quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Gn. 30 Relacionamentos neuróticos na família



Introdução:

Família é um lugar de ambigüidades. É na família que experimentamos as maiores alegrias, mas também é na família que os maiores traumas e dores são construídos, indo desde a agressão, a negação, a desvalorização, até a violência e abusos verbais e até mesmo sexuais. Família é palco de batalha espiritual, e famílias cristãs não estão isentas desta luta. É necessário que estejamos atentos para discernir movimentos espirituais dentro de casa. A mulher Siro fenícia que busca a Jesus porque sua filha estava horrivelmente endemoninhada. Neste caso, Satanás tinha feito um “ninho” dentro de seu lar, e estava afetando e matando toda a alegria da família (isto só se cura com enfrentamento, oração, jejum, confrontação espiritual), e trazendo doenças emocionais (Mt 15).
Algumas famílias trazem patologias genealógicas que só a cruz de Cristo pode romper. Por isto Pedro afirma que Jesus nos comprou com seu sangue, e um dos objetivos dele era nos livrar do “fútil procedimento que nossos pais nos legaram” (1 Pd 1.19). Nossos pais nos amaram, mas isto não os isentou de pecarem contra nós e trazerem conflitos e dilemas que são tão presentes nas biografias familiares. Estas lutas são vencidas com confissão, arrependimento, vulnerabilidade e quebrantamento.
Nelson Rodrigues, dramaturgo brasileiro, com seu cinismo implacável afirmou que “família, na melhor das hipóteses, só serve para enriquecer a indústria farmacêutica e dar emprego a psiquiatras”.
Famílias abrigam contradições.                 
Este texto nos mostra isto de forma muito clara. Veja como numa única família existe tanto espaço para acusação, e manipulações.

1.       Família pode se transformar em lugar de barganha e manipulação

No lar de Jacó vemos relacionamentos construídos na relação compra/venda:
ü       Labão negocia Raquel quando Jacó lhe pede em casamento, e depois de ter “pago” o preço do dote, ele lhe entrega Lia, a filha mais velha (Gn 29.21-30)

ü       Raquel entrega Bila, sua serva, a Jacó, para ser possuída por ele (Gn 30.3-8). Bila, uma serva, é instrumentalizada. Não tem voz nem vez. Participa da família como objeto de troca.

ü       Lia entrega Zilpa (Gn 30.9-13). instrumentalizando também sua serva. Evidentemente não tinha qualquer preocupação com ela, mas deixou que seu narcisismo patológico e desejo de dominação usasse a outra para seus propósitos mesquinhos.

ü       Lia “aluga” Jacó: “Esta noite me possuirás, pois eu te aluguei” (30.3,16) Obviamente era um lar poligâmico, e podemos nos justificar dizendo que estas coisas não acontecem em nossas casas. Recentemente uma mãe foi presa por vender sua filha de apenas nove anos para ser escrava sexual.

Na Bíblia vemos vários exemplos de lares onde outros foram instrumentalizados por causa da vaidade, capricho ou ambição.
ü       Adão instrumentaliza Eva. Quando Deus criou a raça humana, a Bíblia diz que Deus os chamou de Adão (Gn 5.2). Ambos tinham o mesmo nome, isto significa que ambos tinham atividades comum: “Crescei, multiplicai-vos, enchei a terra”, esta dimensão política da raça humana, era também uma tarefa da mulher que dela participava. O nome Adão, dado à raça, vem de Adamã (terra), mostrando uma profunda identificação do homem com a natureza. Mas ai o homem pecou, começou a criar mecanismo de acusação e defesa diante de Deus. E logo em seguida, uma das primeiras atitudes de Adão foi dar outro nome a Eva (Gn 3.20). Por que ele fez isto? Por que mudou o seu nome afirmando que ela era a mãe de todos os seres, e que por isto precisava ter outro nome?

A razão é simples. Na cultura semita, quem dá o nome tem o controle do outro. Por isto que Deus recusou a dar seu nome a Moisés quando este quis saber. Era como se Deus dissesse que Moisés não iria dominá-lo e controlá-lo.

ü       Saul também instrumentaliza sua filha Mical. Como ele estava com muito medo da popularidade de Davi, resolveu dar sua filha a ele, desde que ele matasse 200 filisteus. Mical é envolvida nesta trama familiar, sem direito a voto. Ele não quis saber sua posição, e anos mais tarde veremos que as relações entre os dois nunca mais foram amigáveis, se é que em algum dia havia sido.

Ainda hoje, podemos ter a mesma tendência de instrumentalizar os outros. Como?

¨       Mulheres que manipulam seu corpo para gerar desejo, sem satisfazer o outro. “Usam o sexo como arma” – provocam mas não se entregam…

¨       Cônjuges que não dão dinheiro para obrigar o outro a ser mais afetiva, ou que negociam benesses se o outro fizer o que querem.

¨       Filhos podem instrumentalizar pais, e pais podem instrumentalizar filhos. Casais em suas brigas colocam os filhos no meio de um fogo cruzado, transformando o outro em vilão, jogando os filhos contra o cônjuge, sem pensar nas conseqüências emocionais que podem gerar. Filhos podem fazer ameaças aos pais porque alguma coisa não lhes foi dada, causando muitas dores dentro de casa.

¨       Mães podem fazer de conta que estão morrendo quando alguma coisa acontece dentro de casa, simplesmente para manipular filhos. Filhos podem ter “acessos” e perder o fôlego (e olha que fazem isto desde bebês), para controlar a família.

¨       O caso mais estranho do qual participei, se deu com uma jovem de minha comunidade: Ela perversamente acusou o marido de ameaçá-la, de ser um farsante, um mentiroso (na verdade ele era), de a ter estuprado (na verdade ela forçou a barra para ter sexo uma vez com ele). Tudo isto para encobrir um envolvimento afetivo que ela estava tendo com um rapaz, e para se justificar num futuro divórcio que ela planejava pedir criou um drama familiar para que amigos, pastores e a igreja a apoiassem na sua decisão.

¨       Pessoas instrumentalizam amigos para conquistar seu objeto amado.

¨       Em processos de divórcio, os cônjuges usam o outro para serem aceitos, para isto jogam o filho contra o cônjuge. Traz amigos como aliados, pastor, parentes, tudo para mostrar que o outro era o problema. Juntam provas de acusação.

