar decisões pessoais em relação à fé cristã, mas nossos filhos sabiam sempre os valores relacionados ao casamento com pessoas que tivessem de fato entregado suas vidas a Cristo, conforme nos ensina a palavra de Deus em 2 Co 6.14-15. “Não se ponham em jugo desigual com descrentes. Pois o que têm em comum a justiça e a maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as trevas? Que harmonia entre Cristo e Belial? Que há de comum entre o crente e o descrente?”

2.      Abraão não negocia os fundamentos de sua fé, chamado e vocação – Eliézer sabia que sua tarefa não seria fácil. Sua viagem demoraria cerca de 60 dias para os 1.500 kms de Canaã até a Mesopotâmia (atual Iraque). Ele teria que encontrar uma determinada família, além disto, se a conseguisse encontrá-la, não havia garantia de que alguma daquelas moças tivesse disposição para se casar com alguém que morava tão longe de sua casa natal.

Sua argumentação parece lógica e coerente: “Talvez não queira a mulher seguir-me para esta terra, nesse caso, levarei teu filho à terra donde saíste?” (Gn 24.5). A resposta de Abraão foi veemente. Deus o havia chamado para aquela terra e lhe dera uma promessa clara sobre isto, portanto, esta possibilidade não estava em negociação. Os fundamentos não poderiam ser colocados em xeque ou em discussão.
O casamento de seu filho estava relacionado ao chamado de Deus para sua família. Portanto, as condições não poderiam ser negociadas.

3.       Abraão elabora uma compreensão da graça e da soberania de deus no processo de encontrar a esposa do seu filho – "Cuidado!", disse Abraão, "Não deixe o meu filho voltar para lá. O Senhor, o Deus dos céus, que me tirou da casa de meu pai e de minha terra natal e que me prometeu sob juramento que à minha descendência daria esta terra, enviará o seu anjo adiante de você para que de lá traga uma mulher para meu filho”. (Gn 24.7)

Ter a compreensão de que Deus está neste processo, providenciando a esposa prudente para o filho, ou alguém que ama a Cristo para ser o marido de nossa filha é extremamente importante, porque na maioria das vezes nos esquecemos de quanto o próprio Deus está comprometido com o vinculo do matrimônio. A Bíblia afirma que “os bens e a herança vem dos pais, mas do Senhor vem a esposa prudente” (Pv 19.14).
Este clima espiritual deve ser criado nos lares cristãos, levando os filhos a orarem e esperarem pelos seus cônjuges, e a verem o casamento como uma experiência de sacralidade numa família cristã. Quando os pais dizem que estão orando por alguém, ou afirma que a pessoa escolhida já foi preparada dentro dos planos divinos, tal atitude mantém um estado de alerta espiritual nos filhos. Abraão contagia seu servo com a compreensão de que Deus estaria adiante dele, que enviaria o seu anjo, que mobilizaria os exércitos dos céus para encontrar uma esposa para seu filho.
Eliézer, designado para esta missão, também estava encharcado desta esfera sagrada. Ele ora pedindo orientação e discernimento (Gn 24.12-14); glorifica a Deus quando vê a manifestação de sua benevolência (Gn 24.27). Ao encontrar-se com a família de Rebeca, faz questão de afirmar que aquilo era obra de Deus (Gn 24.48).

O que os jovens devem considerar:
As observações anteriores devem ser consideradas pela família, agora precisamos considerar os princípios sobre os quais os jovens devem atentar.

  1. Vá, acompanhado da benção dos pais – (Gn 24.59-60) Este casamento tem a benção de Abraão, que quer uma esposa que seja do seu povo para seu filho. Rebeca era filha de Betuel, sobrinha da terceira geração de Abraão. (Gn 24.15).

Certa feita ouvi a seguinte declaração de um pastor: “Nunca vi nenhum casamento bem sucedido que não tivesse a benção dos pais e de seus pastores”. Deus quer abençoar você com a benção dos pais. O Quinto Mandamento que diz “honra a teu pai e mãe” envolve o elemento de submissão e obediência. Eu sei que existem pais tresloucados, gente ruim da cabeça, neurótica, mas sei também que Deus é o Senhor sobre todas as coisas, e ele tem a autoridade sobre aqueles que tem autoridade sobre sua vida. “como ribeiros de água, assim é o coração dos reis nas mãos do Senhor, este, segundo o seu querer o inclina” (Pv. 21.1). Seus pais estão nas mãos de Deus. Ele pode mudar seus corações.
Deus quer nos abençoar por meio da benção de nossos pais. Por isto se afirma popularmente que “praga de mãe pega”. Obviamente esta é uma leitura negativa de algo que deveria ser positiva, mas temos que considerar que Deus resolveu nos colocar nesta família onde estamos para nos abençoar, dar orientação e ministrar o cuidado que nos é necessário. Pais são agentes de Deus para nossas vidas.
Quando Rebeca se vê diante de um homem desconhecido, trazendo a mensagem de um parente longínquo que ele deseja se casar com ela, ela é perguntada pelo pai, se gostaria de ir com aquele homem, para se unir ao seu pretendente. A pergunta que seu pai lhe faz, abre um grande leque de discussões acerca da escolha daquele que será o futuro companheiro (a) de alguém que deseja se unir no matrimônio. A questão básica é “queres ir com este homem?”. Para dar resposta a esta questão tão essencial da vida é necessário considerar quais são os elementos que podem nos dar uma resposta positiva a esta questão:

  1. Vá, com convicções claras no coração – Quando seu pai lhe pergunta: “Queres ir com este homem?” Ela não tem dúvidas nem hesita. “Irei!” isto é, já existe em sua alma convicções bastantes para um compromisso. Suspeitas e desconfianças matam a criatividade e a graça no lar.

