sábado, 27 de março de 2021

Mt 21.1.17 O Rei Chegou!

 

 


Introdução

 

Todos nós já vimos a clássica cena de um filme épico, quando os reis voltam vitoriosos da batalha e todas as pessoas estão na rua para receberem os heróis da guerra e celebrarem a vitória conquistada. O clima festivo, os despojos sendo repartidos, o cortejo e os brados de vitória estão presentes. O rei chegou vitorioso!

 

Em Mateus 21, vemos a cena do rei Jesus, chegando a Jerusalém. O rei da paz chegando na cidade da paz. As pessoas saem às ruas gritando e saudando o Messias:

 

E a maior parte da multidão estendeu as suas vestes pelo caminho, e outros cortavam ramos de árvores, espalhando-os pela estrada. E as multidões, tanto as que o precediam como as que o seguiam, clamavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas!” (Mt 21.8,9).

 

Três coisas acontecem com a chegada do Rei Jesus:

 

1.     A chegada do Rei Jesus é cumprimento da palavra – “Ora, isto aconteceu para se cumprir o que foi dito por intermédio do profeta: Dizei à filha de Sião: Eis aí te vem o teu Rei, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de animal de carga.” (Mt 21.4,5).

 

Apesar do povo estar surpreendido e do desenrolar dos fatos, o texto bíblico faz questão de frisar que este evento está interligado a uma antiga profecia dada por Deus ao profeta Zacarias, 600 anos a.C.: “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta.” (Zc 9.9). Não se trata de um evento desconexo, mas interligado a uma série de fatores muito mais amplos.

 

A vinda do rei faz parte de todo um projeto e cronograma de Deus.

O que nos ensina o evento profético?

 

A.   Deus dirige a história – Os fatos inusitados, os eventos históricos, a pandemia, seguem uma agenda divina.

 

B.    Nada pode impedir que os planos de Deus se cumpram – Quem controla a agenda, quem faz a agenda, quem é Senhor da história é Deus, que no seu tempo, dentro de seu plano, fará cumprir tudo aquilo que ele mesmo designou.

Roma, ONU, Bolsonaro, Lula, STF, tudo isto está num pacote de Deus. Ele usará tudo isto para cumprir seu propósito. Esta é a diferença clássica entre a visão da história na perspectiva humanista e na perspectiva cristã:

 

Visão humanista da história : A história não tem coerência nem propósito. Ela é cíclica e dentro desta série de casualidade e acasos, os eventos se manifestam. Os eventos se dão aleatoriamente pelo uso do poder ou pela força humana. Não há presença divina.

 

Visão cristã da história: A história segue um plano divino. Deus é Senhor da história. Nenhum evento é desproposital, todos possuem intencionalidade. “Os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29). Ele tem todo controle: “é ele quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis; ele dá sabedoria aos sábios e entendimento aos inteligentes”  (Dn 2.21). Por isto é importante lembrar que “os céus dominam” (Dn 4.26).

 

C.    As circunstâncias imprevisíveis, adversas, estranhas, fazem parte do projeto de Deus. Ele usará tudo conforme sua vontade.

 

Nesta semana escrevi um artigo chamado: “tempo de recuperar a visão”,  mostrando como Paulo desejava ir para a Ásia e depois para a Bitinia, com sua equipe missionária, contudo Deus, que é o autor e senhor das missões, disse não aos seus projetos e fecha todas as portas. Até que uma nova visão foi dada: “passa a Macedônia e ajuda-nos”. (At 16.9).

 

Diante disto, devemos perguntar:

§  O que Deus deseja nos ensinar deste tempo de pandemia?

§  Será que Deus não está levando a igreja a repensar sua estratégia e método para os últimos dias? Antes da volta de Cristo?

§  Precisamos saber lidar com novos tempos, as abordagens e anseios desta geração. Deus pode estar nos fazendo refletir exatamente sobre sua obra e avanço missionário.


2.     A chegada do Rei traz inquietações. “E, entrando ele em Jerusalém, toda a cidade se alvoroçou, e perguntavam: Quem é este?” (Mt 21.10)

 

A tradução livre de Eugene Peterson, capta muito bem estas inquietações: “Algumas pessoas, irritadas perguntavam: O que está acontecendo aqui? Quem é esse?” (Mt 21.10). e “Jesus foi direto ao templo e expulsou todos os que fazem comércio ali” (Mt 21.12)

 

A chegada do rei alvoroça a cidade. As pessoas não estão entendendo o que está acontecendo. A chegada do rei mexe com as estruturas religiosas, e ele estabelece juízo restaurando o propósito de Deus para seu povo.

 

Tais inquietações levam-me a três considerações:

 

A.   A vinda do rei interfere primeiramente no culto e na adoração. O templo tinha perdido a compreensão da razão de existir, e ignorava o propósito do templo e da sua espiritualidade.

 

Jesus restaura a visão, citando o profeta Isaias: porque a minha casa será chamada Casa de Oração para todos os povos. (Is 56.7). Mateus relata a reação de Jesus: E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração, vós, porém, a transformais em covil de salteadores” (Mt 21.13). A primeira transformação que vemos é no meio da igreja. Jesus vai direto ao templo. Uma reforma profunda precisava acontecer.

 

Muitas pessoas tem me perguntado: O que acontecerá à igreja depois da pandemia? E minha resposta é a mesma. Deus está no controle de todas as coisas. A pandemia vai trazer novas percepções para o povo de Deus. A igreja se fortalecerá neste tempo, como historicamente sempre se fortaleceu em tempos de calamidas. A igreja é de Cristo e a vinda do rei confronta e faz o seu povo relembrar a razão de sua existência.

