Este
é um dos textos mais enigmáticos, densos e trágicos que conhecemos de todo o
conteúdo das Escrituras. Provavelmente nunca entenderemos toda a trama
envolvida neste episódio, e os conflitos subjacentes a este conflito
experimentado por Abrão.
O que está acontecendo no texto?
Logo após a promessa de Deus de dar aquelas terras a Abrão
e à sua descendência, este levanta uma questão: “Como posso saber que a
história vai funcionar de acordo com sua promessa?” De um ponto de vista,
as promessas de Deus seriam suficientes pelo seu caráter, no entanto, Abrão
pede um sinal para saber se elas iriam se cumprir. As promessas eram de tal
magnitude que são chamadas de alianças.
Deus então pede a Abrão para preparar o sacrifício: É
bom lembrarmos que até então não havia sido dado uma ordenança clara sobre a
forma de culto, e nem havia ainda revelado a forma como deveria ser adorado. A
legislação mosaica, as ordenanças e princípios de culto e adoração só seriam
dados após muitos anos a Moisés.
Abrão atende à solicitação do Senhor, matando os
animais requeridos, mas algo profundamente estranho e enigmático acontece: “aves de rapina desciam sobre os cadáveres” (Gn
15.11). Além destes estranhos fatores externos, o texto mostra que Abrão sofre
uma profunda dor, uma angústia visceral no qual todo o seu corpo é afetado. “caiu profundo sono sobre Abrão, e grande
pavor e cerradas trevas o acometeram”. (Gn 15.12). Depois disto, Deus
revela a Abrão o significado daquela experiência, e o que ele estava
experimentando na própria carne.
Tentando
entender o sentido do texto:
A
experiência de Abrão, se assemelha em
muito ao “anfektung” humano, palavra esta escolhida por Lutero para revelar um
profundo sentimento de angústia, difuso, e ao mesmo tempo, profundamente
concreto que ele costumeiramente enfrentava no seu viver na sua relação com
Deus.
Abrão está entrando em contacto com a profundidade de
uma dor indecifrável, e talvez por esta razão, este texto seja tão
profundamente carregado desta “dor e aflição”. Abrão precisa enxotar “as aves
de rapina”, ao mesmo tempo em que experimenta “grande pavor e cerradas trevas”.
Curiosamente esta experiência é algo conectada a um homem no meio de seu
diálogo com Deus. A profunda vivência daquele momento traz não uma experiência
de gozo e paz, mas um sentimento angustiante e dolorido. O corpo de Abrão perde
a resistência, e isto é revelado na declaração de que veio sobre ele “um pesado sono”. (Gn 15.12). Normalmente
falamos do andar com Deus como experiência da graça, e isto não apenas é
verdadeiro, mas prometido na palavra. “Na sua presença há plenitude de
alegria”. Muitas vezes, contudo, a experiência com Deus gera situações
conflitantes e nos leva a uma verdadeira odisséia ao “vale de Jaboque” (Gn 32) como no caso de Jacó, ou no vale de ossos
secos, como experimentou Ezequiel (Ez 37), quando experimentamos noites de lutas, indefinidas,
confusas, com sentimentos distintos, compreensões parciais e lutas externas e
internas para que a revelação de Deus se manifeste na sua plenitude em nossa
existência e realize sua obra em nossa caminhada de fé.
Abrão está vivendo um parto existencial, uma angústia
existencial proveniente da antecipação de profundas e sublimes revelações que Deus
lhe deseja comunicar. Enxotar as aves de rapina e experimentar o pavor e
cerradas trevas, faz parte deste processo de Deus.
Aplicações:
Diante
deste texto, gostaria de sugerir algumas licões que podemos extrair:
1.
No meio da dor
e de cerradas trevas, nunca se esqueça que o seu Deus é santo e eterno –
Quando Deus colocou Abrão no meio desta experiência de
angústia existencial, ele o fez para prepará-lo para uma grande revelação. Na
verdade Deus o fez experimentar antecipadamente parte da dor que precedia o seu
glorioso intento para o povo que ele pretendia preparar, escolher e colocar o
seu nome na descendência de Abrão para abençoar todas as famílias da terra. Deus
possuía um propósito definido e claro ao levar Abrão para esta experiência com
“aves de rapina, com o grande pavor e as cerradas trevas que o acometem”. A
passagem de Abrão por este vale tinha propósito. Deus estava antecipando os
eventos que se dariam na história quando, em seu Filho amado, seu
plano se cumpriria. Abrão jamais entenderia isto tudo sem passar por esta dor e
experimentar estas densas trevas que Deus permite que o acometa.
