sábado, 26 de agosto de 2017

Sola Fide- 2017


 

"Dirigiram-se, pois, a ele, perguntando: Que faremos para realizar as obras de Deus? Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado" (Jo 6.28-29).

Introdução:

A Sola Fide foi um dos principios norteadores da Reforma Religiosa do Sec. XVI, ao lado da Sola Scriptura, Sola Christus, Sola Gratia e Sola Deo Glori. A mensagem fundamental das Escrituras é que tudo o que graciosamente nos acontece, provém de Deus, e nos chega pela sua obra de misericórdia e amor. Graça é uma iniciativa livre, soberana e unilateral de Deus que se move em direção ao pecador rebelde e desobediente. Toda esta graça é recebida nas Escrituras pela mediação da fé. "Pela graça sois salvos mediante a fé, e isto não vem de vós, mas de Deus" (Ef 2.8-9).
A Teologia cristã sempre sofre o risco de contaminação. Acrescentar qualquer coisa aos principios fundamentais da sã doutrina é o que chamamos de heresia, que essencialmente não se trata da negação da fé, mas de acrescentar, retirar, minimizar ou superestimar qualquer ponto da fé bíblica. O princípio da Sola Fide sempre tem sofrido seus acréscimos. Vejamos alguns deles:

1.     Fé + Batismo – Muitos grupos religiosos cristãos afirmam que precisamos crer em Cristo, mas se não batizarmos não seremos salvos. Na Igreja Católica, o batismo é chamado de ex opere operato, isto é, “por força do ato”. Na sua essência possui um poder místico de salvação. A justificação seria aplicada através dos sacramentos. Assim, pelo batismo, a justificação seria infundida ao pecador.

2.     Fé + Caridade – É o fundamento teológico do espiritismo. Neste caso, é quase desnecessária a fé, e pouco importa a fé em Cristo para a salvação, desde que se faça caridade, você tem o passaporte para salvação. Este é o pressuposto humanista de todas as grandes religiões que colocam a salvação como mérito humano.

3.     Fé + Boas obras – É a base do catolicismo, por entenderem erroneamente a expressão de Tiago 2.14-16: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguem disser que tem fé, mas não tiver boas obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados de alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?”. Tiago estaria divergindo do princípio do Sola Fide? Naturalmente não! Ele não está respondendo à pergunta: “como posso ser salvo?”, e sim, “como posso saber que minha fé é autêntica?” A fé já existe, mas ela deve ser evidenciada pela minha vida. Mostre-me sua fé, por (através) de suas obras.

4.     Fé + obras espirituais  – Este princípio é subliminarmente defendido pelo ariminianismo. São obras espirituais. Afirmam que a fé depende do homem, apesar da Bíblia ensinar que a fé é dom de Deus (Ef 2.8). Lutero combateu ainda outra atitude religiosa pregada em seus dias que era o da prática das indulgências. A pessoa colocava dinheiro no cofre da igreja e era perdoada por Deus. Determinadas práticas religiosas trariam perdão de pecados.

A Reforma religiosa,contra tudo isto afirma: Sola Fide. Fé não é justiça nem obra meritória, nem mesmo substituto da justiça.
Entao, precisamos corrigir determinadas distorções presentes ainda em nossos dias, mesmo nas igrejas que historicamente se dizem Reformadas.

Se perguntarmos à maioria dos cristãos "o que é necessário para que crescer como cristão?" A resposta invariavelmente será que precisamos ser mais dedicados, dar melhor testemunho, ler mais a Bíblia, orar mais – em geral, fazer mais coisas. Neste texto Jesus é indagado sobre as mesmas coisas: "Que faremos para realizar as obras de Deus?". Eram pessoas sinceras, querendo agradar a Deus, e não sabiam mais o que fazer. E Jesus afirma que "A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado (Jo 6.28-29)". Em outras palavras, a grande obra nossa é crer em Jesus, e aceitar aquilo que ele fez por nós naquela cruz.

