quarta-feira, 22 de abril de 2020

Jó 2.8-10 Não há esperança!


Nos caminhos da vida também encontrei ruas sem saída

O Livro de Jó traz grandes desafios a todo intérprete da Bíblia:
ü  Como entender o silêncio de Deus no meio da dor?
ü  Como decodificar o mistério dos soberanos planos de Deus?
ü  Como lidar com a questão de um Deus bom que permite o mal?
ü  Deus é injusto?
“Jó vive uma crise de relacionamento mais do que uma crise de questionamento intelectual “(Yancey), afinal, seria ainda possível confiar em Deus?
 A mulher de Jó diz o óbvio, ela emite uma resposta existencial de “bom senso”, ela expressa “lucidez intelectual”, não parece? “Por que conservas ainda a tua integridade. Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2.8-10). Não é difícil fazer afirmações semelhantes em horas de dor e desespero.
A sugestão da mulher de Jó segue duas direções:
A.     Renuncie a Deus – “Amaldiçoa a Deus!”.
Não apenas uma renúncia neutra, mas carregada de ódio e amargura. Ela sugere que Deus seja desprezado por Jó, e oficialmente deportado de sua existência. Ela não sugere que ele deixe de crer em Deus, mas que ele hostilize a Deus. Não raramente tenho visto que as pessoas geralmente não apenas descreem de Deus, mas odeiam a Deus. A indiferença é a expressão mais sutil do ódio, mas a mulher de Jó sugere uma resposta verbalizada de oposição e resistência ao Senhor. Não apenas descrer, mas amaldiçoar. 
Li certa vez que o ateísmo, na sua essência, não é apenas um dificuldade intelectual ou existencial de crer em Deus, mas constitui-se também, numa oposição a Deus. São poucos ateus que descreem em Deus e que a verdade de Deus seja “neutra”, nas suas vidas. Em geral, os ateus se tornam antagônicos a Deus, opositores dos que creem em Deus, e agressivos contra Deus. Já pararam para refletir que, neste sentido, “a-teísmo”, é uma forma de fé? Não posso me opor a alguém que não exista, portanto, a reação de oposição a Deus torna-se essencialmente uma declaração de fé ao contrário.
B.     Desista de viver - “Amaldiçoa a Deus e... morre”.
Subliminarmente ela sugere uma espécie de suicídio a Jó. Que valor tem a vida, se a realidade diante dele é tão cruel e dura? Para que viver? Albert Camus, no livro “O Mito de Sísifo”, nas suas primeiras páginas sugere que “a hipótese filosófica mais razoável para o ser humano é a do suicídio”. Sem esperança, doente, pobre e enlutado, num mundo caótico, o que Jó podia esperar? Morrer parece uma saída plausível. Esta é a sugestão que sua esposa lhe faz.
Rubem Alves escreveu um livro com instigante tema: “Pensamentos que tenho quando não estou pensando nada”. Neste sermão gostaria de parafrasear sua ideia numa outra direção: “O que fazer quando não há o que fazer?” e “que direção tomar quando não há saída”. Em inglês há uma expressão: “No way out!”, que significa exatamente. Sem saída! 

