quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Mt 1.18 O Nascimento de Jesus Cristo foi assim

 


 

 

 

 

Introdução

 

Mateus é o evangelista mais preocupado em comunicar o fato de que Jesus era o Messias. Por esta razão ele está sempre usando a frase: “Como está escrito!” Era uma forma de lembrar aos judeus que a promessa de Deus tinha se cumprido em Jesus. Bastava olhar os textos do Antigo Testamento e relacioná-los com a vida de Jesus.

 

Quando ele inicia o seu evangelho, ele escreve a genealogia de Cristo para provar que Jesus vinha da linhagem de Davi, e era da tribo do Judá como Deus havia prometido. Mateus fez um trabalho minucioso de pesquisa para demonstrar que tudo tinha acontecido como Deus havia planejado. (Mt 1.1-17)

 

Em seguida ele narra como tudo se deu. Em Mateus 1.18 ele declara: “Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim...” E ele fala de pelo menos cinco coisas maravilhosas:

 

1.              Sobrenatural na sua origem.

 

Maria teve uma gravidez sobrenatural. Tão fora das possibilidades que ela se surpreende com a notícia dada pelo anjo Gabriel. “Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?” (Lc 1.34)

 

Sua gravidez sobrenatural torna-se ainda mais significativa quando estudamos o Antigo Testamento e refletimos sobre a profecia dada Isaías: “Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará luz a um filho, e lhe chamará Emanuel.” (Is 7.14)

 

Todos os eventos se tornam sobrenaturais. José recebe o anúncio da parte do anjo do Senhor para aceitar sua mulher como esposa, e não temer em recebê-la. Os eventos vão se tornando cada vez mais divinos e cercados de mistério. Não é sem razão que os liberais e incrédulos digam que seu nascimento é mitológico. Se não crermos nas evidências narradas nos livros sagrados, só nos resta pensar na possibilidade de que estas narrativas são lendas e mitos. Afinal, a eternidade invade a temporalidade. Deus se torna um conosco. Isto tudo possui uma dimensão sobrenatural.

 

Os teólogos liberais da crítica das formas, afirmaram que teríamos que tirar todo componente sobrenatural da Bíblia para chegarmos ao cerne da narrativa e à essência da mesma. Para eles não importa o Cristo histórico (se Jesus existiu mesmo, se ele é histórico ou não, não seria importante), e sim o Cristo da fé. Um dos pontos que eles acreditavam que deveria ser retirado da Bíblia é exatamente o nascimento de Cristo com todos seus aspectos sobrenaturais.

 

Ora, retirar a mensagem sobrenatural do texto para “desmitificá-lo” significa a negação da fé no seu aspecto fundamental. O nascimento de Cristo é  sobrenatural na sua origem.

 

2.              Misterioso no enredo.

 

O nascimento de Cristo também é misterioso. Aqueles que escreveram o evangelho, não tem nenhuma dificuldade em narrar os questionamentos de José, de como ele resolveu deixar Maria secretamente, de como ele teve que lidar com seu próprio coração, suas perguntas e crises, com sua família, com sua religião e com a sociedade, enfrentando tudo isto por causa de sua obediência a Deus.

 

Da mesma forma vemos Maria sendo surpreendida por um anjo, que lhe anuncia o estranho evento. Ela ficaria grávida sem ter relação com homem algum. Entre a surpresa e a obediência, Maria se submete a Deus e dispõe seu corpo para manifestação de Deus na história.

 

É ainda misterioso o evento dos pastores. Isto sem falar nos magos que, saem atrás de um fenômeno celestial, uma estrela de um brilho diferenciado que se torna um sinal. Eles deixam seus estudos, seus afazeres, tendo um único GPS: uma estrela que aponta para Belém.

 

A história de Zacarias, a gravidez de Isabel já sendo velha, o nascimento de João Batista, visita de anjos, o coro angelical, os magos do oriente admirados com uma estrela no céu, tudo isto possui um componente maravilhoso de uma narrativa extraordinária e cheia de mistério, realidades tão distante da nossa cosmovisão racionalista e científica. Talvez porque nossa vida seja tão racional, pouco imaginativa, e sem mistérios, estas coisas de sonhos, anjos, coisas sobrenaturais nos pareçam tão fora da lógica. Como ser envolvido com tantos mistérios sem ter o coração permeado de temor e expectativa?

