terça-feira, 29 de novembro de 2022

2 Co 3.12-18 Máscaras espirituais

 


 

 

Máscaras espirituais

2 Co 3.12-18

 

 

Introdução

 

Um dos casos mais trágicos do movimento evangélico contemporâneo foi o do PTL, chamada de "Igreja Eletrônica" nos EUA. Jimmy Swaggart, um pastor carismático, extremamente moralista, que com sua posição firme denunciou outro conhecido televangelista, Jim Baxter, por imoralidade. O programa televisivo de Swaggart atraia milhares de pessoas e impactou inúmeras pessoas. Infelizmente, foi pego em flagrante dentro de um motel com uma prostituta e seu ministério, caiu em desgraça.

 

Ao falar deste assunto, não tenho qualquer intenção de denegrir a figura de outro pastor. Mas faço esta afirmação com temor e reverência, pois a Bíblia nos adverte: “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia.” (1 Co 10.12). Faço isto para nossa própria advertência. A duplicidade e a mentira têm pernas curtas e levam a derrocada moral e à destruição.

 

Narração

 

Este texto nos revela um grande líder sendo desmascarado. Seu nome: Moisés. Sem dúvida um grande homem de Deus. Aqui ficamos sabendo de algo que o Antigo Testamento não menciona. Ao descer do monte, depois de passar quarenta dias com o Senhor, Moisés estava envolvido por um brilho tão imenso, que os filhos de Israel não podiam fitá-lo. Isto o obrigou a usar véu para conversar com o povo. Com o passar dos dias, o brilho acabou, mas Moisés continuou com o véu, para que os filhos de Israel continuassem pensando que o seu rosto ainda brilhava.

 

Por que fez isto? Certamente para que os filhos de Israel continuassem admirando sua espiritualidade. Todas as vezes que as pessoas olhavam para Moisés, nas suas aparições públicas, elas o viam com véu, e comentavam entre si sobre a aura de santidade que estava sobre o coração de seu líder. Moisés gostou daquele status espiritual. Ele não queria que os israelitas descobrissem que seu brilho havia desaparecido. Então, fez o que milhões de pessoas fazem: Colocou um véu! Não deixou que ninguém visse o que se passava no seu interior. Ele queria ser reconhecido como alguém sobre quem a glória de Deus estava presente.

 

A mesma realidade ocorre hoje. Podemos ter véus sobre as formas mais variadas, mas que na essência são a mesma coisa. Representam uma imagem ou fachada que queremos mostrar aos outros, e por trás da qual ocultamos nossa verdadeira imagem. Quem somos nós? Qual a nossa verdadeira identidade?

 

Os véus possuem diferentes tonalidades e formas. Eis alguns destes véus:

 

1.     Véu do orgulho espiritual - Foi o que Moisés usou. É o véu que não admite fracasso, não pode confessar pecado, não expressa vulnerabilidade.

 

Nos aconselhamentos espirituais, fazemos perguntas para orientar a conversa, e algumas respostas envolvem questões relacionadas à fé e as convicções. Quando pergunto alguma coisa teológica, as pessoas dão a resposta espiritualmente correta e em seguida costumo dizer: “Muito bem, esta é a resposta que esperava ouvir de você. Mas agora, não me dê a resposta política e teologicamente correta, mas me diga o que realmente você está sentindo, e como está seu coração.” E então, a resposta pode ser oposta à interior. Ela muitas vezes é carregada de ansiedade, dúvida, tristeza e raiva contra Deus e contra a vida. Eu sou bem sensível a isto, porque sei que a resposta inicial é uma defesa natural, mas ela é, sem dúvida alguma, uma forma de mascarar o problema.  É o que chamamos em psicologia de “cortina de fumaça”. Para sermos libertos, entretanto, precisamos ir um pouco mais fundo. O véu do orgulho espiritual se torna uma grande barreira para chegarmos ao âmago do coração e com arrependimento e confissão sermos restaurados por Deus.

