terça-feira, 29 de novembro de 2022

2 Co 3.12-18 Máscaras espirituais

 


 

 

Máscaras espirituais

2 Co 3.12-18

 

 

Introdução

 

Um dos casos mais trágicos do movimento evangélico contemporâneo foi o do PTL, chamada de "Igreja Eletrônica" nos EUA. Jimmy Swaggart, um pastor carismático, extremamente moralista, que com sua posição firme denunciou outro conhecido televangelista, Jim Baxter, por imoralidade. O programa televisivo de Swaggart atraia milhares de pessoas e impactou inúmeras pessoas. Infelizmente, foi pego em flagrante dentro de um motel com uma prostituta e seu ministério, caiu em desgraça.

 

Ao falar deste assunto, não tenho qualquer intenção de denegrir a figura de outro pastor. Mas faço esta afirmação com temor e reverência, pois a Bíblia nos adverte: “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia.” (1 Co 10.12). Faço isto para nossa própria advertência. A duplicidade e a mentira têm pernas curtas e levam a derrocada moral e à destruição.

 

Narração

 

Este texto nos revela um grande líder sendo desmascarado. Seu nome: Moisés. Sem dúvida um grande homem de Deus. Aqui ficamos sabendo de algo que o Antigo Testamento não menciona. Ao descer do monte, depois de passar quarenta dias com o Senhor, Moisés estava envolvido por um brilho tão imenso, que os filhos de Israel não podiam fitá-lo. Isto o obrigou a usar véu para conversar com o povo. Com o passar dos dias, o brilho acabou, mas Moisés continuou com o véu, para que os filhos de Israel continuassem pensando que o seu rosto ainda brilhava.

 

Por que fez isto? Certamente para que os filhos de Israel continuassem admirando sua espiritualidade. Todas as vezes que as pessoas olhavam para Moisés, nas suas aparições públicas, elas o viam com véu, e comentavam entre si sobre a aura de santidade que estava sobre o coração de seu líder. Moisés gostou daquele status espiritual. Ele não queria que os israelitas descobrissem que seu brilho havia desaparecido. Então, fez o que milhões de pessoas fazem: Colocou um véu! Não deixou que ninguém visse o que se passava no seu interior. Ele queria ser reconhecido como alguém sobre quem a glória de Deus estava presente.

 

A mesma realidade ocorre hoje. Podemos ter véus sobre as formas mais variadas, mas que na essência são a mesma coisa. Representam uma imagem ou fachada que queremos mostrar aos outros, e por trás da qual ocultamos nossa verdadeira imagem. Quem somos nós? Qual a nossa verdadeira identidade?

 

Os véus possuem diferentes tonalidades e formas. Eis alguns destes véus:

 

1.     Véu do orgulho espiritual - Foi o que Moisés usou. É o véu que não admite fracasso, não pode confessar pecado, não expressa vulnerabilidade.

 

Nos aconselhamentos espirituais, fazemos perguntas para orientar a conversa, e algumas respostas envolvem questões relacionadas à fé e as convicções. Quando pergunto alguma coisa teológica, as pessoas dão a resposta espiritualmente correta e em seguida costumo dizer: “Muito bem, esta é a resposta que esperava ouvir de você. Mas agora, não me dê a resposta política e teologicamente correta, mas me diga o que realmente você está sentindo, e como está seu coração.” E então, a resposta pode ser oposta à interior. Ela muitas vezes é carregada de ansiedade, dúvida, tristeza e raiva contra Deus e contra a vida. Eu sou bem sensível a isto, porque sei que a resposta inicial é uma defesa natural, mas ela é, sem dúvida alguma, uma forma de mascarar o problema.  É o que chamamos em psicologia de “cortina de fumaça”. Para sermos libertos, entretanto, precisamos ir um pouco mais fundo. O véu do orgulho espiritual se torna uma grande barreira para chegarmos ao âmago do coração e com arrependimento e confissão sermos restaurados por Deus.

 

A nossa incapacidade espiritual de manter uma vida coerente com o Senhor nos leva a falsa ideia de que podemos sustentar nossa vida por representações. Fingindo ser o que não somos, declarando o que não sentimos e não admitindo honestamente o que está acontecendo com a nossa vida. Quando nossa vida caminha nesta direção, não precisamos de maquiagem, e sim de cirurgia. Estamos fascinados pelas máscaras e véus espirituais.

 

As máscaras criam em nós uma hipocrisia nem sempre consciente:

            Pregamos o que não praticamos,

                        oramos por coisa que não cremos,

                                   afirmamos o que não sentimos,

                                               professamos com a boca o que negamos no coração.

 

mas não nos capacitam à confissão e ao quebrantamento para que o véu seja retirado. Tememos ou rejeitamos o encontro com aquele que nos confronta. Vivemos dominados pelo orgulho espiritual e felizes porque as pessoas pensam que somos alguém superior espiritualmente quando não somos.

 

O desejo por reputação pode ser perigoso para nossas vidas, porque no afã de manter a reputação, famílias tem sacrificado a consciência, se tornado co-dependentes, acobertado pecados, porque precisam manter uma boa imagem diante dos homens, mesmo com sacrifício da verdade. Alguém afirmou que “reputação é o que pensam de você. Caráter é o que você realmente é. Reputação é o que dizem de você no dia do funeral, caráter é aquilo que os anjos dirão sobre você no tribunal de Deus.”

 

2.     Véu da Duplicidade – São os véus da aparência, ainda que tão inocentes são criados para satisfação do nosso ego e por isto utilizamos formas inteligentes de preservá-lo, um destes é a duplicidade de nomenclaturas, ou seja, dar nomes bonitos a coisas feias que fazemos:

 

§  Orgulho, chamamos de valor pessoal

§  Preconceito, chamamos de convicções fortes.

§  Desamor, dizemos que é ortodoxia;

§  Emocionalismo, confundimos com espiritualidade

§  Falta de educação e grosseria, afirmamos que é sinceridade

§  Presunção, é confundida com respeito próprio;

§  Vaidade com cuidado pessoal.

 

Os cristãos têm muita tendência para colocar certos tipos de véu, principalmente aqueles que tem formas de virtudes cristãs. São Jerônimo advertia: "Cuidado com o orgulho da humildade". A nossa turma do seminário de Campinas, SP, fez uma confraternização na qual cada um dos colegas recebeu uma medalha engraçada: “O mais aplicado”, “o mais crente”, “o mais esperto”, “o melhor jogador”. Um recebeu o título de “o mais humilde”. Depois disto, um colega brincalhão se levantou e disse: “Precisamos retirar a medalha da humildade porque o irmão a pendurou no pescoço!”  Quando começamos a usar medalha de humildade, alguma coisa perigosa pode estar acontecendo conosco. Há muitos com “orgulho da sua humildade.”

