terça-feira, 28 de maio de 2013

Mt 6.25-33 A inutilidade da ansiedade




Introdução:

Você já se surpreendeu com pensamentos angustiantes sobre sua vida, do tipo: “O que vai acontecer com minha vida se minha saúde faltar? Como será se um parente adoecer e eu tiver que parar minha vida para cuidar dele? Será que vou conseguir cuidar do meu filho até que ele cresça? E se sofrer um acidente e ficar inválido. Será que não vou sucumbir no meio do caminho?”
Estas e outras questões fazem parte de um dos maiores problemas do homem moderno que é a ansiedade. Rollo May afirma que a ansiedade é um dos mais urgentes problemas de nossos dias, sendo chamada de “a emoção oficial de nossa época e a base de todas neuroses”. [1] Ansiedade pode ser definida como um sentimento íntimo de apreensão, mal estar, preocupação, angústia e/ou medo. Pode surgir como reação a perigo identificável ou em resposta a um perigo imaginário.
Naturalmente podemos ter diferentes graus de ansiedade que eventualmente pode ser até produtivo. Certa vez Jesus falou aos seus discípulos sobre ansiedade, talvez porque percebesse o sofrimento deles em relação ao futuro, preocupações com coisas básicas como a roupa e a comida. O que nos chama a atenção é a sabedoria do Mestre e sua forma coerente e lógica com que trata desta questão. Ele fala de algumas razões lógicas para não andarmos ansiosos:

1. Quem dá o essencial, dá o secundário - "Portanto eu lhes digo: não se preocupem com suas próprias vidas, quanto ao que comer ou beber; nem com seus próprios corpos, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante do que a comida, e o corpo mais importante do que a roupa?” (Mt 6.25). Nesta pergunta retórica, ele usa a lógica falando do maior para o menor: Se Deus deu a vida, certamente vai dar alimento para a sua manutenção. Vida é (essência), alimento é secundário. Se Deus deu o corpo, certamente vai dar as vestes. Corpo (essência), vestes, secundário. Deus deu-nos a vida e nos dará condições para suportá-la. Se Deus cuida do maior, não podemos confiar nele para cuidar do menor?

2. Quem cuida dos animais, também vai cuidar de nós – “Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor do que elas? (Mt 6.26). Aqui ele fala do menor para o maior. Não é um desestímulo à preguiça, mas uma superação da ansiedade. Nós somos à imagem dele e podemos estar seguros de que ele vai cuidar de nós. Ao usar o termo "considerai", no grego “emblepsate eis”, ele literalmente pede que aos discípulos que fixem seus os olhos para enxergar bem. O fato é que "Ele faz das aves nossos professores  e mestres, um frágil pardal se torna pregador e teólogo” (Lutero). Spurgeon ainda afirma: "Maravilhosos lírios, como vocês reprovam o nosso tolo nervosismo".

3. A ansiedade não coopera em nada – “Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida?” (Mt 6.27). Este é o terceiro argumento. Ao indagar “Quem de vocês” ele aponta para nossa impotência diante de realidades que não podemos mudar, demonstrando que a ansiedade é incompatível com o bom senso. Sua pergunta aponta para direções. Uma tradução diz: “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode mudar um côvado ao curso de suas vidas?”. Esta pergunta para indicar o fato de que muitos vivemos ansiosos sobre a longevidade, mas a realidade é que não somos capazes de fazer nada, por mais dinheiro que tenhamos, para aumentar a nossa vida aqui na terra.
A pergunta de Jesus ainda pode ter sido provocativa para aqueles que estão incomodados com sua imagem. “Quem de vós pode aumentar um côvado?” Talvez se tratasse do fato de quem alguns discípulos gostariam de ter uma estatura maior, mas que não poderiam ser diferente do que são. Muitos estão preocupados com o corpo, o rosto, o nariz, o cabelo, e são consumidos por estas questões relacionadas a auto-imagem. Infelizmente somos o que somos, e não podemos alterar nossa natureza intrínseca. Há um limite para o efeito de reparação e plásticas cirúrgicas. Muitos de nós precisamos de plástica na mente e não no corpo. Há determinadas deformidades em nossa vida que nenhum cirurgião plástico poderá reparar.
A ansiedade não ajuda em nada. Alguém pode ser mais eficiente numa prova ou concurso, debaixo do efeito da ansiedade? Será que é mais fácil resolver um conflito ou um problema quando estamos sob um forte estado de ansiedade. Será que é mais fácil       decidir sob pressão e preocupação do que estando sereno? Não! A ansiedade nos faz sofrer duas vezes: Rouba-nos a saúde, afeta o julgamento crítico, esvazia o poder de decisão e nos leva, progressivamente, a ter mais dificuldade em lidar com as questões praticas da vida.

4. Ansiedade é própria de quem não tem um Deus como o nosso – “Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas; mas o Pai celestial sabe que vocês precisam delas” (Mt 6.32). Aqui temos o quarto argumento lógico usado por Jesus para demonstrar a inutilidade da ansiedade.  "Os pagãos é que procuram”. Estas coisas são próprias para pessoas que vivem sem fé. Preocupação é incompatível com a fé cristã. Dr. Julian Huxley dizia: "A vida é acidental e contingencial", e como pagão ele está absolutamente certo. Os cristãos, porém, não concordam com isto. Nossa vida não é resultado do acaso, mas da providência de um Deus amoroso. Ansiedade é essencialmente falta de confiança em Deus, e pode até ser compreensível para quem tem um Deus caprichoso e imprevisível, não para quem tem um Deus coerente que dirige a história, cujas promessas não são esquecidas. A ansiedade é resultado de uma fé vigorosa em Deus.
O Deus que amamos é chamado na língua hebraica de “Jeová-Jirê”, ou O Deus da provisão. Não é o Deus Amom-re dos Egitos, nem Baal, dos cananitas, mas é o Deus de Israel. Em Jr 29.11, no meio de perplexidades históricas o profeta traz a seguinte mensagem de Deus: “Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, pensamentos de bem, e não de mal, para vos dar o fim que desejais”.
Preocupação nunca é causada por cirscunstâncias externas. A mesma circunstância que para um pode trazer morte, para outro, pode ser encarada com serenidade. Preocupação e serenidade não vem das circunstâncias, e sim do coração.

