domingo, 4 de dezembro de 2022

2 Co 3.12-18 A tragédia das Máscaras

 



 

 

 

 

Introdução

 

No capítulo 2, Paulo estabelece a diferença entre a Antiga e a Nova Aliança. Ele mostra que existem diferenças no material, na fonte, na intensidade e nos resultados. A Lei tem certo brilho, mas é desvanecente e temporário. É diferente da graça. Por causa do seu brilho temporário, Moisés se viu tentado a colocar véu sobre seu rosto, para que os filhos de Israel não percebessem que o brilho havia passado. A atitude de Moisés revela como a hipocrisia facilmente atrai aqueles que insistem em viver sob a lei e possui grande poder de atração na vida dos líderes espirituais. 

 

O problema com os véus, porém, é que eles trazem efeitos colaterais. Moisés, era um homem de Deus, com um grande ministério e um grande currículo espiritual, mas ainda assim foi atraído pelo fascinante mundo das máscaras espirituais, e sua atitude trouxe graves e irreversíveis danos espirituais para o povo de Israel. Paulo mostra que os véus geraram problemas sérios. São as contraindicações. Uma vida de máscara e de artifícios traz complicadas consequências.

 

1.     Perda de ousadia e da autoridade. “Tendo, pois, tal esperança, servimo-nos de muita ousadia no falar.” (2 Co 3.12) 

 

O ministério da Nova Aliança é espiritualmente ousado. Esta ousadia vem pelo testemunho do Espírito e pela autoridade espiritual que é concedida aos filhos de Deus, por meio do Espírito Santo. Quando se vive debaixo dos disfarces, das máscaras e dos véus, é difícil falar das coisas de espirituais, por causa da falta de autoridade. É necessário integridade, e “integridade não é um acessório da vida do cristão, antes a própria essência. A integridade envolve o coração, a mente e a vontade.” (W.Wiersbe) A pessoa íntegra, não dividida (duplicidade), nem fingida (inteira), tem autoridade espiritual.

 

A vida de Davi nos ajuda a clarificar isto. Após o adultério com Bathseba, sua vida se tornou um inferno. Ele tenta encobrir, justificar-se, cria álibis, subterfúgios, usa mecanismos artificiais e perversos para manter o carisma de homem de Deus e rei. Se fosse preciso matar para manter a reputação e aparência ele faria, como de fato fez, tudo para manter as aparências.  Entretanto, ele perdeu sua autoridade moral e espiritual dentro de casa. Sentiu-se espiritualmente desautorizado. Sua família ficou entregue a si mesma, sem referência ética e sem correção. Davi perdeu sua autoridade.

 

Seu filho Amnom estupra a própria irmã Tamar, e ele não se manifesta. Seu filho Absalão se vinga dois anos depois matando seu irmão pelo que fez, e Davi não consegue fazer muita coisa. Posteriormente Absalão toma o trono, e ele, um homem sempre resolvido e decidido, agora foge, acuado e com dificuldade de agir. O pecado tira a autoridade espiritual e moral. Assim acontece com todos aqueles que estão condenados por sua própria consciência.

 

Outro exemplo foi o de um pastor que estava vivendo uma vida atravessada que ao  se deparar com um possesso de espírito maligno, não teve coragem de confrontar o espírito maligno, porque não me sentiu preparado.

 

O uso de máscaras retira o poder de impacto do Evangelho. Não é fácil perceber a vida de duplicidade, nem identificar os usuários do véu, mas é perceptível a ausência de espiritual moral. Apesar de todo povo de Israel não saber o que estava acontecendo com o rosto de Moisés, ele sabia. Este é o estilo de vida de uma pessoa que usa máscaras. Sua autoridade interior se perde e ele procura manter as aparências. Pregar sem unção, ministrar sem autoridade, exercer disciplina sem coerência é um desastre. Muitos se tornam autoritários, sem autoridade; fazem muito e produzem pouco. A vida de mentira e duplicidade tira a autoridade.

 

2.     Embotamento dos sentidos Mas os sentidos deles se embotaram. Pois até o dia de hoje, quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado que, em Cristo, é removido.” (2 Co 3.14)

 

O que a Bíblia afirma é assustador. Por causa da atitude de Moisés o povo de Israel mesmo depois de mais de mil anos ainda tinha dificuldade em entender o Evangelho. Paulo responsabiliza Moisés pela cegueira do povo. “Mas até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles.” (2 Co 3.15) Os filhos de Israel tiveram, por séculos, seus sentidos embotados. O que ele fez trouxe implicações espirituais sobre o povo que teve dificuldade de compreender o Evangelho e Paulo afirma que isto tinha a ver com a atitude pecaminosa deste grande líder. Sua forma de viver dificultou a percepção das verdades do Evangelho nos judeus.

 

Em outras palavras, a cultura de duplicidade e máscaras, endureceu o coração das gerações subsequentes. A incapacidade de autenticidade de uma liderança, obscurece o poder do Evangelho, ofusca seu brilho, faz com que os sentidos daqueles que ouvem sejam endurecidos.