 

Dar nomes bonitos a coisas feias que praticamos, é um grave problema. Muitos distorcem seus pecados, dando-lhes uma nomenclatura bonita. Tome cuidado! Trate seu pecado como pecado. Não arranje nomes sofisticados para pecados grosseiros que você usa.

 

3.     Justiça própria - A pessoa toma certo padrão bíblico de conduta, e orgulha-se da capacidade de observá-los exteriormente, embora não o faça no coração.

 

Este era o cerne do problema dos fariseus e Jesus tratou com dureza este tipo de comportamento. Em várias parábolas ele advertiu contra este grande risco no coração dos religiosos de seu tempo. Ele chegou mesmo a afirmar que prostitutas e publicanos entrariam no reino dos céus antes deles.

 

A justiça própria é inimiga do evangelho. Ela nos faz olhar para nossas virtudes e nos orgulharmos delas. O problema é que, quanto mais você olha para o que você faz, mais fica mais autocentrado e cheio de si, e olha menos para a cruz de Cristo. Pessoas admiradas consigo mesmo não se admiram da cruz.

 

Muitos se sentem vaidosos, porque fixam num ponto de conduta, ignorando outras áreas de vida em que há "fraquezas" e acusam aqueles que não fazem o que eles fazem. Reagimos instintivamente a esta máscara, sempre que algum fracasso ou fraqueza nossa é exposta, somos tentados a dizer: “Posso ter essa fraqueza, mas pelo menos não faço isto ou aquilo.” É véu da justiça própria. O tradicionalismo e o legalismo se adaptam perfeitamente neste ponto.

 

4.     Véu da excessiva sensibilidade ou susceptibilidade - Pessoas susceptíveis se magoam facilmente com palavras ou atos dos outros. Precisamos tratá-los com extremo cuidado para que não se ofendam, passam por agonias de espírito e tendem a ficar mergulhados num mar de autopiedade, horas a fios, até mesmo dias.

 

Qual a explicação que encontram? "A desconsideração", "a rudeza", dos outros, mas na verdade é a forma pessoal de protestarem por não receberem a atenção e importância de que se julgam merecedoras. Tenho muita dificuldade de trabalhar com pessoas hipersensíveis, porque já aprendi que “hipersensibilidade é sinal de egoísmo.” E esta máscara é muito atraente e constantemente utilizada nos círculos cristãos.

 

Esta é a máscara da “fragilidade”, do tipo “não me toque”, supersensível, que exige tratamento especial. Muitas vezes age assim para não ter uma avaliação severa dos amigos, colegas e familiares. Esta máscara, assim como as demais, não nos ajuda a crescer em maturidade, arrependimento, perdão e graça.

 

5.     Espírito impaciente – Outra máscara que pode encobrir profundos problemas em nossos corações e encobrir aquilo que somos realmente.

 

Muitas vezes a impaciência é uma forma de sugerir importância ou operosidade. Frequentemente aparece sob a forma de zelo ou dedicação, mas na verdade, pode ser uma tentativa de fuga de autoanálise ou de reflexão, pode esconder um coração machucado e ferido, ainda não tratado por Deus. Então, trabalhar excessivamente e desejar resultado a todo custo, pode encobrir o coração triste e sem paz. Passamos a idolatrar estatísticas e números.

 

A impaciência pode nos levar a enrugar a testa e responder com rispidez, escondendo um profundo sentimento de inferioridade ou insegurança, mas ao mesmo tempo querendo provar a todos, através de uma agenda intensa de atividades e sem capacidade de descanso, o quanto ele é importante e espiritual.

 

Nem mesmo Deus trabalhou sem descansar. Será que ele realmente estava cansado depois do seu ato criador e por isto resolveu descansar, ou fez o sábado para nos ensinar que é preciso repor as energias e sossegar a alma?

 

6.     Autojustificação. Também revela atitude semelhante. São pessoas que não toleram ser mal compreendidas e estão sempre se explicando, na verdade estão afirmando o seguinte: "eu sempre faço as coisas de forma correta. Você não vê como faço bem as coisas? Quão diligente eu sou?”

 

Autojustificação é a necessidade de constantemente tentar explicar e justificar atitudes, ações e comportamentos. Ela é usada como pretexto para não encarar e admitir, o verdadeiro problema. A racionalização é um derivado da autojustificação. Este hábito está muito relacionado ao perfeccionismo.

 

Faz parte de nossa natureza pecaminosa tentar fazer algo para merecer, de forma particular, a salvação. Contudo, nossa justiça deriva da justiça de Cristo, mas muitas vezes é difícil para corações orgulhosos entenderem ou apreciarem a obra de cristo. Só em Cristo podemos conhecer a verdadeira justiça, o perdão do pecado através da graça, seu amor e aceitação incondicionais. Por causa da cruz de Cristo, podemos enfrentar o pecado e trazê-lo para a cruz, ao invés de tentar de alguma forma provar a Deus que somos bons o suficiente para convencê-lo a nos amar. Jesus é a nossa justiça. O Evangelho nos liberta do anseio constante de nossa alma pecadora de receber aprovação dos homens para satisfazer nosso anseio de elogio e reconhecimento.

 

7.     O véu da frieza, indiferença e distanciamento.

 

Este é outro modelo sofisticado de máscaras que usamos. Lançamos mão do distanciamento que brota do medo da rejeição, do temor de que nos conheçam exatamente como somos. Às vezes afirmamos que somos reservados ou tímidos, e nos distanciamos com a falsa ideia de que para sermos aceitos ou amados, precisamos parecer perfeitos ou bem-sucedidos.

           

O Evangelho quer nos livrar deste tipo de atitude. Se reconhecermos nosso fracasso e nossa incapacidade dependeremos de Deus e não nos tornaremos escravos da performance e da eficiência. Quando nos sentirmos tentados pelo diabo diremos como John Wesley fez ao ser acusado por dúvidas e tentações: “Satanás, eu sou bem pior do que você afirma, mas Jesus me aceitou de forma incondicional, já e perdoou de todos os meus pecados e me deu a graça de ser seu filho amado.”