 

Todos respondem com temor: Zacarias, Isabel, Maria, José, Simeão, Ana. O Natal nos leva a refletir sobre  uma realidade distinta que aguça a espiritualidade e instiga à fé,ou à descrença. O não explicável pode gerar encantamento, mas pode gerar também incredulidade: Isto não pode ser real...Maria, diante do mistério, opta por se colocar diante de Deus com humildade e reverência: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra”. Ela encarna o mistério e o acolhe em seu coração para vivenciar a nova realidade divina.

 

Para vivenciarmos o natal, precisamos ser encharcados de uma compreensão de sacralidade. Não sem razão na cultura ocidental, o natal encontra-se tão esvaziado do seu sentido maior. Sem espanto e reverência teremos dificuldade em entender os mistérios de Deus e teremos a tendência de transformar a realidade divina, a dimensão sagrada, em algo apenas humano, ordinário. Assim temos agido em relação ao natal.


3.              Maravilhoso no propósito

 

Outro aspecto que devemos considerar é a razão de Jesus ter nascido. A mensagem foi claramente anunciada a José: “Ela dará a luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1.21).

 

O nascimento de Jesus é maravilhoso pela razão dele ter sido enviado por Deus com um projeto definido, uma ação de resgate espiritual. Ele veio para trazer salvação e libertação. O significado do nome Jesus já é, em si mesmo, uma pregação. Ele vem do grego Iesous, uma variante do hebraico Yeshu’a. (Jesus salva, ou Yavé é a salvação). Esta é a razão pela qual Deus escolheu este nome entre tantos.  É um nome realmente poderoso. Este nome traz salvação.

 

Este nome é repleto de significado, “Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.” (Fp 2.9-11). O  nome Jesus é notavelmente significativo, porque ele foi enviado por Deus para um propósito específico, e o seu nome pessoal aponta para sua missão, identidade e propósito. Seu nome revela sua missão (salvar e libertar) e sua identidade como o salvador do mundo.


Seu nome é ainda importante por causa do significado e autoridade. A salvação é somente no seu nome: " E não há salvação em nenhum outro, porque debaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" (At 4.12). A obra de Cristo salva o povo de seus pecados. (Mt 1.21) Ele veio para realizar uma obra de resgate espiritual.

 

O Natal é maravilhoso por causa de seu propósito.

 

4.              Surpreendente pelo seu aspecto profético.

 

O nascimento de Jesus traz outro elemento. Mateus faz questão de demonstrar que “Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito” (Mt 1.22). O evento cristológico é permeado pelas profecias.

 

Existem cerca de 600 profecias do Antigo Testamento sobre a vinda de Cristo, que se cumpriram de forma maravilhosa.

 

O evangelista Mateus faz questão de citar várias destas profecias. Este evangelho foi escrito ao público judeu que valorizava as Escrituras Sagradas. O Nascimento de Cristo está permeado de referências aos textos sagrados. Desde o nascimento virginal de Maria (Mt 1.23), ao local do seu nascimento (Mq 5.2); ao  seu retorno do Egito (Mt 2.15); a tragédia do assassinato das crianças em Belém (Mt 2.18); e o anúncio de que ele seria chamado de Nazareno. (Mt 2.23)

 

O Natal não acontece num vácuo histórico, nem é fruto da coincidência ou acaso, mas faz parte de um plano cuidadosamente preparado por Deus, que seu deu no tempo e espaço previamente estabelecido pela soberania e providência divina. O nascimento de Cristo é surpreendente pelo seu aspecto profético.

 

O natal nos ajuda a perceber como é o coração de Deus, que nasce entre pastores (socialmente marginalizados) e magos (espiritualmente pagãos). Deus se manifesta na simplicidade da manjedoura, onde transitam e comem os animais.

 

5.              Grandioso pelo efeito no coração dos homens

 

José superou todas as barreiras em relação a história contada por Maria. Ele havia desenvolvido uma suspeita inicial, mas quando entendeu o que aconteceu, se torna submisso e obediente a Deus. Sua forma de interpretar os eventos que estavam acontecendo naquele momento mudou completamente. Assim acontece no coração daquele que crê. Algo especial e surpreendente muda a forma de ver e interpretar a vida. A existência do Jesus histórico é um fato. Mas a grande questão é: Já conhecemos o Cristo da fé? Este Jesus que salva, cura e que transforma vidas, ressuscitou e está vivo!