 

B.    A vinda do rei reestrutura o templo – “Vieram a ele, no templo, cegos e coxos, e ele os curou.” (Mt 21.14). A tradução da Bíblia “A mensagem” diz: “Agora havia espaço para cegos e aleijados se reunirem. Elas vieram a Jesus e ele os curou”. Dando ideia de que, na burocracia e na estruturação do templo, o propósito central do templo, que era trazer cura às pessoas e criar espaço para aqueles que sofrem, agora se realizava.

 

Igrejas institucionalizadas demais, burocratizadas demais, transformam-se mais em empresas que em lugar de adoração. Lamentavelmente não é raro vermos pessoas negociando a fé e instrumentalizando as pessoas.

 

C.    A Vinda do rei reorienta o propósito – Jesus coloca ênfase em algo já esquecido na estrutura do templo: “A minha casa será casa de oração para todos os povos”. Este era o propósito do templo.

 

Será que estamos sabendo a razão de nossa existência? Para que existe a igreja? Muitos tem achado que a igreja é até mesmo desnecessária... muitos tem se afastado da igreja e isto não tem a ver com pandemia, e certamente isto se dá porque perderam a capacidade de entender para que existe a igreja.

Honestamente falando, não é fácil perder a compreensão da razão da existência da igreja? Transformando-a apenas numa agencia humana de pessoas boas e generosas?


3. A chegada do rei traz alegria e esperança – vemos a multidão cantando entusiasmada:

 

E as multidões, tanto as que o precediam como as que o seguiam, clamavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas!” (Mt 21.9).

 

Quando li este texto, fiquei pensando nestes dias de aflição, insegurança, incerteza, e como é importante olhar para a figura do rei! Quando João estava chorando em Apocalipse 5 porque ninguém era capaz de abrir o livro, ele olhou para o céu e viu o Cordeiro no meio dos 24 anciãos, reinando na glória. A visão de quem Cristo é, restaura nossa confiança e traz consolo. Precisamos novamente cantar com alegria. Lembro-me da alegria do povo do interior, em igrejas que pastoreei cantando com vontade:

Canta meu povo, alegra meu povo, que a festa não vai acabar.

Quando findar na terra, no céu vai continuar”

 

Ou de um tradicional hino que diz:

Canta minha alma, canta ao Senhor!

Rende-lhe sempre, ardente louvor!”.

 

Como estamos precisando cantar novamente:

“Glória, glória, aleluia!

Vencendo vem Jesus!”

em ritmo de marcha e conquista.

 

A vinda de Jesus a Jerusalém traz esperança, faz o povo se lembrar que Deus não se esqueceu deles. “Bendito o que vem em nome do Senhor!” . Que lembrança maravilhosa. Deus está entre nós! O rei não era César, nem Roma, com toda sua arrogância e imperialismo. O rei era aquele que vinha em nome de Yahweh!!!

 

Isto me leva ainda a fazer três considerações:

A.   Jesus vem no meio da opressão romana. O povo de Israel também vivia dias de tristeza e insegurança. Eram explorados e oprimidos pelos soberbos romanos que davam a impressão de terem todo poder.

 

É neste contexto que se dá a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Renasce a esperança messiânica. “Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galileia!” (Mt 21.11). Este homem que vem das regiões esquecidas da Galileia, vem em nome do Senhor. Deus está entre nós!

 

Fico me perguntando:

§  Será que somos capazes de discernir o rei no meio desta pandemia?

§  Como a igreja está interpretando e vai reagir a este novo tempo?

§  Como entendemos a vinda do Messias: Isto nos causa admiração, júbilo, louvor, ou ainda não nos impede de caminhar oprimidos?

 

B.    Jesus traz alegria! Por que as pessoas estão tão comovidas a ponto de tirar suas roupas e atirarem no chão, de cortarem folhas de palmeiras para jogar na frente do Messias?

 

Nestes dias de pandemia, estamos abatidos.

Nesta semana conversei com um querido irmão que me disse: “Pastor, estou com medo desta pandemia!” e eu respondi: “Meu irmão, eu também estou com medo!” No grupo de pastores do nosso presbitério, tenho visto também este cansaço existencial. Um colega disse no grupo de pastores depois da morte de um colega em Goiânia, segundo as informações que tenho, este já é o 17o pastor de nossa denominação que morreu de covid-19. “Estou muito triste!

 

Precisamos colocar os olhos na entrada triunfal do rei. As coisas não tinham mudado, o Império Romano ainda dominava, mas a realidade da entrada do rei traz uma renovada alegria. Hoje igualmente precisamos colocar os olhos em Jesus. Ainda não vencemos a pandemia, mas o rei está vindo. “Hosana ao que vem em nome do Senhor!

 

C.    Avinda do rei, traz esperança!

 

Olhar para Jesus nos renova, nos faz sonhar, crer, esperar coisas noivas.

 

Alguns anos atrás era pastor em Cambridge-MA, e convidamos um coral inteiro de Londrina-PR, para nos visitar no verão! Imagine que loucura: um coral inteiro! Eles vieram com regentes, orquestra, 62 pessoas, e fizemos um plano de atividades com a presença deles. Um dia, terminamos o culto à tarde, era uma época de calor, e como nos verões em Boston, temos claridade até as 21.30 hs, resolvemos ir para a escadaria do templo e cantar. Muitas pessoas estavam andando na calçada, estávamos localizados próximo ao metrô e o coral havia ensaiado alguns hinos clássicos em inglês. As pessoas paravam e aplaudiam o coral. Depois disto, resolvemos sair cantando na rua indo até a estação do metrô que ficava a uns 100 metros de distância, na Central Square, onde paramos rapidamente e continuamos cantando. De repente, uma pessoa estranha, meio maltrapilha, veio na minha direção, parou a uns 40 cms do meu rosto e disse em inglês: “I’m the boss here!” (eu sou o chefe aqui). Na minha cabeça só veio uma compreensão: “A new boss is coming!” (um novo rei está chegando!).