 

A religiosidade triunfalista e farisaica não poupa a igreja de escândalos, antes a torna cínica e embrutecida. A ausência de coerência cristã, de choro pelos pecados, gera dureza e dificuldade nos corações e leva as pessoas a encontrarem dificuldade para assimilar o Evangelho, além de retirar o poder de impacto da graça de Deus. Por que as pessoas não se convertem? Alguns frequentam a igreja anos a fio, ouvem a verdade sendo ortodoxamente pregado, mas não se convertem e isto muitas vezes está relacionado a duplicidade e perda de autoridade da igreja. Certamente o caminho da confissão, admissão de pecados, arrependimento e quebrantamento são essenciais para a clareza do Evangelho no coração do pecador. O evangelho só será assimilado quando o véu for retirado.

 

Confissão é o caminho da cura, não as máscaras. Tiago afirma: “confessai os vossos pecados uns aos outros para serdes curados.” Se a confissão não curar nada, pelo menos cura a hipocrisia e cara-de-pau. A vida de duplicidade, pecado e desonestidade tornam-se graves empecilhos para que a mensagem de Deus alcance os corações. A visão honesta deixa entrar luz, enquanto a visão dupla - dois senhores, dois comportamentos, duas faces - cria trevas, e pior ainda, Jesus nos adverte que a pessoa sem integridade realmente pensa que as trevas são luz!  "Portanto, se a luz que há em ti são trevas, quão grandes trevas serão.

 

3.  Dificuldade de remover o véu. Mas, até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles.” (2 Co 3.15).

 

Este é outro efeito colateral do véu, da vida de hipocrisia e mentira. A NVI afirma que por causa da atitude de Moisés “o véu cobriu os seus corações.”  A atitude de Moisés trouxe obscurecimento espiritual ao povo de Israel que encontrava dificuldade de romper com o estilo de vida de sombras e máscaras e enxergar a luz de Cristo. A vida de aparência tornou-se a realidade do povo de Israel: “O véu está posto”. Esta afirmação bíblica dá ideia de algo quase impossível de mudar. Revela uma condição definitiva de um estilo de vida que mantém o rosto encoberto. Paulo afirma que isto aconteceu por causa da atitude de Moisés.

 

Quando a vida não é transparente e vive-se de aparências, lentamente a pessoa incorpora o véu na sua vida de tal forma que torna-se intrínseca do seu cotidiano, no seu caráter, e no seu ser. Até mesmo ao ler a Bíblia torna-se difícil retirar princípios espirituais para a vida, enxergar a verdade e ser transformado. Apenas quando a hipocrisia é desmascarada, torna-se possível compreender a verdade cristalina e profunda da mensagem de Cristo. O evangelho perde o efeito de transformação na alma humana quando o véu ainda está presente.

 

As máscaras geram um forte senso de proteção: “Não vamos ser descobertos, não vamos ter que passar pela dor e sofrimento da confissão.” As máscaras não dão espaço para a vulnerabilidade. A confissão é dramática…implica em dor, denúncia e renúncia.

 

Só o Evangelho tem o poder de denunciar nossa condição de pecadores. O Espírito Santo nos convence do “pecado, da justiça e do juízo.” O Espírito Santo convence, destrói as defesas e fortalezas do autoengano, da hipocrisia e mentira. Quando a luz de Cristo penetra em nossos corações, somos denunciados quanto à nossa luxúria, avareza, depravação, orgulho. Uma das características dos avivamentos históricos é que as pessoas passavam a ter uma profunda consciência do pecado e compreendiam a natureza dramática de sua vida, e o arrependimento vinha como consequência da luz de Cristo penetrando nos seus porões secretos e escuros. O Evangelho denuncia nossa completa e absoluta depravação, e revela o fracasso humano, quebrando o círculo de negação e máscara. O evangelho revela as sombras, ilumina as trevas. Traz à tona as teias de aranha que acobertam motivações secretas do velho baú da justiça própria. A lei revela o pecado, mostra o fracasso, mas não tem poder de libertar do fascínio da máscara e dos véus. A lei nos torna hipócritas, enquanto a graça confronta e cura, traz luminosidade ao coração.

 

O Evangelho aponta para a cruz, ponto máximo do fracasso humano, que só pode ser vencido quando alguém, inteiramente justo assumiu nosso lugar, sofrendo a vergonha pelos pecados que cometemos. Quanto mais perto estamos do Evangelho, mais claramente compreenderemos as implicações da depravação e do pecado. Precisamos de Jesus para desmascarar este ciclo de negação/acusação. O Evangelho nos autentica, nos torna verdadeiramente humanos. “Em Cristo, o véu é removido.”

 

4.  Prisão interior. “Ora, o Senhor é Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2 Co 3.17).

 

Este texto é quase sempre lido de forma equivocada pela igreja, e usado inadequadamente para justificar a liberdade de expressão litúrgica. Ora, o texto vai muitíssimo além disto. Na verdade, O apóstolo Paulo gasta um longo capítulo da Bíblia regulamentando a questão do culto público em 1 Co 14.26-42, mas neste texto não está falando de princípios litúrgicos, e sim de vida interior. O ponto central aqui é a libertação do coração. A vida com véu é uma prisão: a constante acusação do diabo, a perda da autoridade espiritual, o medo de ser pego e descoberto, a angustiante tentativa de ocultar o problema e o gasto de energia para sustentar as aparências. Uma vida de medo, culpa e acusação, não é uma vida de liberdade.