 

Sempre que o Divino nasce no coração humano, é Natal! “O Natal comemora o dia e a maneira que Deus nos salvou de nós mesmos. O anjo falando com Maria em Mateus 1:21 diz “você deverá dar-lhe o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados”. (Max Lucado). Precisamos nos empenhar na celebração de um Natal autêntico. Resgatar a visão devocional enchendo o coração com o significado  de um Deus que decide morar e caminhar com os homens. Na celebração do Natal temos o desafio de superar a noção simplesmente ritual da festa, e meditar do mistério da encarnação. É preciso se silenciar diante do mistério de um Deus que decide nascer de uma mulher, para salvar-nos dos nossos pecados.

 

O Natal nos ajuda a refletir sobre o fato de que o nosso coração deve ser a hospedaria disponível e livre onde Deus possa habitar e o Verbo de Deus possa fazer sua morada.

 

“Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim...”

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Mt 1.1-6 A graça de Deus na Genealogia de Cristo

 



 

 

Introdução

 

Normalmente nos furtarmos de ler as genealogias na Bíblia. Elas são cansativas, maçantes, pouco estimulantes e às vezes nos parece desnecessária.

 

Os judeus, entretanto, eram excessivamente preocupados com genealogias. Mateus chama seu livro de “Livro da genealogia de Jesus Cristo.” (Mt 1.1) No Antigo Testamento, geralmente encontramos um recorde da linhagem dos homens mais famosos. (Gn 5.1;10.1;11.27), quando Josefo, o grande historiador Judeu começou a escrever seu famoso livro de histórias, ele partiu de sua própria genealogia. Quando uma pessoa se candidatava a ser sacerdote, tinha que provar, que ele vinha da linhagem de Arão (Ed 2.62). Os recordes destas genealogias eram guardados pelo Sinédrio.

 

Tanto Mateus quanto Lucas se preocuparam em falar da genealogia de Jesus, nos dois, contudo, os relatos seguem linhas completamente diferentes:

 

Em Mateus, a genealogia aparece logo, como ponto de partida, porque este Evangelho foi destinado, prioritariamente aos judeus e Mateus está tentando provar a linhagem davídica de Jesus. Mateus começa em Abraão e termina em José, revelando sua ascendência judaica.

 

Em Lucas a genealogia é colocada no capítulo três. Ele começa em José e termina em Adão, pois está preocupado com a humanidade de Jesus. Ele queria demonstrar que Jesus estava ligado a Adão, revelando assim sua natureza humana, Outro detalhe é que Lucas começa em José, enquanto Mateus começa em Abraão, as perspectivas aqui tem objetivos diferentes.

 

Na genealogia encontramos alguns maravilhosos princípios da soberania e da graça de Deus.

 

1.     A genealogia nos mostra como Deus pensou em todas as coisas -  O texto descreve um esquema ideal de três séries de quatorze gerações, baseando-se no número sete, que tem caráter simbólico, dando ideia de um número absoluto e pleno (Mt 1.17).  Estas três seções apresentadas por Mateus são baseadas em três grandes estágios da história do povo Judeu:

 

ü  A primeira seção inicia-se em Abraão e vai até o surgimento de Davi. Abraão é o grande patriarca de onde o povo judeu busca suas origens. Davi foi o homem que transformou Israel numa grande nação, e  fez dos judeus um poder no mundo.

 

ü  A segunda seção vai de Salomão, filho de Davi, que consolida a monarquia judaica e dá uma dimensão quase universal do seu reinado. Este bloco vai até o exílio babilônico, mostrando a vergonha da nação judaica, sua tragédia e seu desastre.

 

ü  A terceira seção vai do exílio até a vinda de Jesus, começando com Jeconias e falando de personagens esquecidos na história, vindo até. Jesus é aquele que liberta o homem de sua tragédia e escravidão, transformando fracassos em triunfo.