 

Precisamos de esperança em tempos de desalentos e desanimo. A vinda do rei Jesus traz esperança!

 

Conclusão:

 

Apesar da glória do rei, e de todos seu domínio, o destino do rei, é a cruz! A mesma multidão que neste domingo grita: “Hosana ao Filho de Davi. Hosana ao quem vem em nome do Senhor!” gritará no domingo seguinte: “Solta a Barrabás! Crucifica este!”

 

Naquela cruz, o rei seria humilhado.

Mas naquela cruz horrenda ele conquista as maiores vitórias:

 

§  Vitória sobre Satanás – Na cruz ele triunfou sobre principados e potestades. (Col 2.14-15_.

§  Na cruz ele nos livrou da condenação eterna, assumindo nosso lugar. O castigo que nos traz a paz estava sobre ele e pelas suas pisaduras fomos sarados.

§  Na cruz, ele cria uma nova sociedade. Seu povo escolhido, sua igreja, que tem uma dimensão universal e que proclama a vitória pelo sangue do Cordeiro.

 

O rei chegou!

E isto muda todo cenário.

 

Maranatha, vem Senhor Jesus!

 



 

sexta-feira, 26 de março de 2021

Tempo de recuperar a visão

 


 

O ministério de Paulo é marcado por ação, dinamismo e uma agenda carregada de compromissos, viagens e planos. A não ser no período que ficou na prisão, podemos encontrá-lo sempre exercendo atividades, discipulando, treinando missionários, plantando igrejas e fazendo viagens missionárias. Era um ministério de entrega total de si mesmo, tempo e talentos.

 

Sua liderança pode bem ser definida como “task driven”, isto é, orientado por tarefas: pregar, pastorear, evangelizar, mentoriar, discipular, analisar estratégias, colocar o pé na estrada, descobrir métodos efetivos na comunicação do evangelho, criar pontos de contatos nas novas culturas às quais ele pregava o Evangelho e nos novos campos que eram sistematicamente abertos.

 

Depois de evangelizar a região da Capadócia, o plano era dirigir-se para a Ásia, conforme o relato de Atos 16. Entretanto, o Espírito Santo os impediu. Reformularam novas estratégias tentando ir para Bitínia, mas é relatado que novamente, o Espírito não permitiu. Seus planos e projetos foram abortados, não por força política, nem pelo diabo, mas pelo próprio Deus. Não é isto surpreendente?

 

Diante da negativa de Deus, nada poderia ser feito. Eles simplesmente ficaram parados, já que nenhum dos planos deu certo. O que se pode fazer quando o próprio Deus diz não? Nada mais resta senão parar. Deus, o autor e iniciador das missões, interrompe os planos missionários. Como reagir nestas circunstâncias?

 

Em Atos 16 eles tiveram um tempo de não fazer nada em Trôade. Nada deu certo! Seus projetos não foram executados já que o próprio Deus disse que não. Entretanto, neste tempo e lugar de incerteza e indecisão, foi exatamente a hora de Deus dar a visão, apontar novas perspectivas. Se lermos atentamente o texto, veremos que nada fizeram em Trôade. Não há registro de obra evangelística, de pregação, milagre, plantação de igrejas, nada! Naquele momento Deus estava alinhando a visão dos apóstolos para a execução de seus planos. Era tempo de espera. Tempo de redirecionar a visão.

 

Não tem sido assim conosco? Durante esta pandemia quantos planos foram abortados e se tornaram inexequíveis. Recentemente fizemos planos de retornar as atividades do ministério infantil, estávamos empolgados depois de quase um ano parado. Todos os protocolos de segurança foram criados. De repente, veio a segunda onda, e literalmente, tivemos vontade de chorar... nada poderia ser feito! Planejamos uma atividade drive in, levantamos os custos, fizemos os planejamentos, nada! Estamos com um grupo de pessoas para serem batizadas, estávamos planejando e, nada! Deus simplesmente tem fechado as portas e impedido a execução dos planos e projetos da igreja, da forma como queríamos fazer.

 

Durante a pandemia eu estava com várias viagens marcadas, inclusive conferências internacionais, congressos, treinamento, viagens. Tantas ações a serem executadas, mas nada pôde ser feito. De repente me senti como um profeta sem voz (Quando voltaram os cultos presenciais não podia pregar por fazer parte do grupo de risco), e fui colocado num silêncio obsequioso; e era também um pastor sem rebanho, já que estava distanciado fisicamente da comunidade, quando adoeciam eu não podia visita-los, e mesmo em tempos de luto não era possível chorar com os que choram.

 

O que fazer quando nada pode ser feito? Quando o próprio Deus diz não aos planos e estratégias? O relato de Atos é enfático: “O Espírito os impediu” de irem para a Ásia, e novamente “não permitiu” que fossem para Bitinia. (At 16.6,7). Diante desta realidade, o que se pode fazer?

 

Apenas uma coisa: aguardar a orientação do próprio Deus.

 

E foi exatamente isto que aconteceu. Em Trôade Deus reorienta a visão. Ali Paulo recebe a visão do próprio Deus para seguir na orientação que ele mesmo tinha para sua igreja. “À noite, sobreveio a Paulo uma visão na qual um varão macedônio estava em pé e lhe rogava, dizendo: Passa a Macedônia e ajuda-nos” (At 16.6).

 

Não será que Deus quer fazer o mesmo nestes dias de “lockdowns” e isolamento social? Será que ele não está nos convidando a repensar, resignificar, nos dando perspectivas novas para um novo tempo e uma nova realidade que não seriam considerados se não fossemos colocados na situação em que estamos? Talvez Deus queira dar um novo sentido e uma nova agenda para maior efetividade ministerial, e para que o evangelho seja pregado a todos os povos, cumprindo assim a Grande Comissão? Parar não é de todo ruim, se é o próprio Deus quem nos obriga a parar.