2.       Família eventualmente se torna lugar de desprezo e descaso nas relações. Jacó despreza Lia (Gn 29.31), que era um joguete no meio de uma família disfuncional. Jacó a considera, e a coisa mais dura de um relacionamento é a indiferença, o desprezo. Deus adverte que os homens amem suas mulheres. Normalmente cremos que o oposto do amor é o ódio, mas na verdade, a expressão mais dura do ódio é a indiferença.

¨       A Bíblia fala de como Deus julgou Mical, porque esta “desprezou Davi em seu coração”  (2 Sm.6.16).

¨       Muitas vezes este desprezo é manifesto na forma como o outro se relaciona com o corpo;

¨       Outras, na superioridade intelectual;

3.       Família tem grande potencial de competição e luta – Facilmente transformamos nossos relacionamentos que deveriam ser de aceitação e encorajamento, em alguma coisa competitiva e brutal. O outro passa a ser visto como adversário, e achamos que precisamos derrotá-lo!

Raquel e Lia competem por causa de Jacó, mas muitas vezes a disputa se dá em torno de um homem, uma mulher, ou em torno de bens, heranças, privilégios, primazias. Briga-se por direitos.
A linguagem de Raquel é de uma mulher que sai para brigar com  Lia: “Disse Raquel: com grandes lutas tenho competido com minha irmã e logrei prevalecer; chamou-lhe, pois, Naftali” (Gn 30.8). O nome do filho é usado como forma de desabafo. Obviamente, o problema de competição está sempre presente nos relacionamentos. Raquel inclusive usa este termo: “com grandes lutas tenho competido” (Gn 30.8).

As disputas podem se tornar sutis: Quem ganha mais?
Numa cultura mercantilista de vale quanto pesa... Maridos competem com esposa.
Quem é mais agradável, serviçal, crente, etc;
Quem é mais competente? Quem tem mais poder: Poder para saber quem tem mais razão!
Quem manda mais...

Neste ambiente, Mamom facilmente é entronizado, e filhos se tornam competitivos. Quando surge alguma pequena herança, isto se torna um inferno. Briga-se por centavos (ou por muito). A benção se torna maldição, as acusações explodem. Já vi pessoas sugerindo que preferiam dar seus bens ao estado que aos filhos, irmãos que pararam de conversar por causa da competição financeira. O ódio floresce. Na família de Jacó, todos os filhos vão nascendo por razões e interesses pessoais da luta que existia entre Lia e Raquel. A convivência tensa as leva a altercações e barganhas baratas (Gn 30.15), e este negócio vai continuar de forma maligna nas próximas gerações.

Raquel se torna enciumada e Lia provocativa. Esta a suborna com as mandrágoras (Gn 30.14-18) e Jacó frauda e usa meios possíveis para ter lucros pessoais. Ele acusa Labão de ter mudado seu salário por dez vezes (Gn 31.7).

Quais são as características de lares competitivos e manipulativos?

  1. Relação de suspeita e oportunismo – Não um lugar de aceitação, acolhimento e cuidado. Labao trapaceia Jacó (Gn 30.31-36); Jacó trapaceia Labao (Gn 30.37-43). Posteriormente os filhos de Jacó venderão seu próprio irmão, José, porque Jacó instigou a competitividade e disputa entre eles, num ambiente já favorável por ser polígamo.

  1. Inimizade entre os irmãos – José e seus irmãos nascem e crescem neste ambiente de disputa. Ninguém confia em ninguém! José é esnobe, arrogante na sua atitude; seus irmãos irritados e ofendidos por opções preferenciais de um pai que permitiu que sua casa se transformasse num ambiente insuportável. Ele, que já vinha de um lar marcado por competição, pois era assim seu relacionamento com Esaú, de certa forma provocada pela indiscrição de seus pais ao fazerem predileção por um filho ou outro.


  1. Até as coisas mais sagradas (espiritualidade), são envolvidas. Raquel consegue roubar os ídolos do lar da casa de seu pai, e escondê-los debaixo de sua sela. Os deuses se transformam em vitimas...

  1. Perda da confiança – Jacó sai fugido (Gn 31.20-21). Labão acusa Jacó: “Por que fugiste ocultamente?” (Gn 31.27). Na verdade nem as filhas se importaram com o pai, já que, de comum acordo, elas que não concordavam em nada, decidiram sair de casa sem dar satisfação à família. Percebe-se assim, um nítido distanciamento afetivo, e Labão, sem razão, reclama. Ele tinha uma grande dose de culpa quando colocou lucros acima de pessoas, e manipula suas filhas entregando-as a uma relação difícil.

4.       Família pode se transformar em um lugar de projeção e deslocamentos – Raquel vê Jacó como a causa de seu fracasso e de sua impotência (30:1-2)  Raquel transfere sua frustração ao marido.

Raquel não conseguia se engravidar por causa de sua própria dificuldade, e logo encontrou na figura de Jacó, a causa de estar naquela situação.

Esta ira inconsciente vem nas seguintes formas:
¨       Não sou bem sucedido, por sua causa...
¨       Minha família é desordenada por que você...
¨       Vivo uma vida medíocre por causa de você.... Se ao menos minha vida fosse diferente... ou tivesse casado com outro (a).

Há uma tendência muito comum de atribuirmos ao outro a nossa frustração e fracassos. Isto, porém, não nos ajuda a crescer emocionalmente. Trata-se de um deslocamento.
Todos temos medos e fantasmas: O medo de envelhecer, de ficar pobre, de não ter recurso para manter a casa, da morte, da doença, etc.
Pais podem culpar a família:
Mães: “Gastei tanto tempo na vida cuidando de vocês que esqueci de mim” – Ora, você se esqueceu de você porque não soube equilibrar sua história. Ninguém é culpado por seu auto-esquecimento.

Pais: “Minha vida foi trabalhar como um jumento, para ter melhores condições” – Será que esta atitude de ser viciado em trabalho foi algo positivo de fato para seus filhos e esposa, ou isto tinha a ver com sua ambição e cobiça desmesurada, que tirou a sua vida de você?