Tauler, conhecido místico alemão, conta esta  impressionante história.

Certo homem encontrou com um viajante e lhe perguntou:
- “Deus lhe deu um bom dia, meu amigo?”
O homem respondeu: “Agradeço a Deus, porque ele nunca me deu um dia mal”.
O viajante tornou a perguntar: “Deus lhe deu uma vida feliz, meu amigo?”
Ele falou: “Eu nunca fui infeliz”
Surpreso diz: “Como pode ser isto?”
Ele disse: “Quando as coisas vão bem, eu agradeço a Deus, quando chove, eu agradeço a Deus,
quando eu tenho abundância eu agradeço a Deus,quando tenho fome eu agradeço a Deus. Desde que a vontade de Deus é a minha vontade, tudo o que lhe agrada, a mim me agrada também, por que não deveria estar feliz?”
Atônito, o homem inquiriu: “Quem é você?”
Ele respondeu: “Eu sou um Rei”.
“Onde está o seu reino?”
“No meu coração”.

5. Toda preocupação é sobre o amanhã – “Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia o seu próprio mal" (Mt 6.24).  
Literalmente é uma “pré-ocupação”, ou uma preocupação antecipada: Empregos, exames, casamentos, saúde, empreendimentos. Cada dia deve ser resolvido a seu próprio tempo.
Certo professor indagado por um grupo de alunos sobre como deveriam reagir diante de situações calamitosas, respondeu serenamente: "Não atravesse a ponte antes de chegar ao rio". Queremos atravessar pontes imaginarias e por isto sofremos por antecipação. Estatisticamente, 80% dos problemas que hoje o afligem, nunca se tornarão em reais problemas.  

6. Quem vive ansioso, não tem como voltar sua atenção para as coisas de Deus “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas” (Mt 6.33). Este é o sexto e último argumento de Jesus para demonstrar a inutilidade da ansiedade. Como pensar nas coisas de Deus se a mente é totalmente carregada de pré-ocupações e ansiedade.
A psicanálise afirma que a grande causa da depressão tem a ver com o movimento egóico. Uma atitude narcisista que leva a pessoa a só olhar para a sua existência.Não é sem razão que Jesus ordena seus discípulos a “buscarem o reino de Deus e sua justiça” A ansiedade é fruto de quem não coloca seus olhos no reino de Deus e sua justiça mas faz uma inversão narcisista e sofre um processo de auto-enamoramento.
O diabo quer que coloquemos nossos olhos em duas direções: Passado ou futuro. Quer que a gente coloque nossos olhos nos ressentimentos, na história de vida que poderíamos ter e não tivemos, nos erros acumulados na história, naquilo que as pessoas fizeram conosco, e assim nos tornamos pessoas incapazes de perdoar e amarga, pendurado no passado. Ou no futuro – leva-nos a colocar os olhos em problemas e situações imaginarias que nos atormentam e não deixa que vivamos o presente. Pessoas ansiosas se tornam inativas, tensas e imobilizadas.

Conclusão:
Gostaria de encerrar este tema, dando três caminhos para superar a ansiedade:

A. Pare de olhar para dentro de você, e olhe para fora – Veja as possibilidades da vida. Veja o Deus criador. Olhe a natureza, o luar, a criação harmônica do cosmos criado por Deus. Se continuarmos olhando para nosso mundo, ficamos pequenos e limitados. Somos convidados por Deus para avançarmos e apreciarmos o seu cuidado. Pare de fazer movimentos de viagem para dentro de si mesmo, e olhe para a realidade do Deus criador.
A ansiedade é uma recusa a aprender a lição da natureza. Jesus recomenda aos homens que olhem os pássaros. Um pardal e um pintassilgo estavam conversando e um perguntou para o outro:
“Pardal, por que os homens andam tão inquietos e ansiosos?”
O pardal respondeu: “certamente porque não tem um Deus como o nosso”.
Jesus nos exorta a buscar o “reino de Deus”. O que é reino? Tudo aquilo que está relacionado ao plano de Deus para a humanidade: Sinais, libertação, restauração, humanização e, acima de tudo, libertação espiritual, conversão. Onde existir manifestações de bondade e de amor, ali haverá sinais dos céus. A maioria das nossas preocupações está relacionada ao nosso egocentrismo. Estamos muito preocupados conosco mesmo, e não temos tempo para olhar a vida além de nós mesmos. Olhe para fora de si, vê quanta coisa boa está acontecendo. Busque o Reino de Deus. Buscar o reino é acima de tudo, superar a tendência de ficar enamorado consigo mesmo. Rompa com seu personalismo, olhe para o Reino!

B. Confie no caráter de Deus – Muito de nossa ansiedade decorre do fato de que não confiamos em Deus, e naquilo que ele é. Coloque sua confiança em Deus. Ao nos convidar para olhar os lírios do campo”, Jesus está nos encorajando a apreciar as flores, olhar atentamente para os pássaros. Dê um tempo para apreciar o cuidado de Deus, a natureza. Aprenda a lição da natureza. O Deus, onipotente, poderoso, grande em poder e majestade está por detrás de tudo isto. Não seria esta uma razão para a gente descansar.