 

John Fisher, hinologista americano, escreveu com humor:

 

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Conclusão

O fracasso dos véus e o poder do Evangelho

 

Enquanto A lei nos atrai a uma vida de duplicidade e máscaras, o Evangelho confronta diretamente a vida e artifícios. Como estudamos, colocamos máscaras para esconder defeitos, pecados e nosso lado ruim. Queremos que vejam apenas o nosso lado bonito ou aquela parte que todos irão gostar. Mas infelizmente esta atitude não corresponde ao que realmente somos. 

 

O Evangelho denuncia e revela quem realmente somos. Diante de Deus somos convidados a tirar nossa roupagem, revelar o nosso verdadeiro eu e ainda assim entendermos que somos aceitos por Deus, apesar do nosso fracassado currículo. Não precisamos de “máscaras” para compensar complexos de inferioridade. Paulo afirma que “temos um tesouro em vasos de barro.” O tesouro que temos é Cristo, o vaso de barro somos nós, muitas vezes quebrados, com rachaduras, mas que podem ser restaurados pelo oleiro maravilhoso.

 

O evangelho não é sobre nós, nossa performance e eficiência e o que podemos fazer. O evangelho é sobre Cristo, o que ele fez na cruz, seu sacrifício, sua obra. A solução para nossos artifícios são a verdade e a sinceridade. Máscara é uma moleta, uma mentira e contra a mentira, só cabe a verdade. O Senhor sabe como verdadeiramente somos, agimos e o adoramos, e conhece o nosso íntimo. Deus não nos criou para vivermos com máscaras que escondem a verdade de quem somos.

 

É com sinceridade, confissão e arrependimento, que vamos caminhando para a luz. É neste sentido que a palavra de Deus afirma: “Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.” (3 Co 3.18). Esta liberdade da culpa, da condenação, de manter aparência, de fingir que somos o que não somos. Na cruz descobrimos o grande amor do Pai, amor incondicional, que nos trata como filhos amados nós que somos rebeldes.

 

O filho pródigo não encontrou liberdade longe do pai e da casa do Pai. Ele sabia quem ele era, reconheceu sua culpa e pecado e foi assim que encontrou verdadeira liberdade: “Pequei contra os céus e diante de ti, já não sou digno de ser chamado teu filho, trata-me como um dos teus trabalhadores.” Ele não tem nada a esconder, e nada de bom a apresentar, pois o Pai sabe quem ele é; ele não precisa se justificar, nem encontrar bode expiatórios; ele não precisa de subterfúgio para se defender, ele não tem defesas. Mas para sua surpresa, na confissão, arrependimento, ao retornar para o pai, como alguém que não tem como se justificar, ele é restaurado, readmitido, tratado e curado.

 

É isto que o Evangelho fez com nossas vidas. Nada temos a dar a Deus exceto nossa confissão aberta e sincera. Caminhamos em direção à cruz para receber o poder que emana da cruz. Nos quebrantamos diante dele, para que ele nos capacite com seu Espírito Santo. Mas ao mesmo tempo que nos apresentamos assim, indefesos, mas ao mesmo tempo admirados por sua graça e amor incondicional, nos descobrimos como filhos perdoados, redimidos, resgatados. Esta é a obra do evangelho.

 

Somos transformados pelo seu amor, e pela compreensão da sua imensurável graça. Aleluia!

 

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Série. Educando Filhos no Sec. XXI: Licão 6: Principios de Mentoria Espiritual

 



COMO PASSAR O BASTÃO?

 

Antes de completarmos a visão sobre a comunicação necessária e urgente da mensagem às próximas gerações, gostaria de considerar a metodologia, ou o como, transmitir tais verdades de forma eficiente para a geração que ai se encontra presente.

 

James Houston define mentoria como um “exercício de vida simples e de amizade cristã”. Tem por princípio o relacionamento com o outro, por isto requer a capacidade de compartilhar a vida. Exige sensibilidade para entender o modo de Deus agir. Mentor não é treinador, por isto não possui atitude de superioridade, autoritarismo e domínio, mas é alguém que decide compartilhar a vida de Cristo aos outros.

Para ele, três princípios devem caminhar e orientar a mentoria:

 

GENEROSIDADE

&

SOLIDARIEDADE

&

GRATIDÃO

 

Se você observar bem, vai perceber que se parecem com os três princípios apontados por Nouwen nas páginas anteriores. A vida de Jesus reproduzida em nós, vai gerar outras vidas em Cristo, a partir de nós. Modelos espirituais serão vivenciados na caminhada de fé e na inspiração da geração que surge depois de nós.

 

Para isto, ele sugere três caminhos:

 

  1. Responder com relevância às questões desta geração – Não é fácil viver num contexto no qual somos constantemente avaliados e questionados, onde nossas atitudes, valores, conceitos são sempre julgados e criticados. Era assim nos dias dos apóstolos e certamente não é muito diferente em nossos dias.

 

Pedro afirma: “Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3.15). A coerência moral resulta de uma vida santificada: “santificai a Cristo, como Senhor”, e fundamenta-se em consistência intelectual “razão da esperança”.  Surge a necessidade de uma mente lúcida, já que fé sem razão torna-se fé superficial. Razão e fé são aliadas, não inimigas.

 

Isto tem a ver com a apologética cristã. A palavra “responder”, usada aqui neste texto vem de “apologia”. Todas as cartas tinham por objetivo “responder” às críticas vindas de dentro e fora da igreja.

 

Nossa apologética precisa ser considerada, porque a herança que a comunidade evangélica tem recebido nestes últimos tempos, nem sempre tem sido tão positiva:

 

A.   Nem sempre levou-se em consideração o fato de que o cristianismo perdeu sua hegemonia - Numa sociedade plural, onde surgem múltiplos, variados, e complexos sistemas filosóficos e teológicos para explicar a origem e fim da raça humana, respostas a partir do cristianismo se tornam esvaziadas, temos que encontrar, a partir da sua visão secularizada e plural, respostas que possam “destruir fortalezas; anulando nós, sofismas, e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2 Co 10.4-5).

