terça-feira, 31 de março de 2020

Jó 1.13-22 Muito além da dor

A cruz como já a participação de Jesus na Glória

Introdução:
O Livro de Jó desafia o pensamento humano. Não foram poucos os que tentaram decodificá-lo, entre eles William James, Carl Gustav Jung e outros autores de renome. Não sem razão, dos 700 sermões de Calvino, 159 foram baseados em Jó. Todos eles tentando explicar o mistério do sofrimento e da dor.

A.   Por que as pessoas sofrem?

B.    Por que Deus, sendo bom e poderoso, não evita a dor e permite que pessoas passem por tribulação.

C.    Por que Deus parece silencioso e frio em meio a situações provocativas?

D.   Por que Deus tantas vezes não nos responde quando mais precisamos?

A resposta a estas e tantas outras perguntas nunca é claramente respondida. O livro de Jó, entra também nesta categoria.

Algumas observações:

1.     Jó é um homem integro, reto e temente a Deus (Jó 1.1), e mesmo assim, isto não impede que ele passe por terríveis sofrimentos.

O livro de Jó é oposto ao triunfalismo religioso e à Teologia da Prosperidade que afirma que homens de Deus não passam por grandes dificuldades. Também se distancia da fórmula judaica que entende que “homens justos não sofrem”. O livro de Jó nos ensina que não podemos associar sofrimento a pecados. A Bíblia fala de sete fatores que geram sofrimento, mas apenas um destes fatores está associado ao pecado. O pecado pode sim, gerar sofrimento, mas não é a causa única do sofrimento.

A fórmula “se, se, então”, aparece algumas vezes nos lábios dos amigos de Jó (Jó 8.4-6; 11.13-15; 22.21-25), mas não é suficiente para equacionar a dor, e a  relação filosófica causa/efeito torna-se insuficiente. Deus mesmo há de censurá-los por semelhante leitura. “Voces não falaram de mim e de meu servo Jó, o que era reto”(Jó 42.7). Os amigos de Jó Eliu, Bildade, Elifaz e Zofar possuem respostas prontas e previamente estabelecidas para explicar a dor, mas a equação que usam não é correta.

O Livro de Jó rejeita as respostas simples à condição dos judeus no Holocausto, às vítimas de fome na África, aos cristãos em prisões marxistas e em países islâmicos, aos inocentes que são cruelmente massacrados por sistemas de governos cruéis,n ou à pestes e tragédias.  A tentativa de dizer que Deus recompensa os justos e livra os piedosos nem sempre é tão clara. 

Em tempos de tragédias e calamidades, é fácil afirmar que se trata de juízo de Deus, e dar explicações catastróficas à dor humana. Mas esta leitura é perigosa. Perguntaram a Jesus sobre o cego de nascença: “Quem pecou, este ou seus pais para nascer cego?” E Jesus respondeu:  “Nem este nem seus pais, mas é para que se manifeste nele a glória de Deus” (Jo 9.1-3). De alguma forma, o sofrimento não pode ser explicado, mas pode trazer glória à Deus.

2.     A Questão central não é o sofrimento em si, mas o dilema da fé.
Jó não consegue entender o porque do sofrimento, mas não tem para onde ir. Jó questiona os critérios de justiça de Deus, mas nunca sua soberania. Ele sabe que Deus governa sobre todos os eventos, por mais assustadores que sejam. Por isto afirma: “Sabei agora que Deus é quem me oprimiu e com sua rede me cercou...o meu caminho ele fechou e não posso passar” (Jó 19.6,8).

Num dado momento afirma: “Acaso é do homem que eu me queixo? Não tenho motivo de impacientar-me?” (Jó 21.4). Ele sabe que sem Deus não há para onde ir, mas Deus é quem está permitindo que venha toda dor sobre sua vida. Deus parece seu juiz e acusador.

Isto leva Philip Yancey a afirmar que a questão central do livro de Jó não é a dor, mas como interpretar a dor à luz do sofrimento. Isto é desafiador. A questão não é o que você enfrenta, mas como você interpreta os eventos da sua vida, afinal, o mesmo sol que derrete a cera endurece o barro. No meio de sofrimento muitos se apostatam da fé, e no meio do sofrimento, muitos se tornam gigantes na fé. Por esta razão existem tantos mártires. A dor não é o problema central, mas a fidelidade.

3.    Deus pode ser amado, quando não nos dá bençãos?

O livro de Jó possui uma batalha colossal sobre a questão da relação do homem com Deus. Satanás questiona a possibilidade de Deus ser amado sem dar algo aos homens. Ele insinua que as pessoas só se aproximam dEle por motivos egoístas. Por causa dos favores e bençãos. Mas, e se Deus retirar o favor, os homens ainda assim serão fieis e lhe darão louvores?

Encontramos aqui dois modelos de espiritualidade:
Uma espiritualidade que responde em fé a Deus, por causa dos benefícios que dele recebe. Se as coisas não andarem conforme o esperado, a fé não é validada. Nesta direção vamos encontrar os empiristas, os pragmáticos e a teologia da prosperidade.

A outra espiritualidade segue em direção diferente: Vamos crer que Deus e colocar nele nossa esperança e confiança, a despeito das circunstâncias, se são favoráveis ou não. Neste modelo, o adorador não corre atrás da benção de Deus, mas do Deus da benção. Ele não faz as coisas porque recebe de Deus, mas porque ama a Deus.

Estes dois modelos serão claramente representados no livro de Jó. Sua esposa desiste e o induz à blasfêmia: “Por que conservas ainda a tua fidelidade? Amaldiçoa a Deus e morra”. O que ela está sugerindo é que, se a benção não vem, não há motivo para seguir a Deus, e podemos desistir dele.

A resposta de Jó, segue em outra direção: “Temos recebido o bem do Senhor, não poderíamos também receber o mal? Deus deu, Deus tirou, bendito seja o nome do Senhor”. Esta adoração não está baseada nos benefícios nem na barganha, mas unicamente no relacionamento que é possível desenvolver com Deus apenas pelo amor.

A verdade é que Deus procura pessoas com fé autêntica e retruca a Satanás que ele poderia fazer o mal que ainda assim, Jó continuaria a lhe amar mesmo sem recompensas, saúde ou riquezas. Jó amava a Deus pelo que ele era, e não pelo que dele recebia.

Jó se nega a desistir de Deus. Ele prefere viver com o paradoxo, quando a fé parece impossível, que negar sua fé ou se apostatar, como sugeriu sua esposa (Jó 2.9). Nos momentos em que a fé parece impossível é exatamente quando mais precisamos dela.


