Introdução
O ministério de Paulo é marcado por ação, dinamismo e uma agenda carregada de compromissos, viagens e planos. A não ser no período que ficou na prisão, podemos encontrá-lo sempre exercendo atividades, discipulando, treinando missionários, plantando igrejas e fazendo viagens missionárias. Era um ministério de entrega total de si mesmo, tempo e talentos.
Sua liderança pode bem ser definida como “task driven”, isto é, orientado por tarefas: pregar, pastorear, evangelizar, mentoriar, discipular, analisar estratégias, colocar o pé na estrada, descobrir métodos efetivos na comunicação do evangelho, criar pontos de contatos nas novas culturas às quais ele pregava o Evangelho e nos novos campos que eram sistematicamente abertos.
Depois de evangelizar a região da Capadócia, o plano era dirigir-se para a Ásia, conforme o relato de Atos 16. Entretanto, o Espírito Santo os impediu. Reformularam novas estratégias tentando ir para Bitínia, mas é relatado que novamente, o Espírito não permitiu. Seus planos e projetos foram abortados, não por força política, nem pelo diabo, mas pelo próprio Deus. Não é isto surpreendente?
Diante da negativa de Deus, nada poderia ser feito. Eles simplesmente ficaram parados, já que nenhum dos planos deu certo. O que se pode fazer quando o próprio Deus diz não? Nada mais resta senão parar. Deus, o autor e iniciador das missões, interrompe os planos missionários. Como reagir nestas circunstâncias?
Em Atos 16 eles tiveram um tempo de não fazer nada em Trôade. Nada deu certo! Seus projetos não foram executados já que o próprio Deus fechou as portas. Entretanto, neste tempo e lugar de incerteza e indecisão, foi exatamente a hora de Deus dar a visão, apontar novas perspectivas. Se lermos atentamente o texto, veremos que nada fizeram em Trôade. Não há registro de obra evangelística, de pregação, milagre, plantação de igrejas, nada!
Trôade é um intervalo. Duas negativas. O Deus das missões diz não aos projetos missionários: -Não à Asia; -Não à Bitinia (At 16.6,7).
Sabemos que o diabo se opõe às missões, como o próprio apostolo Paulo relata em uma de suas cartas: “Por isso, quisemos ir até vós (pelo menos eu, Paulo, não somente uma vez, mas duas); contudo, Satanás nos barrou o caminho.” (1 Ts 2.15) Paulo afirma que o caminho deles foi barrado por Satanás. Os apóstolos entendiam esta dinâmica da oposição do diabo.
Em Atos 16, entretanto, o que vemos é o Espírito Santo impedindo, dizendo não, fechando as portas. Apesar do versículo anterior falar do “progresso do evangelho. “Assim, as igrejas eram fortalecidas na fé, e dia a dia, aumentavam em número.” (At 16.5), e logo no vs. 16, o projeto missionário está sendo interrompido, por ação, não do diabo, nem da política, mas por Deus.
O que aconteceu?
Naquele momento Deus estava alinhando a visão dos apóstolos para a execução de seus planos. Era tempo de espera. Tempo de redirecionar a visão.
Não foi assim durante a pandemia?
Quantos planos foram abortados e se tornaram inexequíveis. Me recordo bem que fizemos planos de retornar as atividades do ministério infantil, estávamos empolgados depois de quase um ano parado, todos os protocolos de segurança criados. De repente, veio a segunda onda, e literalmente, tivemos vontade de chorar... nada poderia ser feito! Planejamos uma atividade drive in, com sistema das pessoas permanecendo dentro de seus carros e levando a santa ceia, levantamos os custos, fizemos os planejamentos, mas a prefeitura não admitia qualquer aglomeração de pessoas. Portanto, nada poderia ser feito! A lei era bem restritiva. Havia um grupo de pessoas para serem batizadas, estávamos planejando e, nada! Deus simplesmente fechou as portas e nos impediu a execução dos planos e projetos, da forma como queríamos fazer.