 

Estou no ministério há quarenta anos e sei que muitos colegas meus tem sofrido bastante neste período de pandemia, alguns de forma mais intensa outros mais amena. Eu também tenho sentido fortemente tais efeitos. Durante todo este período ministerial, nunca tive um sabático, não parei minhas atividades e, graças a Deus, nunca tive problemas de saúde. Os levitas e sacerdotes no Antigo Testamento ficavam no oficio por 20 anos... eu já estou há quarenta... é certo que a expectativa de vida era muito menor, mas agora, neste momento em que somos colocados na expectativa, vem uma pergunta na minha mente: Que nova visão Deus deseja comunicar a mim particularmente, e ao seu povo, de forma geral? Há alguma coisa que preciso mudar?

 

Andrés Garza, Diretor da City to City America Latina, afirma que nestes tempos de pandemia precisamos fazer quatro perguntas que podem orientar e mudar nossa perspectiva.

 

 O que estamos fazendo e o que precisamos parar de fazer?

 O que fazemos e devemos continuar a fazer?

 O que estamos fazendo e precisamos continuar a fazer de novas maneiras?

 O que não estamos fazendo e precisamos começar a fazer?

 

Nem sempre Deus nos quer em movimento, eventualmente ele nos coloca na espera, nos convidando à reflexão, à oração. Nosso chamado essencial não é para fazer, mas ser. A estratégia de guerra quem traça não é o soldado raso, mas o general, o Senhor dos Exércitos, em última instância a guerra não é nossa, mas de Deus.

 

Quando Deus interrompe nossos planos e agendas ele pode querer nos comunicar uma visão que só entenderemos se pararmos para ouvi-lo.  

 

É tempo de estar atento à esta nova visão. Não do nosso coração, nem de nossas agendas ou planos, mas do próprio Deus que deseja orientar sua igreja. Talvez neste tempo de isolamento Deus queira levantar nossos olhos para entender qual direção nos quer dar. Talvez seja tempo de orar e aguardar, até que o Senhor nos diga: “Passa à Macedônia e ajuda-nos”.

quarta-feira, 24 de março de 2021

I. Desafios da Igreja na Cidade: Oração: (Leitourgois)

Desafios da Missão Urbana


I.
Leitourgois

 

 

 


Introdução:

 

Desde 2003, tenho sido professor na área de Missões Urbanas no Seminário Presbiteriano Brasil Central, em Goiânia. Já tive oportunidades também de apresentar e ministrar este curso a outros seminários e congressos ao redor do Brasil. Quando iniciei a ministração desta matéria propus quatro grandes desafios para a igreja na cidade:

 

 

                                         

INTERCESSÃO (LEITOURGOIS)


COMUNHAO (KOINONIA)


PREGAÇÃO E EVANGELIZAÇÃO (KERIGMA)


CUIDADO E PROTEÇÃO (DIAKONIA)

 

Posteriormente, identifiquei outros dois elementos que considero igualmente importantes:

 

 

ECOLOGIA E SUSTENTABILIDADE (OIKOS)

 

 

POLITICIDADE E CIDADANIA (POLIS)

 

 

 

A Evangelização Urbana possui uma grande amplitude de possibilidades e ministérios. Consideramos oportuno refletir sobre seis elementos vitais na efetividade do ministério da igreja. Sejam quais forem as estratégias adotadas, estes princípios deverão estar presentes: 

 

A intercessão pela cidade (oração)

o exercício da misericórdia (compaixão)

A prática da comunidade e da solidariedade (comunhão)

O anúncio do Evangelho (Evangelização e pregação)

O cuidado com o meio ambiente (sustentabilidade e ecologia)

A participação nas decisões da cidade (Politicidade).

 

1.

 

A cidade e o desafio da Intercessão

(Leitourgois)

Orando pela cidade

 

 

Introdução:

 

É necessário, urgente e imprescindível colocar a oração em primeiro plano, de forma proposital e intencional. Ao invés de usar a palavra “oração”, que é mais restrita, estarei usando a palavra grega “leitourgois”, que é mais abrangente. Desta palavra grega vem o termo liturgia em português. Acho que a oração é uma forma “litúrgica” da igreja se colocar à disposição da sociedade, na brecha a favor da cidade, fazendo a “liturgia” de Deus na terra.

 

No Novo Testamento, a palavra grega para “oração”, é “proseuchē”, que significa “invocar, pedir ou suplicar a uma divindade”. Em hebraico, orar tem um sentido muito mais intenso. A palavra orar vem “hitpallel”, que deriva de um verbo que significa “julgar a si mesmo”. A palavra oração é “tefillah”, do verbo palel (julgar, pensar, crer, rogar). Esta visão original da oração tem um valor profundo na própria essência de sua etimologia. 

 

Feita estas considerações, preferi usar liturgia, porque este termo é empregado por Paulo ao se referir à autoridade secular. Em Romanos 13 ele afirma por três vezes que a autoridade é “ministro de Deus”, em favor do povo. Em Rom 13.4 ele usa o termo “diácono” duas vezes tentando demonstrar que a liderança política tem o papel de servir, ela deve ser diaconal. Entretanto, quando ele afirma: “Por esse motivo, também pagais impostos porque são ministros de Deus”, ele prefere empregar a palavra “leitourgoi” para “ministro”, e não diácono, como anteriormente. Na visão paulina, os poderes públicos e as autoridades existem exatamente para fazer “a liturgia de Deus”, na sociedade.

 

É exatamente assim que Deus olha o seu povo, desde o Antigo Testamento, ao chamar Abraão para segui-lo, Deus faz promessas de cuidado e lhe dá um senso missionário: “De ti farei uma grande nação, e te abençoarei e te engrandecerei o nome. Sê tu uma benção” (Gn 12.3). As promessas estão relacionadas ao sustento, direção e proteção. Deus formaria um grande povo a partir do patriarca e abençoaria sua descendência. O chamado e a vocação, entretanto, surgem atreladas a um imperativo: “Sê tu uma benção!” Deus ordena que a descendência abraâmica seja um canal de bençãos. É um chamado para servir e abençoar. Sua vocação teria uma dimensão universal: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra”. É um chamado missionário para servir a humanidade, exercendo assim um papel fundamental na história: de ser uma nação sacerdotal.