 

B.    Muitas vezes, ao invés de apelar para a razão, procurava-se exorcizar os pensamentos antagônicos à fé cristã, expulsando os demônios dos hereges, ou adotando uma estratégia de guerrilha – Não se buscava entender os fundamentos filosóficos de tais pensamentos, mas olhava-se o mundo com critica, julgamento e superioridade moral, espiritual e se possível fora, filosófica. Perdeu-se o mandato cultura. Quem pensa com categorias evolucionistas é tratado como pagão, espíritas são vistos como endemoniados, e marxistas acusados de satanismo. Ora, este foi o mesmo raciocínio da santa inquisição, que acusava àqueles que tinham pensamentos antagônicos de serem inimigos de Deus, e por isto, deveriam ser destruídos e queimados na fogueira.

 

C.    Concentrou boa parte de sua apologética naquilo que era periférico, e não no que era fundamental – Discutia-se formas litúrgicas, questiúnculas teológicas, a localização da arca de Noé, a falta de um dia no sistema solar por causa da oração de Josué. Adotou-se uma estratégia cultural e filosoficamente rural, ignorando as mudanças na forma de pensar e nas categorias pós-modernas de reflexão e discussão.

 

D.   Foi desonesta em muitas de suas afirmações – Pregadores eletrônicos davam profecias da carne, faziam asseverações que não apenas contrariavam o bom senso, mas acima de tudo, feriam as verdades do Evangelho. Prometeu-se o que Deus nunca prometeu, falou, em nome de Deus, quando Deus nunca havia dito. Transformou profecias em profetadas, e fundamentou sua teologia em experiências esotéricas e muitas vezes mais aproximadas de um desequilíbrio mental do que propriamente de qualquer evidencia de relacionamento com  Deus. Isto tem gerado ceticismo e críticas pesadas contra o cristianismo, porque não apenas falta um mínimo de coerência epistemológica, bem como soa falso em muitas de suas articulações.

 

 

Como responder às novas gerações?

 

O movimento que tem sido chamado de Pós-modernidade apresenta algumas características muito marcantes, entre elas, o Misticismo, o subjetivismo, o relativismo, a mobilidade, a pluralidade, a mobilidade, a despersonalização, a alienação e o isolamento. Para responder de forma relevante a esta geração com o conteúdo do Evangelho, relacionamento se torna um elemento essencial.

 

  1. A mensagem precisa passar pelos afetos. Oferecer uma perspectiva de fé que atinja o coração desta geração – Só a fé, mesclada com a experiência relacional, pode oferecer o contexto no qual os mistérios poderão ser apresentados e vivenciados, entre eles o mistério da criação, redenção e Trindade.

 

Não se trata de um relacionamento escolástico e cartesiano para ensinar a fé como ciência exata, mas oferecer ambiente onde possamos trabalhar de forma afetiva os problemas que nos rodeiam. Nossa cura está nos relacionamentos, e é neste contexto de vivência/espiritualidade, que a verdade do Evangelho floresce.

 

Um saber distanciado dos afetos, como mera informação e apresentação de conteúdo, não impressiona a nova geração. O caminho precisa ser o caminho da paternidade, através da generosidade, doação e misericórdia. Seus filho crerão quando a comunicação do evangelho for capaz de atingir os afetos.

 

  1. A mensagem precisa ser relevante. Concentrar no que é essencial, não periférico – Com facilidade nos perdemos nas discussões de detalhes teológicos, sem compreender a fotografia geral. Boa parte do que se discute nos seminários onde atualmente os futuros pastores são formados, ainda que necessário como conteúdo de fé, não são relevantes para esta geração.

 

O conteúdo deveria ser suprimido? Certamente que não, mas é necessário que ele sofra uma adaptabilidade tal que se torne relevante para aquele que ouve.

 

Creio que John R. W. Stott define bem esta questão ao afirmar que os conservadores têm conteúdo, sem relevância, enquanto os liberais possuem relevância sem conteúdo. Stott afirma que o pregador é um construtor de pontes, que tenta ligar o conteúdo bíblico, que foi manifestado por Deus a um povo específico, num tempo e cultura específicos e traduzir esta mensagem do Séc. I para o Séc. XXI.

 

Por não estarmos atentos a este aspecto, não raramente nos perdemos em questões absolutamente epidérmicas, enquanto temas que são relevantes para esta geração como corrupção, miséria, pobreza, bioética, família, são colocados e lado. Precisamos nos perguntar em quais áreas a igreja e sua discussão teológica deveria se fundamentar. Quais os grandes temas que, embora bíblicos, tem sido esquecido pela nossa abordagem?

 

A discussão em torno da ecologia, infelizmente, tornou-se escravizada pelas ONGs pagãs e esotéricas, por grupos ambientalistas, com visão panteísta de Deus, quando nenhum outro grupo deveria defender tanto esta questão quanto a Igreja de Cristo. Por não sermos capazes de aprofundar estas temáticas que dizem respeito a esta geração, perdemos a capacidade de comunicar, com relevância a esta geração.

 

Não raramente nos perdemos em discussões absolutamente culturais, transformando-as em temas essenciais da teologia, discutimos forma de culto sem considerarmos ambientação, sem aprofundarmos uma leitura da inculturação (ou aculturação) missiológica. 

 

Podemos discutir questões que nunca foram relevantes, porque são meramente transitórias e culturais, quando deveríamos estar refletindo as grandes tensões que palpitam em nossa sociedade e que podem ser definidas a partir das Escrituras.

 

  1. A mensagem precisa ser coerente. Evidenciar de forma concreta, nossa ortodoxia através da prática –

 

As pessoas não querem saber o que cremos. Para a geração pós-moderna, isto parece questão de foro íntimo, relativizado na sua essência e subjetivado na sua origem, mas está ansiosa em perceber como a nossa fé nos ajudar a lidar com as questões concretas do dia a dia como nossas questões familiares, sexualidade, família, finanças, desemprego, pressões, etc. Esta geração não está muito interessada em saber de nossas convicções, mas tem observado de forma atenta, em que estamos nos tornando.

 

Por causa do experiencialismo, uma das características da pós modernidade, o que autentica o ser não é o que creio (razão), mas o que vivencio (coração). A questão não é mais descartiana, que diz: “ergo, logo sum” (penso, logo existo), mas é experiencial (sinto, logo existo). Se você me perguntar se existe algo errado nesta forma de perceber a vida, obviamente tenho muitas críticas ao modelo vigente, mas por não ignorar a forma de aproximação desta geração, quero descobrir formas de comunicar o evangelho de tal forma que isto faça sentido às suas estruturas de pensamento, e à maneira como enxergam a vida.

 

A partir de onde se encontram, quero articular a Palavra da Verdade, “que podem nos tornar sábios para a salvação”.