Durante a pandemia várias viagens marcadas, inclusive conferências internacionais, congressos, treinamento, viagens. Havia muitas ações a serem executadas, mas nada pôde ser feito. Me senti como um profeta sem voz (Quando voltaram os cultos presenciais não podia pregar por fazer parte do grupo de risco), e fui colocado num silêncio obsequioso; por seis meses e quatro dias fiquei sem pregar, e era também um pastor sem rebanho, já que estava distanciado fisicamente da comunidade, quando adoeciam eu não podia visitá-los, e mesmo em tempos de luto e funeral não era possível chorar com os que choravam.
Será que era Deus ou o diabo que estava fazendo isto? Muitos falavam de que era o diabo fechando a porta das igrejas.
O que fazer quando nada pode ser feito? Quando o próprio Deus diz não aos planos e estratégias? O relato de Atos é enfático: “O Espírito os impediu” de irem para a Ásia, e novamente “não permitiu” que fossem para Bitinia. (At 16.6,7). Diante desta realidade, o que se pode fazer?
Apenas uma coisa: aguardar a orientação do próprio Deus.
E foi exatamente isto que aconteceu. Em Trôade Deus reorienta a visão. Ali Paulo recebe a visão do próprio Deus para seguir na orientação que ele mesmo tinha para sua igreja. “À noite, sobreveio a Paulo uma visão na qual um varão macedônio estava em pé e lhe rogava, dizendo: Passa a Macedônia e ajuda-nos.” (At 16.6)
O que Deus quer fazer em situações tão complexas? Será que ele não está nos convidando a repensar, ressignificar, nos dar perspectivas novas para um novo tempo e uma nova realidade que não seriam considerados se não fossemos colocados na situação em que estamos? Talvez Deus queira dar um novo sentido e uma nova agenda para maior efetividade ministerial, e para que o evangelho seja pregado a todos os povos, cumprindo assim a Grande Comissão? Parar não é de todo ruim, se é o próprio Deus quem nos obriga a parar.
Estou no ministério há quarenta anos e sei que muitos colegas sofreram bastante neste período de pandemia, alguns de forma mais intensa outros mais amena. Eu senti fortemente tais efeitos. Durante todo este período ministerial, nunca tive um sabático, não parei minhas atividades e, graças a Deus, nunca tive problemas de saúde. Os levitas e sacerdotes no Antigo Testamento ficavam no ofício por 20 anos... eu já estou há quarenta... é certo que a expectativa de vida era muito menor, mas agora, neste momento em que somos colocados na expectativa, vem uma pergunta na minha mente: Que nova visão Deus deseja comunicar a mim particularmente, e ao seu povo, de forma geral? Há alguma coisa que preciso mudar?
Diante disto, alguns princípios devem ser clarificados.
a. Deus é o iniciador das missões. O que vemos na Bíblia não é uma igreja missionária, mas um Deus missionário.
A primeira ação missionária da igreja se dá em At 8.1,2: “Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria.” Apesar da ordem de Jesus para que os discípulos fossem por todo mundo e pregassem o evangelho a toda criatura (Mc 16.15), e que deveriam fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.18-20), os cristãos não saiam de Jerusalém. A igreja estava crescendo e o ambiente de alegria e poder eram contagiantes. A igreja, portanto, não saia de Jerusalém.
O primeiro movimento missionário, da igreja saindo para cumprir a missão, acontece depois do apedrejamento de Estevão em Atos 7. E não aconteceu por causa da obediência à ordem de Cristo, mas porque o ambiente em Jerusalém começou a ficar insuportável. Desta forma, os primeiros agentes missionários foram os religiosos judeus e depois Herodes. Perseguição dura, forças históricas e políticas. Primeiro, das lideranças religiosas judaicas que apedrejaram a Estevão, e depois de Herodes: “Por aquele tempo, mandou o rei Herodes prender alguns da igreja para os maltratar, fazendo passar a fio de espada a Tiago, irmão de João. Vendo ser isto agradável aos judeus, prosseguiu, prendendo também a Pedro. E eram os dias dos pães asmos.” (At 12.1-3)
Deus inicia a missão, usando uma metodologia bem dolorida: permitindo que sua igreja fosse perseguida.
