COMO PASSAR O BASTÃO?
Antes de completarmos a visão sobre a comunicação necessária e urgente da mensagem às próximas gerações, gostaria de considerar a metodologia, ou o como, transmitir tais verdades de forma eficiente para a geração que ai se encontra presente.
James Houston define mentoria como um “exercício de vida simples e de amizade cristã”. Tem por princípio o relacionamento com o outro, por isto requer a capacidade de compartilhar a vida. Exige sensibilidade para entender o modo de Deus agir. Mentor não é treinador, por isto não possui atitude de superioridade, autoritarismo e domínio, mas é alguém que decide compartilhar a vida de Cristo aos outros.
Para ele, três princípios devem caminhar e orientar a mentoria:
GENEROSIDADE
&
SOLIDARIEDADE
&
GRATIDÃO
Se você observar bem, vai perceber que se parecem com os três princípios apontados por Nouwen nas páginas anteriores. A vida de Jesus reproduzida em nós, vai gerar outras vidas em Cristo, a partir de nós. Modelos espirituais serão vivenciados na caminhada de fé e na inspiração da geração que surge depois de nós.
Para isto, ele sugere três caminhos:
- Responder com relevância às questões desta geração – Não é fácil viver num contexto no qual somos constantemente avaliados e questionados, onde nossas atitudes, valores, conceitos são sempre julgados e criticados. Era assim nos dias dos apóstolos e certamente não é muito diferente em nossos dias.
Pedro afirma: “Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3.15). A coerência moral resulta de uma vida santificada: “santificai a Cristo, como Senhor”, e fundamenta-se em consistência intelectual “razão da esperança”. Surge a necessidade de uma mente lúcida, já que fé sem razão torna-se fé superficial. Razão e fé são aliadas, não inimigas.
Isto tem a ver com a apologética cristã. A palavra “responder”, usada aqui neste texto vem de “apologia”. Todas as cartas tinham por objetivo “responder” às críticas vindas de dentro e fora da igreja.
Nossa apologética precisa ser considerada, porque a herança que a comunidade evangélica tem recebido nestes últimos tempos, nem sempre tem sido tão positiva:
A. Nem sempre levou-se em consideração o fato de que o cristianismo perdeu sua hegemonia - Numa sociedade plural, onde surgem múltiplos, variados, e complexos sistemas filosóficos e teológicos para explicar a origem e fim da raça humana, respostas a partir do cristianismo se tornam esvaziadas, temos que encontrar, a partir da sua visão secularizada e plural, respostas que possam “destruir fortalezas; anulando nós, sofismas, e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2 Co 10.4-5).
B. Muitas vezes, ao invés de apelar para a razão, procurava-se exorcizar os pensamentos antagônicos à fé cristã, expulsando os demônios dos hereges, ou adotando uma estratégia de guerrilha – Não se buscava entender os fundamentos filosóficos de tais pensamentos, mas olhava-se o mundo com critica, julgamento e superioridade moral, espiritual e se possível fora, filosófica. Perdeu-se o mandato cultura. Quem pensa com categorias evolucionistas é tratado como pagão, espíritas são vistos como endemoniados, e marxistas acusados de satanismo. Ora, este foi o mesmo raciocínio da santa inquisição, que acusava àqueles que tinham pensamentos antagônicos de serem inimigos de Deus, e por isto, deveriam ser destruídos e queimados na fogueira.
C. Concentrou boa parte de sua apologética naquilo que era periférico, e não no que era fundamental – Discutia-se formas litúrgicas, questiúnculas teológicas, a localização da arca de Noé, a falta de um dia no sistema solar por causa da oração de Josué. Adotou-se uma estratégia cultural e filosoficamente rural, ignorando as mudanças na forma de pensar e nas categorias pós-modernas de reflexão e discussão.
D. Foi desonesta em muitas de suas afirmações – Pregadores eletrônicos davam profecias da carne, faziam asseverações que não apenas contrariavam o bom senso, mas acima de tudo, feriam as verdades do Evangelho. Prometeu-se o que Deus nunca prometeu, falou, em nome de Deus, quando Deus nunca havia dito. Transformou profecias em profetadas, e fundamentou sua teologia em experiências esotéricas e muitas vezes mais aproximadas de um desequilíbrio mental do que propriamente de qualquer evidencia de relacionamento com Deus. Isto tem gerado ceticismo e críticas pesadas contra o cristianismo, porque não apenas falta um mínimo de coerência epistemológica, bem como soa falso em muitas de suas articulações.
Como responder às novas gerações?
O movimento que tem sido chamado de Pós-modernidade apresenta algumas características muito marcantes, entre elas, o Misticismo, o subjetivismo, o relativismo, a mobilidade, a pluralidade, a mobilidade, a despersonalização, a alienação e o isolamento. Para responder de forma relevante a esta geração com o conteúdo do Evangelho, relacionamento se torna um elemento essencial.
- A mensagem precisa passar pelos afetos. Oferecer uma perspectiva de fé que atinja o coração desta geração – Só a fé, mesclada com a experiência relacional, pode oferecer o contexto no qual os mistérios poderão ser apresentados e vivenciados, entre eles o mistério da criação, redenção e Trindade.
Não se trata de um relacionamento escolástico e cartesiano para ensinar a fé como ciência exata, mas oferecer ambiente onde possamos trabalhar de forma afetiva os problemas que nos rodeiam. Nossa cura está nos relacionamentos, e é neste contexto de vivência/espiritualidade, que a verdade do Evangelho floresce.