 

  1. Aprender que antes de tentar convencer as pessoas, precisamos ter o compromisso de amá-las.

 

Não mudamos as pessoas! Mas na medida em que as amamos, podemos perceber a dimensão de transformação que passam a experimentar.

 

Mais do que nunca, o que transforma as pessoas é a experiência de serem amadas incondicionalmente. No processo de caminhar, aprofundar amizades, dividir a vida, as novas gerações vão encontrando suporte para conhecerem o Deus a quem amamos. Desta forma a graça de Deus é comunicada às novas gerações.

 

Conclusão

 

Estamos numa corrida de revezamento. “O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais,não o encobriremos a seus filhos” (Sl 78.3-6).

 

Somos convidados a servir a nossa própria geração, como fez Davi (At 13.38). Deus não nos chamou para servir à geração anterior, nem à posterior, mas a esta geração. Uma das formas mais eficientes e poderosas é transmitindo a esta geração o conteúdo da fé que recebemos.

 

Estejamos atentos para que, neste processo de transmissão, o bastão seja colocado na próxima geração de forma precisa, na hora certa, sem vacilar, para que a corrida continue. Temos muitas testemunhas a nos rodear, que vieram antes de nós e nos pavimentaram o caminho (Hb 12.1-4), mas temos uma nova geração surgindo, e que precisa aprender a conhecer o Deus de nossos pais, e de nossa história, para que a mensagem do Evangelho não se perca em algum lugar qualquer da nossa vida.

 

Transmitir o Evangelho mentoriando os filhos é o grande desafio que temos.

 

Como estamos neste processo desafiador de comunicar o Evangelho da graça de Deus aos filhos que estão ai, e de forma tão eficiente que esta mensagem continue até a volta de Jesus?

 

 

  Nouwen, Henry - A volta do filho pródigo, São Paulo, Ed. Paulinas, 1996

Série. Educando Filhos no Séc XXI Lição 5: Mentoria Espiritual


 

 

 

Introdução

 

A vida cristã pode ser comparada a uma corrida de revezamento 4 x 100. Assim como a influência dos pais sobre os filhos.

 

- Só leva o prêmio a equipe que estiver bem-preparada para transmitir na hora certa o bastão. Não se espera que o corredor faça os 400 metros sozinho. A corrida é do time.

 

 

- O bastão tem que ser passado sem que a corrida acabe. Em movimento.

 

-Deve ser feito sincronizadamente. Um corredor deve estar sintonizado com o corredor anterior. No momento em que o bastão está sendo entregue, o corredor anterior ainda corre paralelo, mas quando o se passa o bastão, lentamente o corredor vai saindo do cenário e os holofotes se voltam para aquele que agora tem a responsabilidade de continuar a competição.

 

- Existe um curto intervalo de tempo para se conseguir realizar o feito

 

- Você não pode deixar o bastão cair. A transmissão deve ser feita de forma segura e precisa.

 

- Não pode ser entregue antes do tempo

 

- Não pode ser entregue depois do tempo.

 

- O bastão não pode cair

 

O povo de Israel sempre recebeu esta instrução de Deus. Os filhos deveriam receber o bastão, deveriam ser mentoreados e aos poucos deveriam assumir a posição dos pais quanto à responsabilidade de transmitir a fé para a próxima geração.

 

EO povo de Israel sempre aprendeu isto. Eis o famoso Shemah hebraico:

 

Ouve, Israel , o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.

Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma

e de toda a tua força.

Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração;

tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa,

e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te”

(Dt 6.4-7).

 

A exortação da Palavra de Deus é muito clara: O conteúdo da revelação precisa ser transmitido às novas gerações. Os filhos precisam aprender as verdades de Deus, e, por sua vez, transmitir também a seus filhos. A obra de Deus não termina em nós, mas continua nas gerações que estão vindo depois de nós.

 

Por isto, Deus fez um pacto generacional[1] com Abraão que tinha alguns aspectos estabelecidos:

 

  • É um pacto ligado às gerações. Uma geração contará a outra geração este pacto feito com Deus (Sl 78.1-8; 145.3).

 

  • A transmissão do pacto incluía os descendentes (Gn 12.1,2; 17.3-7).

 

  • A fé judaica envolvia um aspecto corporativo: A salvação é pessoal, mas Deus não nos trata apenas como indivíduo. Ele vê nossa família na dimensão pactual. Somos uma comunidade marcada pela aliança. (Ex 19.3-16).

 

·      O pacto tinha um sinal (Gn 17.11-14) e é muito significativo considerar que ele era realizado no órgão da procriação com a circuncisão. As gerações seriam consagradas a Deus e pertenciam à comunidade da aliança (Rm 11.16).

 

Nem sempre a igreja de Cristo é cuidadosa com seus filhos. Com a mentalidade individualista que herdamos do iluminismo francês, a tendência é de esquecermos deste aspecto corporativo do pacto que Deus faz com seu povo. O pacto não era apenas com Abraão, antes incluía os seus descendentes. Por nos esquecermos desta doutrina tão importante, o resultado nos descuidamos também de educá-los e deixamos de ver nossos filhos como herança bendita do Senhor. A extensão do pacto vai de geração a geração.

 

Certo presbítero de uma igreja no litoral Sul de São Paulo afirmou que se em sua igreja, apenas os filhos tivessem permanecido nela, e não tivesse acrescentado nenhuma outra pessoa à comunhão da igreja por evangelização, ela seria 2 vezes maior do que era naqueles dias.

 

O que leva os nossos filhos a se afastarem da comunhão da igreja?

 

Dois fatores devem ser seriamente considerados:

 

1.     Liderança comunitária inescrupulosa – Em geral, pastores e líderes infiéis geram muito descrédito em relação ao conteúdo do evangelho para a nova geração.

 

Quando pastores caem, ou lidam de forma infiel com os recursos da igreja, manipulam ou tiranizam suas igrejas, a juventude passa a desacreditar do conteúdo da mensagem que é pregada. Centenas de jovens tem se desviado da igreja por causa de pastores e lideranças autoritárias, contraditórios, emocionalmente instáveis, que manipulam o sagrado, comercializam e mercantilizam a palavra.

 

2.     Pais cínicos quanto à fé professada – Outro aspecto que leva ao descrédito da mensagem é a superficialidade da fé que os filhos veem dentro de seus lares.