C. Transforme sua ansiedade em oração – Muitos de nós somos tendentes ao desespero e à preocupação. Coloque isto diante de Deus. “Não andeis ansiosos por cousa alguma, antes sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pelas orações, suplicas e ações de graças, e a paz de Deus que excede todo o vosso entendimento guardará vossas mentes e corações” (Fp 4.6-8). Este é um exercício e um dinamismo poderoso. Toda vez que a pré-ocupação bater à porta, encaminhe-a a Deus.


[1] . MAY, Rollo - The meaning of anxiety, New York, Norton, 1977, pg. ix

sábado, 18 de maio de 2013

Gen 15.7-20 A ANGÚSTIA DO HOMEM DE FÉ



Este é um dos textos mais enigmáticos, densos e trágicos que conhecemos de todo o conteúdo das Escrituras. Provavelmente nunca entenderemos toda a trama envolvida neste episódio, e os conflitos subjacentes a este conflito experimentado por Abrão.
O que está acontecendo no texto?
Logo após a promessa de Deus de dar aquelas terras a Abrão e à sua descendência, este levanta uma questão:  “Como posso saber que a história vai funcionar de acordo com sua promessa?” De um ponto de vista, as promessas de Deus seriam suficientes pelo seu caráter, no entanto, Abrão pede um sinal para saber se elas iriam se cumprir. As promessas eram de tal magnitude que são chamadas de alianças.
Deus então pede a Abrão para preparar o sacrifício: É bom lembrarmos que até então não havia sido dado uma ordenança clara sobre a forma de culto, e nem havia ainda revelado a forma como deveria ser adorado. A legislação mosaica, as ordenanças e princípios de culto e adoração só seriam dados após muitos anos a Moisés.
Abrão atende à solicitação do Senhor, matando os animais requeridos, mas algo profundamente estranho e enigmático acontece: “aves de rapina desciam sobre os cadáveres” (Gn 15.11). Além destes estranhos fatores externos, o texto mostra que Abrão sofre uma profunda dor, uma angústia visceral no qual todo o seu corpo é afetado. “caiu profundo sono sobre Abrão, e grande pavor e cerradas trevas o acometeram”. (Gn 15.12). Depois disto, Deus revela a Abrão o significado daquela experiência, e o que ele estava experimentando na própria carne.

Tentando entender o sentido do texto:

A experiência de Abrão,  se assemelha em muito ao “anfektung” humano, palavra esta escolhida por Lutero para revelar um profundo sentimento de angústia, difuso, e ao mesmo tempo, profundamente concreto que ele costumeiramente enfrentava no seu viver na sua relação com Deus.
Abrão está entrando em contacto com a profundidade de uma dor indecifrável, e talvez por esta razão, este texto seja tão profundamente carregado desta “dor e aflição”. Abrão precisa enxotar “as aves de rapina”, ao mesmo tempo em que experimenta “grande pavor e cerradas trevas”. Curiosamente esta experiência é algo conectada a um homem no meio de seu diálogo com Deus. A profunda vivência daquele momento traz não uma experiência de gozo e paz, mas um sentimento angustiante e dolorido. O corpo de Abrão perde a resistência, e isto é revelado na declaração de que veio sobre ele “um pesado sono”. (Gn 15.12). Normalmente falamos do andar com Deus como experiência da graça, e isto não apenas é verdadeiro, mas prometido na palavra. “Na sua presença há plenitude de alegria”. Muitas vezes, contudo, a experiência com Deus gera situações conflitantes e nos leva a uma verdadeira odisséia ao “vale de Jaboque” (Gn 32) como no caso de Jacó, ou no vale de ossos secos, como experimentou Ezequiel (Ez 37), quando  experimentamos noites de lutas, indefinidas, confusas, com sentimentos distintos, compreensões parciais e lutas externas e internas para que a revelação de Deus se manifeste na sua plenitude em nossa existência e realize sua obra em nossa caminhada de fé.
Abrão está vivendo um parto existencial, uma angústia existencial proveniente da antecipação de profundas e sublimes revelações que Deus lhe deseja comunicar. Enxotar as aves de rapina e experimentar o pavor e cerradas trevas, faz parte deste processo de Deus.

Aplicações:
Diante deste texto, gostaria de sugerir algumas licões que podemos extrair:

1.       No meio da dor e de cerradas trevas, nunca se esqueça que o seu Deus é santo e eterno –

Quando Deus colocou Abrão no meio desta experiência de angústia existencial, ele o fez para prepará-lo para uma grande revelação. Na verdade Deus o fez experimentar antecipadamente parte da dor que precedia o seu glorioso intento para o povo que ele pretendia preparar, escolher e colocar o seu nome na descendência de Abrão para abençoar todas as famílias da terra. Deus possuía um propósito definido e claro ao levar Abrão para esta experiência com “aves de rapina, com o grande pavor e as cerradas trevas que o acometem”. A passagem de Abrão por este vale tinha propósito. Deus estava antecipando os eventos que se dariam na história quando, em seu Filho amado, seu plano se cumpriria. Abrão jamais entenderia isto tudo sem passar por esta dor e experimentar estas densas trevas que Deus permite que o acometa.
Costumeiramente perdemos o sentido da santidade de Deus no meio de nossas dramáticas experiências. Facilmente tendemos a nos esquecer quais são os seus propósitos e baseados nas nossas motivações que nem sempre são as mais santas, projetamos em Deus a iniqüidade que é nossa, colocando Deus no mesmo patamar de nossas intenções.
A primeira tentação narrada na Bíblia, que culminou na queda da raça humana, começou com uma interrogação de satanás sobre a motivação de Deus para as suas criaturas. “É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos, e como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.4,5). Satanás lança suspeita sobre as intenções de Deus. Será que Ele está bem motivado ao fazer o que faz? Ou será que isto é apenas sua estratégia para impedir que sejamos como ele também é? Não estaria Deus regendo o mundo tiranicamente, fundamentando seu governo em uma mentira?
Quando passarmos pelas trevas, até mesmo nelas temos que contemplar a majestade, santidade e propósito de Deus para nossa vida. Deus é absolutamente santo, todas as suas atitudes são fundamentadas no seu caráter. Deus não joga dados e não brinca com nossa dor. Ele é Santo em todo o seu ser e quando age, o faz de acordo com o seu maravilhoso ser.