Além de não crescermos, desenvolvemos um relacionamento de amargura e ira contra o outro, projetamos nossos fracassos. Muitas vezes, porém, o nosso fracasso é resultado:
¨       De uma deficiência, pela qual ninguém é responsável. Raquel não era culpada por ter um útero estéril, isto não era uma questão moral em si. Não é por não querer que ela tem, mas por problemas de saúde.
¨       Eventualmente o problema é nosso, mas ainda assim culpamos o cônjuge. Raquel tem um problema no seu corpo, mas transfere sua dor e culpa Jacó pelo seu fracasso. Quando não vemos bem nossos problemas ou os interpretamos mal, podemos deslocar nossa frustração para outros.

Não culpe o outro para não se tornar vitima de você mesmo (vitimismo), e não transformar o outro em culpado. O outro certamente vai errar, mas não dá para culpar o outro pelo meu fracasso. Eu sou responsável por minha vida.
Filhos podem projetar seu fracasso nos pais: Limitações financeiras, etc...

5.       Família é o lugar no qual podemos achar que nosso valor está no outro, no que fazemos, e não no que somos – (Gn 30.19-20) Erroneamente passamos a acreditar que as pessoas vão nos amar por algo que nós lhe damos, e não pelo que somos. É o caso de Lia, que acredita que Jacó vai ser dela se ela lhe der filhos, que ela vai ser amada se determinados fatores surgirem, mas o problema é que o coração de Jacó está preso pelo amor ao coração de Raquel, e Lia é vítima de um sistema que retira desta mulher a alegria da vida. “Desta vez permanecerá comigo meu marido, porque lhe dei seis filhos” (Gn 29.32,34).

De forma diferenciada, fazemos tentativas de comprar o amor do outro:
¨       “Vou dar um carro, e ela vai me amar…” Isto é relação de prostituição. Prostituta aceita este jogo, não o coração de quem é sincero.
¨       “Vou me engravidar, por assim ele casa comigo”.
¨       Vou ter um filho, porque assim ele vai dar mais atenção à nossa casa.

São formas neuróticas de amar e ser amado. Lia sabia que não era amada e para compensar o buraco na alma, tentava conquistar a atenção arrumando filhos. A história prova que Jacó nunca conseguiu amar a Lia, apesar de seu esforço neurótico. Lia era para Jacó, um apêndice familiar, subproduto cultural, aliado à esperteza do sogro. Lia era resultado de forças históricas maiores que ela mesma e tinha que se superar neste jogo de interesses não sabendo como. Lia tem um buraco na alma por ser a segunda, que não poderia ser satisfeito ainda que Jacó fosse o homem mais afetivo do mundo.

Lia acredita que os filhos lhe darão o amor que ela espera. Usa terceiros para se sentir amado. Filhos são usados para entrar no jogo da competição familiar (Gn 30.14-15). Toma o presente recebido do filho, as mandrágoras, que segundo as crenças antigas eram afrodisíacas e tornavam as mulheres férteis, e usa como moeda para ter o amor de Jacó.

Esta idéia de encontrar valor no que o outro nos dá é angustiante. Pessoas assim não descobriram ainda seu valor próprio e dependem da apreciação de outros para encontrar sentido e significado. Todos gostamos de ser apreciados, mas não podemos permitir que nosso valor esteja fora de nós. Não podemos viver mendigando atenção do outro para encontrar sentido para nossa vida. Fazendo assim, não temos vida própria, nos transformarmos em satélites e nunca refletimos nossa própria luminosidade.


Conclusão:

Gostaria de fechar esta reflexão, falando de dois elementos importantes: Primeiro, o que podemos fazer para diminuir estes conflitos familiares. É a nossa responsabilidade. Segundo, o que Deus faz no meio de uma família disfuncional. Isto veremos na família de Jacó.

Nossa tarefa: Como criar ambiente acolhedor e saudável?

    1. Não use filhos como moeda de troca e barganha – Tome cuidado com as sutis manipulações que podemos fazer com os filhos, adoecendo-os e neles projetando nossas crises pessoais. Lia e Raquel fizeram isto e o resultado não foi nada positivo. Labão fez isto e no final as duas filhas resolveram abandoná-lo sem despedir-se dele. Isto demonstra como isto gerou feridas em seus corações.
Um outro homem da Bíblia, Saul, fez a mesma coisa com sua filha Milca, que se tornou uma das mulheres de Davi.
¨       Sentindo-se fragilizado com a presença de Davi, deu-lhe sua filha, instrumentalizando-a;
¨       Posteriormente, quando Davi tem que sair correndo para proteger sua pele, tomou-a e lhe entregou a outro homem. Isto causou um dos episódios mais emocionantes e doloridos da saga familiar de Davi e de Israel .
Filhos podem se tornar indefesos diante de pais inescrupulosos ou insensatos, que não percebem o prejuízo que estão trazendo aos seus filhos. São pais empurrando filhos para casamentos oportunistas, não percebendo que o efeito disto é devastador: Os filhos hão de instrumentalizá-los na velhice.
Filhos não são moedas de troca. Não foram dados por Deus para serem objetos de manobra e joguetes em nossas mãos. São jóias e presentes valiosos de Deus.

    1. Construa relacionamentos de confiança – As filhas de Labao saem fugidas de casa. Elas, que por sua própria biografia tornaram-se desunidas, conseguem se unir contra o pai, consideradas por ambas, alguém a ser desprezado.
Malandragens e manipulações dos pais nos dias de hoje, se tornarão caros no futuro.
Filhos precisam contar com o envolvimento dos pais, e saber que eles sairão em sua defesa, que estarão ao seu lado, cuidando deles e apoiando-se. A Bíblia afirma que “O que perturba a sua casa herda o vento” (Pv 11.29). Afirma também, em contrapartida, que “o homem de bem deixa herança aos filhos de seus filhos” (Pv 13.22). Hoje estamos construindo um legado para a vida e para as próximas gerações. Padrões de atitudes e comportamentos que semeamos em casa, tornam-se referência para nossos filhos e suas famílias, no futuro.

    1. Relacionamentos seguros são construções históricas, passam de geração para geração.
Hoje estamos deixando um legado, que se constrói de geração a geração. Investimento em família são duradouros, mas leva-se uma vida inteira para construir. Quais são os fundamentos que estamos deixando hoje? Tais fundamentos serão o parâmetro para os filhos dos filhos.