2. Deus sustenta a obra missionária. O Deus que vocaciona, é o Deus que capacita. Deus não envia os capacitados, mas capacita os enviados. Ele dá recursos, capacita, sustenta emocional, física e espiritualmente aqueles que ele mesmo levanta para suas obras.
Muitos pastores mais jovens nos procuram para aconselhamento quando estao pensando em sair de um determinado campo e aceitar o convite para estarem em outras igrejas. A orientação fundamental que Sara e eu sempre procuramos dar é a seguinte: Você está convencido de que deve mudar? Aceitar este novo desafio? Tentamos adverti-los para não irem por causa das condições de trabalho, salário, condições, mas se Deus está ou não neste projeto. Se Deus estiver presente, o resultado será uma benção, ainda que as condições sejam difíceis, as lutas sejam imensas. Mas o mais importante é saber a vontade de Deus.
Este é o segundo princípio que precisamos relembrar sobre a obra missionaria: O Deus que inicia as missões, ele mesmo sustenta “E, servindo ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando, e orando, e impondo sobre eles as mãos, os despediram (...) Enviados, pois, pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre.” (At 13.2-4))
Deus fomenta as missões, e sustenta o seu obreiroo.
3. Deus é quem orienta a missão
O terceiro princípio é entender que é Deus quem dirige a obra missionária. Santo Agostinho afirmou: “quando Deus se agita, o homem se levanta.” É Deus quem orienta, mostra a direção.
Neste texto de Atos 16, os apóstolos tentaram ir para Bitinia, e Deus disse não! Procuraram ir para a Ásia, e mais uma vez Deus diz não! Talvez você esteja perguntando porque Deus impediu que os apóstolos fossem na direção que queriam ir? Nunca saberemos, mas os discípulos estavam sensíveis ao Espírito de Deus para entender que não era esta a direção que deveriam tomar. Ir sem a direção de Deus é a receita mais certa para o fracasso.
É preciso discernir a direção. O que Deus fará agora?
“À noite, sobreveio a Paulo uma visão na qual um varão macedônio estava em pé e lhe rogava, dizendo: Passa à Macedônia e ajuda-nos.” (At 16.9) A direção de Deus era para a Europa. Deus abre e fecha portas. Neste texto Deus fechou duas portas e abriu uma.
O que Deus fará?
Pense um pouco sobre o que aconteceu na pandemia. As igrejas de Cristo foram obrigadas a discutir a forma de alimentar o povo. Suas portas foram fechadas. A igreja não poderia se reunir, os pastores foram impedidos de pregar, visitar, aconselhar. O trabalho foi extremamente limitador. Pela primeira vez a igreja seriamente entendeu que a dinâmica da missão havia mudado, era necessário pensar na expansão da mídia social.
Quem fechou as igrejas? Deus ou o diabo? Por que Deus permitiu isto?
Tenho uma visão pessoal sobre isto. Qual é o sinal da volta de Cristo que ainda precisa acontecer? Todos os outros sinais já aconteceram. Falsos cristos, falsos profetas, terremotos, frieza, fome, tudo isto já se deu. É bom lembrar que Jesus afirmou que estes sinais são apenas o “princípio das dores”, portanto, “ainda não é o fim.” Apenas dois sinais ainda não se deram. A manifestação do Anticristo e a pregação do evangelho. Veja o que nos diz a palavra de Deus: “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o fim.” (Mt 24.14)
Deus nunca perdeu o controle da história. Quando achávamos que a igreja poderia acabar, aconteceram coisas surpreendentes: Deus suscitou uma nova geração, uma nova forma de fazer missão, de ser igreja. Uma coisa que percebemos é que nunca a igreja cresceu tanto...temos recebido, depois da pandemia, cerca de 200 novos membros todos os anos. Muitos ficaram pelo caminho, não voltaram e não voltarão. Por outro lado, muitos vieram, talvez em face de todas as dificuldades enfrentadas. Nossa arrecadação não caiu, e isto revelou a fidelidade do povo de Deus.