4.     Deus não explica seus motivos.

Outro ponto interessante no livro de Jó é que Deus não responde aos “porquês” de Jó. Por sete vezes Jó questiona os motivos de Deus, mas este não responde a nenhum deles. Antes, coloca os olhos de Jó em outra questão mais importante. Deus lhe indaga por 42 vezes: “Quem”.

Yancey afirma:
“Ironicamente Deus entra na história como uma tempestade avassaladora ... mas evita completamente o tema do sofrimento”. Entre Jó 38-42 Parece que Deus está tentando levar Jó a colocar seus olhos na criação. As perguntas que Deus faz sobre “quem”, demonstram que ele queria demonstrar que, o fato de Jó ser tão limitado que não era capaz de responder as questões do universo física, como ele seria capaz de entender os mistérios e entender o universo moral. Jó parece entender isto posteriormente ao afirmar: “Na verdade falei do que não entendia, coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia” (Jó 42.3).

Aplicações:
Para refletir na sua vida pessoal, gostaria de dar quatro diretrizes:

Primeiro, precisamos nos silenciar diante do mistério de Deus e da dor

Jó fez muitas perguntas a Deus. Os amigos de Jó deram muitas explicações teológicas sobre a condição de Jó. Certamente ele havia pecado... afinal, na teologia judaica, as pessoas são prósperas porque guardam os mandamentos...

Entretanto, observamos que enquanto os amigos de Jó se mantiveram em silêncio eles foram extremamente solidários e efetivos, o problema deles foi tentar explicar o inexplicável.

Já no final do livro, algumas considerações sobre Deus nos levam a refletir sobre sua grandeza:

Eis que Deus é grande, e não o podemos compreender. O número de seus anos não se pode calcular” (Jó 36.26)
com a sua voz troveja Deus maravilhosamente; faz grandes coisas que nós não compreendemos” (Jó 37.5).

Precisamos nos silenciar diante do mistério.
Deus é grande. A sua natureza é misteriosa.
Deus faz grandes coisas. Não dá para entender a mente de Deus e nem os seus caminhos.

Portanto, pare de tentar explicar e justificar a Deus.

Segundo, Evite respostas simplistas sobre a dor e a morte

Facilmente queremos equacionar Deus e os problemas da vida. A dor, o mal, a morte, são problemas que temos dificuldade em resolver. Filósofos, teólogos, pensadores do mundo inteiro tem criado teorias sobre estas coisas, e todas elas são frágeis e inconsistentes, por que então achamos que seremos capazes de resolvê-las? Não seria melhor não tentar explicar Deus e as complexas questões da vida?

Pastores são hábeis e ágeis em tentar dar resposta pré-fabricada. Nem tudo é simples. Muitas coisas transcendem nossas possibilidades. A reação de Jó às respostas que seus amigos lhe deram e a tentativa de explicar os acontecimentos, reflete bem como podemos nos equivocar no afã de dar respostas: “Então respondeu Jó: Tenho ouvido muitas coisas como estas; todos vós sois consoladores molestos. Porventura, não terão fim essas palavras de vento? Ou o que te instiga para responderes assim?”(Jó 16.1-3).

Respostas simplistas estão na boca do povo: todos falam. “tenho ouvido muitas coisas iguais a estas”.
Respostas simplistas trazem mais dor: “vós sois consoladores molestos”.
Respostas simplistas são “palavras de vento”.

Então, tome cuidado com as respostas simplistas.

Terceiro, Aprenda a ser solidário diante do sofrimento

Os amigos de Jó, enquanto não falaram, foram extremamente sábios e empáticos.
Ouvindo, pois, três amigos de Jó todo este mal que lhe sobreviera, chegaram, cada um do seu lugar (...) e, combinaram ir juntamente condoer-se dele e consolá-lo... Sentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande” (Jó 2.11,13).

Que coisa maravilhosa a solidariedade traz.

Eles se aproximaram.
Eles foram empáticos...
Eles se identificaram com o que sofria...
Eles ficaram em silêncio...

Na hora da dor, a presença, o abraço, o ouvido, é melhor que a palavra em si. Não precisamos dizer nada, explicar o que não sabemos, mas precisamos ser solidários. E isto é muito efetivo.

Quarto, precisamos entender que Deus tem a última palavra.

No final do livro, Deus dá resposta.
Jó “traduz” os fatos.
Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia” (Jó 42.3).
E Deus então dá a ultima palavra, agora sobre Jó, e sobre os amigos de Jó.
(vós) não dissestes de mim o que era reto, como o meu servo Jó” (Jó 42.7).
A última palavra é de Deus. Só ele pode decifrar o indecifrável.

Alguns anos atrás, acompanhei a história de uma senhora muito fiel de uma de nossas igrejas irmãs, cujo filho estava profundamente doente e clinicamente condenado à morte. Quando as pessoas falavam, sua resposta era sempre: “Jesus tem a última palavra”.

Eventualmente aquele jovem morreu. Ele não foi curado. Mas ela continuava afirmando: Jesus tem a última palavra!

Que Deus nos abençoe para que entendemos, abriguemos, nos silenciemos diante de Deus e de situações que vão muito além da dor.

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sábado, 21 de março de 2020

Revitalização de igrejas a partir de Neemias



Revitalização de igrejas a partir de Neemias
Rev, Samuel Vieira


Introdução

Em 2018, um dos preletores do CTPI (Centro de Treinamento de Plantadores de Igrejas), afirmou que uma das formas mais simples para refletirmos sobre plantação de igrejas é observando o encadeamento de ideias do Livro de Neemias. Achei muito sugestiva a visão e resolvi fazer um exercício a partir dai. O que você tem em mãos é este texto com uma fundamentação bíblico-teológico e pastoral.

O livro de Neemias continua sendo extremamente relevante para nossos dias e reflete a obra do Senhor em todos os tempos. É um texto que fala de restauração, determinação, fidelidade, reconstrução, propósito de Deus na história. Já li ótimos estudos sobre liderança e administração e ouvi uma série de pregações sobre avivamento, ele nos ensina sobre administração pública, disciplina, alvos, finanças e confiança em Deus.

Ao lermos Neemias, encontramos de forma muito simples e direta, os seguintes passos. Eles se aplicam perfeitamente à realidade da igreja quando estamos pensando em revitalização.