 

Cada seção é representada pelo número quatorze. Isto mostra o domínio de Deus na história. A história não é caótica, mas segue um rumo definido e demarcado por Deus, segue um cronograma divino, um tempo divino, um propósito divino. Deus é Senhor da história. Ela não segue para o caos, mas para um propósito divino já estabelecido.

 

Isto surpreendeu o profeta Habacuque, no meio de sua perplexidade com a invasão dos caldeus, ouve Deus falando: “ Eu suscito os caldeus”. (Hc 1.16). A história não segue um rumo sem sentido, tem propósito, tem coerência.

 

As mãos de Deus dirigem o destino da humanidade. O universo não é um trem sem piloto que perdeu seu rumo, indo em direção ao caos e ao precipício. Deus está no controle dos eventos humanos.

 

Quando reflito mais profundamente sobre estas coisas, deixo de ficar alarmado e fragilizado com os eventos atuais. Muitas vezes nos assustamos com a pandemia, tantas pessoas mortas. Ficamos angustiados com a situação moral da nossa sociedade, a perda dos valores familiares, teológicos, questões relacionadas à bioética, às ideologias do gênero, ao descalabro político, aos rumos da nação. Ficamos assustados com tudo. Nestas horas, contudo, precisamos considerar que Deus nunca perdeu o controle da história. Talvez o mais importante seria perguntar a Deus.

 

O que o Senhor quer que eu veja neste momento que não estou percebendo?

Andrés Garza, Diretor da City to City America Latina, afirma que nestes tempos de pandemia precisamos fazer quatro perguntas que podem orientar e mudar nossa perspectiva.

 

● O que estamos fazendo e o que precisamos parar de fazer?

● O que fazemos e devemos continuar a fazer?

● O que estamos fazendo e precisamos continuar a fazer de novas maneiras?

● O que não estamos fazendo e precisamos começar a fazer?

 

 

Provavelmente nunca entenderemos perfeitamente a razão de muitas coisas que nos acontecem, mas Deus tem um propósito santo e amoroso. Sua história pessoal não é uma peça solta nos planos de Deus. Deus conhece você, sua vida e sonhos,e  Deus quer usar você para sua glória.

 

2.     Deus transforma a história daqueles que independente de seu passado, resolvem colocar sua confiança nele.

 

Este texto nos fala de Raabe. Ela era prostituta em uma cidade pagã, mas quando ouve falar do Deus de Israel, sente-se profundamente atraída a este Deus. Ela teme a Yahweh, e por isto, além de ser incluída na genealogia de Jesus, é incluída também na galeria dos heróis da fé:

 

“Pela fé, Raabe, a prostituta, não foi destruída com os desobedientes,

porque acolheu com paz os espias”.

(Hb 11.31).

 

Onde está a virtude de Raabe? Em confiar no Deus de Israel, e temê-lo. Em colocar sua confiança plena naquele Deus do qual ela ouvira falar.

 

Pense em Rute. O que a torna diferente? Sua confiança no Deus de Israel. Ela diz a Noemi:

“O seu Deus é o meu Deus, e seu povo será o meu povo”.

Depois de ouvir falar da grandeza do Deus de Israel, rejeita os ídolos pagãos de sua cultura materna, e se entrega com fé, ao Deus que ela agora conhece.

 

Se Deus fez uma obra tão maravilhosa na vida de Raabe e Rute, será que não podemos confiantemente aguardar seu milagre em nossa vida?

 

Se sua vida é altamente esvaziada, sem significado lembre-se do que Deus fez por estas mulheres. Ele pode fazer por você. Por mais torta que seja sua vida, por mais rejeitada e sem sentido, Deus pode fazer de você uma benção, deixe que ele faça isto. Deus é especialista em gente que não tem mais jeito, em pessoas sem sonhos, em vidas fracassadas, em famílias quebradas, desajeitadas, pecadoras. Deus transformou a história destas pessoas, e pode transformar a sua. É fundamental lembrarmos da grande misericórdia de Deus.

 

Às vezes fico pensando na história de muitos, cuja realidade é marcada pela confusão e desatinos, mas que estão sinceramente buscando em Deus a cura para sua alma. Muitos se aproximam feridos, inseguros e receosos. Se você se sente assim, considere o que Deus poder fazer com sua vida, simplesmente porque você passa a confiar nele e na provisão que ele tem para sua história. Quantas bençãos ele pode dar mesmo em meio às trevas e aos desatinos. Deus transforma a história dos homens.