 

A nossa incapacidade espiritual de manter uma vida coerente com o Senhor nos leva a falsa ideia de que podemos sustentar nossa vida por representações. Fingindo ser o que não somos, declarando o que não sentimos e não admitindo honestamente o que está acontecendo com a nossa vida. Quando nossa vida caminha nesta direção, não precisamos de maquiagem, e sim de cirurgia. Estamos fascinados pelas máscaras e véus espirituais.

 

As máscaras criam em nós uma hipocrisia nem sempre consciente:

            Pregamos o que não praticamos,

                        oramos por coisa que não cremos,

                                   afirmamos o que não sentimos,

                                               professamos com a boca o que negamos no coração.

 

mas não nos capacitam à confissão e ao quebrantamento para que o véu seja retirado. Tememos ou rejeitamos o encontro com aquele que nos confronta. Vivemos dominados pelo orgulho espiritual e felizes porque as pessoas pensam que somos alguém superior espiritualmente quando não somos.

 

O desejo por reputação pode ser perigoso para nossas vidas, porque no afã de manter a reputação, famílias tem sacrificado a consciência, se tornado co-dependentes, acobertado pecados, porque precisam manter uma boa imagem diante dos homens, mesmo com sacrifício da verdade. Alguém afirmou que “reputação é o que pensam de você. Caráter é o que você realmente é. Reputação é o que dizem de você no dia do funeral, caráter é aquilo que os anjos dirão sobre você no tribunal de Deus.”

 

2.     Véu da Duplicidade – São os véus da aparência, ainda que tão inocentes são criados para satisfação do nosso ego e por isto utilizamos formas inteligentes de preservá-lo, um destes é a duplicidade de nomenclaturas, ou seja, dar nomes bonitos a coisas feias que fazemos:

 

§  Orgulho, chamamos de valor pessoal

§  Preconceito, chamamos de convicções fortes.

§  Desamor, dizemos que é ortodoxia;

§  Emocionalismo, confundimos com espiritualidade

§  Falta de educação e grosseria, afirmamos que é sinceridade

§  Presunção, é confundida com respeito próprio;

§  Vaidade com cuidado pessoal.

 

Os cristãos têm muita tendência para colocar certos tipos de véu, principalmente aqueles que tem formas de virtudes cristãs. São Jerônimo advertia: "Cuidado com o orgulho da humildade". A nossa turma do seminário de Campinas, SP, fez uma confraternização na qual cada um dos colegas recebeu uma medalha engraçada: “O mais aplicado”, “o mais crente”, “o mais esperto”, “o melhor jogador”. Um recebeu o título de “o mais humilde”. Depois disto, um colega brincalhão se levantou e disse: “Precisamos retirar a medalha da humildade porque o irmão a pendurou no pescoço!”  Quando começamos a usar medalha de humildade, alguma coisa perigosa pode estar acontecendo conosco. Há muitos com “orgulho da sua humildade.”

 

Dar nomes bonitos a coisas feias que praticamos, é um grave problema. Muitos distorcem seus pecados, dando-lhes uma nomenclatura bonita. Tome cuidado! Trate seu pecado como pecado. Não arranje nomes sofisticados para pecados grosseiros que você usa.

 

3.     Justiça própria - A pessoa toma certo padrão bíblico de conduta, e orgulha-se da capacidade de observá-los exteriormente, embora não o faça no coração.

 

Este era o cerne do problema dos fariseus e Jesus tratou com dureza este tipo de comportamento. Em várias parábolas ele advertiu contra este grande risco no coração dos religiosos de seu tempo. Ele chegou mesmo a afirmar que prostitutas e publicanos entrariam no reino dos céus antes deles.

 

A justiça própria é inimiga do evangelho. Ela nos faz olhar para nossas virtudes e nos orgulharmos delas. O problema é que, quanto mais você olha para o que você faz, mais fica mais autocentrado e cheio de si, e olha menos para a cruz de Cristo. Pessoas admiradas consigo mesmo não se admiram da cruz.