 

A Igreja Reformada defendeu O sacerdócio universal dos fiéis, contrariando a visão clericalista que atribuía a função sacerdotal aos ministros ordenados. o “Sacerdócio Universal dos Fiéis” ou “Sacerdócio de Todos os Crentes” tornou-se um dos princípios fundamentais defendidos pelos reformadores do século XVI. 

 

Lutero afirma: “De posse da primogenitura e de todas as suas honras e dignidade, Cristo divide-a com todos os cristãos para que por meio da fé todos possam ser também reis e sacerdotes com Cristo, tal como diz o apóstolo Pedro em 1 Pe 2.9… Somos sacerdotes; isto é muito mais que ser reis, porque o sacerdócio nos torna dignos de aparecer diante de Deus e rogar pelos outros”(...) ‘Que diferença haveria entre os sacerdotes e os leigos na cristandade, se todos são sacerdotes?’ A resposta é: as palavras ‘sacerdote’, ‘cura’, ‘religioso’ e outras semelhantes foram injustamente retiradas do meio do povo comum, passando a ser usadas por um pequeno número de pessoas denominadas agora ‘clero.” (A Liberdade do Cristão, cap. 17).

 

O Antigo Testamento aponta para o fato de que o ofício sacerdotal da tribo de Levi deveria estar em benefício do povo de Israel. Em Êxodo 19.5-6 lemos o seguinte: “Se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade particular dentre todos os povos… vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa”. Outro texto muito conhecido e que serve como bom argumento é Isaías 61.6: “Vós sereis chamados sacerdotes do Senhor, e vos chamarão ministros de nosso Deus”. Neste último caso, percebe-se que o chamado não era apenas para os levitas, mas para toda comunidade judaica. Uma nação sacerdotal, cumprindo assim o imperativo dado a Abraão de fazer com que Israel fosse um canal divino de benção a todas as nações da terra. Um chamado sacerdotal e missionário. 

 

No Novo Testamento, Jesus é o grande sumo sacerdote: todas as funções do sacerdócio da antiga dispensação concentram-se nele. Ele é o único mediador entre Deus e os seres humanos (1 Tm 2.5), mas simultaneamente demonstra que o chamado anteriormente dado a Israel, agora se transforma no chamado da igreja, já que todos os crentes partilham desse sacerdócio na adoração, no serviço e no testemunho. O apóstolo Pedro afirma: “Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo”. (1 Pe 2.5), e mais adiante ainda: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. (1 Pe 2.9)

 

A mesma ideia é defendida nos escritos joaninos. Em Apocalipse lemos: “Àquele que nos ama, e pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai…” (Ap 1.5-6) Mais adiante a mesma ideia retorna: “Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação, e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes” (Ap 5.9-10). Deus está formando sacerdotes para ministrar ao mundo. Este é o chamado exclusivo de Deus à sua igreja. Uma comunidade litúrgica. 

 

Portanto, o chamado sacerdotal não é de um grupo ordenado, mas de toda igreja, por isto não deve ser entendido de maneira individualista, mas no seu sentido comunitário. É um chamado para... Um povo para orar, interceder e ministrar uns aos outros. Um chamado para sermos leitourgois de Deus.

 

Qual a função do sacerdote? 

Enquanto o profeta traz a mensagem de Deus aos homens, o sacerdote leva as dores e pecados da humanidade a Deus. Um recebe a iluminação e direção através da revelação especial dada por Deus para anunciar sua palavra, outro para ser meio de benção na sociedade. A igreja tem esta dupla função: Pregar e anunciar a mensagem de Deus e levar o sofrimento do povo a Deus, suplicando sua benção a favor do povo, exercendo assim sua dimensão litúrgica na história.

 

Deus chamou Israel para ser uma nação sacerdotal. Deus chama a igreja para uma vocação sacerdotal, e intencionalmente estou usando aqui o termo litúrgico. Somos um povo chamado para orar, confessar os pecados comunitários, implorar a misericórdia e a graça de Deus sobre as pessoas que “não sabem discernir entre a mão direita e a esquerda” (Jn 4.11) e que literalmente perderam a capacidade de estabelecer um juízo ético. Mas de forma ainda mais exclusiva, somos chamados para sermos “ministros da reconciliação” (2 Co 5.18,19), convidando homens ao arrependimento e anunciando a redenção através da cruz de Cristo. Oramos pela cura das nações, pelos filhos e filhos, pelas autoridades, e apresentamos as súplicas e dores deste povo a Deus. Fazemos a liturgia de Deus na história, por meio de nossas vidas. Oramos e intercedemos, conforme nos diz as Escrituras:  “Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito. Isto é bom e aceitável diante de Deus nosso Salvado”. (1 Tm 2.1-3)


A Igreja tem tal função espiritual na cidade. Por esta razão vale a pena considerar a advertência de Harvie Conn afirma: “Se você planeja desenvolver projetos sociais, não o faça, a menos que compreenda a dimensão espiritual de tais projetos”. 

 

Como igreja temos sempre polarizações: De um lado um grupo que espiritualiza tudo, vê diabo em tudo, sataniza os processos históricos e nunca assume as dimensões humanas e sociológicas envolvidas, que faz hermenêutica da história na perspectiva maniqueísta. (bem e mal). De outro lado, pessoas ingênuas quanto à realidade das forças espirituais que estão por detrás de uma estrutura tão complexa quanto a cidade. Esta ingenuidade e simplismo teológico, além de negar as evidências das lutas espirituais relatadas no Evangelho, despreza um elemento fundamental na construção do Reino de Deus, que é a oposição espiritual que se fará presente, sempre que qualquer iniciativa para anunciar a glória de Deus e sua redenção através de Cristo. 