    1. Ore e fique atento, para não continuar reproduzindo comportamentos inadequados –
Podemos notar nitidamente como atitudes familiares vão se repetindo nas famílias.
ü       Abraão mente contra Sara por duas vezes, entregando-a a outros homens – Isaque faz o mesmo com Rebeca.
ü       Jacó sofre numa família cujos pais expressam abertamente suas predileções pelos filhos. Isaque amava a Esaú e Rebeca amava a Jacó. Isto gerou enorme competitividade e luta. Jacó repete esta mesma atitude tola, ao dar a José privilégios maiores que aos outros filhos.
ü       O ambiente ambicioso de Labão vai se refletir nas suas filhas, que vivem competindo entre si. No final, até seus ídolos são roubados por Rebeca, que quer levar vantagem em tudo, até em ter as divindades ao seu lado.

Segundo, a Obra de Deus – O que Ele, na sua graça, faz no meio de uma família disfuncional.

No meio de tantas dimensões conflitantes, na medida em que lemos este texto percebemos que família também é um lugar de Deus. Algumas afirmações do texto nos levam a pensar sobre o assunto:

  1. Deus ouve suas ambigüidades, lutas, dores e competições. O texto afirma por duas vezes que “Deus ouviu Lia” que sofria o desprezo de ser a outra. De ter caído de paraquedas num contexto familiar complexo. Deus a ouve (Gn 30.17). Deus sabe da sua dor e abandono e cuida dela.
O texto afirma também que Deus ouviu Raquel porque via sua angústia e frustração com a vida (Gn 30.22).
Isto nos revela que Deus sabe o que acontece dentro de casa. Ele conhece os desvios, as lutas internas, medos e dores. Ele sabe das lágrimas silenciosas derramadas dentro dos banheiros ou na cozinha, nas solidões existenciais de camas separadas ou conflitadas. Raquel tem uma crise teológica e acusa Jacó (Gn 30.1-2), e este lhe responde: “Acaso estou em lugar de Deus que ao teu ventre impediu frutificar?” (Gn 30.2). Ao conceder graça a Raquel, Deus está respondendo suas orações.

  1. Deus realiza milagres em suas vidas – Nossos lares são palcos da manifestação da bondade e cuidado do Senhor para com nossas vidas. Raquel era estéril, mas Deus a fez fecunda trazendo alegria real para sua vida (Gn 30.23). Lares são palcos maravilhosos nos quais Deus revela sua misericórdia e bondade. Acho maravilhosa a frase: “Lembrou-se Deus de Raquel” (Gn 30.22) Deus não havia se esquecido dela. Saber desta verdade é tocante. Podemos viver no anonimato, despersonalizados como pessoas num mundo pós-moderno, mas apesar de sermos um número na multidão, não somos visto por Deus como seres seriados. Temos coração, identidade e relação com o Pai celestial que sabe onde moramos, conhece nosso endereço, sabe de nossas lutas.
Nesta semana, depois da reunião do Conselho tivemos um pequeno incidente na porta da igreja e enquanto tentávamos solucionar o problema, o Rev Potenciano ligou para um dos diáconos, e seu telefone caiu lá em Goiânia. Quando ele se identificou como pastor, uma pessoa aflita disse: “Pastor, só pode ser Deus mesmo, nós estamos aqui debaixo de uma enorme angústia, e Deus mandou o Senhor ligar para orar por nós”. Depois da oração ela ainda falou: “O Senhor poderia também orar por minha irmã?” Deus permitiu um erro do Zé Carlos para atender a angústia de uma família cristã que precisava de uma oração pastoral.

  1. Nesta família adoecida, Deus revela sua bondade, e outros vêem um Deus pessoal que se move entre eles – Não é estranho, e quase improvável, imaginar que alguém possa ainda vislumbrar a graça de Deus no meio de uma família tão confusa? No entanto, o sogro pagão, idólatra, vê Deus fazendo estas coisas e se impressiona, se rendendo às evidências. Labão é um homem rico, negociante e fazendeiro, que só pensava em ter lucros, e de repente começa a perceber que existe algo acontecendo ao seu redor que vai muito além dos recursos estratégicos, da capacidade de fazer negócios, por isto diz: “O Senhor me abençoou por amor de ti” (Gn 30.27).
Que bom saber que no meio de todas estas confusões e fraquezas familiares, ainda assim existe espaço para a misericórdia e a graça de Deus se revelarem, a ponto de outros perceberem a presença abençoadora de Deus sobre esta família.
Família é lugar onde a benção de Deus pode ser percebida.
Esta família revela a graça maravilhosa de Deus. Apesar da competição, manipulação, equívocos e ambigüidades, a benção de Deus está presente a ponto de que outros percebam de forma inequívoca que Deus está ali.

É graça porque não há muita virtude naquela família.

Isto nos aponta para a cruz:
Nós seres ambíguos, desencontrados, contraditórios, ambiciosos, somos muitas vezes interpenetrados por esta maravilhosa presença de Deus na nossa história, que faz toda diferença.
É desta família que Deus realiza um grande milagre e vai levantar um homem que será um governador num país estranho, que era a maior potência militar e política daqueles dias.
Ainda mais, é desta família que Deus vai suscitar aquele que morreria numa cruz para nos redimir dos pecados e nos demonstrar que “não há pecado ou culpa que Deus não possa perdoar”, e que se alguma chance de sermos alguém ainda existe, ela se encontra com a presença de Deus entre nós.


Samuel Vieira
Anápolis
Nov 2009

Refeito em Janeiro 2014

1 Tm 1.18-20: Boa Consciência





Mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado a
 boa consciência, vieram a naufragar na fé”.