 

Quando a religião se torna algo meramente institucional, e Deus não é experimentado na vivência comunitária, nas relações de compromisso, afeto e amor, e as pessoas se comportam apenas como “membros de uma determinada comunidade” e não verdadeiros discípulos de Cristo, a fé se torna superficial e hipócrita, e gera descrédito em relação à verdade do Evangelho.

 

O Salmo 78 nos fala da importância de transmitirmos a Fé de nossos pais, às futuras gerações, e estabelece alguns princípios:

 

Como pais, devemos transmitir o que

recebemos às gerações futuras

 

Não apenas aprendermos, mas transmitirmos o que recebermos.

 

O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não o encobriremos a seus filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do Senhor, e o seu poder, e as maravilhas que fez. Ele estabelecer um testemunho em Jacó, e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos, a fim de que uma nova geração os conhecesse, filhos que ainda hão de nascer se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes”. (Sl 78.3-6).

 

Henry Nouwen no livro “A volta do filho pródigo[2]”, reflete sobre a Parábola do Filho pródigo, ressaltando que ele via nesta narrativa de Cristo, uma jornada espiritual, uma espécie de espelho para nossas almas, e que devemos sair da posição de filho e caminhar em direção à paternidade, já que o pai é o centro do acontecimento.

 

“O chamado é para que eu mesmo me torne o Pai. Por muito tempo vivi com a convicção de que voltar à casa do meu Pai seria o chamado final... Há um outro chamado. É o apelo para que me torne o pai que acolhe e deseja festejar. Tendo recuperado a minha filiação, tenho agora de reivindicar a paternidade (p.129) (...) Minha vocação final é realmente me tornar como o Pai e exercer no meu dia-a-dia sua divina compaixão... É um passo difícil e solitário a ser dado, mas é essencial à realização da jornada espiritual... (p.132). Por que falar tanto em ser filho quando a verdadeira questão é: “Você quer ser como o pai?” ... Será que desejo ser não somente aquele que está sendo perdoado, mas também aquele que perdoa; não somente aquele que é bem-vindo, mas aquele que acolhe; não unicamente aquele que é tratado com compaixão, mas aquele que tem compaixão? (p. 133).

 

Ele continua:

 

“Tendo vivido meu papel de filho plenamente, chegou a hora de ultrapassar todas as barreiras e confessar a verdade que tudo o que desejo é me transformar no velho à minha frente. Não posso permanecer criança para sempre, não posso continuar usando meu pai como uma desculpa para a minha vida. Tenho que ousar estender minhas próprias mãos numa benção e receber meus filhos com toda a compaixão, não importa o que eles sintam ou pensem a meu respeito; uma vez que tornar-me o Pai misericordioso é o objetivo final da vida espiritual” (p. 135) ... “À medida que passam meus anos de vida, descubro como é difícil e complicado, mas também compensador, crescer nessa paternidade espiritual... paternidade espiritual não tem nada a ver com poder ou controle. É uma paternidade de misericórdia...o pai do filho pródigo não se preocupa com ele mesmo...seus filhos são sua única preocupação” (pg 137).

 

Mais adiante afirma:

 

“O... caminho para se tornar como o Pai é o da generosidade. O Pai não somente dá a seu filho tudo o que pede, mas também o cumula de presentes na sua volta. E para seu filho mais velho diz: ´tudo o que é meu é teu´. Não há nada que o pai reserve para si mesmo. Ele se doa em profusão a seus filhos...Todas as vezes que dou um passo em direção à generosidade, sei que estou me movendo do medo para o amor” (Pg 144).

 

Quando refleti sobre estas desafiadoras palavras, me pergunteu: Em que sentido sou confrontado com estas verdades e como posso responder a estas verdades tão profundas e desafiadoras?

 

Pastoreio uma igreja de pessoas com uma formação sólida, tanto bíblica quanto intelectual. Lamentavelmente, porém, vejo que muitos tem se recusado a serem pais: querem continuar patologicamente sendo filhos, ora rebeldes (que brigam com o pai, saem de casa, desentendem, querem fazer do seu jeito, rompem com o sistema, etc), amargurados (estão sempre na igreja, mas com uma vida sem prazer, sem alegria, rabugentos, enfezados, emburrados, mau humorados, etc).

 

Somos chamados a transmitir o que recebemos de Deus às novas gerações. Nosso grande projeto é a paternidade, que para Nouwen tem qualidades essenciais:

 

 

GENEROSIDADE

&

MISERICÓRDIA

&

CELEBRAÇÃO

 

Será que poderíamos caminhar um pouco mais para a paternidade?

 

Nossos filhos, nossos jovens e nossos netos precisam de paternidade. O Salmo 78 nos exorta a não encobrir aquilo que ouvimos e recebemos, mas comunicar às vindouras gerações, os louvores do Senhor, o seu poder e suas maravilhas.

 

É nossa responsabilidade transmitir o Evangelho às vindouras gerações. Estamos na corrida de revezamento. Alguns nos deram o bastão, passando-o com firmeza. Como estamos transmitindo a fé cristã à nova geração?

 

Historicamente falando, uma comunidade pode perder seu impacto de uma geração para a outra. Os grandes avivamentos americanos se deram nos séculos XVII-XIX. Até os idos de 1890, muitos missionários americanos foram enviados ao redor do mundo, e isto prosseguiu ainda por um bom tempo. Na virada do Século XIX, porém, o liberalismo teológico, com a crítica das formas da Escola Alemã e a desmitologização da Bíblia com a teologia de Bulltmann e Von Rad, invadiu os seminários evangélicos, e a teologia liberal passou a dominar o pensamento dos futuros pastores. primeiramente nas escolas européias, posteriormente nas americanas, e o Evangelho sofreu uma grande perda de sentido.

 

Saindo do Seminário para as igrejas, estes novos pastores, que não conheceram a fé simples que veio de seus pais e receberam outro evangelho (Gl 1.6-8) de seus professores, foram enfraquecidos em sua fé e em poucos anos, as igrejas começaram a ter grandes perdas, e uma geração pós-cristã surgiu, com resultados catastróficos. Hoje, centenas de igrejas fecharam suas portas, o vigor missionário desapareceu, o conteúdo do evangelho foi sacrificado no contexto da neo-ortodoxia e liberalismo teológico, e as igrejas não mais conseguiam sobreviver. Isto nos mostra que basta uma geração para que igrejas, que hoje amam a palavra de Deus, tenha famílias compromissadas com o Evangelho, percam o poder de impacto. Para que nossos filhos parem de correr nesta corrida de revezamento, basta que não recebam na hora certa, da forma certa e no compasso certo, a transmissão do bastão.