Costumeiramente perdemos o sentido da santidade de Deus
no meio de nossas dramáticas experiências. Facilmente tendemos a nos esquecer
quais são os seus propósitos e baseados nas nossas motivações que nem sempre
são as mais santas, projetamos em Deus a iniqüidade que é nossa, colocando Deus
no mesmo patamar de nossas intenções.
A primeira tentação narrada na Bíblia, que culminou na
queda da raça humana, começou com uma interrogação de satanás sobre a motivação
de Deus para as suas criaturas. “É certo
que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos
abrirão os olhos, e como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.4,5).
Satanás lança suspeita sobre as intenções de Deus. Será que Ele está bem
motivado ao fazer o que faz? Ou será que isto é apenas sua estratégia para
impedir que sejamos como ele também é? Não estaria Deus regendo o mundo
tiranicamente, fundamentando seu governo em uma mentira?
Quando passarmos pelas trevas, até mesmo nelas temos
que contemplar a majestade, santidade e propósito de Deus para nossa vida. Deus
é absolutamente santo, todas as suas atitudes são fundamentadas no seu caráter.
Deus não joga dados e não brinca com nossa dor. Ele é Santo em todo o seu ser e
quando age, o faz de acordo com o seu maravilhoso ser.
2.
Momentos de
profunda dor também são momentos de grandes descobertas -
Deus se revela de forma inconfundível, profunda e seus propósitos são revelados de forma clara para a Abrão. Existem verdades que Deus deseja comunicar e que só serão compreendidas em meio às nossas crises eventualmente incompreensíveis.
Deus se revela de forma inconfundível, profunda e seus propósitos são revelados de forma clara para a Abrão. Existem verdades que Deus deseja comunicar e que só serão compreendidas em meio às nossas crises eventualmente incompreensíveis.
Curiosamente
Abrão está adorando a Deus, atendendo ao seu chamado para a adoração. É diante
do altar de Deus que Abrão experimenta toda a crise, é diante de Deus que
surgem todas estas crises existenciais e filosóficas. É diante do altar partido
que surgem os paradoxos, as contradições. É diante do sacrifício feito em ato
de culto, que ele vai experimentar estas angustiantes experiências de trevas.
Excetuando talvez sua experiência posterior quando Deus faz uma absurda
solicitação para que ofereça seu Filho em holocausto, o que viria acontecer
algum tempo depois, Abrão não havia passado por nada similar a isto.
Qual
é a função das crises em nossas almas? No filme, Shadowlands, que narra a vida de C. S.Lewis, há um profundo diálogo
de uma pessoa com este profundo pensador britânico, quando ele passa pelo vale
da sombra da morte, perdendo sua esposa. Alguém lhe pergunta o que ele pedia
nas suas orações diante da enfermidade de sua esposa, e ele responde. “Orei não
para que Deus a curasse, porque Deus tem os seus propósitos estabelecidos, não
orei para que Deus mudasse as cirscunstâncias, mas orei para que Deus mudasse a
mim mesmo”.
Crises
são momentos de Deus em nós.
Ela nos fortalece, ajuda-nos a ler a vida, os segredos da
existência humana de forma profunda e clara. Deus conduz Abrão a esta
experiência, para revelar-lhe seus propósitos eternos.
3.
No meio da angústia Deus
faz alianças e promessas perenes –
“Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão” (Gn 15.11). Abrão tive um dia intenso, denso e profundo, e Deus, depois de passear pelo altar com seu fogo, faz aliança com Abrão. O curioso é que não é Abrão que faz aliança com Deus, mas Deus que faz aliança com Abrão. A iniciativa vem de Deus, é Deus que faz aliança e promessas. É uma aliança unilateral, baseada nos propósitos eternos de Deus, seus decretos, sua eleição, e não está firmada na capacidade do homem. Depois da queda do homem, a outra grande aliança que Deus faz já não é mais com a raça humana, falível, mas com o seu Filho Jesus. Sua aliança é eterna e irrevogável, Paulo diz que “se formos infiéis, ele permanecerá fiel, porque não pode negar-se a si mesmo”.
“Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão” (Gn 15.11). Abrão tive um dia intenso, denso e profundo, e Deus, depois de passear pelo altar com seu fogo, faz aliança com Abrão. O curioso é que não é Abrão que faz aliança com Deus, mas Deus que faz aliança com Abrão. A iniciativa vem de Deus, é Deus que faz aliança e promessas. É uma aliança unilateral, baseada nos propósitos eternos de Deus, seus decretos, sua eleição, e não está firmada na capacidade do homem. Depois da queda do homem, a outra grande aliança que Deus faz já não é mais com a raça humana, falível, mas com o seu Filho Jesus. Sua aliança é eterna e irrevogável, Paulo diz que “se formos infiéis, ele permanecerá fiel, porque não pode negar-se a si mesmo”.