Muitos assumem um compromisso de vida, com perguntas não respondidas, vão para o casamento com o coração carregado de suspeita, sem segurança no que Deus está fazendo, trazem incertezas e crises, sem entender a seriedade do matrimônio, e que casamento, aos olhos de Deus, é um projeto sem retorno. “O que Deus juntou, não o separe o homem”. Não é uma aventura, nem pode ser uma "experiência".
Existe uma estrada no Canadá, famosa por ser uma Highway como poucas saídas. Numa determinada altura existe a seguinte placa: “Cuidado com a estrada que você vai tomar, você vai estar nela por mais de 60 Km”. O casamento é uma destas vias. Por isto não pode ser um projeto superficial: “Deus odeia o divórcio” (Ml 2.15)
Rebeca tem convicções dadas por Deus, está segura disto. Certamente abriga incertezas em sua alma, mas os sinais de Deus, precedidos de orações, trazem profundas convicções interiores.

  1. Vá, mas esteja atento aos sinais de Deus. Queres ir com este homem?” Se existe oração, podemos aguardar a confirmação do Senhor. Muitas vezes oramos, mas os sinais de Deus não se revelam a nós. Eliézer ora e quer a confirmação de Deus na sua oração objetiva. Estes sinais podem ser verificados na forma como esta pessoa encara sua fé e suas convicções, na forma como encara a igreja de Cristo, na atitude dela em relação a valores e a vida, em relação a família e à Palavra de Deus.

Eliézer pede uma prova dura a Deus: Queria uma mulher que fosse bondosa, abnegada, gentil, que desse água não apenas a um viajante velho e desconhecido, mas que ainda oferecesse água aos seus camelos (Gn 24.44). Esta água ficava num poço, e para retirá-la era um processo complexo e tarefa pesada. Abraão confia plenamente que Deus vai estar se revelando, indo adiante deles, “enviando seu anjo” (Gn 24.7).

  1. Vá com alguém que compartilhe os mesmos valores e princípios espirituais – Esta é a regra mais clara e direta da Bíblia sobre a escolha do cônjuge. A prática de casar com alguém da mesma tribo ou grupo étnico era costume comum nas antigas sociedades, mas a Bíblia vai além disto e apresenta princípios espirituais sobre o assunto. Entre os israelitas, esta prática era reforçada pelo desejo de se preservar o grupo da contaminação religiosa (Ex 34.15-16; Dt 7.3-4; Ed 9.2).

Abraão faz uma exigência básica a Eliézer: tem que ser do meu povo! Não pode ser diferente, tem que ser alguém que compartilhe os mesmos princípios, tenha os mesmos hábitos, e tenha o mesmo estilo de vida.  
O Antigo Testamento é radicalmente oposto ao casamento misto. A pergunta de Amós ecoa solenemente: “andarão dois juntos se não houver entre eles acordo?” (Am 3.3). No livro de Esdras a prática do casamento misto é tão esconjurada, que Esdras obriga as pessoas com tais casamentos a se separarem (Ed 9).
No Novo Testamento vemos os mesmos princípios. “Que comunhão entre a luz e as trevas, entre o crente e o incrédulo?” (1 Co 7.14-15) Tem que ser alguém que seja parte do meu povo, e que tenha raízes no mesmo Deus que eu tenho. Alguém com quem eu possa ajoelhar e orar.

Implicações práticas:

Considere isto: Imagine seu esposo, espírita convicto, levando seu filho para receber um passe com o guia espiritual? Ou um crente casando-se com um budista que insiste em construir um altar dentro de sua casa? Ou com um praticante de candomblé levando seu filho a tomar um banho de pipoca? Ou um católico insistindo em que seu filho reze um terço ou se curve diante de uma imagem e lhe dirija orações? Ou mesmo com alguém que não professe religião alguma e que no dia do carnaval resolva levar o filho para o baile, enquanto você gostaria de levá-lo ao acampamento? Ou querendo ir ao baile enquanto você gostaria de ir para a igreja?
Estas pessoas eventualmente podem ter uma educação mais refinada que a sua, serem pessoas de um alto nível educacional e gente sincera, mas são pessoas que não se submete ao mesmo Deus que você segue e não comunga da mesma graça da vida.
Abraão é claro a Eliézer: tem que ser do meu povo. Caso contrário você está desobrigado!

  1. Vá com alguém que também está buscando a direção de Deus e orando pelo assunto – É assim que este texto descreve Isaque (Is 24.63). Quando Rebeca o encontra pela primeira vez, ele voltava do campo, estava meditando. Esta vida de oração comum em Isaque, o leva posteriormente a ser um homem que construía altares e abria poços por onde passavam, atitudes estas que se tornem os meios para Deus derramar profundas bênçãos sobre a sua vida. A Bíblia nos mostra que este homem vai orar por um problema de Rebeca por 20 anos ininterruptos. Um casamento assim encontra graça e favor diante de Deus (Gn 25.19-26).

Se você está concordando comigo, gostaria propositalmente de estabelecer uma diferença aqui entre ser uma pessoa frequentadora de igreja e um verdadeiro discípulo de Cristo. Muitas pessoas acreditam que por encontrarem alguém na igreja, isto significa que tal pessoa professa as mesmas convicções cristãs. Nada poderia ser mais enganoso. É bom lembrar que Satanás também eventualmente anda ao redor da igreja. A busca deve ser por alguém que tenha o coração de servo e queira de fato edificar uma família cristã. A perspectiva deve ser de identificar alguém com quem gastará o resto de sua vida. Esta pessoa tem experiência com Deus? Considera isto importante?