Primeiro passo: Lidando com os escombros (Ne 1.1-3)

Revitalização de igrejas tem a ver com lidar com monturos. Em geral, igrejas no plateau ou em declínio possuem uma história de desencanto, ressentimentos, mútuas acusações. As pessoas que conseguem permanecer, seja por causa da fidelidade à denominação ou à história daquela comunidade, nem sempre estão preparadas para expansão e são meticulosamente resistentes às mudanças, ainda que declarem estar ansiosas para que isto aconteça. O excesso de cautela e suspeição, tira o entusiasmo e os sonhos. Um provérbio japonês afirma que “o medo de perder não deixa a gente ganhar”.

Em Neemias vemos um homem numa zona de conforto. Neemias é copeiro do rei Artaxerxes I (entre 465 e 424 a.C.) e tinha uma posição de muita confiança, porque como os impérios eram sempre montados em torno de conquistas e batalhas, conspirações e traições eram muito comuns. Sua função era beber o vinho servido para evitar a possibilidade de envenenamento e em seguida, servir o rei (Ne 2.1).

Sua vida palaciana lhe dava suficiente conforto, suas contas eram pagas pela casa do rei, e sua família geralmente vivia neste ambiente de glamour, encontro com diplomatas, embaixadas, jantares sofisticados e mulheres elegantes.

Sua crise começou quando ele recebeu a visita de Hanani, um de seus irmãos, que veio com uma comitiva de Judá. Não sabemos o porque desta visita, mas como é natural, todas as coisas convergiam para a capital do império, que na época era Susã, conquistada por Ciro II, o Grande, cujo sucessor foi Ciro, posteriormente Dario I que a transformou na capital do Império Persa.

Susã foi o lugar de uma das visões do profeta Daniel (D 8.2), bem como o cenário dos eventos narrados no livro de Ester (Et 1.2, 5, 6; 2.3, 5, 8, 21; 3.2, 15; 8.14; 9.12-15), fica no Irã, onde atualmente existem as ruinas de Shush, e foi neste lugar que Neemias serviu como copeiro durante o reinado de Artaxerxes (Longímano, filho de Xerxes I). — Ne 1.1; 2.1; Artaxerxes I que aparece no contexto de Esdras e Neemias (Ed 7.1; Ne 2.1), foi filho de Assuero e neto de Dario I.
A inquietação de Neemias surge quando ele perguntou pelos seus compatriotas e pela terra de seus pais. Ele estava interessado em saber como estavam os judeus que tinham permanecido em Jerusalém e a atual situação da cidade sagrada dos judeus. O relatório foi calamitoso. “Os restantes, que não foram levados para o exilio e se acham lá na província, estão em grande miséria e desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados, e as suas portas queimadas” (Ne 1.3).

O relatório recebido traz um grande desconforto a Neemias.
Toda grande mudança, toda transformação histórica, surge quando Deus inquieta profundamente alguém.
Andy Stanley afirma que a visão começa como uma preocupação. “você ouve ou vê alguma coisa que chama a sua atenção...alguma coisa incomoda-o a respeito da maneira pela qual a situação se encontra ou está caminhando[1]

Refletir sobre revitalização de igrejas implica em perceber que a realidade da igreja está em desacordo com o projeto que Deus tinha para tal comunidade. Se não tivermos consciência da situação calamitosa, não teremos nenhum motivo para refletir sobre a necessidade de mudança. A dor precede a reação. O desconforto provoca atitude. Sem dor, não há oração profunda e não haverá possibilidade de transformação.

Neemias entra num quadro de angústia: “Tendo eu ouvido estas palavras, assentei-me e chorei, e lamentei por alguns dias; e estive jejuando e orando perante o Deus dos céus” (Ne 1.4).

A revitalização de uma igreja acontece quando há uma profunda inquietação provocada pelo Espírito Santo, no coração de pessoas que Deus mesmo levanta. Antes de qualquer ação há uma reação. Na lei da física, a terceira lei de Newton afirma que toda ação corresponde a uma reação de igual intensidade, mas que atua no sentido oposto. No caso de Neemias, a situação se inverte. Neemias reage antes de agir. Talvez seja assim no mundo espiritual.

O que leva Neemias a ação é sua percepção de que as coisas não podem continuar como estão.

Segundo passo: Oração profunda. (Ne 1.4-11)

Neemias ora, mas sua oração em nada parece com as orações que normalmente fazemos.

Nossas orações são quase sempre vagas, autocentradas, superficiais. A oração de Neemias é descrita da seguinte forma: “Tendo eu ouvido estas palavras, assentei-me e chorei, e lamentei por alguns dias; e estive jejuando e orando perante o Deus dos céus” (Ne 1.4).

Suas orações são viscerais. Talvez sejam o que é chamado de súplica, nas Escrituras. São orações encharcadas com lágrimas, angústia, intenso desejo. A Bíblia diz que Elias “orou com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e seis meses não choveu” (Tg 5.17).  O termo instância tem a ver com intensidade. A questão não é se oramos, mas quão profundas são nossas orações.

A oração de Neemias segue em três direções: a primeira, louvor e reconhecimento do poder e autoridade de Deus e a aliança que ele tem com seu povo; a segunda, confissão, não apenas individual, mas coletiva, comunitária. Igrejas perdem o vigor não apenas pelo pecado de uma pessoa, mas porque de alguma forma, a obra maligna interfere na vida da comunidade, trazendo desencorajamento, pecado, acusações, ressentimentos. São pecados de uma geração, de um modo de ser da igreja. Neemias confessa o pecado do seu povo. Quais são os pecados que obstruem o avanço do evangelho e impedem a vitalidade de uma igreja local? Terceiro, Neemias reafirma que, apesar de terem sido rebeldes, aquele povo ainda era o povo de Deus, e baseado na eterna e misericordiosa aliança de Deus com seu povo, ele clama para que Deus seja benigno e os abençoe.

“Oração sempre foi criticamente importante nos grandes movimentos de avivamentos espirituais. Novas iniciativas na revitalização de igrejas, evangelismo. Reforma e mudanças sociais sempre brotaram de reuniões de oração. Elas se tornam a base e dirigem as respostas estratégicas, da mesma forma como são utilizadas as táticas militares de comunicação entre as frentes de batalha e os quarteis”.[2]

Terceiro, Neemias se dispõe (Ne 2.1-10)

Um princípio que deve ser sempre lembrado é “quem ora se compromete”.