Nós tínhamos um financiamento da compra dos lotes para a construção de nossa futura sede. Numa reunião do conselho, o presbítero Antônio Rodovalho, o mais idoso do conselho indagou: Por que não aproveitamos nossas reservas e não pagamos os lotes, afinal, ninguém sabe o que acontecerá? O presbítero Arinilson Mariano afirmou: “As empresas estão dando até 50% de desconto.” Nossa dívida era de R$ mais de 500 mil reais, e oferecemos 347.000 reais que tínhamos numa reserva, conseguimos um desconto de 34.7% de desconto e fizemos o pagamento a vista. A empresa aceitou nossa oferta, e quitamos o débito.
Portanto, diante das circunstâncias e oposição, devemos ansiar pela visão e orientação de Deus. Nosso entendimento pode estar errado: “O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor.” Não é fácil ter sensibilidade – ouvir a Deus. A Bíblia nos exorta: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!” A igreja pode ter dificuldade de ouvir o Espírito Santo. A direção de Deus é essencial para a obra missionária. O que devemos fazer?
Não vemos os apóstolos murmurando porque Deus mudou seus planos, eles apenas aguardaram. Trôade se tornou um lugar não para realizar a obra do Senhor, mas para discernir e captar a visão do Senhor. Ali em Trôade, eles recebem a visão que Deus queria dar? Precisamos de visão para não gastarmos nossos recursos na direção errada.
Conta-se que um jovem chinês, sabendo da guerra no Sul, alistou-se para guerrear. Tinha força, coragem, sabia manejar espada, era bom caçador, era ágil e foi para a guerra. O problema é que ele não sabia a direção a seguir, então foi para o Norte, ao invés de rir para o sul.
Precisamos entender para onde Deus quer nos mandar, o que ele deseja fazer conosco.
Andrés Garza, Diretor da City to City América Latina, afirma que nestes tempos de pandemia precisamos fazer quatro perguntas que podem orientar e mudar nossa perspectiva.
● O que estamos fazendo e o que precisamos parar de fazer?
● O que fazemos e devemos continuar a fazer?
● O que estamos fazendo e precisamos continuar a fazer de novas maneiras?
● O que não estamos fazendo e precisamos começar a fazer?
Eventualmente Deus nos coloca na espera, nos convida à reflexão, à oração, ao silêncio. Nosso chamado essencial não é para fazer, mas ser. A estratégia de guerra quem traça não é o soldado raso, mas o general, o Senhor dos Exércitos, em última instância a guerra não é nossa, mas de Deus.
Quando Deus interrompe nossos planos e agendas ele pode querer nos comunicar uma visão que só entenderemos se pararmos para ouvi-lo.
É tempo de estar atento à esta nova visão. Não do nosso coração, nem de nossas agendas ou planos, mas do próprio Deus que deseja orientar sua igreja. Talvez neste tempo de isolamento Deus queira levantar nossos olhos para entender qual direção nos quer dar. Talvez seja tempo de orar e aguardar, até que o Senhor nos diga: “Passa à Macedônia e ajuda-nos”.
Conclusão
O Evangelho de Cristo precisa ser percebido nesta dimensão. Estamos nas mãos de Deus para fazer o que Deus quer que façamos. Muitas vezes nos angustiamos com a espera, oposição dos governos, fechamento das fronteiras. Deus está no controle.
A cruz de Cristo nos ensina isto.
Jesus é massacrado pelos líderes religiosos.
Jesus é ironizado por um sistema jurídico. Eles admitem a sua inocência e ainda assim resolvem condená-lo numa morte cruel.
Jesus é humilhado por soldados, é humilhado, cuspido.
Quem está no controle de tudo isto?
John Piper afirma que ao montar todo cenário para levar o Filho de Deus para a cruz, ele comete um suicídio. Aquele lugar da morte de Cristo, é o lugar da vida. Ali, onde as trevas aparentemente triunfam, a cabeça da serpente é esmagada. Ali se cumpre o proposito da obra de Cristo. “Para isto se manifestou o Filho de Deus, para destruir as obras do diabo.”(1 Jo 3.8)
O lugar da vergonha, humilhação, dor é o lugar da redenção daqueles que. como você e eu, estavam condenados ao inferno.
Precisamos aplicar a obra redentora de Cristo a todas as situações. É preciso recuperar a visão, entender o que estamos fazendo e para quem está fazendo.
Ninguém detém, é obra Santa!
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