Introdução:

Wordsworth afirma que “a consciência é a austera filha da voz de Deus”. De fato ela é fundamental no ser humano. o termo consciência, sem seu sentido moral, é uma habilidade, capacidade, intuição ou julgamento do intelecto que distingue o certo do errado. Juízos morais desse tipo podem refletir valores ou normas sociais (princípios e regras). em termos psicológicos a consciência é descrita como conduzido a sentimentos já de remorso, quando o indivíduo age contras seus valores morais, já de retidão ou integridade, quando a ação corresponde a essas normas . 1 
M. Scott Peck, conhecido psiquiatra americano afirma: “A verdade é que nossos mais refinados momentos acontecem quando nos sentimos profundamente desconfortáveis, infelizes e não realizados. Porque é somente em tais momentos, impelidos pelo nosso desconforto, que nos dispomos a lidar com nossas motivações estragadas e começamos a procurar por diferentes caminhos ou verdadeiras respostas.
A consciência é este elemento moral que nos habilita a julgar, a dizer sim ou não, a aceitar ou rejeitar, com bases nos critérios e valores que anteriormente estabelecemos. Quando nossos critérios não são bem analisados, a consciência surge como uma sirene, uma luz de alerta, um sinal amarelo, orientando-nos para tomar cuidado.

Por várias vezes, na carta pastoral que o apóstolo Paulo escreveu a Timóteo, ele orienta o jovem discípulo a cuidar de sua consciência.

è 1 Tm 1.19: “Mantendo fé e boa consciência, porquanto alguns, tendo rejeitado a
 boa consciência, vieram a naufragar na fé”.
è 2 Tm 1.3: “Dou graças a Deus, a quem desde os meus antepassados, sirvo com consciência pura”


A consciência pode ser ferida e traumatizada, pelo menos, de três formas:

ü       Sendo maculada – Quando a pessoa, tem sensibilidade para o mal, para o erro e para o pecado, e ainda assim, decide fazer. Não porque esteja segura do que faz, mas porque o prazer ou a compensação que ela espera ter, torna-se mais tentador do que sua integridade moral. Então a pessoa cede, negocia, barganha, mesmo sabendo que o que faz, é moralmente errado.

ü       Cauterizando-se – Este é um processo no qual, a pessoa que inicialmente fazia com culpa ou sentimento de estar praticando algo errado, torna-se tão repetitiva no erro, que isto gera uma calosidade moral. Cauterização é um processo usado em medicina, para provocar uma ferida calosa, que vai se tornar terapêutico no final. No caso da consciência, a pessoa deixa de sentir dor. Como o processo que acontece numa pessoa leprosa que perde a sensibilidade de seus axônios (sistema nervoso), e aí, mesmo quando ofendida, não sente dor. A Bíblia fala de pessoas que se tornaram assim. “Ora, o Espírito afirma expressamente, que nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que tem cauterizado a própria consciência(1 Tm 4.1-2).


ü       Deformando-se – Neste caso, a pessoa perde sua capacidade de julgamento moral. Ela não sente dor, nem pesar, nem culpa. Isto é conhecido em psicologia como psicopatia, típico de pessoas que praticam o mal, mas não sentem remorso, dor, culpa ou arrependimento. Em sociologia, o nome dado é sociopatia. Pathos é doença, enfermidade. O profeta Isaías fala de pessoas que chamam ao mal bem, e ao bem, mal (Is 5.20). uma gravíssima inversão de valores a deforma.

Como manter uma boa consciência?

Primeiro, Checando seus conceitos sob o prisma dos conceitos de Deus.

Muitas pessoas acham que bastam seguir sua consciência, mas uma consciência cauterizada ou deformada, não sente qualquer acusação. Mesmo diante de situações escandalosas, a não ser pelo medo do julgamento ou pela possível perda de privilégios ou punições que venham a sofrer, elas não sentem que estão fazendo qualquer coisa errada. Então, uma consciência, sem o crivo da Palavra de Deus, sem os absolutos das Escrituras, pode pecar e achar que as coisas que anda fazendo são corretas.
Conselheiros cristãos aprendem logo que existem pessoas com culpa sem sentimento de pecado; e pessoas com sentimento de culpa, sem culpa. Por isto, a base para saber se você está fazendo algo errado ou não, não pode ser sua consciência, mas a palavra de Deus.
Jr 17.9 afirma: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” Nosso coração tem uma propensão para a corrupção,  e nem sequer o conhecemos. Ele é tendente para o mal. Por isto precisamos nos aproximar da luz, para que nossas obras possam ser argüidas pelo Espírito Santo e pela Palavra de Deus.  A simples impressão de bem estar, além de decepcionante é perigosa. “Aos loucos a sua impressão de bem estar o leva à perdição” (Pv 1.32). A Igreja de Laodicéia estava segura e confiante: “Estou rica, abastada, e não preciso de coisa alguma” (Ap 3.17), sem saber que eram infelizes, pobres, cegos, nus e miseráveis de acordo com a descrição de Cristo.

Em segundo lugar, não avançando os limites de sua consciência

Aprenda a respeitar a pureza de sua consciência. Quando o sinal amarelo disparar, recue. Existe uma placa que lemos repetidas vezes nas estradas brasileiras: “Na dúvida, não ultrapasse”.  O problema é que não respeitamos as sirenes, as luzes piscando. Orientados por desejos carnais e sucesso imediato, ultrapassamos os limites, barganhamos coisas sagradas, vendemos nosso direito de primogenitura, como fez Esaú. Por causa do nosso estranho desejo de sucesso e aprovação, zombamos de nossa consciência sagrada.
Muitas vezes em nossas vidas, nossa consciência gesticula, acena, grita desesperada, mas a ignoramos e comemos do fruto proibido que o diabo nos oferece. Não respeitamos a “boa consciência”, nos expomos a perigos, ferimos nossos valores, escandalizamos a igreja, machucamos amigos e familiares e magoamos o coração de Deus. A consciência que deveria ter sido respeitada, não é, e assim, a maculamos, cauterizamos e nos tornamos eventualmente insensíveis.
O acadêmico Jean Restand foi o primeiro a perceber que se colocasse uma rã numa vasilha com água quente, ela reagia violentamente e pulava para fora, mas se a água fosse aquecida lentamente, a rã ficaria entorpecida e morreria queimada. As tentações e reflexos morais também tendem paulatinamente a perder seu bom funcionamento quando nos acostumamos com o mal, até que a consciência se torna completamente entorpecida.