2.       Momentos de profunda dor também são momentos de grandes descobertas - 

Deus se revela de forma inconfundível, profunda e seus propósitos são revelados de forma clara para a Abrão. Existem verdades que Deus deseja comunicar e que só serão compreendidas em meio às nossas crises eventualmente incompreensíveis.
Curiosamente Abrão está adorando a Deus, atendendo ao seu chamado para a adoração. É diante do altar de Deus que Abrão experimenta toda a crise, é diante de Deus que surgem todas estas crises existenciais e filosóficas. É diante do altar partido que surgem os paradoxos, as contradições. É diante do sacrifício feito em ato de culto, que ele vai experimentar estas angustiantes experiências de trevas. Excetuando talvez sua experiência posterior quando Deus faz uma absurda solicitação para que ofereça seu Filho em holocausto, o que viria acontecer algum tempo depois, Abrão não havia passado por nada similar a isto.
Qual é a função das crises em nossas almas? No filme, Shadowlands, que narra a vida de C. S.Lewis, há um profundo diálogo de uma pessoa com este profundo pensador britânico, quando ele passa pelo vale da sombra da morte, perdendo sua esposa. Alguém lhe pergunta o que ele pedia nas suas orações diante da enfermidade de sua esposa, e ele responde. “Orei não para que Deus a curasse, porque Deus tem os seus propósitos estabelecidos, não orei para que Deus mudasse as cirscunstâncias, mas orei para que Deus mudasse a mim mesmo”.
Crises são momentos de Deus em nós. Ela nos fortalece, ajuda-nos a ler a vida, os segredos da existência humana de forma profunda e clara. Deus conduz Abrão a esta experiência, para revelar-lhe seus propósitos eternos.

