sexta-feira, 13 de março de 2020

Ap 6 Os Quatro cavaleiros de Apocalipse


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AS FORÇAS DA HISTÓRIA
Introdução:

Este texto nos fala das forças presentes na história.

Muitos tem tentando entender e explicar o sentido da história humana. As motivações, as ambições, as tramas, as forças ocultas e declaradas que agem e interagem neste drama humano, e nesta trama quase infindável de traição, guerras, fome, forças políticas, domínio econômico, controle cultural. Muitos estudiosos, sociólogos, historiadores, tentam descobrir as forças e movimentos que existem neste infinito jogo de poder, ambição , violências e mortes, contudo,

A história não é estática, nela se movem forças distintas e antagônicas. Nela se agitam interesses múltiplos. Cabe ao cristão, na sua contemporaneidade, interpretar o evento aparentemente desproposital como oportunidade e ação de Deus”. (Apocalipse: Arquitetura em movimento. Jacques Ellul).

Contexto

O capítulo 5 demonstra a ação do Cordeiro sobre o destino da humanidade.

O Cordeiro de Deus abre o livro selado, que contém o destino e desígnio de Deus para a história. Por ser escrito por Deus, por dentro e por fora, nos mostra que a história não é fruto do acaso, mas obra de Deus, e que não há mais espaço para que um fato novo, inesperado, possa acontecer. O Livro está escrito “Por dentro e por fora”. Não há espaços para “novos e inesperados rabiscos”, o livro está completo e selado.

O Livro revela que existe um sentido secreto da história, um sentido que não está ao controle do homem, que o homem não pode manipular. Este sentido só pode ser encontrado e desvelado pelo Cordeiro de Deus que é o leão da Tribo de Judá. 

“O homem não saberá nunca o segredo nem a significação da história da humanidade sem a pessoa de Jesus, e nem o significado de sua existência fora do Cordeiro de Deus. Viverá na noite, e avançará às apalpadelas sem saber de onde vem, para onde vai, nem o que faz, nem se alguma coisa tem um valor ou um sentido, nem o porquê do que ele faz” (Apocalipse: Ellad)

Otto Piper , historiador cristão, nos desafia profundamente ao estudo da história. “O verdadeiro anseio de nossa época é entender e interpretar a história. Os acontecimentos que, vistos à superfície, nos parecem tão ambíguos e sem sentido, poderiam, talvez, revelar seu propósito e finalidade, se nos déssemos ao cuidado de procurar discernir, sob à superfície, as forças reais que operam nas profundezas da história. Seguirá a História algum plano? Mover-se-á em direção definida? Haverá um fim para o qual estejam convergindo os acontecimentos históricos? (A interpretação cristã da história, Otto Piper). 

Parece-nos que é exatamente isto que este texto propõe. Revelar os movimentos e forças que interagem na História, e a dialética que ela traz no seu fluxo e refluxo. O que sela este livro são os selos (Ap 5.1)

Há sete selos, mas apenas seis dão os componentes da História; o sétimo desemboca nas trombetas. Os seis primeiros nos fornecem o sentido e a matéria profunda da História; o sétimo, o segredo último. Ao contemplarmos estes sete selos, estaremos percebendo, pela perspectiva de Deus, e com os olhos que vão além da mera superfície, quais as forças reais que operam nas profundezas da História e o desenrolar da história da humanidade, pelos olhos e governo de Deus.

A história está nas mãos de Deus, e só o Cordeiro pode desvelar seu sentido.

Se Deus é o protagonista principal da História, o sentido e o significado profundo deverá ser buscado, sobretudo, em Deus mesmo”. (Jacques Ellul).

Cada selo, ao ser aberto, revela seu sentido. Os primeiro quatro selos revelam o simbolismo dos cavalos e seus cavaleiros, cf. Zc.1:8-11. Na Bíblia, os cavalos trazem o sentido de força, guerra e conquista. (Mais que um vencedor. Hendricksen). Is 30.16; 31.1; Jo 39.22-28; Ap 9.7; 14.20; 18.13; 19.11

1.   Cavalo Branco

Este cavalo branco dá lugar a diferentes interpretações.

Stierlin levanta a tese de que este cavalo significa a guerra…
Bortolini afirma que se trata da força da ganância. 
Barclay, embora mantenha uma posição mais neutra, acha difícil interpretar como sendo o Cristo, porque para ele este texto fala das tragédias e ais que viriam sobre a terra, e este cavalo representa a guerra. Mas o cavalo vermelho é a guerra (Ap 6.3,4), descartando assim a possibilidade do cavalo branco significar a mesma coisa que o cavalo vermelho. 