Terceiro, Quebrantamento e confissão

Uma forma de manter a consciência pura é, ao perceber o erro e o mal praticado, voltar-se para Deus. Este exercício de rendição e contrição traz o equilíbrio que nossa alma precisa. Um servo de Deus não é conhecido por ausência de pecado, mas pela seriedade com que trata o pecado. A Bíblia nos afirma que confissão traz cura. Se não trouxer cura física, pelo menos  desmascara nossas defesas e retira a hipocrisia e tentativa de ocultar o nosso mal. “Jung descreve o mal humano como a recusa em encontrar as trevas – aspectos de nossa alma – que não queremos reconhecer e que continuamente tendem a se esconder debaixo do tapete da consciência”.[1] Afinal, "os demônios adoram trabalhar em segredo, mas fogem quando são forcados a se tornar visíveis"[2]
A alma humana enfrenta dois problemas básicos: 
ü       Compulsão para o mal  
ü       Idolatria de si mesmo em algo fora de mim.
Ambos, opção pelo domínio, poder, controle. O coroamento disto é o pecado religioso. (Sutilezas de nossos corações, pecados mais complicados). Há muito pecado travestido de piedade e consagração. A religião é constantemente retroalimentada pelo pecado original - decidir fora de Deus. Optamos pelo poder, não pela fraqueza; pela realização, não pelo encontro. Pelo fazer, não pelo ser.
Por isto a confissão é tão importante, ela me transforma, rompe o mito de Narciso, não deixa minha consciência se perder na auto-justificação. Expõe o meu mal, e traz cura. Não é sem razão que as palavras cruz/pecado/arrependimento, caíram de uso. A linguagem atual é saquear, reinvidicar, decretar, todas estas são linguagem de poder e não de quebrantamento. No entanto, a cruz revela o estrago do pecado. Deus precisa mandar seu filho para efetuar a redenção tão cara que homem nenhum poderia pagar. A confissão preserva minha consciência do auto- engano e traz cura e restauração pelo sangue do Cordeiro.
Sempre que leio as histórias de Saul e Davi, fico me interrogando porque Davi foi considerado o homem segundo o coração de Deus, ao passo que Saul foi rejeitado. Tenho a impressão de que os pecados de Davi foram mais explícitos que os de Saul... Qual é a diferença?
A única resposta plausível que encontra além dos mistérios de Deus na sua soberana eleição e vocação, é o fato de que Saul e Davi tratavam de forma completamente distinta os seus pecados. Quando Saul pecava contra Deus e era confrontado, ele sempre encontrava desculpas ao invés de enfrentar seu fracasso e fazer uma confissão aberta. No episódio de 1 Sm 15 ele flagrantemente desobedece as ordens de Deus e quando Samuel o confronta, ele usa vários argumentos para justificar seu pecado: “o povo fez...” e “trouxemos para sacrificar ao Senhor teu Deus” (1 Sm 15.14,15), quando a resposta deveria ser de quebrantamento: “pequei e não tenho defesa”. Posteriormente, neste mesmo episódio, vendo que sua justiça própria não convencera a Samuel ele diz: “Pequei, agora honra-me perante os anciãos” (1 Sm 15.30,31). Diante da confrontação e do desmascaramento ele quer manter a honra e preservar sua reputação.
Ao olharmos para Davi, vemos um quadro diferente. Ao ser desmascarado, e pelo menos em duas vezes vemos isto acontecendo de forma direta, sua atitude é apenas de rendição: “Pequei!” (2 Sm 12.13 e 24.10). Não procura justificar-se, mas abre sua alma para ser tratado por Deus. Ele sabe que feriu sua consciência, transgrediu a lei, enganou os outros e feriu o coração de Deus, e a não ser que Deus, na sua infinita misericórdia o perdoe, ele está perdido. Sua confissão é plena, sem defesas.

Em quarto lugar, Reconhecer o poder de Deus para ser restaurado. Uma consciência ferida, e não tratada, não perdoada, passa a se auto destruir. A auto flagelação, processo tão comum encontrado na atitude de religiosos e pessoas seculares, tem a ver com a incapacidade de se sentir perdoado. “A alma carregada de culpa do sangue do outro, descerá até a cova; ninguém o detenha” (Pv 28.17). Não tem como impedir este processo de auto punição, a não ser com o outro com a graça restauradora de Deus. Davi, que conheceu bem o processo da dor do pecado afirma: “Bem aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada, cujo pecado é coberto”. (Sl 32.1). Que maravilhosa benção termos uma consciência restaurada de culpa e condenacao. O sangue de Cristo providencia isto: “Agora, pois, nenhuma condenação há, para aqueles que estão em Cristo Jesus(Rm 8.1).
O episódio abaixo, relatado pelo bispo anglicano Festo Kivengere, de Kigenl, Uganda, nos mostra o que acontece quando a consciência é tratada:

Meu tio, o chefe de uma tribo, estava em reunião com o Conselho da comunidade, quando um homem se aproximou do grupo e fez uma mesura a maneira africana. Possuía muito gado e todos sabiam que ele invocava espíritos demoníacos, dizendo que era de parentes falecidos. Trouxera consigo oito vacas, que deixara a uma pequena distância do Conselho.
-"Vim, aqui por um motivo, Sr. chefe" disse ele.
-"Para que trouxe gado?" Perguntou o chefe.
-"Senhor chefe, aquelas vacas são suas."
-"Como minhas? Que quer dizer com isso?"
-"Elas lhe pertencem, quando eu tomava conta do seu gado, roubei quatro vacas. Elas agora são oito. Vim devolvê-las".
-"Quem o prendeu?" Perguntou o chefe
-"Jesus me prendeu, senhor chefe, ali estão as suas vacas".
Ninguém riu, todos guardaram silêncio. Meu tio podia perceber que aquele homem estava em paz consigo mesmo e se sentia alegre.
-"Pode me prender ou mandar que eu seja açoitado" disse o homem, "mas estou liberto. Jesus veio ao meu encontro e agora sou um homem livre."
-"Bem, se Deus fez isto em sua vida, quem sou eu para prendê-lo? Vá para casa".
Dias mais tarde, tendo ouvido a respeito do caso, fui conversar com meu tio.
-"Tio, ouvi dizer que ganhou oito vacas de presente?"
-"Sim", confirmou ele, "realmente ganhei"
-"Deve estar satisfeito"
-"Nem fale nisto!  Depois da visita daquele homem, não tenho dormido bem. Para conseguir a paz que ele alcançou eu teria que devolver cem cabeças de gado!"

Conclusão:
A Bíblia afirma: “...muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno a si mesmo se ofereceu sem macula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para que sirvamos ao Deus vivo!” (Hb 9.14)
Que Deus nos abençoe!