 

3.     Este texto mostra a infinita graça de Deus

 

  1. Deus dá status às mulheres

 

É significativo que apareçam aqui nome de mulheres. Isto jamais aconteceria na genealogia de um judeu. mulheres nunca foram incluídas na genealogia do hebreu. Não é isto algo surpreendente? Leia as genealogias do Antigo Testamento. As mulheres são citadas na genealogia de Cristo. Da mesma forma no Pentecoste, as mulheres receberam as mesmas condições que os homens.

 

Quatro mulheres são inseridas na genealogia de Jesus: Tamar, Raabe, Rute e Batheseba. É a primeira vez na história das religiões que uma mulher tem participação e é recebida como membro em uma comunidade. Diariamente o piedoso fariseu dava graças a Deus “por não ter nascido mulher, cachorro, nem gentio”. Quando Buda consentiu que uma mulher entrasse no Shagha, seu santuário sagrado, fê-lo com grande tristeza dizendo que agora o Shangha não duraria mais de mil anos. No hinduísmo, a mulher não pode salvar-se, ela precisa reencarnar como homem para obter esta graça.

 

Stanley Jones afirma:

“O que é admirável é que o fato foi aceito sem contestação; ninguém levantou a questão, não houve discussão do assunto, nada; as mulheres tomaram seu lugar no Pentecostes com a maior naturalidade e sem constrangimento. Por que? É que neste ponto também a norma estava estabelecida: eles tinham visto Jesus aceitar as mulheres na qualidade de discípulos, sem condição alguma”[1]

 

  1. Deus inclui os não incluídos

 

Num texto que foi direcionado aos judeus, como foi o Evangelho de Mateus, é surpreendente que ele inclua na genealogia de Cristo pessoas de outras nações, incluindo moabitas, que eram detestados pelos judeus. Temos aqui a presença de Rute, que era Moabita. Eles eram descendentes de Ló. (Gn 19.36-38) Os moabitas não podiam entrar no Templo, tinham que ficar no pátio dos gentios. Herodes, o Grande, governador nos dias de Jesus, era judeu, mas foi desprezado pelos seus compatriotas, porque na sua linhagem havia um edomita (descendente de Esaú), por isto ele mandou destruir os registros oficiais, para que nada pudesse ser dito contra ele.

 

A inclusão do nome de um gentio, aponta aqui para a universalidade do Evangelho. Não existe raça superior. Um judeu certamente evitaria na sua genealogia a inclusão de um gentio, porém, na genealogia de Jesus, escrita para ser lida pelos judeus, ele faz questão de incluir pessoas pagãs e ainda por cima, mulheres.

 

Uma das coisas mais interessantes no livro de Atos é perceber como esta questão das raças estava presente. O Evangelho certamente superou tudo isto, mas temos que lembrar, que a primeira controvérsia e a primeira vez que a igreja se reuniu para discutir uma questão teológica foi por causa da ida de Pedro para pregar a mensagem de Cristo aos gentios (At 110. Isto demonstra como difícil para os discípulos que vinham do judaísmo, aceitar a presença de não gentios em suas comunidades. O Evangelho, contudo, inclui os não incluídos. 

 

  1. Deus aceita os não aceitáveis – Outro aspecto impressionante nesta genealogia, é o caráter questionável destas mulheres. Excetuando Rute, todas as demais tem vida extremamente torta. O que vemos aqui é só “gente boa”:

 

ü  Tamar – A história desta mulher é registrada em Gn 38. Ela se comporta como prostituta e assume a função de prostituta para seduzir seu próprio sogro, tomando-lhe como penhor, o selo, o cordão e o cajado. Esta mulher, tão suspeita, de conduta tão inapropriada, aparece aqui na genealogia de Jesus.

 

ü  Raabe – A Bíblia registra sem nenhuma reticência que ela era prostituta, vendia seu corpo para os homens. (Js 6.22-25) Fico impressionado ao ver seu nome inserido na genealogia de Jesus. Ela foi salva quando o povo de Deus estava destruindo Jericó, porque protegeu os espias, e por isto o povo de Deus a libertou com sua família. Na genealogia de Jesus, vemos uma mulher cuja vida era altamente questionável.