Branco é símbolo de salvação/vida/pureza/santidade (símbolo celeste). Usa uma coroa que lhe “foi dada”, não a conquistou, nem a dominou; o arco é símbolo da aliança. O cavalo branco (Ap 19.11) é Jesus, a Palavra de Deus, o verbo a vida, o cordeiro vencedor.

Ellul afirma que seria difícil afirmar que este cavalo traga alguma ideia de tragédia:

i.    Enquanto os outros 3 cavaleiros provocam calamidades (mortes, fomes, etc.) este texto não diz nada dos desastres da guerra;

ii.  Há no texto uma promessa: “partiu vitorioso”. A ideia de vencer em Apocalipse se refere a Cristo e aos fiéis. Ele saiu vitorioso.

iii. O branco é sempre o símbolo, (não da vitória militar), mas da salvação, da vida, da pureza, da santidade. Indiscutivelmente, no livro de Apocalipse, é sempre símbolo celeste. Pense nos vestidos brancos, a nuvem branca, o trono branco, a pedra branca, etc. Certamente não se trata de uma força antagônica a Deus e a sua santidade.

iv. Usa uma coroa, símbolo de vida e realeza, exatamente como o Filho do Homem, que na cabeça uma coroa de ouro. (cap.14:14)
v.   Esta coroa lhe foi dada; logo ele não a conquistou, tomou ou açambarcou (vemos aqui a impossibilidade da guerra);

vi. Tem um arco que é, biblicamente, o símbolo da aliança, não da morte e da violência.

vii. Possui um dualismo bem explícito: parte vitorioso (já é vencedor, a vitória já está conquistada desde o começo, na eternidade), mas ao mesmo tempo para vencer (para realizar, concluir esta vitória, torná-la evidente, manifesta para todos). A idéia do Cristo vencedor perpassa este livro, do início até o fim. Veja 17:14  Não foi assim a encarnação e a morte de Cristo?

viii. Finalmente, podemos encontrar esta mesma descrição numa passagem paralela (Ap 19.11). Como imaginar que no mesmo texto simbólico, o autor poderia descrever dois cavalos brancos com seus cavaleiros, dando-lhes duas significações totalmente diferentes? Esta passagem nos diz claramente que o cavaleiro é Cristo. Na sua cabeça há muitos diademas (Ap 19.12); e vemos a descrição de um cavaleiro sentado num cavalo branco, vestido com um manto “tinto de sangue, e o seu nome se chama o Verbo de Deus” (Ap 19.13). Temos que permitir que o próprio livro explique seu simbolismo.

Torna-se evidente que este cavaleiro é a Palavra de Deus. O cavaleiro branco, que é lançado no mundo, o primeiro a agir e sair, é portador da vida e da aliança.

Esta seria a primeira força a agir na história: A Palavra de Deus. Deus sempre falou, foi por meio desta palavra que as coisas começaram a surgir, por meio desta palavra o caos se fez ordem, Por meio desta palavra se estabelece os rumos da história. Por meio desta palavra, Deus constitui reis e desfaz impérios.

Este cavalo, certamente é Cristo, o Logos de Deus, que já “saiu vencendo” e “para vencer” (Ap 6.2).  Hendriksen sugere que no cap. 5:5, aparece o Cordeiro como vencedor e pergunta: “Não é razoável pensar que o “vencedor” é a mesma pessoa?” 

Ademais, não se diz nada dos desastres da guerra, apenas que “saiu vitorioso e para vencer”.  Dualismo explícito. Já é vencedor, a  vitória está conquistada desde o começo, na eternidade, mas sai para vencer: para realizar, concluir sua vitória, torná-la evidente. Já e ainda não.

O Cordeiro é vencedor desde a eternidade, mas sua vitória é revelada no curso da história humana. Sua vitória se deu na cruz, no meio da história de um povo, dentro de um contexto político e geográfico, e dentro de uma cultura e tempo específico. A vitória da Cruz se revela na história dos homens.

O cavalo branco (Ap 19.11) é a Palavra de Deus, o verbo da vida. O primeiro cavalo é portador da vida e da aliança, é a Palavra de Deus que age e continua a agir no curso da história. Depois deste vem 3 outros, representando aspectos combinados, mas diferentes: potência imaterial, abstrata, mas agindo num nível material e provocando catástrofes, flagelos.