Se você quer saber se determinada comunidade está comprometida com uma causa, observe se isto faz parte de suas orações. Se você quer saber se você tem preocupação e interesse por um determinado assunto, basta olhar seu compromisso de oração.

Quando começamos a orar por alguém, nosso coração se voltará inexoravelmente para esta pessoa, em compromisso, envolvimento e cuidado. Quando oramos por missão, geralmente nos engajamos com a obra missionária, dedicaremos tempo para missões e contribuiremos para este fim. Quando oramos pela nossa igreja, certamente nos envolveremos tanto com nossos talentos, tempo e recursos financeiros.

A ação de Neemias é consequência direta de sua oração. Aliás, alguém já afirmou que oração já é, em si mesma, uma ação. Oração é uma “ora-ação”.

Neemias possui uma situação muito confortável em Susã, ele está morando numa região de clima aprazível e grande abundância de riqueza, proveniente das províncias que pagavam tributo ao Império Persa. Ele morava na cidade com o melhor PIB per capita da época, entretanto, seu coração agora é tomado por uma santa obsessão. Ele não podia permitir que seu povo continuasse naquela condição, ele precisa canalizar recursos para Jerusalém, ele precisava interceder junto às autoridades, por Israel. Ele precisava se envolver de forma direta, como fez, para restaurar os muros da cidade e a glória de Jerusalém.

Quando falamos em revitalização de igrejas, estamos pensando em atos concretos. Pessoas eficazes na revitalização da igreja oram pela condição de seu povo, pedem misericórdia a Deus, se envolvem, canalizam recursos, se dispõem voluntariamente para ver a graça de Deus, procurando restaurar as muralhas caídas da apostasia, os portões queimados pelas heresias, o povo humilhado pelo pecado. Neemias entende que é necessário se levantar e sua vida é colocada à disposição da obra de Deus.

Atribui-se a D. L. Moody a seguinte frase: “O mundo ainda está por ver o que Deus é capaz de fazer através de um homem totalmente rendido a Deus”. Neemias sabe dos seus limites, mas se vê como aquele que Deus levanta para realizar a obra. Sai de sua zona de conforto e se dirige para onde Deus deseja que ele vá.

Quarto, Neemias anima o povo a reedificar os muros – (Ne 2.11-20)

Um dos grandes problemas quando a igreja está em declínio é que as pessoas perdem o ânimo e não acreditam mais que possam fazer alguma coisa. Mais que uma realidade, torna-se também um estado de espírito. Provérbios afirma: “O espírito do homem o sustentará na sua enfermidade; mas ao espírito abatido quem o levantará?” (Pv 1814).  

Não é fácil trabalhar uma equipe com baixa autoestima. Grupos ou igrejas com moral alta possuem grande força de trabalho e contagia os outros, e grupos desencorajadas, ou mentalmente abatidos, também contagiam outras pessoas, com o seu pessimismo. Por esta razão, soldados medrosos e tímidos deveriam voltar para casa, não podiam sair com o grupo para ir à guerra: “Qual o homem medroso e de coração tímido? Vá, torne-se para casa, para que o coração de seus irmãos se não derreta como o seu coração” (Dt 20.8).

A razão é clara: uma pessoa desmotivada afeta psicologicamente outros. Igrejas em ruinas normalmente possuem um grupo desmotivado. Então, a falta de entusiasmo afeta os projetos. Igrejas que falam mal de si mesmas, são autodestruídas.

Neemias sabia que o ânimo do povo que estava em Israel não era bom, por isto ele procura animar o povo a reedificar os muros (Ne 2.11-20). A realidade era realmente complicada, quando ele procurou andar a cavalo ao redor dos muros, não havia lugar por onde pudesse passar o animal. Então, Neemias lhes disse: “Estais vendo a miséria em que estamos, Jerusalém assolada, e as suas portas queimadas; vindo, pois, reedifiquemos os muros de Jerusalém e deixemos de ser opróbrio” (Ne 2.17).

Ele precisava potencializar e energizar o povo desanimado. Os desafios eram de fato imensos, mas na maioria das vezes o grande problema não está no nível de dificuldade a enfrentar, mas na capacidade emocional de lidar com as emoções. O problema pode ser grande do lado de fora, mas na maioria das vezes, é maior dentro. Não são os obstáculos externos que nos derrotam, são as emoções.

Pessoas desmotivadas precisam de líderes empolgados. Que as convençam de que o que farão dará certo. Elas precisam ser motivadas, encorajadas, olhar a situação não como ela é, mas como ela pode ser, mas falta empolgação, como sairão da situação de abatimento.

O “Círculo de fogo”,  narra a vida de Vassili Zaitsev, um franco atirador russo que teria eliminado 242 militares alemães, incluindo 11 franco-atiradores. Numa das cenas iniciais, há um grande número de esfarrapados soldados russos se escondendo em alguns prédios em ruínas, e  um general vai visitar o desanimado grupo para encorajá-los e inspirá-los. Na conversa ele pergunta o que está faltando para eles, e um soldado mais ousado, responde ao general: “Esperança!”

As pessoas precisam crer que há perspectiva, que é possível esperar um novo tempo. Neemias faz isto. No meio da zombaria, do descrédito, ele mostra como Deus havia sido misericordioso com ele quando falou sobre a restauração de Israel, e deixa claro que Deus estava presente naquele projeto. Depois disto eles respondem à palavra de ânimo: “Disponhamo-nos e edifiquemos. E fortaleceram as mãos para a boa obra” (Ne 2.18). A situação não havia mudado, mas o entusiasmo interior agora estava presente. Por isto foram capazes de edificar o muro em 52 dias, “porque o povo tinha ânimo para trabalhar” (Ne 4.6).

Quinto, Mobilizando o time (Ne 3.1-32)

Agora, tendo nova atitude interior, era necessário criar os processos para o bom funcionamento. As pessoas precisavam saber das funções e deveriam ser orientadas para as tarefas que precisavam ser executadas. Em geral as pessoas querem fazer, mas não sabem o que fazer, e nem como fazer.