 

ü  Batheseba – Nenhuma mulher foi mais escandalosa na história do povo de Deus como esta. Ela provocou uma crise de governo, abalando a monarquia. Seu caso pode ser comparado ao de Bill Clinton com Monika Lewinsky, em 1999. Um escândalo político, no qual esteve envolvido traição, suborno, assassinato, mentira, tragédias. Não é impressionante ver estes nomes nos registros sagrados?

 

Tudo isto revela a graça de Deus.

Deus não está interessado no currículo nem na nossa performance, porque ele é especialista em transformar gente sem valor em gente valorosa. Dar reconhecimento a pessoas sem dignidade. Em resgatar vidas desprezadas socialmente. Deus é especialista em reparar gente torta. O carpinteiro de Nazaré é especialista em pegar madeira bruta e dar formas.

 

O grande poder da graça é o de restaurar pessoas. Certamente não escolheríamos ou não gostaríamos de ter nenhuma destas pessoas no nosso curriculum¸mas Deus escolheu as pessoas que nada são para confundir as que são. Para mostrar que a graça dele é restauradora, renovadora, e Deus pode e quer fazer coisas novas.

 

Muitas vezes olhamos para o nosso histórico pessoal e familiar. Nenhuma virtude, nenhum mérito, história familiares e pessoais escabrosas. Olhe para sua família. Sei de fatos em minha família que fariam estremecer os murais de minha história pessoal. Deus, contudo, tem uma profunda capacidade de transformar vidas, de refazer contextos históricos, de pegar as pessoas mais estabanadas da vida e inseri-las na sua genealogia.

 

A genealogia de Jesus é marcada por pessoas destroçadas, sem valor, sem nome e sem dignidade, mas a sua graça refez todas estas coisas.

 

Foi isto o que Jesus se propôs a fazer por nós na cruz. Nós estávamos afastados de Deus. Paulo afirma que afastados de Deus, estávamos sem Cristo, separados da comunidade de Deus, estanhos às alianças da promessa e sem esperança, “mas, agora, em Cristo Jesus, vós que estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo.” (Ef 2.13). “Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus.” (Ef 2.19)

 

 

Samuel Vieira

Medford, Agosto 2001

Anápolis, Dez 2009

Anápolis, Dez 2021



[1] Jones, Stanley E. O Cristo de todos os caminhos, S. Paulo, I. Metodista, 1968, pg. 114

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Aprendendo a viver em família com José e Maria - Mt 1.18-21

 




Leitura de referência:

Mt 1.18-21

 

Introdução:

 

Casamento não é nada fácil. Certa vez fiz uma palestra provocativa afirmando que “casamento não foi feito para dar certo.” Algumas pessoas não gostaram da forma como expus este assunto.

 

Citei cinco razões:

 

1.     Gêneros diferentes: Homem e mulher pensam de forma diferente, sentem de forma diferente, agem de forma diferente, tem virtudes diferentes. Estes mundos precisam se mesclar, se identificar. Não é uma tarefa fácil.

 

2.     Gênios diferentes: Somos emocionalmente diferentes. Imagine um fleumático casando-se com um colérico. Um melancólico com uma pessoa sanguínea. São temperamentos diferentes. Interpretam a vida de forma distinta. Um insiste em “zero a zero, e o outro um a um.”

 

3.     Diferenças familiares: Backgrounds diferentes. Forma de lidar com dinheiro, visão de mundo, uso do tempo, criação de filhos, valores morais e espirituais. Basta assistir o filme “Meu casamento grego” para entender o que estou falando.

 

4.     O infinito particular. Marisa montes afirma na sua música com este nome:

 

Em alguns instantes

Sou pequenina e também gigante

Vem, cara, se declara

O mundo é portátil

Pra quem não tem nada a esconder

Olha a minha cara

É só mistério, não tem segredo...