 

A admissão de pecados e a confissão podem dar vida, dar liberdade. Máscara é prisão.  A Bíblia afirma: “O homem carregado da culpa de outrem fugirá até a cova, ninguém o detenha.” (Pv 28.17) Pessoas presas por véus, vivem vida de tormento, andam fugindo, e viverão assim até a morte, atormentados por pesadelo e culpa. Deus quer dar libertação. “Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” (Jo 8.36) Culpa não confessada é véu. É tormento! Vida dupla é sofrimento, passamos a viver nas mãos de verdugos e carrascos.

 

Quando o Espírito vem, ele quebra as defesas, desmascara os sistemas e nos liberta da obsessão de ocultar e esconder. Nós pecamos, mas ao confessarmos e abandonamos, somos inteiramente livres pelo sangue de Cristo. Somos inteiramente culpados, mas inteiramente absolvidos.

 

Com máscaras, a vida não pode desabrochar, e a adoração se torna confusa, o máximo que se pode fazer são atos de formalismo religioso. Os seguidores de Moisés podiam se prender às cerimônias, aos ritos, mas não podiam encontrar a vida interior e profunda que brotava do evangelho.

 

A atitude de Moisés trouxe prisão interior. O povo judeu teve dificuldade de encontrar e experimentar a liberdade. Estavam presos! O Espírito Santo gera esta liberdade interior, mas isto não é possível sem que as máscaras sejam desfeitas.

 

 

George MacDonald afirma:

“Um homem pode afundar-se tão vagarosamente, que muito depois de ter-se tornado um demônio, pode ainda continuar a ser bom clérigo ou bom dissidente e considerar-se bom cristão. Pode participar de atividades comunitárias, mas tem dificuldade de participar de uma reunião de oração. São pessoas que vivem de cabeça erguida, mas não de corações partidos, vazias de calor espiritual."

 

5.  Limitação da ação do Espírito Santo. “Ora, o Senhor é Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.” (2 Co 3.17)

 

Estevão afirma que os líderes judaicos eram “de dura cerviz, incircuncisos de coração e de ouvidos e que sempre resistiam ao Espírito Santo.” (Jo 7.51) Criaram uma resistência tão grande que a obra de Deus não penetrava em suas vidas. Eles “resistiam” ao Espírito Santo. A tradução da Bíblia, The Message (Eugene Peterson), afirma: “Vocês deliberadamente ignoram o Espírito Santo como fizeram seus antepassados”.

 

A obsessão em mascarar, em representar, em dar a ideia de que somos aquilo que não somos, quebra o movimento mais profundo do Espírito em nós. Impede que o Espírito nos toque de forma transformadora. As amarras, a duplicidade, as máscaras, são sempre tentativas pessoais de não perdermos a aceitação da comunidade, de parecermos bem e bons. Queremos aplausos, aclamação pública, quando na verdade o que precisamos urgentemente é de um avivamento interior. Nova vida, novo poder.

 

Se isto não acontecer, podemos continuar frequentando a Igreja com os mais diferentes motivos, alguns deles até socialmente aceitos, mas perdemos a dimensão genuína da adoração. Viver em duplicidade gera resistência, oposição, e impede que o Espírito gere algo novo em nossa alma. Corremos o risco de apagar o Espírito. (1 Ts 5.18) Outra tradução usa a ideia de “extinguir o Espírito.”

 

Somente com o rosto desvendado e as máscaras retiradas podemos “ser transformados” segundo a glória de Cristo. A retirada dos véus abre o espaço para que o Espírito realize em nós o seu propósito, e nos leva a ter a imagem do rosto de Deus estampada em nós. Deus quer nos transformar pelo seu Espírito e a hipocrisia impede que esta obra maravilhosa opere em nossas vidas.

 

Quando reconhecemos nosso fracasso e desistimos de viver uma vida dupla o processo de cura e redenção começa a operar em nós eficazmente. Por isto é que o filho pródigo da parábola, estava mais perto da restauração do que o filho religioso que ficou em casa. Este filho, é cheio de razão e de justiça própria, mas vive uma vida miserável, seu coração é frio, distante, não consegue perdoar e censura o Pai pela sua misericórdia e bondade. Era um justo miserável. Ele não percebe que está perdido, e nem reconhece áreas de sua vida que precisam ser transformadas. O filho rebelde, contudo, se arrepende, confessa, reconhece seu fracasso, torna-se vulnerável e transparente. “Pequei contra os céus e diante de ti.” Não tinha nada a esconder, trazia o seu fracasso humano, esperando ser perdoando e recebido com misericórdia pelo pai depois de ter sido tão inconsequente e rebelde. É exatamente isto que o Evangelho pode fazer em nossa vida: restaurar, redimir, curar, libertar.

 

 

 

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