Neemias então, passa a coordenar as tarefas de cada um. O que vemos no capitulo três é uma enorme capacidade de organizar um time e delegar as atividades. Um líder é aquele que encoraja seus liderados e os leva a realizar suas funções. É exatamente o que vemos aqui neste texto. Neemias vai usar todo o potencial das pessoas, das mais simples às mais qualificadas, para alcançar o objetivo que era o de reedificar os muros.
Henry Kissinger afirmou que “Liderança é a tarefa de levar o seu povo, do lugar onde está para o lugar onde não tem estado”. Dwight D. Eisenhover definiu da seguinte forma: “Liderança é a capacidade de fazer com que o indivíduo faça aquilo que você quer, quando você quer, do jeito que você quer, porque ele quer fazê-lo”-

Em Ne 3.1, vemos que o primeiro grupo era o dos sacerdotes. A função sacerdotal não era a de construir muros, mas eles são os primeiros a se mobilizarem. Em seguida você verá que os nobres também são convocados (Ne 3.5), os maiorais da cidade (Ne 3.9,12,14,15), e nem mesmo as mulheres ficaram fora das tarefas, já que elas também se envolveram no projeto (Ne 3.12). Quando as pessoas de maior influência se envolvem, elas são capazes de liderar outros às tarefas e servem de exemplo.

Toda vez que desejo desafiar a igreja para uma tarefa, começo dando exemplo pessoal e desafiando os presbíteros a se envolverem, porque tenho aprendido que nenhuma igreja vai além de sua liderança. Se vamos fazer uma campanha financeira, mas os líderes  não estão se sacrificando e comprando o projeto, esteja certo de que dificilmente a igreja se envolverá. Se queremos encorajar a igreja a contribuir, e os líderes não são fieis e generosos, certamente o povo não aprenderá a contribuir. Liderança fiel é, não somente inspiradora, mas espiritualmente impacta a igreja.

Neste texto de Neemias, vemos a liderança mobilizada: Sacerdotes e maiorais. O resultado é que, no final deste capitulo veremos os pequenos comerciantes, ourives e mercadores, se engajando na tarefa (Ne 3.32). Quando os líderes vestem a camisa, a comunidade se envolve.

“A grande história da redenção está envolta em um princípio que não podemos esquecer: Deus usa pessoas ordinárias para fazer coisas extraordinárias na vida de outros. Qual liderança missionária, qual ministro, qual igreja local, usaria as pessoas que Deus usou nas Escrituras?... Cada uma destas pequenas pessoas Deus usou maravilhosamente para cumprir seus propósitos na terra. Deus nunca planejou que fossemos simplesmente os objetos de seu amor. Ele também nos chamou para sermos instrumentos de seu amor na vida dos outros”[3]

Sexto, se prepare para a oposição.

O capítulo quatro descreve a reação dos inimigos. Se estamos pensando em revitalização, precisamos esperar oposição. Nem todos querem ver a obra de Deus restaurada. Os inimigos são reais e presentes. Toda vez que a obra de Deus esta sendo feita com diligência, podemos esperar reações contrárias.

O texto descreve o surgimento de uma forte oposição. “Tendo Sambalá ouvido que edificávamos o muro, ardeu em ira, e se indignou muito, e escarneceu dos judeus” (Ne 4.1).

Pense no contexto. Jerusalém havia sido campo de chacais por décadas. Toda uma geração havia perdido sua identidade: Os jovens foram expatriados e serviram de escravos; as moças foram tomadas como objetos sexuais dos guerreiros; os velhos, que guardavam as tradições e a religião, foram deixados para morrer e os pobres, sem poder de articulação política, ficaram para cuidar dos campos.

Quando os inimigos souberam disto, tiveram duas reações:
    1. De raiva, por isto estavam irados;
    2. De zombaria, e passaram a escarnecer dos judeus.

Alguém já afirmou que se você acorda de manhã e não se encontra com o diabo, está seguindo a direção errada. Sempre haverá oposição à obra do Senhor.

Na parábola do joio, Jesus ensinou que um homem semeou boa semente no seu campo, mas enquanto dormia, veio o inimigo e semeou joio no meio do trigo. Quando perguntaram ao Senhor o que havia acontecido, ele respondeu: “Um inimigo fez isso” (Mt 13.24-30). Junto com a boa semente sempre haverá sementeira do mal. Igrejas que estão em momentos de crescimento e renovação espiritual, enfrentam grandes batalhas espirituais.

Uma das formas mais efetivas é a zombaria e a crítica. Quando os inimigos viram o avanço da obra, começaram a desencorajar os voluntários:  “Que fazem estes fracos judeus? Permitir-se-lhes-á isso? Sacrificarão? Darão cabo da obra num só dia? Renascerão, acaso, dos montões de pó, as pedras que foram queimadas?” (Ne 4.2).

Surgirão profetas do desespero, gente desconfiada, oposição e escárnio, mas não devemos nos abalar com isto.

Grandes projetos começam com poucos recursos, mas Deus vai abençoando e a obra vai se expandindo. Não devemos nos assustar, nem nos atemorizar. Muitas vezes ficamos com medo de que o diabo tente fazer algo contra a unidade da igreja, a paz da liderança, e ataque os líderes, nestas horas é preciso trazer à memoria o fato de que Deus é o Senhor da igreja e as “portas do inferno não prevalecerão contra ela”.

Muitas vezes os ataques são pesados e as críticas devastadoras. Se pararmos para ouvir críticas, seremos desencorajados e não conseguiremos avançar. Críticas podem nos paralisar. Mas poderemos enfrentá-las de forma mais efetiva se não ficarmos desprevenidos nem desatentos ao fato de que oposição faz parte do processo de crescimento. Não deveríamos ser surpresos pelo óbvio.

As táticas da oposição vão de zombarias (Ne 4.1-3), resistência direta (Ne 4.6), à rumores (Ne 4. 11-12), que são sempre espalhados por  aqueles que estão próximos (Ne 4.12) por isto são tão efetivas. Uma das táticas dos rumores é o exagero, já que  por “dez vezes”, disseram mentiras (Ne 4.12). O diabo nem sempre é criativo, mas ele é insistente. Eles procuram criar uma “narrativa”, e dizer sempre a mesma coisa, pois acreditam que uma mentira repetida muitas vezes começa a parecer  verdade. Os inimigos criam “fake news”, pois sabem que para anular o negativo e necessário cinco positivos.

A oposição gera resultados devastadores. O desencorajamento é nefasto, principalmente quando aliado à fadiga (Ne 4.10) e ao medo (Ne 4.11). Qual resposta Neemias dá à oposição? Ele se firma em Deus (Ne 4.4-5), mas não se descuida da oposição (Ne 4.9), como dizia Oliver Crowner: “confie em Deus e mantenha sua pólvora acesa”. Ele vigia e ora (Mt 26.41), alia oração e vigilância. Muitos oram e não vigiam, muitos vigiam e não oram. Ao mesmo tempo Neemias busca reforçar os seus pontos fracos, fortalecendo as áreas mais vulneráveis da obra (Ne 4.13). Todo homem de Deus precisa aprender a discernir seus pontos vulneráveis.