[1] Peck, M. Scott, The Different Drum, New York, Simon and Schuster, 1988, pg 227
[2] Baker, Mark W. Jesus, o Maior psicólogo que já existiu , São Paulo, Ed Sextante, 6a edição, 2005, pg 133

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

2 Pe 3 Eu só queria te lembrar!



Introdução:

Uma das coisas mais desafiadoras da vida é manter lembrança de coisas que não podem ser esquecidas. O problema, é que normalmente guardamos memórias de coisas ruins como mágoas, ressentimentos, ofensas e amarguras e nos esquecemos de outras coisas que poderiam ser libertadoras para nossa existência.

Quando Moisés escreveu o livro de Deuteronômio, ele estava apenas repetindo as leis anteriormente dadas. Por que escrever outro livro falando daquilo que os livros de Êxodo e Levítico já haviam dito? Exatamente para manter acesa na mente das pessoas as leis dadas por Deus. O povo não podia esquecer. Especialistas afirmam que precisamos repetir 11 vezes uma mesma ideia para mudarmos uma cosmovisão ou uma forma de pensar. A repetição nos capacita lembrar.

Os pais judeus eram encorajados a inculcar a Lei na mente dos filhos, e este método consistia na repetição: “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcaras a teus filhos, e delas falaras assentando em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (Dt 6.6,7). O método da constante repetição para manter a memória alerta.

Quando Pedro escreve esta sua segunda carta, certamente estava muito preocupado com a questão da memória das coisas de Deus. Veja quantas vezes ele fala disto:

ð      2 Pe 1.12: “Por esta razão, sempre estarei pronto para trazer-vos lembrado acerca destas coisas, embora estejais certos da verdade já presente convosco e nela confirmados”.

ð      2 Pe 1.13: “Também, considero justo, enquanto estou neste tabernáculo, despertar-vos com estas lembranças”.

ð      2 Pe 3.1: “Amados, esta é, agora, a segunda epistola que vos escrevo; em ambas, procuro despertar com lembranças a vossa mente esclarecida”

ð      2 pe 3.2: “para que vos recordeis das palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas”.

ð      2 Pe 3.5: “Porque, deliberadamente, esquecem que, de longo tempo, houve céus, bem como terra, a qual surgiu da água e através da água, pela palavra de Deus”.

ð      2 Pe 3.8: “Há, todavia, uma coisa, que não deveis esquecer: que, para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos, como um dia”.

Todos estes textos nos falam de lembranças, recordações, esquecimento... Quem vive melhor, não é aquele que sabe mais, mas quem se lembra mais.

Em dias de luta, é muito fácil nos esquecermos quem é Deus, quais são suas promessas, quais são seus princípios. Nos esquecemos das suas verdades e nos tornamos presas de sentimentos,  emoções, circunstâncias e pessoas. Invariavelmente somos surpreendidos pelo óbvio.  Não deveríamos nos assustar, nem ficar perplexos, pois sabemos o que Deus tem feito, mas estamos sempre nos esquecendo de seus maravilhosos princípios.

A verdade é:
Eu Sei que você sabe de tudo isto, mas eu só queria te lembrar! 

O que Pedro tenta lembrar aos servos de Cristo? O que gostaria de lembrar a cada um de vocês hoje?

Sempre encontraremos, em todas as culturas e épocas, homens que menosprezarão e ridicularizarão das verdades de Deus – (2 Pe 3.3). Muitas vezes nos surpreendemos com isto. Não deveríamos... São pessoas que escarnecem, zombam, tentam de todas as formas e meios, nos fazer pensar que as verdades e princípios de Deus não devem ser levados a sério.

O Salmista afirma: “Por que enfurecem os gentios e os povos imaginam coisas vã? Os reis da terra se levantam e os príncipes conspiram  contra o Senhor e o seu Messias, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos as suas algemas” (Sl 2.1-2).  Na carta a Timóteo, Paulo afirma que nos últimos dias os homens seriam “egoístas, avarentos... caluniadores... atrevidos... enfatuados...” (2 Tm 3.2,3).

O apóstolo Pedro dá um motivo para a atitude de tais homens. O escárnio é próprio de pessoas que são orientadas pelas paixões. O motivo deles não é intelectual, nem moral, mas é uma forma de justificar suas atitudes pecaminosas e seus desejos carnais. O Apóstolo Paulo na carta aos romanos vai dizer a s mesma coisa: “A ira de Deus se revela dos céus contra toda impiedade e perversão dos homens que detém a verdade pela injustiça” (Rm 1.18). Verdade é conceito (Filosofia), mas injustiça é prática (Ética). Tais homens negam princípios e verdades para justificar seus atos pecaminosos. Fazem isto orientados pelas suas próprias paixões.

A verdade é que, paixões determinam princípios, ou talvez pudéssemos dizer de outra forma: Convicções determinam ética.

Dois exemplos:

ð      Certa vez fui dar um estudo para rapazes de uma igreja. O tema seria “sexo antes do casamento”, e antes que eu iniciasse o tema, um dos rapazes, que parecia ser o líder do grupo me disse: “Em não acho que exista nada na Bíblia nenhum problema com sexo antes do casamento, desde que a gente tenha compromisso”. Eu tentei me recompor, e respondi: “Muito bem, eu tenho vários textos na Bíblia que falam sobre este assunto, mas se você me der um texto na Bíblia que justifica o seu ponto de vista, eu encerro aqui a minha discussão”. Ele ficou calado e disse: “Eu não sei de nenhum texto”. Eu repliquei: “Eu sabia que você não sabia, porque não tem”. E aí então começamos a exposição do tema que havia sido proposto.

ð      Noutra ocasião, estava preparando líderes para assumirem cargos e ofícios na igreja, quando entramos no tema do dízimo. Um dos candidatos me disse de forma segura que ele não via base na bíblia para ser um dizimista. Antes que eu desse qualquer resposta, outra pessoa perguntou: “Você fala isto porque tem base bíblica ou para justificar sua atitude?” E ele, curiosamente baixou a cabeça e disse: “Acho que para justificar minha atitude”.