 

Muitos se sentem vaidosos, porque fixam num ponto de conduta, ignorando outras áreas de vida em que há "fraquezas" e acusam aqueles que não fazem o que eles fazem. Reagimos instintivamente a esta máscara, sempre que algum fracasso ou fraqueza nossa é exposta, somos tentados a dizer: “Posso ter essa fraqueza, mas pelo menos não faço isto ou aquilo.” É véu da justiça própria. O tradicionalismo e o legalismo se adaptam perfeitamente neste ponto.

 

4.     Véu da excessiva sensibilidade ou susceptibilidade - Pessoas susceptíveis se magoam facilmente com palavras ou atos dos outros. Precisamos tratá-los com extremo cuidado para que não se ofendam, passam por agonias de espírito e tendem a ficar mergulhados num mar de autopiedade, horas a fios, até mesmo dias.

 

Qual a explicação que encontram? "A desconsideração", "a rudeza", dos outros, mas na verdade é a forma pessoal de protestarem por não receberem a atenção e importância de que se julgam merecedoras. Tenho muita dificuldade de trabalhar com pessoas hipersensíveis, porque já aprendi que “hipersensibilidade é sinal de egoísmo.” E esta máscara é muito atraente e constantemente utilizada nos círculos cristãos.

 

Esta é a máscara da “fragilidade”, do tipo “não me toque”, supersensível, que exige tratamento especial. Muitas vezes age assim para não ter uma avaliação severa dos amigos, colegas e familiares. Esta máscara, assim como as demais, não nos ajuda a crescer em maturidade, arrependimento, perdão e graça.

 

5.     Espírito impaciente – Outra máscara que pode encobrir profundos problemas em nossos corações e encobrir aquilo que somos realmente.

 

Muitas vezes a impaciência é uma forma de sugerir importância ou operosidade. Frequentemente aparece sob a forma de zelo ou dedicação, mas na verdade, pode ser uma tentativa de fuga de autoanálise ou de reflexão, pode esconder um coração machucado e ferido, ainda não tratado por Deus. Então, trabalhar excessivamente e desejar resultado a todo custo, pode encobrir o coração triste e sem paz. Passamos a idolatrar estatísticas e números.

 

A impaciência pode nos levar a enrugar a testa e responder com rispidez, escondendo um profundo sentimento de inferioridade ou insegurança, mas ao mesmo tempo querendo provar a todos, através de uma agenda intensa de atividades e sem capacidade de descanso, o quanto ele é importante e espiritual.

 

Nem mesmo Deus trabalhou sem descansar. Será que ele realmente estava cansado depois do seu ato criador e por isto resolveu descansar, ou fez o sábado para nos ensinar que é preciso repor as energias e sossegar a alma?

 

6.     Autojustificação. Também revela atitude semelhante. São pessoas que não toleram ser mal compreendidas e estão sempre se explicando, na verdade estão afirmando o seguinte: "eu sempre faço as coisas de forma correta. Você não vê como faço bem as coisas? Quão diligente eu sou?”

 

Autojustificação é a necessidade de constantemente tentar explicar e justificar atitudes, ações e comportamentos. Ela é usada como pretexto para não encarar e admitir, o verdadeiro problema. A racionalização é um derivado da autojustificação. Este hábito está muito relacionado ao perfeccionismo.

 

Faz parte de nossa natureza pecaminosa tentar fazer algo para merecer, de forma particular, a salvação. Contudo, nossa justiça deriva da justiça de Cristo, mas muitas vezes é difícil para corações orgulhosos entenderem ou apreciarem a obra de cristo. Só em Cristo podemos conhecer a verdadeira justiça, o perdão do pecado através da graça, seu amor e aceitação incondicionais. Por causa da cruz de Cristo, podemos enfrentar o pecado e trazê-lo para a cruz, ao invés de tentar de alguma forma provar a Deus que somos bons o suficiente para convencê-lo a nos amar. Jesus é a nossa justiça. O Evangelho nos liberta do anseio constante de nossa alma pecadora de receber aprovação dos homens para satisfazer nosso anseio de elogio e reconhecimento.