Neemias toma as seguintes medidas para enfrentar a oposição:

  1. Ele leva seus problemas a Deus – (Ne 4.4)
  2. Ele não para a obra - “Assim edificamos o muro” (Ne 4.6) Assim como? Sob pressão.
  3. Ele procura fechar as brechas – (Ne 4.7)
  4. Ele vigia e ora – “Nós oramos... pusemos guarda” (4.9, 16,17,18,23)
  5. Ele toma cuidado com o cansaço da obra, por que ela pode levar-nos a fazer leituras equivocadas. Não é fácil lidar com a fadiga, escombros e ameaças.
  6. Ele coloca o foco no Senhor e não na oposição – “Lembrai-vos do Senhor” (4.14).

Sétimo, esteja alerta para os inimigos internos (Ne 5.1-6)

Neemias descobre, que não pode estar atento apenas à oposição externa. Ao lermos o capitulo quatro percebemos que as ameaças externas são reais e graves, mas quando analisamos o capitulo cinco, percebemos que “descobrimos o inimigo, e ele é um de nós”.  Muitas vezes o grande problema não é o que está fora, mas dentro.

Rev. Júlio Andrade Ferreira, certa vez declarou que o problema da igreja não é o diabo, nem o mundo, pois nem um deles pode destruir o povo de Deus, mas que a única coisa que pode destruir a igreja é sua infidelidade. Os pecados de uma comunidade é que se tornam seu maior inimigo e são mais destrutivos.

Assim aconteceu com Israel. O povo de Deus não foi exilado por causa da supremacia econômico e militar da Babilônia, ainda que tão poderosa. O povo de Deus foi derrotado por ter abandonado a Deus. Igrejas não perdem seu vigor por causa de ataques dos inimigos, mas perdem sua vitalidade por causa da sua infidelidade. O grande inimigo da igreja é ela mesma. Assim como acontece com o organismo humano. Muitas pessoas morrem não por causa da agressividade de um vírus, mas por causa da baixa imunidade do organismo. Um corpo frágil pode ser facilmente destruído por uma bactéria, pois não ter anticorpos naturais para derrotar o inimigo externo.

Neemias gasta boa parte de sua energia contra os adversários no capitulo quatro, mas quando lemos o capítulo seguinte vemos que haviam graves problemas que estavam destruindo o povo, e estes problemas precisavam ser tratados de forma direta e precisam ser confrontados.

Quando igrejas declinam ou perdem sua vitalidade é fácil perceber graves problemas espirituais e pecados rondando. Muitas vezes a disputa por posições e desejo de poder torna-se perceptível, noutras vezes pecados ocultos, conflitos mau resolvidos e brigas históricas. Igrejas problemáticas não conseguem investir seus recursos e potencial para a obra missionária e o avanço evangelístico, pois consumem toda sua energia e recursos em acusações e lutas.

Neemias descobre agora, as questões viscerais presentes no grupo. As coisas estavam indo bem, mas de repente os velhos problemas, não tratados surgem novamente. Agora ele precisa concentrar sua energia na resolução de conflitos. São vários:

A.   Conflitos de interesses econômicos.

“Foi grande, porém, o clamor do povo e de suas mulheres contra os judeus, seus irmãos. Porque havia os que diziam: Somos muitos, nós, nossos filhos e nossas filhas; que se nos dê trigo, para que comamos e vivamos. Também houve os que diziam: As nossas terras, as nossas vinhas e as nossas casas hipotecamos para tomarmos trigo nesta fome. Houve ainda os que diziam: Tomamos dinheiro emprestado até para o tributo do rei, sobre as nossas terras e as nossas vinhas. No entanto, nós somos da mesma carne como eles, e nossos filhos são tão bons como os deles; e eis que sujeitamos nossos filhos e nossas filhas para serem escravos, algumas de nossas filhas já estão reduzidas à escravidão. Não está em nosso poder evitá-lo; pois os nossos campos e as nossas vinhas já são de outros.”(Ne 5.1-5).

Percebem ai uma semelhança com a Igreja de Jerusalém, quando as viúvas helenistas se sentiam excluídas da “cesta básica”? Na Igreja Primitiva havia um problema étnico. Aqui o problema não é étnico, mas de classe: pobres se sentindo explorado pelos ricos.

No afã de ajudar, famílias pobres se esqueceram de organizar seus recursos e administrar suas finanças e se tornaram endividadas. Os ricos aproveitaram para emprestar dinheiro aos pobres, cobrando juros, e agora a relação se tornou insuportável.

B.    Conflito de privilégios.

“Também desde o dia em que fui nomeado seu governador na terra de Judá, desde o vigésimo ano até ao trigésimo segundo ano do rei Artaxerxes, doze anos, nem eu nem meus irmãos comemos o pão devido ao governador. Mas os primeiros governadores, que foram antes de mim, oprimiram o povo e lhe tomaram pão e vinho, além de quarenta siclos de prata; até os seus moços dominavam sobre o povo, porém eu assim não fiz, por causa do temor de Deus. Antes, também na obra deste muro fiz reparação, e terra nenhuma compramos; e todos os meus moços se ajuntaram ali para a obra.
Também cento e cinquenta homens dos judeus e dos magistrados e os que vinham a nós, dentre as gentes que estavam ao nosso redor, eram meus hóspedes. O que se preparava para cada dia era um boi e seis ovelhas escolhidas; também à minha custa eram preparadas aves e, de dez em dez dias, muito vinho de todas as espécies; nem por isso exigi o pão devido ao governador, porquanto a servidão deste povo era grande.” (Ne 5.14-18).

Situações de escassez e crise, atingem mais facilmente os pobres e vulneráveis. Os líderes anteriores fizeram exatamente isto: “Os primeiros governadores... oprimiram o povo e lhe tomaram pão e vinho, além de quarenta siclos de prata; até os seus moços dominavam sobre o povo.”

Neemias agora tem que confrontar privilégios da classe política, exatamente aqueles que tem maior poder de decisão e influência. A tensão se tornou manifesta. Neemias trata o assunto de forma implacável e dura, e eles reconhecem a dramaticidade da situação e mudam sua atitude.