Casamento é coisa séria!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Ap 13 As Duas bestas




Introdução:

O capítulo 12 descreve a batalha cósmica entre Cristo e Satanás. Analisamos a dinâmica das forças espirituais tentando dominar o propósito de Deus para a raça humana, o Grande e antigo dragão tentando destruir ao Filho da mulher, e visto ainda que a encarnação de Jesus representa um enorme risco para os propósitos de Satanás, por esta razão ele tenta de todas as formas destruir tal criança. Seu plano, contudo, é frustrado, e o Filho da mulher prevalece.

Ao entrarmos no capítulo 13, o drama se desloca do plano cósmico e se aproxima da dinâmica da história, sai do âmbito do eterno e invade os meandros da temporalidade, penetra os eventos da raça humana e se manifesta num contexto político e humano. Aqui percebemos como o sobrenatural não se distancia do natural e vice-versa. A história dos homens, é, em última análise, a história da intervenção de Deus na terra e a oposição dos poderes aparentemente neutros, a tudo aquilo que é verdadeiramente divino. A cosmovisão do Velho e do Novo Testamentos é permeada por toda uma compreensão da intervenção do sobrenatural no mundo aparentemente secular. O mundo espiritual e o físico, não são distanciados uns dos outros, não são compartimentalizados, divididos, antes complementares, vivendo uma relação na qual, mesmo quando achamos que os eventos são puramente naturais, eles estão recheados de espiritualidade. Por isso o apóstolo Paulo afirma que quer comamos ou bebamos, façamos tudo para a glória de Deus (1 Co 10.31) e que por mais humano que seja determinado evento, em última instância,”a nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra principados e potestades, nas regiões celestes” (Ef 6.10).

Francis Schaeffer denuncia o risco de criarmos uma teologia com dois andares filosóficos, como se estes mundos fossem totalmente diferenciados um do outro sem capacidade de influenciarem um ao outro ou se tocarem. Para ele, nossa teologia sistemática, tende a criar dois níveis, ou fazer a leitura destes universos de forma platônica e dualista. Assim, teríamos dois universos:

GRAÇA, O NÍVEL SUPERIOR
                              DEUS O CRIADOR; O CÉU E AS COISAS CELESTES:
                              O INVISÍVEL E SUA INFLUÊNCIA NA TERRA; A
                              ALMA HUMANA; A UNIDADE.
_________________________________________________________________
NATUREZA, O NÍVEL INFERIOR:
                              A CRIAÇÃO; A TERRA E AS COISAS TERRENAS; O
                              VISÍVEL E O QUE FAZEM A NATUREZA E O HOMEM
                              NA TERRA; O CORPO HUMANO; A DIVERSIDADE.[1]

O resultado é que, com esta leitura, dividimos o mundo em dois andares, mas a posição bíblica, sustentada pela reforma, não é uma concepção platônica. “Deus nos pode falar e dizer acca de si mesmo – não de forma exaustiva, mas de maneira real, não plena, mas verdadeiramente(…)Mas Deus nos tem falado também acerca de coisas pertinentes ao reino do finito, ao elmento criado”. [2] Em outras palavras, o universo espiritual e material não são seccionados, mas fazem parte de uma unidade cósmica.

O Livro de Apocalipse revela que os dramas cósmicos e terrenos se tocam constantemente. Não existe interlúdio ou espaço entre eles, antes se encontram em movimentos sincrônicos, que existe ingerência real entre os “dois-mundos”, que na verdade formam uma unidade. Este é um conceito bíblico, a história de Deus está sempre se inserindo na história dos homens, con-fundindo-se com ela. Vemos isto claramente na história de Israel, mas de forma ainda mais radical e profunda, na vinda de seu Filho que veio “tabernacular” entre nós (Jo 1.14).

Com isto em mente, voltemos ao texto que ora estudamos. No capítulo 13 de apocalipse, tal verdade torna-se ainda mais clara. Este texto nos mostra os agentes e instrumentos históricos sendo usados pelo dragão para fustigar e perseguir a igreja.

O que representam estas duas bestas?

1. A primeira besta – 13.1-10
Esta primeira besta tem características monstruosas, a segunda tem uma aparência inócua e amena, provavelmente isto nos revela que a segunda seja mais perigosa que a primeira.

A primeira coisa que nos é dita sobre ela é que sobe do mar - mar significa nações e seus governos (Is.17:12; Ap. 17:5)[3]   Simboliza o poder perseguidor de satanás incorporado em todas as nações e governos do mundo através de toda a história [4] Ou, conforme aponta Ladd, um símbolo da humanidade não regenerada, em constante agitação social, semelhante a um caldeirão borbulhante da vida nacional e social confusa, de onde surgem os grandes movimentos históricos.[5]
Ela tem dez chifres e sete cabeças. Os dez chifres da besta simbolizam seu grande poder.