Isto não parece estranho? Não seria melhor se nos fôsse dado uma lista de coisas para fazer e voltássemos para casa tentando fazer tais coisas? Quem sabe algumas fórmulas de "como fazer"? Como ser cheio do Espírito Santo. Como ser crente mais produtivo. Como ser mais fiel, etc...

Foi exatamente esta questão que trouxeram a Jesus. Seria possível ter uma "lista de atividades espirituais" que pudesse agradar a Deus? E Jesus certamente os frustra ao dizer: " A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado (Jo 6.28-29).

Ora, o que Jesus diz é absolutamente contrário ao princípio essencial de todo homem e mulher religiosos. Instintivamente não damos uma resposta baseada na fé, pelo contrário, procuramos fazer uma lista de coisas que são boas do ponto de vista da religião, para agradar a Deus. Esquecemo-nos que não somos salvos pelo amor que exercitamos, mas pelo amor que nos acolheu.

Paulo parece ter entendido claramente isto, e este princípio era pregado pela igreja primitiva. Leia Gálatas 3.1-5, 14. Ele faz aqui uma interessante pergunta: "recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?" (Gl 3.2). O nosso encontro com Deus se dá porque fazemos uma porção de coisas, ou porque cremos naquilo que Cristo fez por nós?

Esta pergunta é retórica, isto é, exige de nós uma resposta concordante. Nós não recebemos o Espírito Santo porque somos cheios de nós mesmos, ou temos credenciais humanas para tanto, ou porque fazemos muitas coisas para Deus. O Espírito nos é dado quando nos esvaziamos de nós mesmos, e olhamos para a obra de Cristo, e entendemos o que ele fez por nós. A partir deste momento começamos um grande exercício espiritual, de confiar não mais nas nossas obras para salvação, mas crer naquilo que Cristo fez por nós. E esta é a obra que Deus deseja de nós se quisermos agradá-lo: Que creiamos em Jesus, que foi enviado para nos salvar.

O Evangelho denuncia todo esforço humano, relativizando-o, e mostrando que para agradar a Deus é necessário colocar a confiança em Jesus, não nos nossos esforços.

O Dr. Gerstner, descreve a situação do homem, por natureza orgulhoso, assim: "Cristo fez tudo quanto é necessário para a nossa salvação. Coisa alguma se posta agora no caminho, entre o pecador e o Senhor Deus, exceto as 'boas obras' do pecador. Coisa alguma pode impedi-lo de vir a Cristo, exceto a sua ilusão de que não precisa dEle(...) Se ao menos os homens pudessem ser convencidos de que não tem justiça própria (...) e que todos estão sujeitos ao pecado – então, nada poderia obstaculizar-lhes a salvação eterna. Tudo o de que necessitam é do senso de sua necessidade. Tudo quanto devem ter é o nada. Tudo quanto se requer deles é que reconheçam a sua culpa. Infelizmente, porém, os pecados não sabem separar-se de suas virtudes. Tais virtudes são todas imaginárias, mas lhe parecem extremamente reais. Por outra parte, a graça divina lhes parece irreal. Desprezam a autêntica graça de Deus a fim de se apegarem às suas próprias ilusórias virtudes. Com os olhos fixos em uma miragem, negam-se a beber a verdadeira água. E sucumbem de sede em meio ao oceano da graça divina".
Paulo pergunta: "recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?" (Gl 3.2). Como é que o Espírito Santo vem para nossa vida, senão quando reconhecemos nosso pecado, nossa incapacidade e olhamos confiantemente para Jesus.

"Que faremos para realizar as obras de Deus?" (Jo 6.28-29).