3.       No meio da angústia Deus faz alianças e promessas perenes – 

“Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão” (Gn 15.11).  Abrão tive um dia intenso, denso e profundo, e Deus, depois de passear pelo altar com seu fogo, faz aliança com Abrão. O curioso é que não é Abrão que faz aliança com Deus, mas Deus que faz aliança com Abrão. A iniciativa vem de Deus, é Deus que faz aliança e promessas. É uma aliança unilateral, baseada nos propósitos eternos de Deus, seus decretos, sua eleição, e não está firmada na capacidade do homem. Depois da queda do homem, a outra grande aliança que Deus faz já não é mais com a raça humana, falível, mas com o seu Filho Jesus.  Sua aliança é eterna e irrevogável, Paulo diz que “se formos infiéis, ele permanecerá fiel, porque não pode negar-se a si mesmo”.
Nesta estranha cena, o que estas fortes imagens podem nos ensinar? Qual é o seu significado para Abrão e nós, homens modernos com carros velozes, web, mundo virtual?
Na verdade, na visão de Darrel Johnson, este texto é o cerne do Antigo Testamento.
Deus fez uma promessa de dar aquelas terras já habitadas a Abrão e sua descendência. O evento foi precipitado por uma questão, feita por Abrão:  “como posso saber que a história vai funcionar de acordo com sua promessa?” Abrão pede um sinal de que elas iriam se cumprir.
O que Deus faz com Abrão era um ritual conhecido no mundo antigo. Quando duas pessoas queriam selar um pacto, elas sacrificavam um animal, partindo-o ao meio e formando duas colunas. Eles tinham que andar no meio destes animais. Ao caminhar entre o sacrifício diziam: Se transgredir estas promessas, o meu sangue será derramado como a destes animais. O pacto era selado nestes sacrifícios, e este forte componente os ligava um ao outro, pelo sangue dos animais. As duas partes passavam a pertencer uma a outra como um pacto. Os dois grupos se tornavam unidos pelo mesmo sangue. Ambos agora pertenciam um ao outro, com os laços de sangue.
Estas cerimônias mostravam a grave conseqüência de uma quebra. Eram feitas para confirmar p vinculo assumido. Quando Abrão pergunta: “como saberei? Que segurança terei de que você pode me dar de que estas promessas se cumprirão?”  A resposta de Deus é o sacrifício de sangue. Deus manda Abrão cortar os animais (Gn 15.9).
A palavra de Deus seria suficiente. “Vai acontecer porque eu prometi”, mas Deus ainda resolve fundamentar o pacto numa linguagem que Abrão pudesse entender.
Há um detalhe interessante no texto, e que não pode ser ignorado. Preste atenção: apenas Deus atravessa por este fogo, Abrão não! Sua presença é marcada com fogo e fumaça, como aconteceu no Monte Horebe. Abrão não poderia garantir... no entanto, Deus garante que aquele povo pertencia a ele, por causa do sangue derramado. Estes animais o representavam. “se eu falhar, será feito comigo o que foi feito com estes animais”. Desta forma Abrão sabe que ele cumprira. Se não cumprir, Deus dividiria a si mesmo em dois.
Abrão não atravessa o fogo. Apenas Deus. Abrão é observador, ele não passa no meio dos animais, apenas Deus.  Só Deus inicia, e apenas ele garante. Qual é a parte de Abrão?  Dizer “amém” sua parte é dizer, “eu creio”! (Gn 15.6). Sua parte é deixar Deus ser Deus. Sua obra é fé. Que pintura da obra redentora de Cristo. Circuncisão era o sinal dessa aliança (Gn 17.11), uma lembrança do pacto selado com sangue. Deus entra num relacionamento e pacto de sangue com Abrão. O Deus vivo faz isto. Estes animais representam Deus.  Ele compromete sua reputação neste pacto. 
Quais os termos do pacto de Abrão? Todos são descendentes deste pacto de Abrão. E uma questão histórica. “todos os que crêem em Cristo, são participantes deste pacto, através dos quais Deus firmou sua palavra”. O arquiteto e construtor é Deus (Gn 17.7). Derek Kidner afirma: “a essência é pessoal. Eu serei o seu Deus. Deus promete ser Deus para Abrão.  Deus está dizendo, tudo o que sou pertence a ti”. Brooks: “minha sabedoria será sua, minha misericórdia, tudo será teu”.  Deus abençoaria o mundo inteiro, dando-se a si mesmo.
Deus afirma que não esqueceria de suas promessas. Muitos anos depois, Jesus vai levantar o cálice e dizer: “Este sangue é a nova aliança”. Quem se sacrifica é Cristo, quem se compromete também é Ele mesmo.
Esta experiência de Abrão, em densas trevas, prefigura a nova aliança, feita também em meio a trevas. Quem fez este “nova aliança?” o sangue do Cordeiro. Selado e garantido em Jesus. Na cruz o Deus vivo, novamente, reafirma sua aliança. Ele sela no seu  sangue.
Talvez ainda hoje indaguemos: “Como saberei...?” Perguntas estas feitas, quando somos assaltados pela dúvida, quando não vemos estrada adiante de nós e passamos por experiências de densas trevas. Ai olhamos para a cruz, e sabemos que nela Deus comprometeu sua vida, voluntariamente se humilhou para que nós possamos olhar e crer, e assim, e apenas desta forma, crendo, seremos justificados.
Abraão creu, e isto lhe foi imputado por justiça”. Da mesma forma Jesus fala aos seus discípulos: “A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado” (Jo 6.28).
Jesus de Nazaré toma o pão e distribui aos seus discípulos, “Esta é a nova aliança no meu sangue”. Não há maior segurança. E uma questão histórica. “todos os que crêem em Cristo, são participantes deste pacto, através dos quais Deus firmou sua palavra”
Quem faz a aliança é Deus, a promessa e a garantia vem de Deus. A primeira aliança, “O Pacto das Obras”, feito entre Deus e Adão, revelou-se um enorme fracasso, porque o homem caiu, foi infiel, e trouxe grande desatino sobre toda a criação. Agora Deus faz uma aliança consigo mesmo, o homem responsável não é responsável por esta Nova Aliança, mas o Filho de Deus, Jesus, que se deu em resgate de muitos naquela cruz, que nos substituiu, e é a nossa eterna garantia diante de Deus.
Deus nos salvou e nos chamou com santa vocação, não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos, e manifestada, agora, pelo aparecimento de nosso Salvador Jesus Cristo, o qual não somente destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o Evangelho” (2 Tm 1.9-10).
Porque Abrão crê nesta promessa para suas gerações, ele começa a viver dentro desta promessa e eternizar os valores relacionados a esta promessa. No capítulo 17 de Gênesis, Deus dá um pacto a Abrão e diz: “Esta é a minha aliança que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso prepúcio; será isso por sinal de aliança entre mim e vós. O que tem oito dias será circuncidado entre vós, todo macho nas vossas gerações”. (Gn 17.9-14). E o que faz Abrão diante disto? Ele crê nas promessas de Deus, e como ato de obediência realiza a circuncisão nos seus filhos e nos seus servos.
A Bíblia ainda afirma, “Esta é a minha aliança com eles, diz o Senhor: o meu Espírito, que está sobre ti, e as minhas palavras, que pus na tua boca, não se apartarão dela, nem da de teus filhos, nem da dos filhos de teus filhos, não se apartarão desde agora e para todo sempre, diz o Senhor” (Is 59.21). Esta promessa diz que o Espírito do Senhor não se afastará de nós, nem dos nossos filhos, nem dos nossos netos. Tem promessa ainda para um longo tempo. Muita coisa boa ainda está por vir. Homens e mulheres de Deus, ainda vão se levantar dentro de nossos lares, realizando grande ministério, e sendo poderosos instrumentos nas mãos de Deus.
Deus tem promessas para nossas gerações.

Conclusão:

Este texto de Gn 15.7-20, enigmático, denso e trágico nos fala sobre o significado da angústia no homem de fé, mas nos revela ainda, como o Deus santo compromete seu nome, com sacrifícios, ao fazer sua promessa. Provavelmente nunca entenderemos toda a trama envolvida neste episódio, nem toda a grandeza do pacto da redenção que Deus fez, através de seu filho Jesus, nem o significado destas “aves de rapina sobre os cadáveres”e “o profundo sono sobre Abrão, e o grande pavor e cerradas trevas que o acometeram” nem todos conflitos latentes e inconscientes, subjacentes a esta experiência de Abrão, mas certamente podemos tirar algumas aplicações relevantes para nossa existência no século.