Qual seria a melhor interpretação deste texto?
Muitos afirmam que é uma referência à Roma, porque fala de sete colinas e dez imperadores. Ellul afirma que esta idéia não está excluída podendo até ser feita, mas, na sua opinião é, por definição, muito limitada.[6] O chifre é ao longo de toda a Bíblia e nos escritos do Oriente, símbolo compreensível do poder. Ele é multiplicado por dez, que é o poder elevado ao absoluto. A cabeça é símbolo de domínio, de comando. Não é muito fácil saber se as sete cabeças representam sete imperadores subsequentes, mas os símbolos são claros. O fato de haver pluralidade (7,10), indica igualmente que não é um poder particular que é visado, trata-se de uma potência geral, mais constante, não fala apenas de Roma, mas da potência absoluta do mundo político[7] Embora as formas sejam diferentes, a essência permanece a mesma. O governo do mundo dirigido contra a Igreja.

Sobre as cabeças havia nomes de blasfêmia”

A besta tem prerrogativas divinas, traz um nome de divindade sobre a cabeça, exigindo que os homens a adorem. (Vs. 4) Talvez fosse uma alusão aos títulos de divindades que os imperadores usavam na tentativa de promover a crença de que eram divinos. Um deles era Augustus (Otávio, o primeiro imperador assumiu este título). Provavelmente esta fosse uma referência ao culto dos imperadores. Eles se auto intitulavam deuses. Domiciano, (81-96 d.C), que viveu nos dias de João exigia que as pessoas se dirigissem a ele com o título Dominus et Deus – Senhor e Deus. Diversos imperadores usaram o adjetivo divus nas moedas, a deificação do Estado e de seu governante era uma prática comum em Roma.

A exigência do imperador era assunto gravíssimo para os cristãos, “pois afetava tanto a lealdade do indivíduo à soberania de Cristo, como o conceito cristão da obrigação que o homem tem para com o Deus invisível”.[8] Contudo, rejeitar a adoração de tais estruturas, era, por outro lado, extremamente complicada. O Império havia trazido a pax Romana, unidade e prosperidade ao mundo civilizado, o imperador simbolizava esta grande força unificadora, e prestar-lhe honra era sinal de patriotismo. O povo cristão, ao resistir a adoração de César, se tornava opositor do império e do imperador.

Existem vários aspectos que devemos considerar quando falamos da besta:

a)- Esta besta é golpeada de morte, ferida mortalmente, e curada.(13.3)  Esta simbologia demonstra o poder do Estado, revela que sua força política pode ser questionada, ou mesmo ferida e quase sempre o é, mas ressurge das cinzas e aumenta o seu prestígio diante de cada nova crise. Cada vez que um poderio militar é ameaçado e resiste às oposições, brota com força ainda maior e impressiona mais o povo.

b)- Outra imagem forte refere-se ao poder de alcance de tal governo. Ele tem autoridade sobre cada tribo, nação, povo e língua. Este poder é exercido de forma universal e total. Impressiona-nos ainda que ele tenha poder e obtenha vitória sobre o povo de Deus, pois o texto nos afirma que ele tem o poder de vencê-los. João anuncia de forma profética, que a igreja de Cristo muitas vezes viverá o dilema do aparente fracasso de sua missão, que muitas vezes a igreja de Cristo será isolada de direitos, e que provavelmente questionará o aparente abandono de Deus e suspeitará de sua própria relação com o Pai, diante da aparente derrota para os poderes malignos (Vs.7) Conforme o relato do vs. 4 este poder político torna-se concorrente de Deus pois a besta é adorada.

c)- Novamente encontramos o conceito de “42 meses”, isto é, três anos e meio, figura que denota um período limitado de perseguição.

A besta blasfema e se opõe a Deus. Ellul chama a atenção para o fato de que antes de mais nada é o povo que busca o Estado para o adorar, e são eles que encontram a razão lógica para se curvarem ao Estado e lhe darem atenção e louvor. “Quem é semelhante à besta, quem pode pelejar contra ela?”. Vs. 4 Tais pessoas não encontram divindade maior que o Estado, por isto o adoram, colocando nele a sua esperança e fé.

Como esta besta pode acumular tanto poder e glória?

O vs. 4 declara que esta autoridade é concedida pelo dragão. Com isto Apocalipse revela que esta força política não provém de fatores meramente sociológicos nem é subproduto de uma história cega e amorfa, mas vem da potência do dragão. Por mais admiravelmente construído que esteja, por melhor que seja sua organização, por mais politicamente correto que sejam seus princípios, tais poderes são gerados, concebidos e concedidos pela força do destruidor, a antiga serpente. Os poderes do mundo presente estão permeados pela ação do sobrenatural. O mundo visível é profundamente permeado por realidades invisíveis e é influenciado por elas.

II.   A segunda besta- Ap 13.11-20

Existem várias interpretações para a segunda besta. Embora tais interpretações sejam distintas, não são opostas. Ellul afirma tratar-se da propaganda. “É ela que anima a imagem e lhe dá a palavra. Uma vez mais a grande arma da segunda besta é a palavra. Ela põe as suas palavras na boca do  Estado; é através dela que o Estado fala e se faz conhecer, designar, obedecer. Portanto, estamos verdadeiramente diante da obra extraordinária da animação de uma estrutura morta, de uma organização estéril, de um mecanismo de poder que se torna presença viva e vital. Ora, o que efetivamente desempenha todos estes papéis é exatamente a propaganda”.[9]

Para Hendriksen, trata-se da religião e filosofia falsa. “A primeira besta sobe do mar, a segunda sobe da terra. A primeira é a mão de satanás, a segunda é a mente do diabo. A primeira representa o poder perseguidor de satanás operando em e por meio das nações deste mundo e seus governos. A segunda simboliza as religiões falsas deste mundo”.[10]

Para McDowell, refere-se aos sacerdotes ou oficiais do culto ao imperador. “Os chifres representam a natureza aparentemente mansa da besta – mas os chifres contradizem a voz da criatura, que fala como dragão, isto é, com voz de Satanás. Sua aparência exterior, portanto, é pretensa e hipócrita. Ele é um falso profeta…Eis revelado o sinal determinante do falso profeta de todo tempo – ele se submete aos homens e à autoridade temporal. A função da segunda besta é a de assegurar obediência à primeira besta e fazer com que todos os povos do império a adorem”.[11]

McDowell ainda cita um ponto de vista paralelo ao seu, encontrado em Swete que afirma tratar-se “da feitiçaria e superstição do tempo como empenhadas no intuito de impor o culto de César sobre as províncias. Representa todo sistema religioso que se alia com as forças hostis do mundo contra a fé cristã”[12].