C. Spurgeon relata que, quando era jovem em Londres, com o coração carregado de pecado, anelava por Deus, mas tudo o que ouvia não lhe infundia segurança. Afirmou que se algum pregador lhe dissesse que deveria levar uma surra de chicotes para ganhar o céu, isto ele faria, se tivessem dito que deveria andar 100 kms, descalço e a pé, isto também ele faria, contanto que soubesse que isto agradava a Deus. Um dia, com 16 ½  anos, entra em um pequeno templo evangélico, e um pregador leigo estava pregando. Era um culto no meio de semana e não havia mais que oito pessoas no templo, e o pregador leu o texto: "Olhai para mim, e sede salvos, vós, todos os termos da terra" (Is 45.22). O leigo começou a explicar o texto da forma mais simples possível: "não é preciso levantar a mão, e nem mexer o pé, coisa alguma precisa ser feita. Basta olhar para o Cristo crucificado. No caso de muitos, o problema é que olham para si mesmos. Enquanto você olhar para seu interior e suas virtudes, nunca encontrará o segredo da salvação. Olhai para Jesus, este é o convite da Palavra". Anos mais tarde ele disse: "naquela hora, minha alma foi invadida pela realidade da graça de Deus. Olhei para a cruz de Cristo, onde ele foi traspassado pelos meus pecados e o vi carregando o peso de minhas culpas sobre si e percebi que tudo estava consumado".

A tensão de realizar

Muitos cristãos ainda hoje vivem sob constante peso de condenação. Quando a base de nossa atividade cristã depende de algo que vem de nós mesmos, nossa força de vontade, nossa determinação, nossa capacidade espiritual, então não há como escapar do senso de culpa, pois nunca poderemos ter certeza de que fizemos o suficiente. Esta atividade frenética leva a exaustão e ao cansaço. Se ao menos crêssemos que a "A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado" (Jo 6.28-29). Que Deus já nos ama, e nada que fizermos ou deixarmos de fazer vai modificar o fato do amor de Deus por nós. A base de nossas obras deve ser nossa gratidão, porque Deus já se agradou, em Jesus de nós, e não para tentar convencer a Deus de se agradar de nós.

O modo operacional – Pela fé ou pelas obras?
Quando preparamos um texto no computador, existe o "sistema de operação" (windows) e um processador de texto (Microsoft Word). É impossível preparar um texto com Word, sem que o sistema operacional que está por detrás dele esteja funcionando adequadamente. Se o sistema não estiver lá você não pode trabalhar com o programa. Se o sistema não for capaz de ser identificado, isto significa que você provavelmente terá um longo dia de frustração pela frente. Se ao tentar ligar novamente, o mesmo problema aparecer isto significa que você não conseguirá fazer absolutamente nada. Da mesma forma podemos dizer que o Evangelho é o nosso sistema operacional, quando nós, pela fé, lançamos mão dele. Nós precisamos crer em Cristo, e nos arrependermos de nossa incredulidade. Este é o nosso fundamento. Fora disto, ninguém pode fazer as obras do pai. Nenhum conselho, lei, programa, sistema, pessoa ou teoria pode funcionar fora disto. Por esta razão, quando as pessoas perguntaram: "Que faremos para realizar as obras de Deus?" Jesus Respondeu-lhes: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado" (Jo 6.28-29). Talvez, para nossa destruição, não temos conseguido identificar a causa porque ainda não conseguimos entender o poder do evangelho e nunca o acionamos em nossa vida. Tentamos fazer com que nosso carro ande, mas sem funcionar o motor do mesmo. É que nem sempre somos avisados disto! Conduzimos carro sem motor, sem energia, e estamos cansados. Somos incrédulos, perdemos a alegria, vivemos em fofoca e maus pensamentos diante de outras pessoas, ou tomado por luxúria e avareza, por não cremos no Evangelho, e seu poder operacional, que é a fé não tem funcionado em nossa vida.