No meio da sua crise de fé nunca esqueça:

1.       O Deus que fez a promessa é santo e eternoHaja o que houver, seja o que for, esta verdade não pode se apartar do coração. Satanás é mestre em lançar suspeitas no coração dos homens sobre Deus. Deus é amor e santo em todas as suas atitudes.

2.       Precisamos aprender que, em momentos de profunda sempre surgem grandes descobertas  Deus se revela de forma inconfundível, profunda e seus propósitos são revelados no meio de nossas angústias, nos nossos vales de sombra e de morte.

3.       Precisamos ainda recordar que no meio das angústias humanas Deus faz alianças e promessas perenes. Ele compromete seu nome. Precisamos crer naquilo que ele diz. “Abraão creu em Deus e isto lhe foi imputado para justiça”. Nesta aliança, Deus assume unilateralmente suas promessas. É ele quem anda no meio da fumaça e da fornalha, é ele quem caminha no meio do sacrifício, pois em última instância, ele é o próprio sacrifício, sendo o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

2 Tm 1.5; 3.15 Como se faz um grande homem?




 Introdução:

A família tem vivido debaixo de forte pressão social e espiritual. Cada vez se levanta mais movimentos e causas que só podem ter sido orquestradas no inferno para destruir a saúde emocional das crianças, esvaziar a sacralidade do casamento e dinamitar os princípios eternos.

Nossos filhos correm sérios perigos e estão debaixo de grandes ameaças...

No livro “The point man” (Steve Farrar) há um capítulo entitulado “salvem os garotos”. Nele, Farra cita Cal Farley: “um garoto é a única coisa que Deus pode usar para transformar em um homem”. Ele narra a história de um policial de San Jose, CA, que recebeu um chamado para resolver uma briga de família e ao chegar naquela casa, viu um homem viciado em droga, brigando com sua mulher que o havia expulsado de casa e querendo pegar algumas coisas, aparentemente drogas que ele havia escondido em determinado lugar, e depois de uma longa discussão com a intermediação policial, ela decidiu abandonar sua casa, mas antes de sair apontou para duas crianças, de 9 e 6 anos, que estavam agarradas aos seus bichinhos de pelúcia e encolhidas num canto da casa, e falou para seu marido: “Estou indo embora, e você decide com qual das 2 você vai ficar, eu fico com uma”, e ele, sem esboçar nenhuma emoção, disse que ficaria com a mais velha.
A pergunta deste policial era: “O que podemos esperar destas crianças?”
A verdade é que, a única forma de salvar o mundo é salvando os futuros pais.

O diabo tem duas estratégias claras contra a família:
Estratégia n. 1: Alienar efetivamente o relacionamento homem & mulher
Estratégia n. 1: Alienar efetivamente o relacionamento pais & filhos.

No Salmo 144, temos uma belíssima oração, que acredito que deveria ser modelo para nossas vidas. Dentre os pedidos, o autor roga ao Senhor que os filhos (os garotos, os machos) pudessem ser como plantas viçosas, e as filhas como colunas lavradas de palácio (Sl 144.12). Não sei se você já parou para considerar a seriedade destes pedidos. O que são plantas viçosas? Pense naquelas avencas ou samambaias, que possuem um verdor magnífico, onde a vida parece explodir de dentro delas. São plantas viçosas. Ao contrário de plantas raquíticas e secas, carentes de água e cuidado.
O que são colunas lavradas de palácio? São as belas obras arquitetônicas, que além de trazer charme e beleza para um prédio, eram ainda a base de sua sustentação. Filhas precisam ser colunas para as famílias. A mulher sábia edifica a casa, mas a insensata, com as próprias mãos a derruba, diz o livro de Provérbios.

Neste texto vemos Paulo se referindo duas vezes àquilo que fez de Timóteo um valoroso homem de Deus. Sua base estava na família.

Primeiramente, Paulo fala de sua fé autêntica, “sem fingimento” (1 Tm 1.5). Não era uma fé para os outros, mas uma fé coerente. Paulo afirma que sua fé era uma herança familiar, já que fora evidente, primeiramente na sua avó Lóide, na sua mãe Eunice, e agora também no coração de Timóteo.
Um grande homem se faz com a transmissão de uma fé genuína. Um grande homem se forja num lar onde a família vivencia a realidade de Deus.
Por que vemos hoje uma fé tão frágil nesta geração?
Porque ela recebeu uma fé pusilânime e está reproduzindo este frágil modelo em sua vida. Filhos que viveram em lares com fé superficial, cínica, hipócrita, frágil e inconstante, tendem a reproduzir este modelo em suas vidas. Um grande homem se constrói com a transmissão de uma profunda fé.
Rubem Alves, falando de educação, indaga porque as crianças rejeitam a escola. Na sua opinião, porque o modelo é ruim, a educação não é atraente e está dissociada do prazer. Ele então faz uma pergunta retórica: “Vômito é sinal de saúde ou de doença?” Uma resposta imediata é que, por se tratar de uma reação visceral do corpo, é sinal de doença, mas na verdade, pode evidenciar saúde. O sistema imunológico de uma pessoa, ao detectar uma bactéria que pode fazer mal ao seu corpo, emite uma ordem imediata para jogar para fora o que está prejudicando o seu bom andamento.
Uma fé inconstante age da mesma forma e pode gerar reações de resistência à fé ao invés de provocar desejos de Deus. Uma família com fé saudável, sem fingimento, é capaz de emular um ambiente onde a sacralidade seja vivenciada, e os filhos crescem sabendo da realidade de um Deus vivo e que se manifesta na história de sua família.