Algumas lições surgem em minha mente ao ler este texto:
1.     Precisamos entender que “sem saída” é uma falso pressuposto. Na vida sempre há saída!
No trilogia “O Senhor dos Anéis” de J. R. R. Tolkien, os personagens estão sempre em apuro, vivendo no limite da falta de opções. A morte é iminente e não existe escapatória. A expressão recorrente do livro é “Não há esperança!” Apesar do mal ser tão concreto na ficção de Tolkien, tão permeado por elfos, hobbits, místicos e magos, e não existir a ideia de Deus, mesmo assim, há sempre soluções e alternativas. Há sempre saída!
Tenho encontrado muitos crendo que não há saída!
Um amigo meu, enfrentou um doloroso divórcio. Ele se sentiu ultrajado, envergonhado e apunhalado em todas as direções. Poderia simplesmente esquecer aquela mulher, mas ele não conseguia. Certo dia, no meio de muitas lágrimas, eu falei que ainda iriamos rir de toda aquela situação. Com um sorriso dolorido ele me olhou e disse para não brincar com sua dor. Pois bem, hoje ele encontra-se absolutamente restaurado, a dor passou, e ele está curtindo um novo amor. Recentemente o vi no facebook passeando com loira nas praias do Nordeste. Parece que sua dor foi superada, não acham? Há sempre saída!
Dr. Edmund Haggai afirma que você pode perder tudo, mas se você não perder sua integridade, tudo poderá ser restaurado. Lendo o evangelho, e vendo pessoas que fracassaram tanto na vida, chego à conclusão de que você pode perder até mesmo a reputação, e ainda assim ser restaurados. Afinal de contas, “O que confessa e deixa alcança misericórdia!” e “o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”. Sempre há saída! Principalmente se considerarmos a vida na perspectiva da misericórdia e da graça divina.
2.     Ter esperança não tem a ver com situações favoráveis ou não, mas com perspectiva.
A mulher de Jó desiste da vida. Seus olhos estão colocados na tragédia – e não eram poucas. Algum tempo atrás ouvi alguns argumentos interessantes defendendo a mulher de Jó, e procurando redimi-la do julgamento duro que tantas vezes lhe fazemos. O pregador dizia: “O que você faria se tivesse passado por tudo que ela passou? Perder todo seu status, dez filhos ao mesmo tempo e ver o marido como um trapo se arrastando no pó e na cinza?” 
O livro de Jó traz grandes problemas ao intérprete da Bíblia. Suas questões são teologicamente graves. Deus é um dos personagens do texto, mas que decide silenciar-se diante da dor. Jó está sempre perguntando o porquê das coisas, mas Deus permanece silencioso e distante. Por isto, num dado momento, sua esposa se cansa da sua resignação e explode: “Por que conservas ainda a tua integridade. Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2.8-10).
Como Jó responde quando não há esperança concreta? Focando nas perspectivas.
Primeiro, ele tenta balancear suas experiências: “falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?”  (Jó 2.10).
Ele coloca o foco em Deus e na sua liberdade de exercer sua soberania como quiser. Deus faz o bem e permite o mal. Não conseguimos entender este exercício de sua soberania, mas Jó se submete a ela: “E disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor! Em tudo isto Jó não pecou nem atribuiu a Deus falta alguma” (Jó 1.21).
Jó foca em Deus, não nas tragédias.
Em segundo lugar, e ainda mais incisivo, ele foca no caráter e na existência de Deus:
Por eu sei que o meu redentor vive por fim se levantará sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo de minha pele, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim” (Jó 19.25-26). 
Os estudiosos da Bíblia afirmam que este é um dos textos mais citados quando se estuda escatologia do Antigo Testamento. Jó está falando de sua ressurreição. Se lermos atentamente ele sequer está se referindo à possibilidade de continuar vivo, ele está falando da esperança depois da morte. Ele está falando do céu, de uma realidade que ele ainda não experimentou, mas que tem certeza dela. Ele fala dialeticamente “de saudade me desfalece o coração dentro de mim”. Ele afirma que tem saudade da eternidade, mas como ter saudade de algo que ainda não se experimentou? Sua fé é tão concreta, que ele sente saudade do gozo celestial.
Dr. Russel Shedd, perto de sua morte, passando pelo tratamento de um câncer, enfrentando as dores em tais procedimentos, afirmou o seguinte: “Eu nunca tinha sofrido este sofrimento até estes últimos meses, é uma experiência muito boa. Sinto-me desmamando do mundo. O sofrimento daqui é muito pouco em comparação com aquela alegria que nós sentiremos na presença de Deus. É normal o crente sofrer, estou muito feliz com esta experiência”. 
Preste atenção na visão de Jó e de sua esposa. Ambos estão no mesmo barco, experimentando a mesma dor. Jó até mais, porque ele está doente, com o corpo cheio de feridas. Como a esposa de Jó reage? Com indignação. Como Jó reage? Com esperança e confiança. Portanto, Ter esperança não tem a ver com situações favoráveis ou não, mas com perspectiva. Onde se encontra a visão de sua esposa? Onde se encontra sua visão? Jó tem perspectivas!
Isto muda todas as coisas.
3.     É sempre possível ter esperança quando estamos diante do Deus de milagres. 
A verdade é que existem centenas de situações na Bíblia nas quais as pessoas parecem não ter saída alguma, mas Deus age sobrenaturalmente.
Jó não parece centrado na questão da restauração e dos milagres. Seu coração parece ter um problema maior que é tentar entender os movimentos misteriosos de Deus. A temática em Jó não é sobre cura, mas sobre confiança em Deus a despeito das circunstâncias. 
Apesar de tudo que experimentou, a da dureza de toda sua experiência, Deus intervém de forma miraculosa e transforma sua vida, restaurando sua história.
A Bíblia nos fala de outra situação semelhante do povo de Deus nos dias do rei Ezequias. Senaqueribe, rei da Assíria montou um cerco em Jerusalém, e as condições da guerra eram tão assustadoras que não havia possibilidade alguma de pensar numa saída. O rei invasor, por meio de seu porta voz, zomba dos recursos de Ezequias, ironiza sua confiança em Deus. Não havia qualquer chance. Veja a narrativa do texto de 2 Rs 18.19-23:
O comandante invasor disse: "Digam isto a Ezequias: Assim diz o grande rei, o rei da Assíria: Em que você baseia sua confiança? Você pensa que meras palavras já são estratégia e poderio militar. Em quem você está confiando para se rebelar contra mim? Você está confiando no Egito, aquele caniço quebrado, que espeta e perfura a mão do homem que nele se apoia! Assim o faraó, rei do Egito, retribui a quem confia nele. Mas, se vocês me disserem: "Estamos confiando no Senhor nosso Deus"; não é ele aquele cujos santuários e altares Ezequias removeu, dizendo a Judá e Jerusalém: "Vocês devem adorar diante deste altar em Jerusalém? "Aceite, pois, agora, o desafio do meu senhor, o rei da Assíria: Eu lhe darei dois mil cavalos; se você tiver cavaleiros para eles!
Os assírios estavam confiantes, e o povo judeu estava tão certo de sua limitação. Entretanto, Deus interviu de forma sobrenatural e milhares de soldados inimigos morreram numa só noite, feridos pelo Anjo do Senhor, o rei invasor retornou destruído para seu país e quando chegou à sua terra, entrou no templo pagão do seu deus Nisroque, e dois de seus filhos, Adrameleque e Sarezer, o mataram ainda no templo.
Ele estava tão seguro, o povo de Deus tão frágil, contudo, a mão de Deus se moveu e uma realidade inteiramente transformadora se deu, pelo mover de Deus.
Isto demonstra que sempre podemos ter esperança diante do Deus que temos. O Deus das Escrituras Sagradas não é limitado pelos pequenos recursos que possuímos, ou pela gravidade das condições que enfrentamos. Ele é Deus! Acaso existe alguma coisa demasiadamente difícil para ele? Existe algo que alguém possa dizer: “Nem Deus pode nos ajudar?” Pelo contrário, é sempre possível ter esperança quando estamos diante do Deus de milagres. 
Conclusão:
O livro de Jó não termina de forma desoladora, mas repleto de esperança! “Mudou o Senhor a sorte de Jó, quando este orava pelos seus amigos; e o Senhor deu-lhes o dobro de tudo o que antes possuíra” (Jó 42.10).
Tudo é tão trágico, intenso, profundo, no início do livro, mas tudo é tão poderosamente transformador no final. A presença de Deus muda o cenário, transforma a história.
Não é disto que fala também o Evangelho?
Consideremos a morte de Cristo. A cruz parece o fim da vida. Não há esperança para a humanidade, que sentenciou injustamente o homem mais justo que pisou sobre a face da terra. A cruz é o veredito do fracasso humano. Os homens rejeitaram a luz e a encarnação do próprio Deus. Jesus é aparentemente um fracassado, cheio de utopias, que aos 33 anos é sentenciado e colocado numa cruz por causa de seus sonhos megalomaníacos. Ali está a cruz para dizer: “Não há esperança!”. Não há saída. Você perdeu!
Os discípulos entenderam bem o recado. Pedro disse: “Vamos pescar!” O projeto de salvar o mundo, de dar esperança aos pobres, de impactar a história acaba na cruz. Não há mais saída. Dois discípulos decidem retornar à sua antiga vida da aldeia de Emaús. “Nós esperávamos que ele fosse o Messias”. Nada mais existe. O sonho acabou.
Temos ali na cruz um cenário de morte, frustração e desolação. Uma comunidade, com cerca de 120 pessoas sendo zombada do “falso messianismo” do Jesus de Nazaré, que acabou em desgraça, como tantos outros da história. Jesus é levado para um túmulo, sentença final de uma vida sem propósito.
Mas o cenário muda ao terceiro dia.
A morte dá lugar à vida. A desesperança desaparece, e o sonho renasce.
“Ele ressuscitou!” dizem as mulheres. Mas isto lhes parece mais um delírio.
Dídimo reage: “É alucinação!” Não crerei se não colocar minhas mãos nas suas feridas. Logo em seguida reencontra-se com o seu senhor ressurreto e declara: “Senhor meu e Deus meu!”
O Evangelho nos fala de esperança viva!
Sempre há esperança quando estamos diante de um Deus vivo!
O Evangelho não termina com uma nota de desânimo, mas com uma declaração de júbilo ao Cordeiro, que foi morto, mas vive!
É possível que alguém que esteja lendo este texto até agora esteja numa situação limite. E são aparentemente tantas. Tantos desfiladeiros e estradas sem saída, sem retorno. A noite pesada, a dor intensa, a esperança nula, o medo dominando e invadindo a alma. Tudo sem esperança. Parece o fim.
Alguns anos atrás estava viajando de carro numa estrada no Sudoeste Goiano, e caiu uma tempestade fortíssima. Era quase impossível dirigir. Os carros iam parando no acostamento, com as luzes piscando, e outros corajosos, iam com cuidado estrada fora. Parecia não ter fim aquela escuridão e névoa. Eu jamais poderia esperar que algo tão surpreendente ainda aconteceria. Já era final da tarde e parecia que a noite já havia chegado, mas de repente, o céu se tornou claro, as nuvens desapareceram, a chuva acabou, e o sol brilhou fortemente ainda naquele dia.
Lembro do pensamento que tive naquele dia.
Quantas pessoa encontram-se à beira do suicídio, envergonhadas, cansadas, zangadas, frustradas, irritadas com a vida, com Deus. Se elas soubessem como a vida tem o poder da mudança. Atletas fracassados hoje, podem ser heróis amanhã. Quem hoje está humilhado, com ou sem razão, com justiça ou injustamente, amanhã poderá ser colocados em lugares de honra.
Nelson Mandela foi opositor político do governo que defendia o apartheid na África do Sul, e por causa de sua luta contra a discriminação, ficou preso por cerca de 30 anos. Provavelmente ele deve ter ficado desanimado muitas vezes, considerando que este seria sua condição para sempre. As coisas porém mudaram, uma novo capítulo foi escrito na sua história de vergonha e abandono, e ele terminou seus dias como um presidente respeitado, e morreu reverenciado por nações do mundo inteiro como referência histórica, grande estadista e chefe de Estado.
Colecionei algumas afirmações sobre mudança de vida que são verdadeiras pérolas: 
“Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.” Fernando Pessoa
“A mudança é a lei da vida. E aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro.” John Kennedy
“A vida de uma pessoa consiste num conjunto de acontecimentos, dos quais o último também poderia mudar o sentido de todo o conjunto.” Italo Calvino
“Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.” Luis Fernando Verissimo