Nesta estranha cena, o que estas fortes imagens podem
nos ensinar? Qual é o seu significado para Abrão e nós, homens modernos com
carros velozes, web, mundo virtual?
Na verdade, na visão de Darrel Johnson, este texto é o
cerne do Antigo Testamento.
Deus fez uma promessa de dar aquelas terras já
habitadas a Abrão e sua descendência. O evento foi precipitado por uma questão,
feita por Abrão: “como posso saber que a história vai funcionar de acordo
com sua promessa?” Abrão pede um sinal de que elas iriam se cumprir.
O que Deus faz com Abrão era um ritual conhecido no
mundo antigo. Quando duas pessoas queriam selar um pacto, elas sacrificavam um
animal, partindo-o ao meio e formando duas colunas. Eles tinham que andar no
meio destes animais. Ao caminhar entre o sacrifício diziam: Se transgredir
estas promessas, o meu sangue será derramado como a destes animais. O pacto era
selado nestes sacrifícios, e este forte componente os ligava um ao outro, pelo
sangue dos animais. As duas partes passavam a pertencer uma a outra como um
pacto. Os dois grupos se tornavam unidos pelo mesmo sangue. Ambos agora
pertenciam um ao outro, com os laços de sangue.
Estas cerimônias mostravam a grave conseqüência de uma
quebra. Eram feitas para confirmar p vinculo assumido. Quando Abrão pergunta:
“como saberei? Que segurança terei de que você pode me dar de que estas
promessas se cumprirão?” A resposta de Deus
é o sacrifício de sangue. Deus manda Abrão cortar os animais (Gn 15.9).
A palavra de Deus seria suficiente. “Vai acontecer
porque eu prometi”, mas Deus ainda resolve fundamentar o pacto numa linguagem
que Abrão pudesse entender.
Há um detalhe interessante no texto, e que não pode
ser ignorado. Preste atenção: apenas Deus atravessa por este fogo, Abrão não!
Sua presença é marcada com fogo e fumaça, como aconteceu no Monte Horebe. Abrão
não poderia garantir... no entanto, Deus garante que aquele povo pertencia a
ele, por causa do sangue derramado. Estes animais o representavam. “se eu
falhar, será feito comigo o que foi feito com estes animais”. Desta forma Abrão
sabe que ele cumprira. Se não cumprir, Deus dividiria a si mesmo em dois.
Abrão não atravessa o fogo. Apenas Deus. Abrão é
observador, ele não passa no meio dos animais, apenas Deus. Só Deus
inicia, e apenas ele garante. Qual é a parte de Abrão? Dizer “amém” sua
parte é dizer, “eu creio”! (Gn 15.6). Sua parte é deixar Deus ser Deus. Sua
obra é fé. Que pintura da obra redentora de Cristo. Circuncisão era o sinal
dessa aliança (Gn 17.11), uma lembrança do pacto selado com sangue. Deus entra
num relacionamento e pacto de sangue com Abrão. O Deus vivo faz isto. Estes
animais representam Deus. Ele compromete sua reputação neste pacto.
Quais os termos do pacto de Abrão? Todos são
descendentes deste pacto de Abrão. E uma questão histórica. “todos os que crêem
em Cristo, são participantes deste pacto, através dos quais Deus firmou sua
palavra”. O arquiteto e construtor é Deus (Gn 17.7). Derek Kidner afirma: “a
essência é pessoal. Eu serei o seu Deus. Deus promete ser Deus para Abrão.
Deus está dizendo, tudo o que sou pertence a ti”. Brooks: “minha sabedoria será
sua, minha misericórdia, tudo será teu”. Deus abençoaria o mundo inteiro,
dando-se a si mesmo.
Deus afirma que não esqueceria de suas promessas. Muitos
anos depois, Jesus vai levantar o cálice e dizer: “Este sangue é a nova
aliança”. Quem se sacrifica é Cristo, quem se compromete também é Ele mesmo.
Esta experiência de Abrão, em densas trevas, prefigura
a nova aliança, feita também em meio a trevas. Quem fez este “nova aliança?” o
sangue do Cordeiro. Selado e garantido em Jesus. Na cruz o Deus vivo, novamente, reafirma
sua aliança. Ele sela no seu sangue.
Talvez ainda hoje indaguemos: “Como saberei...?” Perguntas
estas feitas, quando somos assaltados pela dúvida, quando não vemos estrada
adiante de nós e passamos por experiências de densas trevas. Ai olhamos para a
cruz, e sabemos que nela Deus comprometeu sua vida, voluntariamente se humilhou
para que nós possamos olhar e crer, e assim, e apenas desta forma, crendo,
seremos justificados.