Nesta hora é bom recordar a frase de um grande puritano: "nossa luta em viver a vida cristã não é fazer, mas crer" (John Owen). Pense nisto. Qual é o nosso grande problema? Crer na capacitação do Espírito e confiarmos em nós mesmos. A grande questão é Onde posso obter o poder para obedecer a Cristo. Não apenas como obedecer, mas como encontrar poder para obedecer. Onde está aquele poder para remover montanhas, atravessar mares, perdoar meus inimigos. A única força capaz de vencer nosso desânimo, e nos capacitar a viver para agradar a Deus é a fé. A fé possui um princípio ativo.

Albert Einstein revolucionou o mundo ao afirmar que mesmo uma pequena quantidade de matéria possui uma enorme quantidade de energia. Jesus afirmou também que, mesmo a fé do tamanho de um grão de mostarda, poderia nos capacitar a remover  uma montanha. Fé significa na mente de Jesus, poder espiritual.

Jesus demonstra que as coisas acontecem ou não, por causa da fé. A fé e ou a ausência dela vai determinar se as coisas acontecem ou não em nossas vidas.
Em Mt 17 diz que não expulsaram demônios por que não tiveram fé; Em Mt 21 ele explica a seus discípulos que a figueira se secou rapidamente por causa da fé; Em Lc 17, Jesus diz que não conseguiam perdoar por não terem f'é. A questão é: "Onde posso encontrar poder para obedecer a Cristo? Onde está o poder para remover montanhas na minha vida, ou perdoar meus inimigos? A resposta é "através da fé!"

Fé é a mais alta forma de nossa dependência de Deus. Fé é simplesmente um pecador olhando para Cristo. Esta capacidade de olhar para sua obra redentora é o instrumento de nossa mudança.

"Temos empregado horas e horas procurando ensinar as pessoas a reunirem todos os seus recursos humanos e se esforçarem ao máximo a fim de realizar a obra de Deus, Mas o que estamos mobilizando é a carne. Procuramos fortalecer sua confiança no poder dos números, dos recursos ocultos do espírito humano e nas possibilidades da força da vontade" [1]

Nossa luta na vida cristã não é fazer, mas crer. Qual é a critica principal que Jesus faz aos seus discípulos?
q  "Perguntou-lhes, então, Jesus: Por que sois tímidos, homens de pequena fé?" (Mt 8.26);
q  "Jesus, estendendo a mão, tomou-o e lhe disse: Homem de pequena fé, porque duvidaste?" (Mt 14.31).
q  "Percebendo-o Jesus, disse: Por que discorríeis entre vós, homens de pequena fé, sobre o não terdes pão?" (Mt 16.8).
q  "...Por que motivo não pudemos nós expulsá-lo? E ele lhes respondeu: Por causa da pequenez de vossa fé" (Mt 17.19-20).

Jesus dá à fé uma força poderosíssima, e por isto critica os discípulos a sua incredulidade. Qual é o nosso maior pecado atualmente? Normalmente enfatizamos a ira, a luxúria, a desonestidade, nossa língua e outros comportamentos externos. Mas para Jesus, o maior problema dos seus discípulos é que eles não criam. "Ó geração incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei?" (Mc 9.19). Doutra feita faz a seguinte pergunta: "Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?" (Lc 18.8).
A fé deve ser colocada no foco certo. "A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado" (Jo 6.28-29). Se quisermos agradar a Deus, temos que nos arrepender de nossa incredulidade, e colocarmos nossa confiança plena na obra plena e suficiente de Jesus para nossa salvação, e pedir ao Senhor, que nos dê fé, como aquele homem orava: "Eu creio! ajuda-me na minha falta de fé!"  (Mc 9.24).

A fé é a única forma de fazer as obras do Pai. De receber as promessas espirituais. “Abraão creu, e isto lhe foi imputado para justiça” (Rm 4.6). O homem é justificado pela fé independentemente das obras (Rm 3.28). A fé salvadora é sempre evidencia pelas obras, mas não determinada pelas obras. A questão pode ser chamada de “preposicional”, isto é, determinada pelas preposicoes. Somos salvos para boa obras, e não pelas boas obras.