 

Como esta geração está recebendo o Evangelho?

Qual o nosso legado?

Como deixar uma herança de fé e transmitir a vida de Deus aos nossos filhos, convencidos de que nossos netos também receberão a mensagem que lhes foi comunicada?

 

A Igreja de hoje está muito infantilizada. Todos querendo ser filhos, mas ninguém querendo a paternidade, se recusando a crescer, sofrendo nanismo cristão e sem maturidade afetiva. Querem ser filhos sempre. Síndrome de Peter Pan. Gostaria de convidar estas pessoas a assumirem o lugar no qual Deus espera que, como seus discípulos estejamos exercendo as funções de mentoria e cuidado que foram dados por Deus, como conciliadores, promotores de alegria e celebração.

 

Somos convidados a passar o bastão, a convidar o filho mau humorado a dançar, a ensiná-lo a celebrar, a ser liberal com seus recursos, a aprender a ser generoso com os bens, a cuidar da geração que está se espelhando em nós.

 

É necessário reavaliar nossa função à luz da Palavra de Deus. Em que sentido a figura do pai na parábola do filho pródigo, nos desafia?

 

Como a vida de Saul, um pai desequilibrado, violento, paranoico e manipulativo contrasta com a deste pai contada por Jesus na parábola?

 

Qual modelo nos inspira? Como gostaríamos que filhos e netos, futura geração, se lembrasse de nós? Como um pai que promove alegria e gera graça, ou como alguém que perturba sua família e sua geração?

 

Quem aceita o convite para se tornar pai?

 

O que a próxima geração

precisa conhecer?

 

O Salmo 78 revela o conteúdo do que precisa ser ministrado aos filhos para que estes por sua vez ensinem aos seus filhos e netos.

 

“Contaremos à vindoura geração os louvores do Senhor, e o seu poder,

e as maravilhas que fez. Ele estabelecer um testemunho em Jacó, e instituiu uma lei em Israel ,

e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos”

(Sl 78.4-5).

 

Há dois aspectos que precisam ser realçados neste texto:

 

A.    Deus não é um poder frio, silencioso e distante, mas é real e se move entre nós

 

“Contaremos à vindoura geração, os louvores do Senhor, o seu poder e as maravilhas que fez.” (Sl 78.4)

 

Como os judeus sustentavam a fé de seus filhos? Relatando os feitos do Senhor na história do povo de Israel. Desta forma os filhos sabiam que Deus se revelou historicamente entre eles. Deus não era uma idéia, mas alguém presente. Ele se moveu entre o seu povo, ele visitou seus pais, chamando de forma pessoal a Abraão, realizando milagres na vida de Sara, abrindo o Mar Vermelho, agindo com mão forte. Deus não era abstrato, mas concreto. Quando o povo relatava aos filhos as intervenções poderosas de Deus entre eles, a fé era gerada, estimulada e aquecida.

 

Assim como entre o povo judeu, somos convidados a compartilhar a realidade de um Deus que se move na história, chamados a relatar aos nossos filhos os feitos de Deus nos dias de hoje. É fundamental lembrar as maravilhas que Deus tem feito, para que nossa fé seja firmada. Deus precisa deixar de ser algo meramente institucional e se tornar uma realidade vital para nossa história, doutra forma, como nossos filhos serão encorajados na fé?

 

O que precisamos dizer aos filhos que os leve à compreensão da realidade de Deus?

 

Nas atas das reuniões do Conselho, sempre registramos as decisões da liderança da igreja. Este é um documento importante na história que sempre é guardado com cuidado para que as futuras gerações tenham acesso às informações e decisões que hoje a igreja está tomando.

 

Recentemente me ocorreu que, além do registro das deliberações administrativas, mais importante seria, a longo prazo, que registrássemos os atos da intervenção de Deus na vida da igreja, de tal forma que as futuras gerações, pudessem ficar impressionadas ao descobrir que Deus, em nossos dias, visitou esta igreja de forma maravilhosa.

 

Não foi exatamente isto que motivou os escritos do Antigo e Novo Testamentos? Por que Deus pedia para que a história do povo judeu fosse registrada? Para que as futuras gerações pudessem perceber o rastro de Deus no meio do seu povo e construísse sua história a partir da intervenção de Deus entre eles. Não temos no Antigo Testamento apenas relatos de um grupo étnico vivendo durante muito tempo como nômade no deserto, antes vemos a história de Deus na história daquele povo. Os relatos revelam um Deus se movendo de forma supra histórica no meio do seu povo.

O livro de Atos dos Apóstolos não são meros registros históricos do que aconteceu à igreja, mas acima de tudo são registros da intervenção de Deus agindo no meio da Igreja, de tal forma que alguém afirmou que o livro de Atos deveria ter um nome diferente, a saber, “Atos do Espírito Santo”, tal é a forma como a presença do Espírito Santo se revela no mesmo.

 

  1. Deus revelou sua Palavra ao seu povo“Ele estabeleceu um testemunho em Jacó e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos” (Sl 78.4-5).

 

Outro conteúdo a ser comunicado é de que Deus se revelou a nós através de sua palavra. Temos a lei e o testemunho escrito de Deus entre nós. Precisamos ensinar esta lei aos filhos e neto. Somos o povo que segue a Palavra de Deus, que é suficiente e não precisa ser atualizada para satisfazer os anseios da atual geração. Sua palavra é vida, inerrante, autoritativa e inspirada, totalmente, pelo Espírito Santo.

 

Ao instituir a lei em Israel, Deus queria que os filhos do seu povo, que ainda nasceriam, não se esquecessem da sua intervenção na história.

 

O que é o relato de Gênesis, senão uma tentativa de resgatar a história e trazer uma identidade a um povo que vinha de um longo período de escravidão no Egito, onde toda sua cultura, herança e, acima de tudo, teve sua identidade destruída pelo pensamento pagão e egípcio. O povo passou 400 anos no deserto, longe de Deus, distante das revelações que Deus havia dado aos patriarcas. Ao registrar as narrativas bíblicas, Moisés resgata a herança e identidade do povo judeu. A partir dali puderam construir uma cosmovisão que incluía o fato de um Deus agindo na criação, na história, e, de forma peculiar, no meio de um povo que escolheu para si, para ser testemunho de seu louvor e glória.