 

Só não se perca ao entrar

No meu infinito particular

 

Todos temos segredos, temores, fantasmas, sombras, dificuldades. Não é fácil sequer para nós entrarmos nestes mistérios de nosso coração, quanto mais o outro. É desta forma, por exemplo, que reagimos de forma inconsciente a determinadas situações não tão graves, simplesmente porque temos uma história, e eventualmente um gatilho inconsciente dispara, nos ameaçando, acuando. Nós nem sempre temos clareza do porque da nossa ansiedade e insegurança. Este é o nosso infinito pessoal.

 

5.     Natureza pecaminosa. Por causa de nossa situação espiritual somos seres inclinados ao culto narcísico. Gostamos de ser apreciados, estar no centro, sermos servidos.

 

Por que então, duas pessoas de natureza fortemente egocêntricas estariam dispostas a abrir mão de seus direitos para servir o outro? Em última instância não queremos fazer o outro feliz, queremos ser feliz; não queremos servir, queremos ser servidos, não servir.

 

Quando olhamos a família de Jesus, a Sagrada Família na tradição católica, vemos algumas atitudes que podem orientar a nossa forma de viver. Deus designou seu Filho amado para viver em família, ser criado num ambiente doméstico, ter que lidar com as diferenças e tensões que todo lar possui. Mas há algumas coisas que são maravilhosas na vida de José e Maria, que poderiam nos ajudar a saber como lidar com a vida.

 

1.     José e Maria aprenderam a enfrentar as críticas e se manterem naquilo que criam ser importante.

 

Poucas vezes paramos para considerar quão complexo foi para Maria e José lidar com a situação inusitada do nascimento de Jesus. Eles eram casados (uma espécie de noivado), mas diferente porque perante a sociedade eles já eram marido e mulher, comprometidos perante a lei, um com o outro.

 

Um dia Maria se aproxima de José e lhe segreda. Ela estava grávida!!! Mas ela tinha uma explicação bem razoável. Ela fora engravidada do Espírito Santo. Ah, bom!!! Agora está explicado... A Bíblia diz que José, sendo justo, resolveu não difamá-la e deixá-la secretamente. Ele iria desaparecer. Aquela noite foi tensa para José. Ele finalmente consegue dormir, e num sonho um anjo confirma a palavra de Maria, e José decide assumi-la.

 

Numa vila de 300 pessoas onde todos se conheciam o comentário logo se espalhou. Maria deixa a cidade e vai para as montanhas da Judeia para se encontrar com Isabel, mãe de João Batista, que estava grávida, e sua gravidez tinha sido sobrenatural. Ela certamente entenderia a situação... Sua visita durou nada menos que três meses. Era o lugar onde Maria se sentia segura.

 

José e Maria  se tornaram objeto de suspeita. Mas juntos enfrentaram lutas e problemas. Desta forma, aprendemos que casais precisam aprender a lutar com criticas, injúrias, comentários. Mesmo que sejam verdadeiros. Precisamos aprender a resolver os problemas e juntos apoiarmos um ao outro, assim como Maria e José fizeram. Isto exige certa cumplicidade e grande respeito. Precisamos nos proteger não pecaminosamente, mas proteger os segredos, as dores, cuidar, abençoar.

 

Famílias abençoadas não são famílias perfeitas, mas redimidas, que aprenderam a perdoar as mágoas, que erram e conseguem retomar o caminho da cura e da reconciliação.

 

2.     José e Maria aprenderam a se sacrificar para proteger seu filho Jesus.

 

Depois de terem lidado com criticas e suspeitas, surge um novo desafio. Eles foram divinamente advertidos que Herodes mataria todas crianças de dois anos para baixo que vivessem nos arredores de Belém. E José, da noite para o dia, deixa sua história pessoal, seu trabalho, seus clientes, seus familiares e foge para o Egito.

 

Para um judeu, retornar ao Egito era uma tarefa muito dura. O Egito era símbolo da opressão e da oposição a Deus. Mas eles precisavam sair para proteger o menino Jesus. José se sacrifica profissionalmente para que seu filho seja salvo.