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terça-feira, 21 de abril de 2020

Gn 50.15-21 Deus dirige a história

Salmo 5 – estudo sobre o lamento de Davi que sofre pragas dos ...

Deus controla sua história
Gn 50.15-21

Introdução:
A história de Hiroo Onada, soldado japonês, ilustra como o homem age de acordo com aquilo que crê. A ilustração é um pouco longa, mas vale a pena ouvir.
Soldado de guerra desde os 20 anos, Onoda lutou com tanta devoção que não percebeu quando a guerra acabou e continuou lutando. Em dezembro de 1944, Onoda foi enviado às Filipinas. Sua missão, descrita em nota por Major Yoshimi Taniguchi, era a de manter-se vivo. Um trecho da nota, em uma tradução livre, diz que “Isso pode levar três anos, pode levar cinco, mas aconteça o que acontecer, nós vamos voltar até você.”
Em outubro de 1945, Onoda e seus soldados ouviram alguém anunciando, aos gritos, que a guerra havia acabado, pedindo para que todos os soldados se apresentassem. Onoda pensou que o aviso era, na verdade, uma armadilha. Para ele, não fazia sentido que o Japão tivesse perdido tão rapidamente. Ele ainda nem sabia a respeito das bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki.
Após algum tempo, um avião sobrevoou a ilha e jogou alguns folhetos para informar aos possíveis soldados presentes que haveria mais uma tentativa de busca. Onoda, mais uma vez, desconfiou da veracidade das informações. 
Depois da primeira distribuição de folhetos, mais alguns foram lançados, agora acompanhados de jornais, com notícias a respeito do fim da guerra, além de fotografias e cartas escritas pelos familiares dos soldados. Feito esse contato, alguns delegados de guerra chegaram a entrar na ilha, pedindo para que os soldados escondidos aparecessem, contando sobre o fim da guerra em alto-falantes. 
Anos se passaram e a pequena tropa de Onoda, formada por quatro soldados, continuou escondida. Com o passar do tempo, mesmo vendo que outras pessoas estavam circulando livremente, usando roupas comuns, Onoda continuava a achar que se tratava de uma tentativa de sabotagem.
Aos poucos, dois membros do grupo de Onoda saíram, restando ele e apenas mais um companheiro. Os dois viveram escondidos por mais 17 anos. Eles ainda acreditavam que, eventualmente, mais tropas inimigas apareceriam para confronto ou que o Japão pudesse enviar mais tropas para treinamento. 
Após 27 anos de fuga, o parceiro de Onoda morreu durante uma briga com uma patrulha filipina. A morte deste soldado serviu de alerta ao governo japonês, que acreditava, até então, que todos os soldados que não retornaram estavam mortos. 
O mais irônico vem a seguir: quem, de fato, encontrou Onoda foi um estudante que, em 1974, decidiu viajar para alguns lugares do mundo. Um de seus objetivos era encontrar um panda, o tenente Onoda e o abominável homem das neves. Parece piada, mas é verdade. Pelo menos o tenente ele encontrou.
É claro que Onoda se recusou a acompanhar o estudante, afinal, seu comandante havia dito, há 29 anos, que voltaria para buscá-lo, independente do que acontecesse. O estudante voltou ao Japão e procurou o comandante Major Taniguchi , que enviou Onoda às Filipinas. Ele já estava aposentado e trabalhava em uma livraria. Taniguchi foi até Onoda e contou que a guerra, de fato, havia acabado. Ele estava finalmente liberado para voltar ao Japão. 
Onoda ficou visivelmente revoltado ao analisar toda a situação e pensar no tempo que perdeu, escondendo-se de inimigos que nem mesmo existiam. Em nota, ele disse que se sentiu um tolo, que tudo à sua volta estava negro, como em uma tempestade. 
De volta ao Japão, Onoda virou herói pela dedicação que demonstrou ter com o seu país. Ele também recebeu o pagamento relativo aos 30 anos de trabalho. Com o dinheiro, mudou-se para o Brasil, onde comprou uma chácara e se casou. Ele também escreveu um livro a respeito dos seus 30 anos de guerra. 
Em 1984, Onoda voltou ao Japão, onde criou uma escola para ensinar técnicas de sobrevivência e independência aos jovens de seu país. Em 1996, ele retornou às Filipinas e doou US$ 10.000 para escolas locais. Em uma de suas frases mais famosas, Onoda diz: “Os homens nunca deveriam desistir. Eu nunca desisto. Eu odiaria perder.”