Em segundo lugar, Paulo demonstra que a grande personalidade de Timóteo foi construída num ambiente onde havia cuidado da família em transmitir a fé. “desde a infância sabes as sagradas letras que podem tornar-te sábio para a salvação” (2 Tm 3.15). Na língua em que foi escrito o Novo Testamento, existem vários termos para “infância”, mas a palavra “brephos”, que foi utilizada neste texto, refere-se a crianças de peito, que ainda amamentam. Portanto, o que vemos aqui é que Timóteo ouvia os ensinamentos de Deus, quando sua linguagem conceitual ainda não podia ser formulada.
Certa vez, um colega de ministério me perguntou se eu já lia a bíblia com minha filha que ainda estava no colo. Eu disse que ela ainda era muito “bebê”, mas que certamente faria isto mais tarde. Ele me censurou dizendo: “como sua filha vai aprender a falar? Não é ouvindo? Portanto, ela já está recebendo informações. Comece então a estudar a bíblia com ela”.
Fico pensando se não foi isto que aconteceu com Joquebede. Ela tinha pouco tempo para cuidar de Moisés, já que ele teria que se mudar para o palácio. Assim lhe transmitiu toda as promessas de Deus, a história de seu povo, e mais tarde, estas verdades estavam tão arraigadas em seu coração, que não pode se desvencilhar delas.
J. B. Watson é um conhecido psicólogo da linha comportamental, e certa vez ele afirmou: “Dá-me uma criança, e até os 5 anos eu farei dela o que eu quiser”. Condicionamentos, hábitos, paladar e gostos são construídos muito antes de imaginarmos que seja possível. O mesmo se dá com as informações. Por isto Lóide e Eunice não perderam tempo, investiram “desde a infância” na vida de Timóteo, para que ele pudesse aprender as sagradas letras que poderiam fazê-lo sábio para a vida eterna.
Todas as nações tendem a considerar sua comida a melhor do mundo. Se perguntarmos ao Tailandês, Coreano, Chinês, Brasileiro ou a um Francês, qual é a melhor culinária, certamente ele considerará a sua a melhor do mundo. Sabe porquê? Comida é algo cultural. Aprendemos a gostar de determinados alimentos porque aprendemos a comê-los. Isto nos diz muito sobre valores e espiritualidade.
Temos a mesma tendência quando se trata de música. Estilos dependem da forma como a cultura nos ensina. Por esta razão, os europeus nórdicos tendem a apreciar tanto a música clássica, pois desde cedo aprendem a ouvi-la, assim como o goiano tende para a música caipira. Os gostos são formados de acordo com a cultura.
Timóteo aprendeu, desde cedo, as Sagradas Escrituras, que podiam torná-lo sábio para a salvação. Este é o caminho que devemos percorrer com nossos filhos. Precisamos ensiná-los a andar por estas trilhas.
Fico pensando no efeito de determinadas músicas que ouvimos no Departamento Infantil de nossas igrejas, ou ouvimos nossos pais cantando, como elas marcam indelevelmente nossa história. Uma antiga e belíssima canção para crianças diz assim:
“Diz a Bíblia que Jesus, tem por mim constante amor
Como é linda a sua luz, como é bom o salvador.
Sei que me quer bem, quer ver-me feliz.
Sei que me quer bem, a Bíblia assim o diz”.

Conclusão:

Ainda ecoa na minha mente a afirmação de Farley: “Um garoto é a única coisa que Deus pode usar para transformar em um homem”.
William Raspberry, colunista negro do “The Washington Post” escreveu: “Se eu pudesse dar uma simples receita para a sobrevivência de nossa sociedade, seria a restauração da família. Se me perguntarem como isto pode ser feito eu diria de forma descomplicada e direta: Salvem os garotos!” Sua afirmação faz coro com a declaração de Farrar: “Destrua os garotos, neutralizando os machos”.
Tragicamente temos perdido nossos filhos: para a mente secularizada, para os costumes deste mundo, para as drogas, pornografia, fornicação e o diabo. Deus só tem uma receita para reverter esta situação, dando-nos o seu próprio exemplo. Quando quis se tornar gente e habitar entre nós, na forma humana assumindo um corpo, escolheu para si mesmo uma família que pudesse cuidar de Jesus. Ali naquela simples casa da Galiléia, Jesus cresceu sendo cuidado por Maria e José e rodeado de irmãos.
A fórmula para se produzir um grande homem é produzindo famílias abençoadas, saudáveis emocionalmente e atentas espiritualmente. Assim se faz um grande homem!

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Lc 15 A Párabola do Pai doador




Introdução:

No seu excelente livro “O Filho Pródigo”, Henry Nouwen discorre sobre a conhecida parábola de Cristo. No entanto, nos surpreende ao afirmar que a idéia central de Jesus não era falar sobre o filho, ou filhos, mas sobre o Pai, já que começa com a afirmação. “Certo homem”. A ênfase, portanto, estaria no Pai, o objetivo de Jesus não era falar nem do filho que se foi, nem do filho que ficou, mas do pai. O centro da parábola não eram os filhos, mas o pai, que enxerga a vida com olhos diferente. Este homem vai lidar com a questão da paternidade, com esta confusão toda que a gente experimenta em família.
Nouwen afirma que o ápice da parábola é nos levar a uma identificação com o pai, já que, por natureza, temos a tendência de sermos eternos filhos, culpando os pais pelas derrotas e fracassos, e criando uma relação de dependência imatura e infantil. O texto nos convida a olharmos e imitarmos o pai, e deixarmos de viver como filhos, que cobram e exigem, amadurecendo e assumindo a necessária paternidade..