Fé salvadora não é uma experiencia emocional, nem mera concordância intelectual sobre alguns pressupostos teológicos do cristianismo, mas colocar toda a confiança para salvação em Cristo Jesus, admitir seu completo fracasso, toda insuficiência moral e confiar na, e apenas na, obra de Cristo para salvação. Fé são as mãos vazias de uma alma que se estende àquele que justifica o pecador com base apenas na graça.
Graça é o meio
Fé é o instrumento – Eu aceito, eu recebo!
A fé salvadora, biblicamente, precisa vir só. Qualquer coisa que lhe for acrescentada a contamina, e a torna algo diferente da fé. Um velho hino americano diz: “Numa vida que não vivi, Numa morte que não morri, nisto repousa a minha eternidade”.
Nossa oração hoje deve se voltar neste sentido. "Senhor aumenta-nos a fé. Dá-nos a capacidade de crer, diante dos obstáculos que temos a enfrentar. Dá-nos esta energia que vem da fé e o poder para que possamos continuar lhe obedecendo". Amém.

A história romana narra a história de um rico oficial romano, cujo filho quebrava seu coração, e um escravo chamado Marcelo, a quem admirava profundamente. Percebendo que estava doente e idoso resolve fazer seu testamento deixando toda sua herança para o escravo porque sabia que se deixasse nas mãos do filho, em pouco tempo ele estaria numa situação de miséria, e se deixasse com o eficiente escravo, ele administraria sabiamente e por ser bondoso, jamais deixaria faltar qualquer coisa ao filho. Decidido então, chama o filho para conversar, travando um interessante diálogo. Ao surpreso filho ele fala da sua decisão, dizendo-lhe que, de todos seus bens, o filho teria direito a apenas uma de suas propriedades, esta seria sua única herança. Pela lei romana, o escravo não tinha direito a nada, a menos que recebesse alforria. Quem fosse dono de Marcelus poderia ser dono de tudo aquilo que estava debaixo do domínio de Marcelo, e o filho, para sua surpresa afirmou: “eu fico com Marcelo!”.
Quem tem Jesus possui tudo (1 Co 3.21). Estar em Cristo é receber tudo que lhe pertence, incluindo sua justiça. Isto tudo recebemos pela fé, e somente pela fé.



[1] Stedman, Ray – A dinâmica da vida autêntica, São Paulo, ed. Cresça, 1975, pg. 64-65

sábado, 19 de agosto de 2017

At 9.1-9 Quem és tu, Senhor?





Introdução:

Muitos homens tem experimentado o "encontro com Deus", de forma impactante, dramático e chocante, ou tranquila e profunda. Deus fala de forma diferente. A alguns de forma intensa, como falou ao destemido jovem Saulo, outras vezes de forma branda como ao deprimido Elias, num cicio tranquilo e uma leve brisa. Encontrar-se com Deus é uma experiência sempre muito carregada de sentido, com dramáticas implicações para a existência humana.

Situação:
Este texto nos descreve um dos mais impactantes encontros de Deus com um homem. É o encontro de Jesus com Paulo no caminho de Damasco. Milhares de pessoas já foram impactadas com este relato, e muitas já conheceram a Deus através desta narrativa. É esta porção das Escrituras que desejamos hoje relatar.
Paulo não se via como um perseguidor, mas um aliado de deus. O seu zelo o levou a tomar atitudes fortes como um religioso que pretende defender Deus, como um paladino da teologia. Ainda jovem conhecia profundamente a lei, e se tornou promotor dos hereges. Sua primeira acusação foi contra Estevão, diácono da igreja, que se tornaria o primeiro mártir cristão. Veja como era seu zelo:

At 8.3: “E Saulo assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, os encerrava na prisão”.
At 9.13: “E respondeu Ananias: Senhor, a muitos ouvi acerca deste homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém”;
At 26.10,11: “Bem tinha eu imaginado que contra o nome de Jesus Nazareno devia eu praticar muitos atos; O que também fiz em Jerusalém. E, havendo recebido autorização dos principais dos sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e quando os matavam eu dava o meu voto contra eles. E, castigando-os muitas vezes por todas as sinagogas, os obriguei a blasfemar. E, enfurecido demasiadamente contra eles, até nas cidades estranhas os persegui”.