Muitas igrejas se dividem. Quando se estuda as causas das divisões, o problema imediato que vem à tona é o teológico. Porque ele “justifica”, as divisões e atribuem um caráter sacral ao problema, mas na maioria quase absoluta, divisões de igrejas sempre acontecem por causa de lideranças fortes que não aceitam se subordinar e querem a primazia. A vaidade, orgulho, desejo de controle, são quase sempre presentes em tais situações.

Conclusão

Certamente muitas outras lições podem ser encontradas em Neemias. Mas para não alongar demasiadamente o estudo, deixe-me sugerir algumas estratégias neste processo de restauração e revitalização.

1.     O avanço da obra não impede o ataque dos inimigos

Na verdade os torna mais tenazes e agressivos.
Tendo ouvido Sambalate, Tobias, Gesém, o arábio, e o resto dos nossos inimigos que eu tinha edificado o muro e que nele já não havia brecha nenhuma, ainda que até este tempo não tinha posto as portas nos portais” (Ne 6.1).

Não espere uma situação na qual você dirá que não há conflitos, os conflitos mudam apenas na sua forma e intensidade, mas sempre existirão. Quando o trabalho avança, a visibilidade se torna maior, e os inimigos aumentam em número.

2.     Precisamos estar atentos às manipulações espirituais

Quando Satanás não é efetivo na ameaça, ele tenta manipular as coisas espirituais.

“Então, percebi que não era Deus quem o enviara; tal profecia falou ele contra mim, porque Tobias e Sambalate o subornaram. Para isto o subornaram, para me atemorizar, e para que eu, assim, viesse a proceder e a pecar, para que tivessem motivo de me infamar e me vituperassem. Lembra-te, meu Deus, de Tobias e de Sambalate, no tocante a estas suas obras, e também da profetisa Noadia e dos mais profetas que procuraram atemorizar-me.” (Nee 6.12-14).

Não é assustador? Este texto revela que vários profetas se levantaram. Você nunca se sentiu ameaçado por coisas que acontecem na igreja, e que parecem ser espirituais, mas quando se torna mais visível fica claro que é resultado de uma carnalidade travestida de espiritualidade?

Neemias tem que enfrentar este dilema.

3.     Precisamos fortalecer as áreas mais vulneráveis.

Alguns setores precisam de cuidado redobrado.
E lhes disse: não se abram as portas de Jerusalém até que o sol aqueça e, enquanto os guardas ainda estão ali, que se fechem as portas e se tranquem; ponham-se guardas dos moradores de Jerusalém, cada um no seu posto diante de sua casa.
A cidade era espaçosa e grande, mas havia pouca gente nela, e as casas não estavam edificadas ainda.” (Ne 7.3,4).

Neemias percebeu que havia lugares por onde os inimigos poderiam facilmente penetrar. Era necessário redobrar o cuidado nestas áreas.

Igrejas que estão em processo de revitalização, precisam perceber as áreas vulneráveis. Existem pecados históricos, com tradições arraigadas e pressupostos que já duram por décadas. Como neutralizar a força destes pecados de estimação? É preciso redobrar o cuidado nestas áreas.

4.     Precisamos saber “quem é quem”

Neemias resolve registrar as genealogias. Muita gente que estava ali no meio dos judeus não era verdadeiramente judeus. Adquiriram hábitos judeus, gostavam da cultura dos judeus, voltaram com os judeus, mas judeus não eram. É preciso saber quem é quem.

Então, o meu Deus me pôs no coração que ajuntasse os nobres, os magistrados e o povo, para registrar as genealogias.” (Ne 7.5).

Nem todo aquele que diz que é, de fato é. Os cabritos sempre andarão com as ovelhas, o joio sempre cresce com o trigo. Quando Moisés veio do Egito, a Bíblia afirma que veio “um populacho entre eles”. Eram os agregados., simpatizantes dos judeus, mas que não tinham o mesmo coração voltado para o Deus de Israel. Este povo causou muito problema ao povo de Deus no deserto. Por isto Neemias se esmerou tanto em “limpar Israel de toda estrangeirice” (Ne 13.30).

5.     Precisamos retornar às Escrituras Sagradas

Neemias entende que só a Palavra de Deus poderá reorientar a visão e o coração das pessoas. Então ele chama Esdras, o sacerdote, para ler publicamente a Lei, e sua leitura é bem exaustiva.

E leu no livro, diante da praça, que está fronteira à Porta das Águas, desde a alva até ao meio-dia, perante homens e mulheres e os que podiam entender; e todo o povo tinha os ouvidos atentos ao Livro da Lei.” (Ne 8.3).

Não apenas a leu, mas dividiu o povo em grupos menores. As pessoas precisavam entender a Lei, que havia se distanciado tanto deles depois de anos de exilio. Neemias encorajou estudo em grupos para que as dúvidas relacionadas à Lei de Deus pudessem ser esclarecidas. As pessoas precisavam se fundamentar novamente na Palavra.

Leram no livro, na Lei de Deus, claramente, dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia.” (Ne 8.8).

Não há revitalização sem um retorno sério à Palavra de Deus. Nenhuma igreja se sustenta sem ter a palavra de Deus no centro de suas atividades. Nenhum avivamento histórico jamais ocorreu sem um profundo retorno às verdades essenciais da fé cristã, e uma delas, é a justificação pela graça. Sem retorno ao verdadeiro evangelho, à palavra pregada com integridade, não devemos esperar longa e duradoura revitalização.

Muitas igrejas estão procurando de adaptar às novas exigências culturais acreditando que flexibilizar as crenças nas verdades essenciais do cristianismo pode atrair a nova geração. Tim Keller relata sua própria experiência quando se mudou para Manhattan a fim de plantar uma igreja local e decidiu fazer uma pesquisa sobre o pensamento da cidade sobre igreja. As respostas que obteve foram as seguintes: “Igreja significa conservadorismo total ou moderado, e Nova York era liberal e inovadora. Igreja significa família, e Nova York está cheia de gente solteira e de lares “não tradicionais”. Igreja significa, acima de tudo, crença, mas Manhattan é a terra dos céticos, dos críticos e dos cínicos... Muitos de meus primeiros contatos afirmaram que as poucas congregações capazes de conservar seus fieis haviam conseguido isso adaptando os ensinamentos cristãos tradicionais ao espírito pluralista local... quando eu explicava que as doutrinas da nova igreja eram os pilares ortodoxos e históricos do cristianismo – a infalibilidade da Bíblia, a divindade de Cristo,  a necessidade de regeneração espiritual (o novo nascimento)- doutrinas consideradas decididamente ultrapassadas pela maioria dos nova-iorquinos. Ninguém jamais disse: ‘esqueça isso’, com todas as letras, mas o conselho pairava no ar”[4] Apesar disto, ele insistiu na pregação bíblica e ortodoxa das Escrituras, e no final de 2007, já tinham mais de cinco mil frequentadores, além de terem criado mais de uma dezena de congregação na região metropolitana imediata, conforme ele mesmo relata.