Os filhos possuem dois perfis:

  1. O relativista moral – tipo da sociedade autônoma e independente, que não quer dar satisfação a ninguém por aquilo que faz. Este filho não teme a Deus, não ama o pai, e se julga no direito de reivindicar o que não lhe pertence, já que a herança culturalmente só era dada depois da morte do progenitor. Pedir herança antecipada era desejar a morte do pai, e dizer que o que interessava não era quem ele era, mas o que ele possuia. Este filho rompe de forma descaridosa e cruel.

  1. O moralista religioso. O filho que fica, demonstra ser rigoroso na sua ética, trabalha arduamente, se empenha a fazer as coisas da forma certa, mas o seu coração é frio e distante. Não sabe nada do coração do pai e quando o vê agindo, passa a censurá-lo. Este é o típico modelo do “justo amargurado”, que não consegue se aproximar afetivamente nem do pai, nem do irmão, quando este decide voltar para casa.

Como afirma Tim Keller, são dois modelos diferentes de ver a vida, mas ambos estão igualmente perdidos. O perdido que sai e o perdido que fica. Ambos precisam da intervenção paterna.

Como age o pai em relação aos filhos? Este é o modelo que inspira a parábola, e que nos desafia a querermos imitar o Pai.

  1. O Pai é Conciliador – Ele tem a incrível capacidade de lidar com tensões em casa, com duas relações conflitivas: Com o filho que sai e com o filho que fica, que não saiu, mas nunca esteve por inteiro.
Em Lc 15.28 vemos que o filho mais velho ao ouvir e música e os sons que chegam da festa em sua casa, se recusar entrar. Então o pai “saindo o procurava”. Para fazer o que? Conciliá-lo. O pai deixa a festa para socorrer o filho. Busca o filho, procura estar ao seu lado, ajudá-lo e se esmera em conciliá-lo.
Muitas vezes fazemos exatamente o contrário: Não agimos como solucionadores nem facilitadores, mas nos tornamos parte do problema e complicamos ainda mais os conflitos. Há um jargão em psiquiatria que diz que “não existem filhos problemas, existem pais problemas”. Quando crianças adolescentes apresentam transtornos psiquiátricos, coloca-se na sua ficha a idéia: PACIENTE IDENTIFICADO. Ou seja, descreve quem aparentemente é identificado como problema, mas que pode ser apenas o fio terra de todas as tensões familiares. Quando o filho se envolve com drogas, muitas vezes este quadro só revela a doença familiar.
Em muitos conflitos familiares, os pais tomam partido, falam demais e não facilitam a reconciliação.
O Pai é demonstrado na parábola como aquele que promove o ambiente de paz. Assume seu papel sacerdotal evitando conflitos, conciliando, aproximando os diferentes, desfazendo barreiras. Quem não concilia filhos gera distensão dentro de sua casa de proporções imensas. Este pai procura ensinar aos seus filhos, a virtude do perdão e da graça. “Este teu irmão estava perdido e foi achado, estava morto e reviveu”. Perdoá-lo é uma grande benção, é restaurá-lo à vida. 

  1. O Pai é misericordioso – É interessante notar que este pai aprendeu a benção de deixar o filho sair e de deixar a porta aberta para o filho voltar. Isto parece tão óbvio, mas o que temos percebido é que a maioria não sabe a hora de deixar sair e nem deixar que voltem.
Há pais que não deixam sair os filhos nem mesmo quando se casam. Alguns chegam a dizer: “Eu vou sustentar vocês, mas quero que vocês morem conosco”. Eventualmente surgem necessidades que nos levam a isto, mas assumir esta posição sem qualquer motivo impede os filhos de amadurecer.
O pai demonstra misericórdia. Na sua casa há lugar para arrependimento, confissão, para consertar a vida, mesmo quando o filho quebrou todas as regras da família. Este homem cria um espaço para perdão em seu lar.
Ele sabe também lidar com o filho que fica com suas enfermidades, que é complicado, deprimido, amargurado e frio no seu coração. Ele se julgava muito justo e honesto, mas era duro e inflexível. Trabalhava arduamente, e não achava que podia desfrutar de seu trabalho e da vida, se tornando ensimesmado, interiorizado, auto-centralizado, egocêntrico. Este jovem não sabe lidar com o lúdico, com o lado alegre da vida, com as expressões de graça e celebração, e o pai tem que lhe ensinar isto.

  1. O Pai é generoso – Ele é liberal com seus recursos. Quando o filho reclama de nunca ter cabritos para comer com seus amigos, ele demonstra que o problema não estava na disposição dele em doar, mas do filho em desfrutar. “Tudo que é meu é teu”. O filho que saiu e se perdeu viu esta forma desprendida do pai. “Quantos trabalhadores de meu pai tem pai com fartura, e eu aqui morro de fome”. Mesmo os funcionários eram abençoados com esta dimensão dadivosa de seu caráter.
Tenho visto como a generosidade facilita a vida de filhos e netos. Pais generosos abençoam, e com isto toda família ganha. A Bíblia afirma que o homem de bens deixa herança para os filhos dos filhos (Pv 13.22). No entanto, não é raro vermos disputas financeiras acirradas em famílias em lutas e disputas intermináveis, porque não sabem ser generosos com os seus bens.
Nossa herança ibérica brasileira é um fator complicador para o exercício deste dom. Não sabemos dar. Ao contrário de outras culturas onde as pessoas aprendem a repartir e serem generosas. Aprender a abrir mão de nossos bens para abençoar outras pessoas pode trazer grandes dividendos e muita alegria, afinal, ser generoso é uma benção para quem dá e para quem recebe.