Isto revela que podemos fazer as coisas pensando agradar a Deus, quando estamos na verdade nos opondo a Deus. Paulo acreditava ser um aliado de Deus no combate pela sã doutrina, quando na verdade era um opositor. Os exemplos de equívocos como estes são imensos na Bíblia:

A.     Caim ofereceu seu sacrifício a Deus, mas seu coração estava dominado por amargura. Seu culto não teve qualquer valor para deus. “Abel, por sua vez, trouxe as partes gordas das primeiras crias do seu rebanho. O Senhor aceitou com agrado Abel e sua oferta, mas não aceitou Caim e sua oferta. Por isso Caim se enfureceu e o seu rosto se transtornou (Gn 4.4-5).

B.     Nos dias do profeta Amós, Deus declara que não queria os cultos e ofertas que o povo lhe trazia. "Eu odeio e desprezo as suas festas religiosas; não suporto as suas assembleias solenes. Mesmo que vocês me tragam holocaustos e ofertas de cereal, isso não me agradará. Mesmo que me tragam as melhores ofertas de comunhão, não darei a menor atenção a elas. Afastem de mim o som das suas canções e a música das suas liras” (Am5.21-23). Culto associado com iniquidade, ao invés de ser benção é maldição.

C.     Deus desprezou os cultos realizados pelos sacerdotes profanos nos dias do profeta Malaquias. “E agora esta advertência é para vocês, ó sacerdotes. Se vocês não derem ouvidos e não se dispuserem a honrar o meu nome", diz o Senhor dos Exércitos, "lançarei maldição sobre vocês, e até amaldiçoarei as suas bênçãos. Aliás já as amaldiçoei, porque vocês não me honram de coração. "Por causa de vocês eu vou destruir a sua descendência; esfregarei na cara de vocês os excrementos dos animais oferecidos em sacrifício em suas festas e lançarei vocês fora, juntamente com os excrementos (Ml 2.1.3).

D.    O apóstolo Paulo afirma que a Igreja de Corinto estava se reunindo para pior. Em geral pensamos que quando a igreja se reúne é para melhor, mas a forma como adoravam estava trazendo julgamento para a igreja. Entretanto, nisto que lhes vou dizer não os elogio, pois as reuniões de vocês mais fazem mal do que bem (1 Co 11.17). “Pois quem come e bebe sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe para sua própria condenação” (1 Co 11.29).

É importante aprender que para Deus, não interessa apenas O que fazemos, mas como e porque fazemos. Não basta o ato, é necessário o coração. Deus procura adoradores que o adorem em espírito e em verdade.
Aqui vemos Saulo, assolando as igrejas, perseguindo os cristãos, tudo em nome de Deus. Devemos considerar historicamente quanto do que as igrejas tem feito que realmente trazem glória ao nome de Deus.

A ideia central deste texto, porém, é descrever o encontro de Saulo com Jesus. O que aconteceu a Saulo? Quais as implicações? Ao considerar isto, certamente, podemos aplicar determinadas verdades à nossa própria vida. O que acontece quando alguém realmente se encontra com Jesus. Qual o impacto disto em nossa história pessoal? Pelo menos quatro observações podem ser feitas: Encontrar-se com Jesus Desestrutura, Desorienta, Impacta e Reorienta.

1.       Desestrutura  e desorienta – O encontro com Cristo traz profundos questionamentos quanto ao nosso modo de ser e agir.  