Cada uma destas interpretações ilumina aspectos simbólicos da besta que emerge da terra. O objetivo desta segunda besta é fazer com que a terra e seus habitantes adorem a primeira besta, tem como objetivo, promover a imagem da besta. Cada uma destas idéias pode facilmente ser aplicada a esta perspectiva hermenêutica.

Esta segunda besta apresenta-se na forma de um Cordeiro, mas tem fala de dragão. É benigna na sua aparência, apresenta-se inofensiva, revela doçura. Assemelha-se a um cordeiro, mas interiormente encobre um monstro perigoso. Seu pensamento interior, sua essência e seu caráter se revelam no seu modo de falar. É a mentira com aparência de verdade. Não é isto mesmo que nos faz a propaganda, nos tentando convencer que um determinado produto é bom, mesmo que ele não preste?  Gerando em nós necessidades sem que realmente precisemos deles? A propaganda quase sempre é enganosa, sedutora…

O mesmo se dá com os sistemas filosóficos e religiosos, Satanás se transformando em anjos de luz, transformando os seus ministros em ministros da justiça.  (II Co.11:14-15) Isto simboliza todos os perigosos sistemas religiosos que tem surgido, “vestidos de ovelhas, mas sendo lobos vorazes interiormente” (Mt 7.15). A religião pagã batalha contra a verdade do Evangelho e luta para destruir a igreja e sua mensagem.

O grande desafio nosso é distinguir o falso do verdadeiro. O problema é que estas forças espirituais possuem apelos fortíssimos.  Tem aparência de poder “também opera grandes sinais, de maneira que até fogo do céu faz descer à terra diante dos homens, seduz os que habitam sobre a terra por causa dos sinais que lhe foi dado executar diante da besta” Este apelo pelo mágico, pelo misticismo, pelos sinais exteriores são extremamente fortes. “O problema com o falso profeta é que ele não representa apenas a religião formal, mas representa o verdadeiro poder de Satanás”[13]O aparecimento do iníquo é segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais e prodígios da mentira, e com todo o engano de injustiça aos que perecem” (2 Ts 2.9-10) 

Embora possamos nos referir a este milagres como pseudo milagres, não podemos negar a forte evidência de poderes dentro de religiões pagãs, e nem a Bíblia o faz. O diabo, segundo estes dois textos citados, opera sinais, faz milagres, dá aparência de ser Cordeiro, mas mesmo quando o dragão é capaz de efetuar tais maravilhas que é capaz de seduzir os moradores da terra, seu objetivo é destruir a alma daqueles que são confundidos por tais sinais, pois seu objetivo único é matar, roubar e destruir.

Antes de concluirmos este capítulo, temos que ainda fazer referência a dois assuntos muito discutidos nos meios teológicos, e que suscitam muitas questões e controvérsias.

a)-  O que significa a marca a besta?

Muita especulação tem surgido sobre a possibilidade de que isto signifique algo literal. Fala-se hoje na possibilidade de se criar um sistema de identificação universal, que seria lido por laser e que seria colocado na fronte ou na mão direita. Cada pessoa possuiria assim um determinado número, e onde quer que ela estivesse seria prontamente identificada. Do ponto de vista tecnológico, é bom que se saiba que isto é perfeitamente possível. Leituras de barras e um sistema simples de computação atual seria quase suficiente para que isto se tornasse exeqüível.

Contudo, é bom lembrar que a fronte é simbólica da inteligência, da mente, dos pensamentos, da filosofia de uma pessoa. (Dt 6.8)  Estes homens devem pensar conforme o pensamento do Estado, e isto tem muito a ver com a ideologia de um sistema ou de um partido. A mão, por outro lado, é símbolo dos atos de uma pessoa, sua ocupação, seu trabalho, sua habilidade. As pessoas que tem esta marca nas mãos, agem em favor desta determinada estrutura. Muita coisa tem sido feita no mundo da arte, da literatura, da filosofia, da ciência, a favor de sistemas opressivos. Nos dois casos, podemos dizer que a marca é símbolo de dependência, tais pessoas vivem para agradar e servir estes poderes.

O texto afirma que nenhum homem pode vender ou comprar sem esta marca da besta. (Vs. 17)  Aquele que se recusa a entrar no sistema, que não se subordina à pressão que este sistema gera e que esta organização desencadeia é posto à margem da sociedade, não pode exercer mais nenhuma função, mesmo o ato mais simples de comprar ou vender.

Onde quer que este sistema anti Cristo se imponha a igreja sofre martírio, é expoliada de seus bens e direitos, tem sua liberdade limitada e sofre sanções econômicas. Por não se curvar diante de sistemas corruptos, por se negar a ter “a marca da besta”, por não se enquadrar neste jogo filosófico, o povo de Deus enfrenta terríveis limitações. A perseguição se dá, pela recusa em se submeter à marca.

b)- Qual é a interpretação de 666, o número da besta?