A verdade é que vivemos de acordo com aquilo que cremos. Por isto é certo afirma que os homens se parecem com os seus deuses. Morremos e vivemos a partir de conceitos estabelecidos e tidos como corretos. Quando se trata de perspectivas espirituais, afirmamos que uma das maiores desgraças da vida são pressupostos teológicos equivocados, e que uma das maiores bênçãos é uma boa teologia, isto é, a forma como vemos a Deus e a vida – filosoficamente isto é chamado de cosmovisão.
Nenhuma fé é genuína e saudável se não se sustenta em pressupostos corretos sobre Deus. O que pensamos de Deus, correta ou equivocadamente, traz sossego ou muito desconforto para a alma.
Um exemplo clássico disto pode ser percebido no profeta Jeremias, quando vê sua cidade amada, Jerusalém, devastada por um império cruel e reduzida a pó. Seus símbolos sagrados foram agredidos, famílias e amigos morreram na guerra, crianças ficavam atônitas nos cantos sem saber o que comer, para onde correr, muitas meninas foram levadas para se tornarem escravas sexuais dos guerreiros, e diante do caos, da falta de sentido e da desordem ele diz a si mesmo: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não tem fim, renovam-se a cada manhã”(Lamentações, 3.22-23). Jeremias se firma num pressuposto, numa concepção – e esta era a única coisa que lhe podia dar esperança.
Larry Crabb Jr afirma que esta é a tarefa fundamental do conselheiro cristão diante da angústia, desespero e medo. Ele afirma ser fundamental “colocar a mente no lugar”. Para ele, o passo crucial para a mudança é a renovação da mente. “O pensamento sempre tem conteúdo”[1].
Deus providencia para cada pessoa um significado. A ausência deste sentido é a crise mais profunda do ser humano. Significado tem a ver com auto-aceitação, mas tem a ver com a compreensão de que a vida está relacionada a um projeto maior, e não apenas a uma caminhada que vai encerrar seu último capítulo num túmulo frio. Um ponto finito requerer um ponto de referência infinito, como afirmou J. P. Sartre: “nenhum ponto finito tem sentido se não se conectar a um ponto infinito”.
Para Crabb Jr “O ponto inicial de todos os problemas emocionais da causa não-orgânica é um problema de pensamento, uma crença errada sobre como as necessidades pessoais podem ser supridas”[2]. Já que “As proposições que uma pessoa tem em sua mente, isto é, sentenças que ela diz a si mesma, controlam diretamente aquilo que ela acaba fazendo[3]
A Bíblia faz exatamente esta declaração, muito anos de uma elaboração sistemática ter sido elaborada: “Como o homem pensa em seu coração, assim ele é”. O sistematizado deste pensamento de forma filosófica foi Albert Ellis: “Como uma pessoa avalia o evento isto determinará sua resposta emocional”. Este princípio é chamado em psicologia de “teoria do controle proposicional”. O evento não controla o sentimento, mas a avaliação do evento é que o controla. Por isto, uma crença errada, uma equivoco na interpretação ou conceitos deformados sempre leva a comportamentos errados e a sentimentos neuróticos.
A história de Jose nos mostra como uma mente teologicamente correta ajuda a lida com oposição/sofrimento, ingratidão e injustiça. Toda leitura que ele faz está submetido às percepções que ele tem de Deus. Se José tivesse uma concepção errada de Deus, certamente isto afetaria profundamente a sua interpretação de vida, diante de tudo que viveu.
Quando atravessamos um brejo ou pântano, o único modo de fazê-lo com êxito é encontrando lugares sólidos onde colocar os pés. M. L Jones sugere: “Coloque o problema particular no contexto dos princípios sólidos que estão adiante”[4].
José supera toda oposição, por causa de seus pressupostos:
  1. Ninguém ocupa o lugar de Deus – “Não temais, acaso estou no lugar de Deus?” (Gn 50.19). Ele não precisava fazer nada, nem vingar-se, porque o Eterno tinha o controle da história e ninguém ocupava seu lugar neste papel de ator principal.
Quando o apóstolo João começa a ter as visões celestiais, a primeira coisa que ele vê é um trono e nele alguém assentado. “imediatamente eu me achei em espírito e eis armado no céu um trono, e, no trono, alguém sentado” (Ap 4.2). João estava preso por pregar o evangelho, e talvez sua mente estivesse confusa por Deus ter permitido que ele, seu fiel servo estivesse nestas condições; talvez a igreja estivesse perplexa com o desenrolar da história quando viu seu velho e fiel pastor sendo levado por um sistema corrupto para morrer numa ilha sem condições básicas de vida. Nesta hora, Deus afirma sua soberania. Alguém está no centro das decisões do universo, Deus governa todas as coisas visíveis e invisíveis. O trono não está vazio, esperando alguém que possa assumir este lugar. No trono tem alguém sentado.
  1. Ninguém pode fazer o que Deus não permite – (Gn 50.20). Esta é a segunda percepção que José tem. Vocês não fizeram isto sem que Deus quisesse. “Vós intentastes o mal, mas Deus transformou o mal em bem”.
Esta percepção é tão clara nas Escrituras, que existe até mesmo o relato de um famoso macumbeiro na Bíblia, que a compreende. Me assusta pensar que um ímpio com um background religioso como este tenha esta percepção que muitos cristãos não são capazes de ter. Balaão é contratado por Balaque, um rei, para “fazer um trabalho”, e enfraquecer espiritualmente o povo de Israel . Havia muito dinheiro envolvido nesta transação espiritual, mas quando ele chega perto do povo, ao invés de fazer sentenças de maldição, começa a abençoá-lo. O rei o censura e então ele faz uma das melhores declarações sobre a soberania de Deus em toda bíblia:
Como posso amaldiçoar a quem Deus não amaldiçoou?
Como posso denunciar a quem Deus não denunciou?...
Eis que para abençoar recebi ordem, ele abençoou, não o posso revogar.
Pois contra Jacó não vale encantamento, nem adivinhação contra Israel;
agora, se poderá dizer de Jacó e de Israel: que coisas tem feito Deus!” (Nm 23.8,23).
José também possui uma percepção clara de que Deus está no controle da história. É exatamente esta leitura que o sustenta todos os difíceis anos que teve de enfrentar e o livra de ressentimentos e desejo de vingança, tão comuns em nós quando nos sentimentos injustiçados.
  1. Deus pode transformar o pior episódio, em uma maravilhosa graça e intervenção. “Vós intentastes o mal, mas Deus transformou o mal em bem”.
José não ameniza a realidade do mal, nem minimiza a crueldade e maldade dos irmãos, mas percebe que Deus usou este ato desumano como uma forma de abençoá-lo. Lembra-se do conceito de Ellis citado anteriormente? “O Evento não controla o sentimento, mas a avaliação do evento é que o controla”. José analisa o evento na perspectiva da soberania e da graça de Deus.
  1. Ele entende que Deus é santo – “Deus é luz, e nele não há treva nenhuma”. Pode o Senhor cometer injustiça? Fazer algo errado? Ter motivações pecaminosas? Não! Em Deus os motivos são sempre puros e santos.
  2. Ele entende que Deus é Todo-Poderoso – O Deus criou o mundo do nada e tem todas as coisas sobre o seu domínio é também aquele que governa a vida pessoal de José e da sua vida. “Quereis, acaso, saber as coisas futuras? Quereis dar ordens acerca dos meus filhos e acerca das obras das minhas mãos? Eu fiz a terra e criei nela o homem, minhas mãos estenderam os céus e todos os seus exércitos deis as minhas ordens”(Is 45.11,12). Deus fez a história da forma que Ele quis. Ele é o Alfa e o Ômega, o principio e o fim. Ele depõe reis e estabelece reis.
  3. Ele entende que Deus é Fiel – Apesar de todas oposições e sofrimento, a fidelidade de Deus estava presente sobre sua vida. Não sabemos se José murmurou contra Deus nos reveses que sofreu, se o fez, a Bíblia não descreve. Entretanto, a bíblia afirma todo o tempo que “O Senhor era com José” (Gn 39.2,5,21,23). Sua fidelidade e cuidado nunca se apartaram da vida de José, mesmo nos momentos mais antagônicos. Deus era com José. Você crê que Deus é contigo? Voce crê que ele controla sua história pessoal?
Nos sermões expositivos que Martin L. Jones faz sobre o livro de Habacuque[5], ao expor o clássico versículo O Justo viverá pela fé (Hab 4.4) ele tira duas lições:
  1. Os acontecimentos históricos devem ser interpretados à luz do reino de Deus – “Se desejamos ter paz interior, a despeito do que acontece no mundo e ao nosso redor, o único modo de consegui-lo é mediante a compreensão da filosofia bíblica da história” (Pg 54).
  2. Perplexidade diante dos acontecimentos correntes não é experiência nova – “Temos sido bastante tolos em imaginar que nossos problemas são excepcionais e peculiares. Não o são... nossas perplexidades não de forma alguma novas” (Pg. 54).
O mesmo autor aponta 4 aspectos que apontam para a soberania de Deus:
  1. A história está sob controle divino – as coisas não são o que aparentam ser. Não há poder neste mundo que não seja por ele controlado. Deus é senhor da história (Is 40.15).
  2. A história segue um plano divino – As coisas não acontecem por acaso. Os acontecimentos não são simplesmente acidentais. Há um propósito na história.
  3. A história segue um horário divino – Deus tem o seu tempo, tem o seu caminho; ele age e trabalha de forma ordenada.
  4. A história está ligada ao seu reino divino – A chave da história do mundo é o reino de Deus. Desde a queda, Deus vem trabalhando no estabelecimento do universo de um novo reino no mundo. Não devemos ficar desconcertados quando coisas surpreendentes acontecem no mundo.
Diante disto, pergunte a si mesmo:
    1. Tenho percebido, de fato, que Deus controla minha história?
    2. Quando ocorrem os eventos, de bençãos ou dificuldades, tenho conseguido discernir o que Deus está querendo me ensinar?
    3. Nos eventos particulares da minha vida tenho me perguntado o que isto tem a ver com o reino de Deus? Como minha vida, família, sucesso ou fracasso estão sendo interpretados em relação ao reino?
    4. O que os acontecimentos tem a ver com a luz do grande, eterno e glorioso propósito de Deus?