 

Isto me leva a pensar quantas vezes precisamos nos sacrificar para proteger nossos filhos. Talvez a ameaça de hoje não seja física, mas emocional, abusos sexuais, sofrimentos interiores. Muitas vezes precisamos nos sacrificar para proteger nosso marido (esposa). A Sagrada Família, assume um papel complicado e deixa o conforto familiar para proteger Jesus

 

Quando retornam, continuam os problemas. O velho Herodes havia morrido, e seu filho tinha assumido seu lugar. Será que já estavam livres da ameaça? Decidiram morar, não na Judeia, seu ambiente, mas na Galileia, outra região que ficava na direção do Mediterrâneo, onde os costumes religiosos não eram tão estritos como na Judeia. Mais uma vez José deixa sua terra e se muda. Novamente ele precisa fazer mais sacrifícios. Maria segue com ele. Era necessário proteger os filhos.

 

Nossos filhos estão debaixo de enorme pressão emocional e espiritual. Pais precisam estar atentos sem estarem neurotizados. Excesso de proteção adoece, assim como a ausência de proteção. Filhos precisam crescer, enfrentar conflitos, exagerar excessivamente com o cuidado pode ser tão traumático quanto não dar atenção. Prudência e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

 

3.     José e Maria decidiram obedecer a Deus.

 

A vida da “Família Sagrada” é marcada por um profundo senso de que, custasse o que fosse, eles deveriam obedecer e seguir a Deus.

 

José enfrentou muitos tabus para receber Maria.

 

-Tabus sociais. Imagine explicar a gravidez de Maria para seus amigos e sociedade. Fico imaginando como deve ter sido o seu diálogo com a família na hora do café da manhã. Ele nervoso, raspando a garganta, tentando explicar para seus pais que sua noiva estava grávida do... Espírito Santo...

 

- Tabus religiosos. A Lei do Antigo testamento autorizava que o marido denunciasse a mulher adúltera, ela seria levada para uma praça pública e apedrejada, como aconteceu no relato de João 8. O que fez José: “Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixá-la secretamente.” (Mt 1.19) Ele decidiu “sair de fininho”. Mas em sonho, vem um anjo do Senhor que lhe diz para não hesitar em receber Maria. Quando ele acorda, ele não tem crise em obedecer. Ele agora sai disposto a enfrentar o que fosse necessário para simplesmente obedecer a Deus.

 

- Questionamentos pessoais – Não se tratava apenas de explicar aos outros, mas ele precisava estar convencido. Quando ele tem o sonho, sua disposição foi clara: “Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor, e recebeu sua mulher” (Mt 1.24)

 

Maria também teve muitos enfrentamentos para obedecer a Deus:

 

            -Como explicar isto ao seu marido José? Será que ele entenderia? Como vimos, José não ficou convencido inicialmente daquela conversa.

 

            -Como explicar à sua família. Seus pais entenderiam?

 

            -Como explicar à sociedade. Alguém acreditaria nela?

 

A situação foi tão complexa que ela resolveu fazer uma visita a Isabel (Mãe de João Batista), que morava nas montanhas da Judeia. Foi uma visita fora de qualquer parâmetro: Ela passou três meses por lá. Já fizeram uma visita a alguém que durasse três meses? Ou já receberam alguém para passar um tempo tão longo assim na sua casa? Por que Maria foi para tão longe e ficou um tempo tão longo? Porque as coisas não estavam fáceis na sua aldeia.

 

Mas quando Gabriel lhe dá o recado, apesar da complexidade inerente à situação, ela declara firmemente: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra. E o anjo se ausentou dela.” (Lc 1.38).

 

Conclusão

 

Precisamos aprender a viver em família, e o modelo da família de Jesus nos inspira. Todas as vezes que falamos sobre a família, sempre temos a tendência de acreditar em modelos perfeitos. Não se iludam. Não há famílias perfeitas. Podemos nos sentir muito abençoados, se já tivermos famílias redimidas por Jesus, tratadas pela graça e misericórdia de Deus. Esta é a grande benção da vida. Famílias onde a graça e o perdão de Deus estão presentes.

 

1.      José e Maria aprenderam a enfrentar as críticas e se manterem naquilo que criam ser importante.

2.      José e Maria aprenderam a se sacrificar para proteger seu filho Jesus.

3.      José e Maria decidiram obedecer a Deus.

 

 

A família de José e Maria é assim. Podemos imaginar quantas lutas tiveram, mas juntos, com temor a Deus, com obediência, viram a graça permeando e dirigindo seus caminhos e sua história.

 

Precisamos aprender a viver em família, observando como José e Maria viveram.