A tentativa de decifrar este número pelo método da geometria, deu inúmeros resultados fantasiosos, alguém com uma inteligência mais impressiva, pode conseguir resultados mirabolantes. Por exemplo, o número 666 tem sido, repetidas vezes ao longo da história, atribuído ao papa. Basta transformar em algarismos romanos, a frase que se encontra na Mitra Papal Vicarius Filli Dei, e o resultado é surpreendente:

VICARIVS FILII DEI.
  V=5 +
I=1 +
C=100 +
A =0
+ R=0
+ I=1
 + V=5
 + F=0
 + I=1
 + L= 50
+ I=1
 + I=1
+ D=500
+ E=0 +
I=1 =
Total 666.

De Nero até Hitler, através de tais métodos e com alguns pequenos ajustes é possível descobrir certas comparações imaginativas mas que carecem de fundamento exegético e hermenêutico sério. Parece-nos, contudo,  que o que é mais comumente aceito, e mais claro método, é entender a oposição entre os números 6 e 7. Sete é o número da perfeição e seis, 6 o número da imperfeição. Seis é um número sempre próximo ao sete, mas, ao mesmo tempo, infinitamente longe. Seis nunca será sete, sendo eterna e infinitamente próximo, mas ao mesmo tempo, matematicamente impossível de ser sete. Seis é eternamente imperfeito.
Entretanto, temos ainda outra pergunta a ser feita: Por que o número seis surge acumulado?
Ellul sugere que trata-se do número que acumula imperfeições para tentar finalmente atingir a perfeição, se fazendo passar por sete. Ellul sugere ainda que quando o texto nos exorta a sabedoria, ou ao entendimento, a ênfase não está na decifração do número seis, mas na capacidade de discernir as manipulações presentes entre nós, que os poderes deste tempo presente fazem da propaganda, ou se preferirmos, das filosofias, das falsas religiões e dos falsos profetas. Quem tem entendimento discerne no mundo, as sucessivas manifestações que surgem desta segunda besta, cujo objetivo é promover, é levar-nos a adorar e a nos curvarmos diante do poderio do Estado e das forças político-econômicas que interagem entre nós e que muitas vezes são poderosas para pelejar contra os santos e vencê-los, e que ocupa muitas vezes o lugar de Deus, com a boca que profere arrogâncias e blasfêmias contra Deus e para assumir o lugar de Deus, seduzindo assim os moradores da terra, por causa dos grandes sinais que são capazes de realizar. Tais sistemas aparecem múltiplas vezes na história, repetindo-se de forma diferenciada, mas sempre com o objetivo de nos levar a curvarmos diante da imagem da besta.

Conclusão:

Este texto nos desafia em alguns pontos de forma extremamente significativa:

1.    Como entender a vitória temporal da besta sobre o povo de Deus? – O texto afirma que foi dado a primeira besta, a capacidade de “pelejar contra os santos e os vencer” (vs.7). Ora, sempre ouvimos falar da igreja de Cristo sendo vitoriosa, confrontando os poderes das trevas e rompendo em fé, mas qual seria nossa reação vendo que a besta prevalece contra o povo eleito e amado de Deus?

Este texto nos revela que, muitas vezes, Satanás obtém vitórias sobre o povo de Deus. Quantos mártires foram executados por sua fé? Na história há relatos de vilas e aldeias inteiras sendo destruídas por poderes que se opunham à verdade do Evangelho. Na noite de S. Bartolomeu, cerca de 70 mil protestantes foram massacrados num ataque levado a efeito durante a noite, por ordem de Catarina de Médicis.[14] Muitas vezes a igreja de Cristo tem a impressão de orfandade. É a vitória parcial da besta contra o povo de Deus. A vitória da besta se dá através das forças políticas, da pressão do comércio, das forças históricas, e muitas vezes se tem a impressão que é o triunfo das trevas. O povo de Deus pode se sentir desencorajado, ter dúvidas acerca do cuidado e da presença de Deus sobre a igreja, mas é bom pensarmos em duas frases deste texto:

·      Quem tem ouvidos para ouvir ouça – vs. 9 Esta frase foi empregada depois de uma declaração de que só adorarão a Besta, aqueles fujos nomes não foram inscritos no livro da vida do Cordeiro, que foi morto desde a fundação do mundo. (13.8) Esta é uma afirmação fortíssima. Na mente e nos planos de Deus, a morte de Jesus não aconteceu de forma  histórica a dois mil anos atrás, mas ele já havia sido morto, em favor de nossos pecados, desde a fundação do mundo. A nossa redenção foi preparada, e Deus nos escolheu em Cristo, antes da fundação do mundo. (Ef.1:4) Traduzindo isto, Deus já havia considerado o seu povo de forma especial, antes que o mundo existisse.

·      Aqui está a perseverança e a fidelidade dos santos – vs. 10 Precisamos entender esta frase no seu contexto, e o contexto dado aqui não é nada fácil: “Se alguém leva para o cativeiro, para cativeiro vai. Se alguém matar à espada, necessário é que seja morto à espada. Aqui está a perseverança e a fidelidade dos santos”. O texto afirma que, seja qual for o momento em que a igreja estiver, seja ele de perseguição (A idéia de cativeiro), ou mesmo a morte (necessário é que seja morto à espada), o povo de Deus não vai retroceder. A besta, os sistemas, as estruturas humanas e históricas poderão levar a efeito situações extremas contra o povo de Deus, mas a perseverança e a fidelidade dos santos vai ser conhecida no meio destas fortes aflições. Aqui está a perserverança e a fidelidade dos santos”.