Paulo era um homem altamente religioso. Ele pensava que sendo religioso já bastaria, e se dispõe a perseguir duramente os cristãos. Pega carta do "sumo sacerdote", a maior autoridade religiosa de seu país, e começa a prender e desbaratar os cristãos. Ele estava absolutamente convencido de que sua atitude era a melhor que poderia existir. Valores, sistemas de crenças arraigados, sua cosmovisão, a forma de ver o mundo, valores, família mudam. Paulo, autoritário e cheio de si, ouve agora algo estranho: "Te dirão o que fazer" At. 9:6  Antes fazia o que pensava ser certo, agora tem que parar para ouvir.

Quando ouço alguém falando: "Não vou mudar de religião",  fico pensando em dois personagens da Bíblia que mudaram de valores nos quais foram criados. O primeiro foi Paulo, o segundo foi Jesus! 

A conversão a Jesus precisa inicialmente desorientar. Surgem profundos questionamentos pessoais. Aquele Paulo, cheio de si, agora estava impotente e cego. Que fazia as coisas tendo o controle da situação agora ouve de Jesus: “Te dirão o que fazer”. A conversão a Jesus desorienta, destrói a falsa segurança, deixamos de confiar em nós mesmos para confiar na obra de Cristo. A justiça própria é destronada, entendemos que se alguém não nascer de novo não pode ver o reino de Deus. Nicodemos era um cioso e aplicado religioso, e agora está diante de uma embaraçosa questão teológica. “como fazer para nascer de novo?”
O Evangelho desestrutura porque insere uma nova compreensão acerca de nós mesmos e acerca de Deus. Nos desafia a um novo fazer, exige arrependimento – justamente para nós que nos julgávamos tão justos – leva-nos a sintonizar em um novo canal.

3.       Impacta – Não é possível você ter um encontro com Jesus e não ser impactado por ele. A presença de Jesus na vida do pecador, transforma seus motivos e interesses, gera mudanças significativas no forma de viver.

Nem sempre o encontro com cristo é radical como vemos na vida de Paulo, cinematográfico. Pode ser processual, ou abrupto, mas a característica marcante é que este encontro gera mudanças.

Alguns ficam esperando “algo sobrenatural” acontecer, quando na verdade, o sobrenatural já aconteceu. O que pode ser mais sobrenatural na vida de um ser humano que a mudança de propósitos e objetivos? Não precisamos de sinais pentecostais para entendermos que algo profundo está acontecendo na vida de uma pessoa. A transformação de seu caráter é o sinal mais visível.

C. S. Lewis é conhecido por ser um dos cristãos mais brilhantes do Sec. XX. Ele era ateu e se converteu ao cristianismo. Ele disse que quando se rendeu a Cristo, não viu nenhum sinal exterior, nem um clarão, raio, um vento diferente, mas algo profundo começou a acontecer em seu coração a partir de então. Ele teve um encontro real com cristo. Uma das suas frases desafiadoras é a seguinte: "Se a conversão ao cristianismo não melhora em nada as ações exteriores de um homem - se ele continua sendo tão esnobe, tão rancoroso, tão invejoso ou tão ambicioso quanto era antes - devemos, na minha opinião, suspeitar que sua 'conversão' foi, em grande medida, imaginária..."

4.       Reorienta – Uma das coisas maravilhosas que vemos na vida de Saulo, é que logo após sua conversão seus objetivos foram radicalmente mudados.

Ele se dirigia a Damasco, para prender os cristãos que estavam aderindo a heresia de seguir um tal Jesus, declarando-o Messias. Esta era sua obsessão, seus motivos estavam voltados inteiramente nesta direção. Sua agenda era combater os cristãos, e logo após a impactante conversão se vê agora num quarto escuro, absorvendo as questões da alma, digerindo seu silêncio e equivoco, se reorganizando. Já pararam para considerar quantas questões surgiram em seu coração? O que Deus quer de minha vida? O que faço agora? Senhor, o que queres de mim. Logo após sua conversão, porém, a primeira coisa que Paulo faz é se aquietar, no silêncio e na escuridão que a cegueira lhe impôs, com jejum, para entender o que Deus estava querendo de sua vida. Isto é reorientação. É comum vermos placas em comércios: “Sob nova direção”. Isto sinaliza para uma mudança de conceitos e paradigmas, novas abordagens. É isto que Jesus faz, ele nos coloca debaixo de uma nova orientação.