Um saber distanciado dos afetos, como mera informação e apresentação de conteúdo, não impressiona a nova geração. O caminho precisa ser o caminho da paternidade, através da generosidade, doação e misericórdia. Seus filho crerão quando a comunicação do evangelho for capaz de atingir os afetos.
- A mensagem precisa ser relevante. Concentrar no que é essencial, não periférico – Com facilidade nos perdemos nas discussões de detalhes teológicos, sem compreender a fotografia geral. Boa parte do que se discute nos seminários onde atualmente os futuros pastores são formados, ainda que necessário como conteúdo de fé, não são relevantes para esta geração.
O conteúdo deveria ser suprimido? Certamente que não, mas é necessário que ele sofra uma adaptabilidade tal que se torne relevante para aquele que ouve.
Creio que John R. W. Stott define bem esta questão ao afirmar que os conservadores têm conteúdo, sem relevância, enquanto os liberais possuem relevância sem conteúdo. Stott afirma que o pregador é um construtor de pontes, que tenta ligar o conteúdo bíblico, que foi manifestado por Deus a um povo específico, num tempo e cultura específicos e traduzir esta mensagem do Séc. I para o Séc. XXI.
Por não estarmos atentos a este aspecto, não raramente nos perdemos em questões absolutamente epidérmicas, enquanto temas que são relevantes para esta geração como corrupção, miséria, pobreza, bioética, família, são colocados e lado. Precisamos nos perguntar em quais áreas a igreja e sua discussão teológica deveria se fundamentar. Quais os grandes temas que, embora bíblicos, tem sido esquecido pela nossa abordagem?
A discussão em torno da ecologia, infelizmente, tornou-se escravizada pelas ONGs pagãs e esotéricas, por grupos ambientalistas, com visão panteísta de Deus, quando nenhum outro grupo deveria defender tanto esta questão quanto a Igreja de Cristo. Por não sermos capazes de aprofundar estas temáticas que dizem respeito a esta geração, perdemos a capacidade de comunicar, com relevância a esta geração.
Não raramente nos perdemos em discussões absolutamente culturais, transformando-as em temas essenciais da teologia, discutimos forma de culto sem considerarmos ambientação, sem aprofundarmos uma leitura da inculturação (ou aculturação) missiológica.
Podemos discutir questões que nunca foram relevantes, porque são meramente transitórias e culturais, quando deveríamos estar refletindo as grandes tensões que palpitam em nossa sociedade e que podem ser definidas a partir das Escrituras.
- A mensagem precisa ser coerente. Evidenciar de forma concreta, nossa ortodoxia através da prática –
As pessoas não querem saber o que cremos. Para a geração pós-moderna, isto parece questão de foro íntimo, relativizado na sua essência e subjetivado na sua origem, mas está ansiosa em perceber como a nossa fé nos ajudar a lidar com as questões concretas do dia a dia como nossas questões familiares, sexualidade, família, finanças, desemprego, pressões, etc. Esta geração não está muito interessada em saber de nossas convicções, mas tem observado de forma atenta, em que estamos nos tornando.
Por causa do experiencialismo, uma das características da pós modernidade, o que autentica o ser não é o que creio (razão), mas o que vivencio (coração). A questão não é mais descartiana, que diz: “ergo, logo sum” (penso, logo existo), mas é experiencial (sinto, logo existo). Se você me perguntar se existe algo errado nesta forma de perceber a vida, obviamente tenho muitas críticas ao modelo vigente, mas por não ignorar a forma de aproximação desta geração, quero descobrir formas de comunicar o evangelho de tal forma que isto faça sentido às suas estruturas de pensamento, e à maneira como enxergam a vida.
A partir de onde se encontram, quero articular a Palavra da Verdade, “que podem nos tornar sábios para a salvação”.
- Aprender que antes de tentar convencer as pessoas, precisamos ter o compromisso de amá-las.
Não mudamos as pessoas! Mas na medida em que as amamos, podemos perceber a dimensão de transformação que passam a experimentar.
Mais do que nunca, o que transforma as pessoas é a experiência de serem amadas incondicionalmente. No processo de caminhar, aprofundar amizades, dividir a vida, as novas gerações vão encontrando suporte para conhecerem o Deus a quem amamos. Desta forma a graça de Deus é comunicada às novas gerações.
Conclusão
Estamos numa corrida de revezamento. “O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais,não o encobriremos a seus filhos” (Sl 78.3-6).
Somos convidados a servir a nossa própria geração, como fez Davi (At 13.38). Deus não nos chamou para servir à geração anterior, nem à posterior, mas a esta geração. Uma das formas mais eficientes e poderosas é transmitindo a esta geração o conteúdo da fé que recebemos.
Estejamos atentos para que, neste processo de transmissão, o bastão seja colocado na próxima geração de forma precisa, na hora certa, sem vacilar, para que a corrida continue. Temos muitas testemunhas a nos rodear, que vieram antes de nós e nos pavimentaram o caminho (Hb 12.1-4), mas temos uma nova geração surgindo, e que precisa aprender a conhecer o Deus de nossos pais, e de nossa história, para que a mensagem do Evangelho não se perca em algum lugar qualquer da nossa vida.
Transmitir o Evangelho mentoriando os filhos é o grande desafio que temos.
Como estamos neste processo desafiador de comunicar o Evangelho da graça de Deus aos filhos que estão ai, e de forma tão eficiente que esta mensagem continue até a volta de Jesus?
Nouwen, Henry - A volta do filho pródigo, São Paulo, Ed. Paulinas, 1996
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