2.    Como lidar com os sinais e prodígios da mentira?  Somos uma geração fascinada pelo mágico, nos impressionamos facilmente com sinais, sem levarmos em conta:

i.     A procedência de tais sinais – A Bíblia não nega que o diabo tenha poder para realizar sinais. Ao vermos coisas mirabolantes e excepcionais acontecendo, tenhamos cuidado de não atribuirmos a Deus aquilo que não foi feito por ele. Provai os espíritos”,  (I Jô.4:1).

ii.   Este sinal glorifica a Deus? Exalta o nome do Senhor Jesus, ou é só um engodo?  Não basta que o nome de Jesus seja citado, é necessário que Jesus esteja realmente sendo louvado. Muitas vezes, o nome de Jesus é apenas uma isca para distrair nossa atenção. Quantos espíritas realizam milagres usando supostamente a Bíblia e a pessoa de Jesus?

Muitas vezes isto é fácil perceber. Por exemplo, quando existe propaganda em torno do curandeiro. Neste caso o foco do poder passa a ser da pessoa que opera milagres, mais do que em torno de Jesus. Muitos milagres são apenas o disfarce, a propaganda, para atrair pessoas a um determinado sistema manipulativo, usado para fins interesseiros, com o propósito de extorsão e manipulação da fé de pessoas angustiadas e desesperançadas. Outras vezes não é tão fácil…As coisas surgem de forma camuflada, tem aparência de sabedoria, e são muito mais complicadas. Neste caso, o terceiro ponto é bem apropriado…

iii.  O Espírito testifica em nosso Espírito? A Bíblia diz que quem se curva diante de tais forças são aqueles que não receberam a iluminação do Evangelho de Cristo e cujos nomes não foram escritos no livro da vida do Cordeiro. (Ap. 13:8) O falso profeta, contudo, não terá o poder de enganar os santos. (Mc.13:22)

3.    A extensão da redenção do Cordeiro de Deus – o texto afirma que este Cordeiro foi morto, desde a fundação do mundo. Vs.8  Isto é, antes que existisse mundo, antes do universo ser criado, nos planos eternos de Deus, o seu Filho Jesus foi designado para morrer como Cordeiro, a sofrer a minha vergonha,  a me substituir, a estar em meu lugar. Desde a eternidade, Deus o Pai sabia que não seríamos capazes de realizar a salvação por nós mesmos, e por isto designou seu Filho para estar naquela cruz. Aquela cruz é o ponto zênite da raça humana, é o clímax da obra de Deus e de seu plano para a humanidade, por isto aquela cruz é central na interpretação das Escrituras sagradas, e é fundamental para nossas vidas. A nossa redenção nos está assegurada desde a fundação do mundo e se baseia nos eternos propósitos de Deus. Desde a eternidade ele era o Cordeiro que foi morto, e desde seu aparecimento histórico e temporal ele era a projeção do eterno plano da redenção divina. Os poderes políticos podem agir temporariamente e obter alguma vitória, mas acima do tempo e do espaço, o Cordeiro tem o domínio absoluto e desde a eternidade ele já tem o nome daqueles que foram escritos no livro da vida e que foram remidos pelo seu precioso sangue.

4.    A resistência aos sistemas : Muitas vezes ao falarmos de sistemas, pensamos nas expressões mais agudas do mal. Governos políticos inescrupulosos, com milhares de pessoas sendo executados de forma brutal, como o III Reich ou o fascismo. Outras vezes pensamos no lado negro da existência humana revelada em figuras caricaturais envolvidas com vudismo, macumbaria, pacientes dependentes finais de drogas, etc. Nunca pensamos na figura do dragão sem que nos venha uma imagem caricatural de seu ser. Mas, o que fazer quando os sistemas são altamente sedutores e fascinantes? O que fazer quando tais sistemas vem com uma roupagem atraente, com sistema de juros atraentes e proposta de uma vida melhor?. Com leis que se transformam em fonte de extorsão e dor para os pobres, mas cuja roupagem é aparentemente benigna? O que fazer quando os sistemas são dominados por homens de colarinhos brancos, que aparentemente são bons exemplos de pais de família, viajam de primeira classe mas “decretam leis injustas e escrevem leis de opressão para negarem justiça aos pobres, para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo, a fim de despojarem as viúvas e roubarem os orfãos?” (Is 10.1-12)?

Como podemos nos defender do atual sistema que gera em nós dependência de consumo e de aquisições de bens, de tal forma que nos submetemos à sua força, entregamos nossa mente, nossa inteligência, nossa força e nosso trabalho para servi-lo, sacrificando muitas vezes nossa saúde, nossa família, nossa vida espiritual e o Reino de Deus? Sistemas que nos dão gratificação financeira mas que em troca exigem nossa adoração? Não seria isto o que significa a marca da besta?