 

No Antigo Testamento, cidades como Sodoma (Lc 10.12; 17.29), e Nínive (11.32) resistiram a Deus. Muitas vezes, até mesmo o povo de Deus pode agir como poder fortemente aliado à opressão estrutural da cidade, como nos dias de Amós (Am 7.10-13), ou Ezequiel (Ez 8.5-12), assim como os poderes religiosos e políticos que se imiscuíam entre si nos dias de Jesus. O Reino das trevas age estrategicamente para criar oposição a Deus, através da filosofia e da cultura. A cidade incorpora o mal e este mal torna-se estrutural e coletivo. Isaias descreve a cidade tropeçando na verdade (Is 3.12). Tudo isto nos ajuda a refletir quão importante e urgente é a recomendação bíblica que diz: “orai pela cidade”( Jr 29.7).

 

Nos dias de Jesus, como hoje, a cidade sempre foi lugar de dominação e opressão. Jerusalém não reconheceu o dia da oportunidade (Lc 19.44), antes desenvolveu hostilidade contra os que lhe traziam a paz (Lc 19.42). Além de Jerusalém encontramos Betsaida opondo-se frontalmente ao ministério de Jesus  (Lc 9.10; 10.13). Ainda podemos ver registros de oposição em Corazim (Lc 10.13), Tiro (Lc 10.13,14), Sidom (Lc 10.13,14), Cafarnaum (Lc 10.12-15), e mesmo nas cidades fora dos domínios de Israel como Decápolis, que preferiam ter um endemoninhado entre eles, que experimentar a maravilhosa libertação.

 

Então, saiu o povo para ver o que sucedera. Indo ter com Jesus, viram o endemoninhado, o que tivera a legião, assentado, vestido, em perfeito juízo; e temeram. Os que haviam presenciado os fatos contaram-lhes o que acontecera ao endemoninhado e acerca dos porcos. E entraram a rogar-lhe que se retirasse da terra deles.” (Mc 5.15-17)

 

O texto parece até irônico, porque o povo viu o que aconteceu àquele estranho personagem da região, mas ao invés de se impressionar com o livramento e darem graças a Deus, acharam incômodo a presença de Cristo e pediram que ele saísse imediatamente da cidade. determinadas estruturas parecem conviver melhor com o diabo que com a graça de Deus.

 

Este processo de malignidade “não ocorre subitamente. É um processo. Um desenvolvimento vagaroso e constante de infidelidade a Deus e ao seu pacto com a cidade” como afirma Linthicum. O acúmulo do pecado dos moradores torna a própria cidade oprimida. Processo lento e gradativo: despreza o pobre, oprime o necessitado e não provê justiça, antes cria sistemas e leis iníquos e pecaminosos. 

 

A Bíblia descreve forças espirituais que agem nas estruturas humanas, sociais e políticas. Dois textos descrevem isto claramente:

  1. Lc 11.21,22 – Este texto nos fala sobre “o valente”. (ischuros) que bem armado (kathoplismenos) guarda a sua casa, mantendo suas posses em segurança, até que surge o mais valente (ischuroteros), que derrota o inimigo e lhe tira a armadura (panoplian), sua proteção, passando a dividir os despojos. 
  2. Ef 6.12-13 – Neste texto existe a descrição de um tipo diferente de luta que temos a enfrentar, não contra carne e sangue (aima kai sarka: tendências humanas) mas sim contra principados (archas: tiranos que se auto nomeiam príncipese potestades (exousias, que são forças de combate), e dominadores deste mundo tenebroso (kosmokratoras: estrategistas do mal), e exorta-nos a tomar a armadura (panoplian) de Deus.

Em ambos os textos aparece o termo panoplian que não se refere a uma simples armadura. Os soldados romanos usavam eleikoi, outro tipo de armadura, forjadas de metal protegendo o seu corpo. Panoplian refere-se as armaduras usadas por oficiais com o brasão do imperador, que além de proteção, indicava a autoridade daqueles que representavam os interesses do império. Em Lucas, Jesus retira esta armadura (panoplian) do diabo, para revestir sua igreja do panoplian de Deus, descrito em Efésios. A Igreja de Cristo é chamada, não para contemplar, mas para exercer sua autoridade. A raiz da luta é contra poderes malignos.

 

O termo kosmokratoras de Ef 6.12, traduzido como “dominadores” se referia a um grupo de estrategistas helênicos que reuniam-se para traçar planos, sabotar o exército inimigo e criar estratégias efetivas de batalha. É um poder organizado, e não apenas anjos do mal que agem aleatoriamente, sem nenhum plano de ação. 

 

O apóstolo João afirma que os poderes políticos e as forças da história estão entrelaçados com as forças espirituais (Ap 17.12-13). Os poderes políticos e terrenos estão profundamente mesclados com a filosofia da besta e do anticristo. (Ap 17.13,17) Por seguirem a besta e concentrarem todas as suas energias na promoção deste poder maligno, oferecem-lhe o poder e a autoridade (Ap 17.13) e doam-lhe o reino que possuem (Ap 17.17), são por sua natureza intrínseca, comprometidas com a besta e opostas ao Cordeiro. Por isto “pelejarão contra o Cordeiro” (Ap 17.14). Os poderes políticos não são descritos em apocalipse como “neutros”, antes trata-se de estruturas sistêmicas que promovem a besta. Babilônia está muito associada com a besta, na realidade o texto descreve a cidade  como que ‘montada numa besta”. (Ap 17.3) Isto é, sua estrutura está fundada na filosofia e no projeto da besta. Roma, com seus poderes constituídos, com os dez chifres, representa o movimento perseguidor da igreja de Cristo durante a história, personificada em sucessivos impérios mundiais. 