 

7.     O véu da frieza, indiferença e distanciamento.

 

Este é outro modelo sofisticado de máscaras que usamos. Lançamos mão do distanciamento que brota do medo da rejeição, do temor de que nos conheçam exatamente como somos. Às vezes afirmamos que somos reservados ou tímidos, e nos distanciamos com a falsa ideia de que para sermos aceitos ou amados, precisamos parecer perfeitos ou bem-sucedidos.

           

O Evangelho quer nos livrar deste tipo de atitude. Se reconhecermos nosso fracasso e nossa incapacidade dependeremos de Deus e não nos tornaremos escravos da performance e da eficiência. Quando nos sentirmos tentados pelo diabo diremos como John Wesley fez ao ser acusado por dúvidas e tentações: “Satanás, eu sou bem pior do que você afirma, mas Jesus me aceitou de forma incondicional, já e perdoou de todos os meus pecados e me deu a graça de ser seu filho amado.”

 

John Fisher, hinologista americano, escreveu com humor:

 

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Conclusão

O fracasso dos véus e o poder do Evangelho

 

Enquanto A lei nos atrai a uma vida de duplicidade e máscaras, o Evangelho confronta diretamente a vida e artifícios. Como estudamos, colocamos máscaras para esconder defeitos, pecados e nosso lado ruim. Queremos que vejam apenas o nosso lado bonito ou aquela parte que todos irão gostar. Mas infelizmente esta atitude não corresponde ao que realmente somos. 

 

O Evangelho denuncia e revela quem realmente somos. Diante de Deus somos convidados a tirar nossa roupagem, revelar o nosso verdadeiro eu e ainda assim entendermos que somos aceitos por Deus, apesar do nosso fracassado currículo. Não precisamos de “máscaras” para compensar complexos de inferioridade. Paulo afirma que “temos um tesouro em vasos de barro.” O tesouro que temos é Cristo, o vaso de barro somos nós, muitas vezes quebrados, com rachaduras, mas que podem ser restaurados pelo oleiro maravilhoso.

 

O evangelho não é sobre nós, nossa performance e eficiência e o que podemos fazer. O evangelho é sobre Cristo, o que ele fez na cruz, seu sacrifício, sua obra. A solução para nossos artifícios são a verdade e a sinceridade. Máscara é uma moleta, uma mentira e contra a mentira, só cabe a verdade. O Senhor sabe como verdadeiramente somos, agimos e o adoramos, e conhece o nosso íntimo. Deus não nos criou para vivermos com máscaras que escondem a verdade de quem somos.

 

É com sinceridade, confissão e arrependimento, que vamos caminhando para a luz. É neste sentido que a palavra de Deus afirma: “Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.” (3 Co 3.18). Esta liberdade da culpa, da condenação, de manter aparência, de fingir que somos o que não somos. Na cruz descobrimos o grande amor do Pai, amor incondicional, que nos trata como filhos amados nós que somos rebeldes.

 

O filho pródigo não encontrou liberdade longe do pai e da casa do Pai. Ele sabia quem ele era, reconheceu sua culpa e pecado e foi assim que encontrou verdadeira liberdade: “Pequei contra os céus e diante de ti, já não sou digno de ser chamado teu filho, trata-me como um dos teus trabalhadores.” Ele não tem nada a esconder, e nada de bom a apresentar, pois o Pai sabe quem ele é; ele não precisa se justificar, nem encontrar bode expiatórios; ele não precisa de subterfúgio para se defender, ele não tem defesas. Mas para sua surpresa, na confissão, arrependimento, ao retornar para o pai, como alguém que não tem como se justificar, ele é restaurado, readmitido, tratado e curado.

 

É isto que o Evangelho fez com nossas vidas. Nada temos a dar a Deus exceto nossa confissão aberta e sincera. Caminhamos em direção à cruz para receber o poder que emana da cruz. Nos quebrantamos diante dele, para que ele nos capacite com seu Espírito Santo. Mas ao mesmo tempo que nos apresentamos assim, indefesos, mas ao mesmo tempo admirados por sua graça e amor incondicional, nos descobrimos como filhos perdoados, redimidos, resgatados. Esta é a obra do evangelho.

 

Somos transformados pelo seu amor, e pela compreensão da sua imensurável graça. Aleluia!

 

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