[1] Crabb Jr. Larry L. Princípios Básicos de Aconselhamento Bíblico , 1977, Ed. Refúgio, Brasília, 1984, pg 45
[2] Idem,  Crabb Jr. Pg. 77
[3] Idem,  Crabb Jr. Pg. 77
[4] Jones, M. L - Do temor à fé. São Paulo, Ed. Vida, 1977, pg 28.
[5] Idem, Jones, pg 54

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Ef 6.13 O dia mau

O QUE VEM A SER O “DIA MAU”? | Cindi Angelo


“Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis.” (Ef 6.13).


Introdução

A expressão “o dia mau”, sempre me inquietou. Na última palestra que o Dr. Russel Shedd ministrou a nossa comunidade, ele falou muito deste “dia mau”.

Quando lemos atentamente o texto vemos que ele está no singular, não no plural. Não fala de “dias maus”, mas de “dia mau”, embora se torne muito claro que o texto não está falando de um tempo de 24 hs, parece dar mais a impressão de um tempo no qual o mal nos assola, nos confronta, a intempérie e os dias de trevas, nos assolam.

Nestes últimos tempos, com o advento da Covid-19, (março/abril 2020) que forçou todas escolas e igrejas, e a grande maioria das indústrias e comércio ao fechamento, com muitas mortes sendo anunciados, parece que experimentamos um pouco deste sinistro. O medo, a insegurança, as brigas políticas evidenciavam um ambiente de tensão.

Nós somos uma geração acostumada a estabilidade e segurança. Vivemos num país sem guerra, embora marcado pela violência, assassinatos e acidentes de carros que vitimam tantas pessoas anualmente.

O “Dia mau”, é dia de perplexidade, medo, trevas, angústias. Como cristãos precisamos entender sua realidade e lidar, com as armas de Cristo, em tempos de sobressaltos, calamidades e sofrimento. Eclesiastes fala do “dia da adversidade” (Ec 7.14). Muitos personagens bíblicos atravessaram duros tempos, viram muita dor e sofrimento. Estamos preparados para enfrentar o “dia mau”?

Os seis destrutivos “Ds”

O “dia mau” pode nos sobrevir em uma destas circunstâncias:

A.      Decepção - Forte e avassaladora, que nos sobrevem. São situações nas quais experimentamos a traição, o desencanto com coisas ou pessoas. Surge o inesperado que muda todo nosso planejamento, sonho ou rotina. Uma verdadeira avalanche de acusações, conflitos e perdas surge em tais contingências. O Salmo 55 reflete muito bem a dor de Davi por ter sido traído por um amigo e confidente. Muitas vezes é o abandono do cônjuge, uma notícia sobre um comportamento de um filho, o desencanto com alguém. Chega o dia mau com a decepção entrando ferozmente pela porta da casa.

B.      Desânimo – Surge a prostração. De forma inexplicável, perdemos a força, a alegria, o entusiasmo. A palavra “ânimo”, tem na sua raiz a ideia de “alma”. Surge a depressão, a tristeza, a vontade de se entregar. Certa mulher me afirmou sobre a sua depressão: “Existem dias que eu acordo e a sinto do lado, me dizendo para não lutar mais, para morrer”. É o desânimo, a depressão, que faz nossos dias se transformarem em invernos prolongados e sombrios e o céu parecer de chumbo.

C.      Desencorajamento – Faço uma pequena distinção entre desânimo e desencorajamento porque acredito que no segundo caso, a pessoa tentou avançar, vencer, mas por alguma razão, não conseguiu ou foi impedida, e ela então passa a dizer: “eu não vou fazer mais nada! Tudo que tento fazer as pessoas dizem não!” São pessoas que desta forma não querem mais investir em si mesmas ou em seus projetos. Morreram por ausência de esperança. Chega “o dia mau”

D.     Dúvida – Pensamentos e sentimentos se confundem. Aquilo que era o alicerce de sua vida e fazia parte do seu “core” de crenças e convicções se torna relativizado. O “dia mau”, se torna uma realidade, porque faltam convicções e pressupostos. O “dia mau” adentra o coração na forma de questionamentos e pessimismo.