 

Jesus orou ardorosa e apaixonadamente pela cidade (Mt 23.37-39). O apóstolo Paulo faz recomendação clara sobre a necessidade de orarmos pela cidade (1 Tm 2.1-3). Vemos estas mesmas preocupações no coração dos reformadores. Lutero dizia: Se eu deixar de empregar duas horas em oração toda manhã, o diabo terá vitória o dia inteiro”. John Welch, O maravilhoso e santo pregador escocês disse certa vez: “O dia inteiro está perdido se eu não orar de 8 a 10 horas”.

 

A importância da oração.

A oração deve ser nosso primeiro recurso e não o último. Por isto A Bíblia afirma: “Antes de tudo,pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões”Antes de mais nada, a coisa mais essencial e primária deve ser a oração. A presença da igreja na sociedade faz diferença não por causa de sua estratégia politica e social, mas acima de tudo pelo fato de que a igreja faz a liturgia de Deus na história. A cidade é abençoada e transformada pela oração da igreja. Deus ouve o clamor de seu povo. 

 

Orai pela cidade

 

Esta foi a recomendação dada por Deus ao povo de Israel, e curiosamente, eles deveriam orar por uma cidade que era a causa de sua opressão e cativeiro. O clamor deles não era por uma cidade que eles amavam, mas deveriam orar pela Babilônia. “Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz.” (Jr 29.7). Este texto é surpreendente para um povo tão etnocêntrico quanto os judeus. 

 

Deus faz a mesma exortação em relação a Jerusalém: 

Orai pela paz de Jerusalém! Sejam prósperos os que te amam.Reine paz dentro de teus muros e prosperidade nos teus palácios.” (Sl 122.6,7). O termo Shalom é bem mais amplo que a ausência de conflitos ou falta de guerra. Trata-se de contentamento, realização, prosperidade, plenitude.  A oração da igreja deve ser mais abrangente, orar não apenas pela conversão dos perdidos, para que eles sejam alcançados pela graça salvadora de Cristo, mas pela prosperidade. Orar pela prosperidade, não só para ricos, mas para todos os habitantes. Uma cidade próspera é uma benção. O processo de exclusão das classes vulneráveis, a dificuldade das pessoas em terem acesso à saúde, segurança, educação, habitação gera caos social. Precisamos orar por uma sociedade com ausência de marginalizados e excluídos. Deus preocupa-se com a economia urbana, precisamente porque a ausência de recursos potencializa a opressão. Devemos orar por uma justa distribuição dos recursos. A cidade por estar à mercê dos poderes malignos, emaranhada de forças espirituais tem a tendência de ser exploradora e opressiva.

 

Os reformadores tinham um foco bem claro na oração pelo seu país e pela sua cidade. John Knox orava de joelhos em cima do mapa de seu país dizendo: “Dá-me a Escócia, senão eu morro”. O grande reformador João Calvino (França, 1509-1564) mudou-se para Genebra, em 1541, e ali exerceu grande influência sobre a cidade. Mais do que uma reforma religiosa, Genebra foi afetada em todos os aspectos civis: educação, legislação, governo. Calvino trouxe uma cosmovisão cristã que afetou toda a sociedade e é observada até os dias atuais entre a população da região. Ele morreu aos 55 anos e alguns atribuem a sua morte à doença que desenvolveu nos pulmões pelas horas que passava de madrugada intercedendo por Genebra na torre de oração localizada no centro da cidade. Esta informação é surpreendente!

 

Orando pela cidade: 

Linthicum aponta alguns motivos de oração pela cidade:

 

a)     Pela segurança dos cidadãos da cidade: Segurança contra conflitos, violência e crimes contra o indivíduo e a propriedade. Pela diminuição da criminalidade. Quando os cidadãos de uma cidade vivem dominados pelo medo, então está prestes a sofrer um colapso psicológico;

 

b)    Pelos que cometem crimes – Lembrai-vos dos encarcerados, como se presos com eles; dos que sofrem maus-tratos, como se, com efeito, vós mesmos em pessoa fôsseis os maltratados.” (Hb13.3)  Certamente não temos muito costume de orar pelos que estão na cadeia, entretanto, a recomendação bíblica é clara. Muitos afirmam que o autor desta carta estava se referindo aos cristãos que que estavam presos por causa do testemunho do evangelho. É fácil para gente ferida tornar-se vingativa e não orar pelos presos, pela sua salvação e reabilitação, mas a Palavra de Deus nos encoraja a orar pelos encarcerados. 

 

c)    Pelos policiais, para que sejam protegidos e guardados. Muitas vezes nos esquecemos dos vínculos familiares que estes agentes públicos possuem e como expõem tantas vezes suas vidas para proteger a sociedade. Precisamos orar para que não se envolvam em corrupção e práticas injustas. 

 

d)    Pelo sistema judicial, para que seja imparcial, justo e reto. Um dos pilares mais fundamentais de uma sociedade é o sistema judiciário. O executivo e o legislativo são tendentes ao abuso de poder, mas quando temos um judiciário corrupto o cidadão comum não sabe a quem recorrer.

 

e)    Pela ordem econômica – Tanto a favor da Babilônia quanto Jerusalém, há um direcionamento para que as cidades sejam estáveis na sua economia.  Devemos ainda orar pelos governantes e de forma especial, por aqueles que coordenam as decisões econômicas de uma nação, para que ajam a altura de suas tarefas (Sl 72.1-4;12-14;  1 Tm 2.1-2). Devemos ainda interceder pela correta administração do dinheiro público e dos impostos pagos pelos cidadãos. Todos brasileiros sabem quão trágica é a nossa realidade com políticos que fazem farra com o dinheiro dos impostos e o usam para benefícios pessoais e benesses, gerando pobreza e miséria. 