Os dois exemplos acima demonstram como habilmente estabelecemos uma forma de pensar para justificar atos pecaminosos. “Nos últimos dias, virão escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo as próprias paixões” ( 2 Pe 3.3). Escarnecem porque são conduzidos por paixões, e para justificar seus atos pecaminosos e carnais.
Eu Sei que você sabe de tudo isto, mas eu só queria te lembrar!

Por causa das paixões e pecados, criam uma memória seletiva. Lembram do que querem lembrar, e esquecem do que querem esquecer. “Porque, deliberadamente esquecem que, de longo tempo, houve céus bem como terra, a qual surgiu da água pela palavra de Deus” (2 Pe 3.5). Sublinhem a palavra deliberadamente. Esta é uma atitude intencional: Esquecer as obras de Deus, aquilo que ele fez.

O que eles esquecem deliberadamente é algo filosófico: deliberadamente esquecem que, de longo tempo, houve céus bem como terra, a qual surgiu da água pela palavra de Deus. Esquecem que existe um criador, detrás da criação. Que o mundo, tal como o conhecemos, foi criado por um agente, por Deus.

Tenho pensado muito no problema do criacionismo. O Dr. Adaulton Lourenço, conhecido professor universitário tem afirmado que se a evolução fosse tirado da pesquisa biológica, isto faria pouquíssima diferença para o mundo cientifico. Afirma ainda ser um “criacionista científico” e não um “criacionista bíblico”. Ele chegou a esta conclusão, quando fazia seu doutorado.  No entanto, ainda hoje enfrenta enorme oposição do que hoje é conhecido como “ditadura do saber”. Se você vai fazer pesquisa de mestrado ou doutorado, em determinados segmentos e nichos marxistas, você tem que defender idéias de pensadores de esquerda, senão sua tese não tem valor... isto é feito no campo da educação, filosofia, sociologia, etc., até mesmo a medicina tem sido muito questionada hoje. Fala-se ainda da ciência como uma prostituta a serviço de grandes laboratórios que fazem pesquisa para incentivar pessoas a consumirem determinados produtos.

O problema do evolucionismo, antes de ter relação sobre a questão se o homem surgiu ou não da evolução da espécie, tem a ver com um teor filosófico. Se tirarmos Deus do processo da criação, seus conceitos, sua moral e absolutos não precisam mais existir, como afirmou certo filósofo: “Sem Deus, tudo é permitido”. A primeira coisa que os homens querem fazer, deliberadamente, é apagar o conceito de um Deus criador.

Eu Sei que você sabe de tudo isto, mas eu só queria te lembrar!

Em seguida, o apóstolo Pedro aponta não mais para a criação (passado), mas para a escatologia (futuro). Ele faz questão de lembrar-lhes de algo muito importante que tem a ver com o que está por vir. A história caminha para um desfecho. Ele tenta lembrar aos cristãos, que não devem esquecer as origens, nem a teleologia. Preste atenção que não estou falando de “teologia”, mas de “teleo-logia”, termo este que vem do grego teleos, que aponta para o objetivo de todas as coisas. Não devemos esquecer o que Deus fez, nem o que Deus fará.

Diante disto ele usa três argumentos:

ð      Deus calcula o tempo de forma diferente – (2 Pe 3.8). Nós temos uma forma cronologia de considerar a historia (kronos), mas Deus vê o tempo dentro de propósito (Kairos). Kronos é o tempo do calendário, medido. Kairós tem a ver com o projeto de Deus para toda a história. “Há, todavia, uma coisa, amados, que não deveis esquecer: que para o Senhor, um dia é como  mil anos, e mil anos, como um dia”. Veja como as coisas são diferentes.

ð      Deus não erra na sua agenda – Nossa agenda é montada em cima dos eventos cotidianos e históricos, Deus vê as coisas dentro do seu propósito. Ele já estabeleceu um dia em que julgará vivos e mortos. A aparente demora é proposital: “Ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2 Pe 3.9). Deus tem uma agenda, Deus tem um propósito e tem um tempo determinado para ele para sua exclusiva autoridade.

ð      A história caminha para um fim divino – quando acontecerá o que Jacques Ellul chama de des-criação, ou seja, a criação às avessas. No Éden, vemos a terra sem forma e vazia (caos, abismo, trevas) e Deus dá ordem e as coisas são estabelecidas pela sua palavra. No final da presente ordem, Deus dará ordem ao sistema presente, “e os elementos se desfarão abrasados”. O que me dá uma ideia de uma bomba atômica, que tem o poder de desfazer as coisas, derretê-las.

Depois deste acontecimento caótico, surgirá uma nova ordem: “novos céus e nova terra, nos quais habita justiça”.
A palavra de Deus tenta nos mostrar a importância do futuro para o tempo presente. Veja o vs. 11: “visto com as coisas serão assim desfeitas, deveis viver, no presente século, em santa piedade e procedimento”. Ele fala aqui de duas coisas que parecem ambíguas: Uma atitude ativa de piedade e procedimento santo; e de uma espera (passiva), que faz acontecer algo: “esperando e apressando”. Não parecem ser duas atitudes distintas? Esperar e apressar?

No primeiro, somos convidados a não nos esquecermos que o dia do Senhor virá como ladrão, a ordem presente será completamente alterada. Viver na expectativa da vinda de Cristo nos ajuda a ter uma atitude de vigilância. Como as noivas que precisavam estar com suas lamparinas acesas assim devemos estar alertas. Como alguém que precisa vigiar para que o ladrão não arrombe sua casa.

Ao mesmo tempo o texto está dizendo: “Esperem... apressando”.  Continuem numa vida de testemunho, pregação das boas novas, praticando boas obras. A ordem é: continuem a agir no presente, com um olhar no futuro. Uma piada evangélica afirma: “o salário para quem trabalha no reino de Deus não é lá estas coisas, mas a aposentadoria é doutro mundo”. Pedro afirma que precisamos construir o presente, apressando a vinda de Cristo, dando sinais do reino, compartilhando a obra de Cristo, ansiosamente aguardando a manifestação de Cristo que se dera no tempo e na historia.

A expectativa escatológica muitas vezes se parece demorada, mas não devemos ficar imobilizados no presente, pelo contrário, agindo como se a vinda de Cristo fosse amanhã.


Eu Sei que você sabe de tudo isto, mas eu só queria te lembrar!