É interessante observar que neste século, os 4 maiores sistemas filosóficos de maior popularidade e aceitação são opostos, na sua essência, aos valores cristãos:

i.     Marxismo – (Campo Social) Sistema elaborada sobre a teoria da luta de classes, que vê a religião como elemento de alienação social, que impediria o crescimento das pessoas, sendo um impecilho a crítica às forças históricas que interagem no âmbito social. O marxismo está fundamentado na teoria do materialismo dialético elaborado por Hegel. Nele não se vê nenhum ato de Deus, as forças são meramente humanas. Marx chegou a afirmar que a religião é o ópio do povo. Os líderes religiosos usariam estrategicamente a religião para neutralizar a capacidade de reação dos pobres. Ópio é um narcótico, que rouba o poder de crítica dos homens e os impossibilita de agirem diante da opressão social.

ii.   Existencialismo – (Campo Filosófico). Entre os seus precursores encontramos  Nietzsche, Camus e Sartre. Afirma que a vida deve ser vivida aqui e agora, que a história não tem sentido, que vivemos no meio do caos, não existe nenhum significado por detrás da tola e fútil vida humana, que somos apenas uma folha solta ao vento. Não sabemos de onde viemos, porque vivemos e nem para onde vamos. No meio desta insustentável leveza do ser, só resta ao homem, viver cada dia da forma mais intensamente apaixonada possível. O que importa é o agora. Não existe Deus, não existe juízo, não existe certo e errado, tudo é relativo. Talvez a melhor frase para sintetizar seu pensamento filosófico tenha sido expresso por Sartre: “O mundo é um caos, absurdo. Deus dá ordem ao absurdo, mas Deus não existe”.

iii.  Psicanálise -  (Campo Psicológico) A psicanálise foi elaborada por Freud, que hipervalorizou a sexualidade como forma de encontrar o sentido para o viver humano. Freud via a repressão sexual, como o fator de maior conflitividade para o ser humano. A liberação sexual, ou a não repressão aliviaria esta carga neurótica presente no ser humano. Freud via a religião como uma neurose obsessiva compulsiva. Critica fortemente a religião no seu livro “O mal estar da civilização” e ainda hoje exerce enorme influência no campo da psicologia. Embora não possamos negar sua valiosa contribuição, nem como a dos outros autores acima citados para o campo literário, é assustador a influência quase massiva que exerce sobre a psiquiatria e na pesquisa da psicologia humana.

iv.  Darwinianismo – (Campo Científico e antropológico) Se o existencialismo exerce grande influência na filosofia, o marxismo no campo sociológico e o freudianismo no campo psicológico, o Darwinianismo vai criar uma corrente que causa furor e controvérsia no campo da ciência. Darwin via o surgimento das espécies como fruto do acaso, não de um Deus sábio e providente. Isto foi chamado de geração espontânea. As coisas surgiram como resultado da obra evolutiva e não haveria nenhuma mente inteligente ou criadora por detrás. Embora normalmente nossa grande controvérsia ocupe a questão da teoria sobre a origem das espécies, acredito que como cristão, a grande controvérsia deveria ir numa dimensão mais profunda, isto é, no fato de Deus ter sido retirado da criação e da providência do universo. Esta teoria científica afirma que a história da humanidade está entregue a uma força cega e impessoal, entregue a si mesma, sem nenhuma ação de um Deus Poderoso e pessoal, que criou os céus e a terra e sustenta todas as coisas pela palavra de seu Poder. Para eles, a idéia de Deus pode ser facilmente suprimida dos cosmos.

Outro ponto que se faz necessário refletir. É muito fácil identificarmos no materialismo dialético  formulado por Hegel e popularizado por Marx, um sistema oposto ao cristianismo, porque eles se declaram um sistema sem Deus. Mas honestamente, seria o capitalismo um sistema sagrado como muitas vezes querem nos fazer crer? Com seu método exploratório e tantas vezes desumano de gerar riquezas à custa da miséria e do sofrimento de pessoas pobres, e o empobrecimento de tantos países? Podemos afirmar que tal sistema é cristão? O que se ensina nas faculdades seculares dentro do espírito do capitalismo é igualmente satânico. Talvez Schaeffer tenha sintetizado bem o que estou querendo dizer: “A diferença entre o comunismo e o capitalismo é que no capitalismo, o homem oprime o homem, no comunismo é o contrário…”  Não se assuste com a frase, ela está escrita de forma correta.

Facilmente repudiamos as formas grosseiras de oposição a Deus, mas engolimos e somos seduzidos pelo convite que Satanás nos faz de colocarmos nossa mente, nossa inteligência, nosso raciocínio (nossa fronte) para receber sua marca e sem nenhuma crise somos capazes de colocar nossa força, nossos braços, nossa energia para servir a sistemas que nem sempre entendemos a que fim se destinam, (nossa mão direita) e muitas vezes sequer temos consciência de onde vão nos conduzir

Provavelmente era esta a idéia deste texto: “Aqui está a sabedoria, aquele que tem entendimento, calcule…” (Ap 13.18)




Samuel Vieira
West Springfield, Set. 15, 2000






[1] Schaeffer, Francis - A morte da razão, São Paulo, Fiel & ABU, 4a. edição, 1986, pg. 7
[2]  Schaeffer A. Francis, Op. cit. 82
[3] Hendriksen, W. 1965 - pg. 176
[4] Hendriksen, W.  1965 - pg. 176
[5] Ladd, George - 1980 - pg. 131
[6] Ellul, Jacques - 1980, pg. 97
[7] Ellul, Jacques - 1980, pg. 97
[8] McDowell, E. A., 1976, pg. 117
[9] Ellul, Jaques, 1980 – pg.101
[10] Hendriksen, W., 1977, pg. 174-175
[11] McDowell, E. A., pg. 120
[12] H.B.Swete – The apocalypse of St. John, pg. 172
[13] Ladd, George , 1980. Pg. 136
[14]  Ver História da Igreja Cristã, Robert Hasting Nichols, Casa Editora Presbiteriana, 1978 pg. 168