 

f)      Pelo povo:  pelos que crêem e pelos que não crêem, para que sejam alcançados pela felicidade e regozijo do Reino. A cidade é abençoada pela Igreja (sal e luz). Todo avivamento histórico tem profundas implicações nas estruturas sociais. O Profeta Isaias fala de orar incessantemente por Jerusalém, colocar guardas sobre a cidade para “lembrar” a Deus da necessidade de serem visitados pela graça. (Is 62.6-7)

 

A oração proposta de Isaias, possui cinco pilares:

 

a.     Oração cheia de expectativa: “Pus guardas sobre Jerusalém” (Is 62.5-6). É uma oração que pressupõe o socorro de Deus. 

b.     Oração perseverante: “jamais se calarão”  (Is 62.5-6). Foco, propósito, diariamente!

c.     Fundamentada nas promessas de Deus “vós, que fareis lembrados o Senhor” (Is 62.6). Deus perdeu a memória ou tem memória curta? Oração de pessoas que recordam as promessas das Escrituras:  “tu falastes...tu prometestes”.

d.     Ininterrupta e infatigável – “Não descanse, nem deis a ele descanso” (Is 62.6).

e.     Importuna e ousada – (Is 62.7). “Não dê a ele descanso...até que restabeleça Jerusalém”. Até que o socorro venha, que a situação seja transformada.

  

 

Conclusão: O que pode sustentar uma cidade?

 

Em Gênesis 18 o texto demonstra que a presença de pessoas justas seria suficiente para impedir a destruição de Sodoma e Gomorra e protegê-la do juízo de Deus. A pergunta de Abraão é incisiva: “Destruirás o justo com o ímpio?” E a resposta de Deus foi sempre a mesma: “Se houver justos na cidade, eu não a destruirei”. 

 

Linthicum afirma que há evidências  textuais significativas nos manuscritos mais antigos que dão suporte à leitura de que depois de ter anunciado a destruição de Sodoma, “O Senhor ficou ainda em pé diante da face de Abraão” (Gn 18.22)ao invés de afirmar que “Abraão ficou em pé diante da face do Senhor”. Esta disposição textual muda o sentido da passagem, nos levando a indagar sobre quem estava suplicando pela cidade? Se a leitura da passagem for verdadeiramente esta, parece nos indicar que o Senhor era o suplicante perante Abraão. Era Deus quem estava advogando o livramento de Sodoma! Era como se Deus estivesse dizendo ao patriarca: “Eu ouço as súplicas do meu povo. Vá em frente, Abraão, peça-me! Peça-me para salvar Sodoma por cinquenta pessoas justas e eu o farei!

 

Abraão pede com fé, e Deus lhe dá tudo quando ele pede. Linthicum indaga: “Se Abraão pedisse, teria Deus poupado a cidade por causa de uma família, a família de Ló? Teria Deus poupado a cidade somente por causa de Ló? Se a ordem das palavras em Gn 18.22 realmente foi invertida, então a resposta claramente seria, sim! Deus amava tanto a Abraão, como a Sodoma e Gomorra e teria dado a cidade ao patriarca por qualquer coisa que tivesse pedido. Deus queria salvar a cidade. O sentido de justiça de Deus, entretanto, exigia julgamento...além de seu pedido por dez pessoas, Abraão não pode ir. Foi assim que a negociação acabou – não porque faltasse a Deus misericórdia, mar porque Abraão não possuía ousadia maior”.[1]

 

Vários textos nos mostram que a presença da igreja exercendo seu papel litúrgico, levando o povo à presença de Deus, clamando pela cidade, intercedendo por ela, pode alterar a realidade de um povo e de uma nação. Quando Israel  saiu do Egito, diz-nos a palavra de Deus, que “naquele dia, saíram todas as hostes espirituais do Senhor” (Ex 12.41). A retirada do povo de Deus, espiritualmente falando, portanto, foi uma tragédia para o Egito. Que significavam estas palavras? A que hostes espirituais se refere o texto?

 

Paulo afirma também que “o mistério da iniquidade já opera, e aguarda que seja retirado aquele que agora o detém” (2 Ts 2.7). A que se refere este “mistério da iniquidade?” O que pode deter esta misteriosa força que age na história? O texto sugere que existe algo, ou alguém, ou um poder, que resiste à Deus. Para muitos o Espírito Santo, é quem detém este poder espiritual, o que certamente é uma verdade. Nós sabemos pela Palavra de Deus, que Deus resolveu habitar, pelo seu Espírito, dentro de cada um de seus eleitos, dando-nos o seu Espírito. Ele habita dentro de nós. É o Deus que habita em nós. Nós somos o templo do Espírito Santo. Deus escolheu morar em nós, não em templos, nem em construções, nem em santuários feitos por mãos humanas. Deus não está em Jerusalém, nem no templo onde o povo de Deus dominicalmente se reúne, mas ele está dentro de nós. “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1 Co 6.19)


Podemos concluir, que a presença do povo de Deus, como sal e luz dentro de uma cultura e uma sociedade, as orações e clamores do povo de Deus, sua comunhão poderosa com Deus, é capaz de exercer este papel “litúrgico”, trazendo a graça de Deus para a cidade, e operando poderosamente no papel de confrontar e impedir o mal.

 

Que Deus nos ajude nesta grandiosa tarefa de trazer, grande alegria á cidade, como os discípulos fizeram ao chegar à Samaria, com a mensagem do Evangelho. “E houve grande alegria naquela cidade” (At. 8.8). Que nossa função “litúrgica”, na sua dimensão mais profunda e bela, seja resgatada no meio de sua igreja.

 

 

Rev Samuel Vieira   

Revsamuca.blogspot.com.br  

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[1] Linthicum, Robert – Cidade de Deus, Cidade de Satanás. Belo Horizonte, Missão Editora, 1977, p. 126-127