Igrejas são restauradas e revitalizadas, por um retorno às verdades cruciais do cristianismo. A Bíblia ainda é o fundamento da fé cristã, e não cremos em revitalização de igreja, sem uma exposição segura, contemporânea, sólida, culturalmente compreendida, mas fiel às verdades divinas.

“Talvez seja neste ponto que o evangelicalismo mostra mais claramente sua continuidade teológica e espiritual com a Reforma, e sua preocupação de assegurar que a vida e o pensamento da comunidade cristã estão fundamentados em, e continuamente re-avaliados à luz da Escritura”[5]

6.     Precisamos de confissão e arrependimento

Se a igreja perde sua vitalidade por causa do pecado, ela vai restaurar o vigor voltando de coração a Deus. No capítulo 9 Neemias faz uma profunda oração de confissão individual e comunitária. Ele reconhece que o estado de miséria em que viviam tinha estreita relação com a gravidade de seus pecados.

“Porque tu és justo em tudo quanto tem vindo sobre nós; pois tu fielmente procedeste, e nós, perversamente.” (Ne 9.33).

Sem arrependimento não há revitalização.
Muitas igrejas e ministérios seriam plenamente restaurados se houvesse genuíno quebrantamento. Afinal, “o que confessa e deixa, alcança misericórdia, mas o que endurece o seu coração cairá no mal”. O que leva a igreja a um novo patamar é, antes de tudo, um reconhecimento de que a ruina, a estagnação, tem relação direta com o pecado de um povo. Deus não tem compromisso com igreja infiel.

Carlson & Lueken, fazem a seguinte declaração sobre a própria crise que enfrentaram na renovação de sua igreja local: “Era a hora de olhar para nós mesmos. Era a hora de encarar nossa duplicidade, a feiura de nossas motivações, o tamanho dos nossos egos e nossa ambição por grandeza... precisávamos experimentar a simplicidade. Precisávamos lidar com nossa raiva e luxúria...precisávamos desacelerar. Precisávamos aprender como ser como Deus, sem utilizar uma agenda”[6].


7.     O clero precisa ser confrontado

Geralmente o fracasso da igreja está relacionado ao fracasso dos seus pastores. Eliasibe, o sacerdote, se torna um problema para Neemias. Ele abriu as portas do templo para dar privilégios a Tobias, um forte opositor do povo de Deus. A estrutura do templo foi colocada a favor de pessoas que nada tinham a ver com Deus.

“Então, soube do mal que Eliasibe fizera para beneficiar a Tobias, fazendo-lhe uma câmara nos pátios da Casa de Deus. Isso muito me indignou a tal ponto, que atirei todos os móveis da casa de Tobias fora da câmara.” (Ne 13.7).

Lideranças infiéis comprometem a fidelidade da igreja.

As igrejas estão morrendo ao redor do mundo por causa de pastores e líderes infiéis, mau testemunho de vida, abandono da palavra de Deus. A escola alemã das “críticas das formas”, nasceu através de interpretações que negavam as verdades essenciais da fé cristã, e colocavam em cheque os milagres e as narrativas da Bíblia, desde a criação de Gênesis 1, até mesmo o nascimento de Cristo. O resultado: esta heresia destruiu as igrejas da Europa e depois chegaram à América do Norte, transformando igrejas poderosas em testemunho e capacidade missionária, em prédios em ruínas e museus.


Conclusão:

No seu livro “Avivamento”, M. L. Jones pergunta inicialmente qual é a necessidade de avivamento. Talvez pudéssemos perguntar hoje, “qual a necessidade de revitalização de igrejas?”.

Respondendo à questão do avivamento, M. L. Jones diz o seguinte: “Oh, sim, todos estão conscientes de que há uma necessidade, porém a questão é: qual a necessidade? E isto demanda a nossa atenção urgente nesta hora, e me parece que, até que a Igreja Cristã, até que o povo cristão, como indivíduos na Igreja, se conscientizem da natureza do problema, não poderemos começar a tratar dele como devemos... a dificuldade no passado é que homens e mulheres estavam num estado de apatia. Estavam mais ou menos adormecidos. Há duzentos anos atrás, certamente não havia uma negação geral da verdade cristã. O problema é que as pessoas não se preocupavam muito em praticá-las. Eles mais ou menos a assumiam...a questão é se esta ainda é a situação na época atual... o nosso problema não é apatia, não é que as pessoas no fundo realmente  sabem o que é certo e verdadeiro, mas não estão fazendo nada a respeito. Não, a própria ideia do espiritual desapareceu”[7].

Quando pensamos na situação de tantas igrejas, com grandes estruturas e potencialidades, muito aquém do potencial que elas possuem para a obra do Senhor, ficamos alarmados. Qual seria o impacto se tais igrejas experimentassem um novo momento na sua história, se um novo e poderoso vento do Espírito agitasse vidas acomodadas, para um novo e poderoso mover em nossas comunidades?

Revitalização  de igrejas não é feita com novos métodos, nem estratégias humanas. O termo revitalização tem a ver com vida, e apenas Deus pode dar vida, àqueles que se encontram na apatia e no comodismo letal que Satanás tem gerado em tantas igrejas.

Que Deus nos ajude.

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[1] Stanley, Andy – Visionar, Sao Paulo, Ed. Vida, 2016, pg 27
[2] Lovelace, Richard F., Renewal as Way of life. Downers Grove, Il, Intervarsity Press, 1985, Pg 172
[3] Tripp, Paul David– Instruments in the redeemer’s hands –Phillisburg, PA- RR Publishing, 2002, pg 18.
[4] Keller, Timothy – A fé na Era do Ceticismo. São Paulo, Vida Nova, 2015, Pg 18.
[5] McGrath, Alister – Paixão pela Verdade. São Paulo, Ed. Shedd, 2007. Pg 44
[6] . Carlson, Kent & Lueken, Mike – Renovação da igreja. Goiânia, Ed. Primícias, 2013, Pg. 54
[7] Jones, M. L., Avivamento – São Paulo. Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, Pg 17