E.       Descrença – Neste caso surge a apostasia. Passou do estágio da dúvida. O desespero torna-se substituto da esperança; a incredulidade suprime a fé; o “dia mau” chega através da incapacidade de crer que algo diferente possa acontecer. Uma antiga música dos Vencedores por Cristo faz a seguinte pergunta: “O que fazer, se o coração não consegue mais crer, o que sabe ser verdade. O que fazer se a razão não consegue entender, o porquê da tempestade” (Tomé da Fé).

Assim chega o “dia mau”. Nos dias do Rei Ezequias, com a proximidade do exército da Babilônia, este enviou mensageiros a Isaías o profeta “os quais lhe disseram: Assim diz Ezequias: “Este dia é dia de angústia, de disciplina e de opróbrio; porque filhos são chegados à hora de nascer, e não há força para dá-los à luz.” (2 Rs 19.3).
Neste “dia mau” se torna evidente nossa fragilidade, impotência, vulnerabilidade e humanidade destituída de força. Não se pode ter controle da história nem da própria vida. O organizado se desestrutura.

O texto bíblico sinaliza alguns aspectos que devem ser considerados no “dia mau”.

1.    O dia mau é uma realidade, não uma hipótese – “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau.”

O texto não diz que,  eventualmente, tal dia acontecerá, mas ele tem por certo que ele virá. Não fala de probabilidade, mas de realidade. O “dia mau” baterá às portas.

Assim lemos nas Escrituras Sagradas.
“Laços de morte me cercaram, e angústias do inferno se apoderaram de mim; caí em tribulação e tristeza. Então, invoquei o nome do Senhor: ó Senhor, livra-me a alma.” (Sl 116.3-4).

As figuras são fortes: “laços de morte”, “angústias do inferno”. São metáforas desesperadoras. O corpo, a mente, as emoções são envolvidas num turbilhão de realidades desanimadoras e vemos o fim se aproximar.

O “dia mau” virá! Certamente.

2.    O “dia mau” não é um tempo de tomar decisões, mas de tomar posição. “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis.”

Nestas horas temos a propensão de querer fazer mudanças arriscadas, desesperadamente tentamos nos livrar das amarras e ameaças. Mas não é sábio tomar grandes decisões em hora de muita dor: o prejuízo pode ser enorme. Calma!

O texto fala de “resistência”, não de fuga. Isto me faz lembrar de outro texto bíblico que afirma: “resisti ao diabo e ele fugirá de vós”. Não podemos correr, temos que enfrentar. Não podemos escapar, temos que confrontar. Tempo de treva precisa ser tempo de posicionamento. “depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis.”

Outra traduções dizem:
Depois de terdes feito tudo, permanecer inabalável”.
A King James Version atualizada afirma:
usando bem cada oportunidade, permanecer inabalável!”

Fique firme! Não corra. Não saia em disparada! Enfrente.
Nos dias desta pandemia que enfrentamos, muita gente está perdendo muito dinheiro, mas muitos estão ganhando muito. Cria-se certo pânico! Não mude sua posição, fique firme! Dinheiro é como água, muda, muda de cor, de ambiente, evapora-se, chove em outro lugar, mas não desaparece. A mesma quantidade de água que tínhamos no inicio do mundo ainda temos hoje. Ela pode se tornar líquida, gasosa, sólida, mas é a mesma água. Por ser poluída, mas ainda é água.

3.   Só é possível vencer o “dia mau” usando as armaduras de Deus. “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau.”

Não devemos tentar resolver isto quando o dia mau vem. A vitória é ganha antes! Não se enfrenta a tempestade quando o ciclone nos abate, mas antes dele chegar.

Em algumas regiões nos Estados Unidos onde furacões acontecem com certa regularidade, agora com o sistema metereológico, torna-se mais fácil prever o que virá. Quando a tempestade se mostra forte demais, as autoridades locais, retiram as pessoas de áreas mais perigosas, e os donos revestem suas casas com proteções extras, antecipadamente. Ninguém faz isto quando os fortes ventos estão soprando, mas a preparação vem com antecipação.

Não devemos esperar o dia mau para nos prepararmos. Precisamos das armaduras de Deus antecipadamente. É necessário “tomar toda armadura” e colocá-lo. Todos os recursos que Deus nos dá. “Para que possais resistir no dia mau”. Revestir-se para enfrentar o mal. Todos esperam o milagre, mas poucos se posicionam com as armaduras de Deus para enfrentar as lutas. Então, por causa da ausência de prevenção, não é raro vermos que muitos ruem quando chega o dia mau. Estavam desarmados!

Imagine o corpo humano. Hoje mais do que nunca estamos ouvindo discussões sobre pandemia, epidemiologia, vírus, contaminação, etc. Quais são as pessoas mais suscetíveis às graves consequências desta poderosa gripe? As pessoas cujo organismo são mais vulneráveis e estão enfermos. O vírus se torna devastador em pessoas doentes e frágeis. Desta forma, o mal se torna devastador para aqueles que se encontram sem a armadura apropriada que Deus preparou para seu povo. Se quiser saber que armadura é esta, leia todo texto que começa em Ef 6.10 e vai até o vs 17.

4.    Os dias são maus, mas Deus é bom. “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis.”

Não apenas será possível resistir com a armadura de Deus, mas esta armadura nos dará condições de vencer e permanecer inabalável. “O dia mau”, não tem a palavra final e nem o poder definitivo, por causa da suficiência e do poder de Deus.

O Salmo 139.7-12 afirma:
“Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá. Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa.”