 

Devemos nos concentrar na transmissão

da mensagem de Deus, a longo prazo

 

Corremos o risco de achar que nosso cuidado deve ser apenas para nossos filhos, sem considerar que Deus tem olhos muito além desta geração imediata. Ele está mirando gerações vindouras. Nossos atos hoje, refletirão em toda uma geração que ainda está por vir.

 

Ele... ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos,

a fim de que uma nova geração os conhecesse, filhos que ainda hão de nascer

se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes”. (Sl 78.4-5).

 

A Bíblia demonstra que atitudes dos pais se reflete a longo prazo. Pensem, por um instante, na história dos midianitas e moabitas.

 

Este povo tem sua origem num incesto de Ló com suas duas filhas, que conceberam Moabe e Amom (Gn 19.37-38). Quando o povo de Deus entrou na terra de Canaã, estes povos foram obrigados a se conservar nos limites orientais do deserto (Nm 21.24; Dt 2.37). Estes dois povos se associaram para subornarem o profeta Balaão e amaldiçoar os israelitas (Dt 23.3-6). As filhas deste povo tinham péssima reputação moral e quando Balaão quis ferir espiritualmente o povo de Israel, depois de suas fracassadas tentativas de amaldiçoá-lo, ele orientaou Balaque a contratar suas mulheres para se prostituirem com os filhos de Israel, resultando na maldição de Baal Peor, no qual 24 mil homens morreram de praga (Nm 25.1,5,9; 31.16).

 

Disto se conclui que a infidelidade dos pais vai se refletindo nas gerações seguintes, a menos que Jesus quebre esta maldição, trazendo-nos para debaixo da cruz, já que a cruz faz nova todas as coisas (2 Co 5.16).

 

A Bíblia afirma que “o homem de bem deixa herança aos filhos de seus filhos” (Pv 13.22). O texto se refere especificamente a herança material, mas é natural entendermos que a grande herança que deixamos para nossos filhos é a herança de uma fé viva e genuína, que não encerra seu capítulo em nós, mas alcança nossos filhos, netos e bisnetos.

 

O Salmo 78 nos diz que Deus ordenou a nossos pais, que transmitissem sua lei a seus filhos, “a fim de que uma nova geração os conhecesse, filhos que ainda hão de nascer se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes”. (Sl 78.5-6). Deus não está interessado apenas nesta geração à qual servimos, mas em muitas outras gerações que ainda virão e que precisam conhecer os testemunhos e a lei do Deus de Israel.

 

Existe uma doutrina em teologia sistemática chamada de solidariedade da raça. Ela afirma que estamos identificados de forma espiritual com a raça humana. A Bíblia diz que “por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porquanto todos pecaram” (Rm 5.12). Todos os homens participaram “em Adão”, do pecado original e sofrem os efeitos do pecado de Adao. Por semelhante modo, a vida eterna nos é dada por meio de Jesus, porque nele, “fomos justificados” (Rm 5.15). Cristo corresponde a Adão no sentido antitético: Adão foi o autor da morte para todos e Cristo foi o autor da vida para aqueles se identificam com sua morte. Adão representa a raça humana inteira, assim como Jesus nos representa diante do Pai.

 

Pecados individuais têm a capacidade de afetar a família, não apenas na primeira geração, mas se prolongar por gerações inteiras, como foi no caso do incesto de Ló. Decisões pessoais de hoje, baseadas nos princípios de Deus, repercutirão por gerações. “O que fazemos hoje, ecoa pela eternidade”. Por isto que o pecado tem o poder de penetrar em filhos que ainda hão de nascer.

 

Considere um homem que consome todos os seus bens e heranças recebidas com atitudes inconseqüentes e levianas. Sua atitude desregrada vai causar perdas, empobrecimento e dores nas próximas gerações. Considere ainda o texto citado acima de Pv 13.22 que nos ensina: “o homem de bem deixa herança aos filhos de seus filhos”. Na primeira situação, a atitude daquele homem empobreceu sua família, na segunda, abençoou filhos e netos.

 

Quando a mensagem do Evangelho penetra de forma eficaz em nossa vida, filhos e netos serão abençoados por nortearmos nossas vidas por princípios de Deus. Gerações inteiras serão abençoadas quando os pais vivem sua vida com a perspectiva das coisas de Deus. Por outro lado, gerações inteiras têm adoecido por falta de conversão genuína de seus pais, que vivem um cristianismo superficial.

 

Minha avó se converteu lendo um Novo Testamento que fora roubado de uma antiga congregação da igreja cristã do véu no povoado de Santa Rita do Mutum-MG, leste de Minas Gerais.  Os ladrões entraram no templo para roubar um velho relógio, e como não o acharam, roubaram aquela Bíblia e que foi dada à minha avó nunca tivera acesso a qualquer texto da palavra de Deus, embora fosse religiosa. A Palavra de Deus não era acessível às pessoas naquele tempo. A leitura sistemática da Bíblia mudou sua vida, e ela entregou seu coração a Jesus. Muitos de seus filhos foram criados na orientação cristã, e as verdades do Evangelho que receberam, mas muitos filhos mantiveram-se na orientação das Escrituras, e hoje, os seus bisnetos e trinetos estão sendo beneficiados por seu encontro com as verdades do Evangelho naquela ocasião.

 

Como pais, devemos nos concentrar na transmissão da mensagem de Deus, não apenas a curto prazo, mas também a longo prazo. Os nossos atos hoje, refletirão em toda uma geração que ainda está por vir. Que provisões estamos fazendo para que nossos trinetos possam discernir Deus nas suas vidas?

 

Isto tem implicações também no mandato cultural que Deus nos deu. Obediência aos princípios de Deus trazem implicações maravilhosas para o futuro de nosso planeta. O descaso com que tratamos a natureza, a devastação das florestas, a poluição dos rios e do ar, a ética perniciosa, a fé superficial, relacionamentos desamorosos, a corrupção dos e desvios de recursos públicos terão efeito cascata no futuro de nossa sociedade.

 

Estamos numa corrida de revezamento 4 x 100.

Como estamos passando o bastão?


Para ouvir a mensagem:
https://www.youtube.com/watch?v=l3N3-RtZvh0&list=PLR9PRkKupu-i8T0yZDtn1G3ESS8lvCvAq&index=5


 



1)     Hunt. Susan – A graça que vem do lar, Casa de Cultura Cristã, São Paulo, 2002.

 

 

[2] Nouwen, Henry - A volta do filho pródigo, São Paulo, Ed. Paulinas, 1996