“Abraão creu, e
isto lhe foi imputado por justiça”. Da mesma forma Jesus fala aos seus
discípulos: “A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi
enviado” (Jo 6.28).
Jesus de Nazaré toma o pão e distribui aos seus
discípulos, “Esta é a nova aliança no meu sangue”. Não há maior segurança. E
uma questão histórica. “todos os que crêem em Cristo, são participantes deste
pacto, através dos quais Deus firmou sua palavra”
Quem
faz a aliança é Deus, a promessa e a garantia vem de Deus. A primeira aliança, “O
Pacto das Obras”, feito entre Deus e Adão, revelou-se um enorme fracasso,
porque o homem caiu, foi infiel, e trouxe grande desatino sobre toda a criação.
Agora Deus faz uma aliança consigo mesmo, o homem responsável não é responsável
por esta Nova Aliança, mas o Filho de Deus, Jesus, que se deu em resgate de
muitos naquela cruz, que nos substituiu, e é a nossa eterna garantia diante de Deus.
“Deus nos salvou e nos chamou com santa
vocação, não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e
graça que nos foi dada em
Cristo Jesus , antes dos tempos eternos, e manifestada, agora,
pelo aparecimento de nosso Salvador Jesus Cristo, o qual não somente destruiu a
morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o Evangelho” (2
Tm 1.9-10).
Porque
Abrão crê nesta promessa para suas gerações, ele começa a viver dentro desta
promessa e eternizar os valores relacionados a esta promessa. No capítulo 17 de
Gênesis, Deus dá um pacto a Abrão e diz: “Esta
é a minha aliança que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo
macho entre vós será circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso prepúcio;
será isso por sinal de aliança entre mim e vós. O que tem oito dias será
circuncidado entre vós, todo macho nas vossas gerações”. (Gn 17.9-14). E o
que faz Abrão diante disto? Ele crê nas promessas de Deus, e como ato de
obediência realiza a circuncisão nos seus filhos e nos seus servos.
A
Bíblia ainda afirma, “Esta é a minha
aliança com eles, diz o Senhor: o meu Espírito, que está sobre ti, e as minhas
palavras, que pus na tua boca, não se apartarão dela, nem da de teus filhos,
nem da dos filhos de teus filhos, não se apartarão desde agora e para todo
sempre, diz o Senhor” (Is 59.21). Esta promessa diz que o Espírito do
Senhor não se afastará de nós, nem dos nossos filhos, nem dos nossos netos. Tem
promessa ainda para um longo tempo. Muita coisa boa ainda está por vir. Homens
e mulheres de Deus, ainda vão se levantar dentro de nossos lares, realizando
grande ministério, e sendo poderosos instrumentos nas mãos de Deus.
Deus
tem promessas para nossas gerações.
Conclusão:
Este texto de Gn 15.7-20, enigmático, denso e trágico nos fala sobre o significado da angústia no homem de fé, mas nos revela ainda, como o Deus santo compromete seu nome, com sacrifícios, ao fazer sua promessa. Provavelmente nunca entenderemos toda a trama envolvida neste episódio, nem toda a grandeza do pacto da redenção que Deus fez, através de seu filho Jesus, nem o significado destas “aves de rapina sobre os cadáveres”e “o profundo sono sobre Abrão, e o grande pavor e cerradas trevas que o acometeram” nem todos conflitos latentes e inconscientes, subjacentes a esta experiência de Abrão, mas certamente podemos tirar algumas aplicações relevantes para nossa existência no século.
No meio da sua crise de fé nunca esqueça:
1.
O Deus que fez a promessa é santo e eterno – Haja o que houver, seja o que
for, esta verdade não pode se apartar do coração. Satanás é mestre em lançar
suspeitas no coração dos homens sobre Deus. Deus é amor e santo em todas as
suas atitudes.
2.
Precisamos aprender que, em momentos de profunda
sempre surgem grandes descobertas Deus
se revela de forma inconfundível, profunda e seus propósitos são revelados no
meio de nossas angústias, nos nossos vales de sombra e de morte.
3.
Precisamos ainda recordar que no meio das angústias
humanas Deus faz alianças e promessas perenes. Ele compromete seu nome.
Precisamos crer naquilo que ele diz. “Abraão creu em Deus e isto lhe foi
imputado para justiça”. Nesta aliança, Deus assume unilateralmente suas
promessas. É ele quem anda no meio da fumaça e da fornalha, é ele quem caminha
no meio do sacrifício, pois em última instância, ele é o próprio sacrifício,
sendo o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
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