Não há abismo profundo que Deus não possa visitar. Dor aguda que Deus não possa penetrar. Não há enfermidade que o céu não possa curar. Ainda que seu abismo seja colossal, ainda que seja a Fossa das Marianas, o lugar mais profundo do mar, localizada no Pacífico Ocidental, 300 km a leste das Ilhas Marianas, o lugar mais escuro do planeta, atingindo impressionantes 11.034 metros de profundidade! Ainda lá Deus estará. Sua bondade e misericórdia nos alcançarão.

Outra aspecto fundamental deste texto é que ele não cria falsas esperanças sobre suas possibilidades, mas ele fala das possibilidades de Deus. Você não deve enfrentar o dia mau com suas armaduras, mas com a armadura de Deus. Você precisa tomar suas armas, não lute com as estratégias e armas que você tem, elas são insuficientes e frágeis, não resistem ao dia mau. Você não vence estes dias de trevas com sua força pessoal, mas com o poder de Deus. O poder vem de Deus, a capacitação vem dele, as armas são dele.

Muitas vezes enfrentamos dores profundas e angustiantes, mas sabemos que o nosso bom pastor ali conosco estará. Ainda que andemos pelo escuro vale da sombra da morte, ele não retira de nós a sua bondade e misericórdia, não deixa de nos fazer companhia.

Conclusão
Hoje de manhã tive uma longa e agradável conversa com um irmão da igreja. Estávamos com saudades um do outro por causa do isolamento social que esta grave pandemia nos causou. Então lhe perguntei quais estavam sendo os motivos de sua oração nestes dias maus que enfrentamos? Ele me falou que pedia a misericórdia de Deus sobre o mundo, orava pela economia do povo, e para que Deus capacitasse os pesquisadores a encontrarem uma cura para a doença. Todos seus motivos eram bons e plausíveis.

Eu tenho orado para que Deus dê à sua igreja graça para testemunhar neste tempo de crise. Para que muitas vidas distante de Deus possam ter um tempo de reflexão e retorno ao considerarem a fragilidade da vida.

Tenho pensando no significado da cruz e do evangelho neste tempo. A cruz é o lugar mais desolador. Aquele era um “dia mau”. O melhor de todos os filhos que esta humanidade viu, estavam sendo cruelmente crucificado, num tribunal de mentira. Ali estava refletido a dor, a humilhação, o abandono de Deus, mas naquele lugar, naquele momento de absoluto caos e desatino, nunca ficou tão evidente a graça de Deus. Ali na cruz, Jesus derrama seu sangue e satisfaz a ira de Deus, esmaga a cabeça da serpente, nos purifica de nosso pecado. Aquele dia de trevas tornou-se o dia da redenção.

Graça

O Evangelho chama isto de graça. Há um grande mistério contido na ideia da graça. Lendo o livro do celebrado psiquiatra Norte Americano, M. Soctt Peck, me surpreendi com um interessante capítulo do seu best seller “A Estrada Menos percorrido”, falando do efeito da graça na vida do ser humano, na perspectiva clínica, sua percepção me surpreendeu. Como ele conseguiu ver a graça divina fluindo em contextos de desagregação e desorientação:

“Um homem de negócios 35 anos de idade, veio para uma consulta, por causa de uma neurose que poderia ser descrita com média. Ele nasceu ilegitimamente e durante toda sua infância, foi criado apenas pela sua mãe. Quando estava com apenas cinco anos, o Estado, entendendo que sua mãe não era competente para criá-lo, o tirou de sua mãe sem aviso ou explicação colocando-o numa sucessão de três famílias adotivas (famílias substitutas), onde ele foi tratado numa rotina de relacionamentos com total ausência de afeição. Quando tinha quinze anos, ele ficou parcialmente paralisado, como resultado da ruptura de um aneurisma congênito hemorrágico. Aos 16 ele deixou a última família e foi viver sozinho. De forma previsível, com a idade de 17 anos foi para cadeia por causa de um roubo que praticou. Na cadeia não recebeu qualquer tratamento psiquiátrico.

Ao ser solto, após seis meses de prisão, as autoridades lhe deram uma oportunidade de trabalho num almoxarifado de uma rede de lojas. Nenhum psiquiatra ou agente social poderia prever que seu futuro poderia redundar em alguma coisa saudável. Entretanto, três anos depois, ele se tornaria o mais jovem líder supervisor na história daquela companhia, e cinco anos depois, após casar-se com outra executiva, deixou a companhia e começou a gerir seu próprio negócio, tornando-se um homem relativamente rico.

Quando ele começou seu tratamento, ele tinha se tornado um amável e efetivo pai, um intelectual autodidata, um líder comunitário e um respeitado artista. Quando, porque, onde e como tudo isto pôde se tornar realidade? Dentro do conceito do ordinário, nunca saberemos. Juntos, somos capazes de traçar com exatidão, numa estrutura lógica de desenvolvimento fundamentado na relação de causa e efeito, o que determinou sua neurose média, mas somos incapazes dentro da mesma lógica, de entender como tal pessoa pode obter sucesso”.

Eu cito este caso, diz Peck, precisamente porque “os traumas observados foram tão dramáticos que na vasta maioria dos casos, traumas da infância como neste caso, são considerados devastadores, e nos surpreende sua cura. Não raramente vemos pacientes, que são mentalmente muito mais enfermos que seus pais. Nós sabemos muito bem porque as pessoas se tornam doentes mentais. O que não entendemos é como pessoas sobrevivem aos traumas como muitos fazem. Nós sabemos exatamente porque certas pessoas cometem suicídio, o que não sabemos, dentro do conceito de causalidade  é porque certas pessoas não cometem. Todos podemos dizer que há certa força, mecanismo que não compreendemos perfeitamente, que parecem operar rotineiramente em muitas pessoas para protegê-las e dar-lhes saúde mental, mesmo dentro do contexto das mais adversas condições”.

O “dia mau”, é uma realidade, mas a graça de Deus excede toda dor e sofrimento.