Uma das parábolas mais marcantes da Bíblia é a do Filho pródigo.

Ele quebrou todas as convenções sociais, desrespeitou seu pai, exigiu sua herança antecipada, a que, legalmente não tinha direito. Adota um estilo de vista digno de um relativista moral que não quer dar satisfação a ninguém e quer viver do seu jeito. Sua vida foi um desastre, como projeto pessoal, como investidor e ele caiu na miséria. Sua mudança ocorre, quando algumas coisas profundas lhe acontecem. Isto é o que mais próximo podemos chamar de conversão:

Primeiro, ele tem uma auto compreensão: “Então, caindo em si, disse”. Ele percebe seu estado de desorientação mental. Não culpa os outros, nem o sistema, nem a deus. Ele não é vitima. Seu coração se reencontra com sua condição.

Segundo, ele entende o quanto perdeu vivendo como estava vivendo. “Quantos trabalhadores de meu pai tem pão com fartura e eu aqui estou morrendo de fome”. Ele percebeu como seus afetos foram danificados. Sua miséria estava relacionada ‘ás suas ações equivocadas. Decidiu recomeçar.

Terceiro, ele tomou atitude: “E, levantando-se foi”. Não fica apenas remoendo-se na sua dor e fracasso, nem preso a um estado de sordidez da alma. Ele age. Levanta-se e vai. Entre a compreensão da realidade e fracasso e a ação, há uma distância quilométrica. Muitos param na introspecção, retroalimentando-se do que perderam, comendo da sua própria carniça e respirando o cheiro acido da sua própria tragédia, sem partir para um novo momento da historia.

A vida com Cristo reorienta o pecador, dá novos horizontes, dá nova perspectiva, transforma.

Conclusão:

Uma das maiores tragédias recentes da humanidade se deu num Voo da Força Aérea Uruguaia 571, mais conhecido como Tragédia dos Andes. Um voo fretado que transportava uma equipe de rugby com 45 pessoas, de de Montevidéu para Santiago, no Chile, incluindo amigos, familiares e associados e  caiu na Cordilheira dos Andes em 13 de Outubro de 1972. Mais de um quarto dos passageiros morreram no acidente e vários sucumbiram rapidamente devido ao frio e aos ferimentos. Dos 29 que estavam vivos alguns dias após o acidente, oito foram mortos por uma avalanche que varreu o seu abrigo. O último dos 16 sobreviventes foi resgatado em 23 de Dezembro de 1972, mais de dois meses após o acidente.
Os sobreviventes tinham pouca comida e nenhuma fonte de calor em condições extremas, a mais de 3.600 metros (11.800 pés) de altitude. Para sobreviver passaram a  se alimentaram da carne dos passageiros mortos, que havia sido preservada no frio. As equipes de resgate não tiveram conhecimento da existência de sobreviventes até 72 dias depois do acidente quando os passageiros Fernando Parrado e Roberto Canessa, depois de uma caminhada de 10 dias através dos Andes, encontraram um vaqueiro Sergio Catalán, que lhes deu abrigo e, em seguida, alertou as autoridades sobre a existência dos outros sobreviventes.
Um detalhe pouco conhecido veio à tona algum tempo depois. Eles estavam a apenas 8 km de distância de um famoso balneário da região do Andes. A vida deles poderia ter mudado radicalmente e o sofrimento minimizado, se um encontro destes dois grupos acontecesse.
Assim é com o reino de Deus. Sua história pode mudar radicalmente. O encontro com Jesus pode ser desestruturante, causar grandes impactos na vida, mas ele sempre reorienta o perdido para a agenda de Deus.