2.   Cavalo Vermelho - Sangue/fogo.

Depois do cavaleiro branco, aparecem outros três cavalos que representam aspectos combinados, mas ao mesmo tempo diferenciados.

“Cada um é, ao mesmo tempo, uma potência imaterial, abstrata, agindo, contudo, num nível material e provocando também flagelos, catástrofes” (Ellul).

O segundo selo revela que a história da humanidade é marcada pela violência e guerra. Existe uma potência espiritual escondida no coração da história marcada pela espada. Este poder é simbolizado aqui pelo cavalo vermelho, um poder secreto e imaterial que também age e determina a história.

As guerras, as revoluções, os conflitos sangrentos sempre existiram e existirão na história humana. Estas guerras mudam a geopolítica do mundo, fazem surgir e desaparecer nações e povos. Escravizam, submetem povos inteiros a um absoluto e mortal silêncio.

Nos dias de João, a Pax Romana era uma paz de cemitério, quem a ela se opunha, corria o risco de perder a vida. Na etiologia das guerras, diz Tiago, está a ganância. (Tg 4.1). Quando surge um conflito armado, existem razões humanas, econômicas, políticas e lutas pelo poder. As guerras são originadas pela insaciabilidade humana de dominar e possuir. Pela ganância dos poderosos.

Este cavalo vermelho, sai imediatamente após o cavalo branco, dando-nos a impressão que, à palavra de Deus, se segue a espada, a perseguição religiosa, a provação e fogo contra a Palavra de Deus e àqueles que a seguem. Esta ideia parece se harmonizar com a visão do quinto selo.

Este cavalo vermelho possui duas características:

i.    Poder de tirar a vida – Pode ser uma referência tanto a guerras civis, quanto a guerras internacionais, revoluções, repressões, lutas internacionais, motivadas por fatores pessoais, vaidade, e interesses econômicos. A guerra é uma potência espiritual escondida no coração da história. Apocalipse não a descreve como um poder impessoal, mas como uma realidade espiritual. Isto representa mais que uma decisão humana e fatores políticos, mas como um poder  secreto e imaterial, com uma profunda atividade sobre a raça humana.

ii.  Recebeu a espada - Símbolo de poder, autoridade. É o poder político que faz a guerra. Não se diz quem concede tais poderes, mas as Escrituras nos mostra que Deus encontra-se por detrás de todo movimento histórico, e ele dá permissão para tais poderes agirem. O cavaleiro serve-se desta espada como quer, a mesma espada que é dada para o justo exercício da justiça, serve para a opressão, exploração e guerra. Certamente Deus se serve da guerra para julgar a humanidade (Ha 1.6).

3.   Cavalo negro

Este é o terceiro cavaleiro. Ele mede, pesa, distribui e vende. A balança é o seu símbolo.

É a pesagem, a venda, o uso do dinheiro, subtendido. O dinheiro que se paga é o salário de um operário, ou seja”um denário”. Salário este capaz de, em situações normais, satisfazer uma pequena família com suas necessidades básicas.  

A medida do trigo, porém, é muito pequena, serve apenas para suprir a necessidade de uma pessoa. Era portanto, incapaz de suprir o mínimo necessário para a família. Ou seja, as pessoas trabalham um dia inteiro para terem uma medida de trigo que dá para alimentar somente uma pessoa o dia inteiro. Nestas condições o homem não pode sustentar sua família.

Curiosamente: vinho e óleo estão fora do seu poder “Não danifiques o azeite e o vinho”.
É difícil explicar isto, provavelmente significa que o poder do cavaleiro é limitado (não importa qual seja o limite), não pode controlar tudo, dominar tudo. Este cavaleiro representa a economia (especialmente valores relacionados a dinheiro). O fator econômico, a vida, a organização econômica (liberal ou dirigida). Surge aqui o flagelo econômico: escassez, pobreza, fome.

Este cavaleiro tem na mão uma balança.
Comer pão por peso indica uma condição de dureza econômica, de acordo com Ez.4:10 Não designa uma situação de fome absoluta, mas de escassez, de comida escassa, de racionamento de comida. A escassez é para a pessoa que luta e não tem recursos e que come cada vez menos porque não tem poder aquisitivo, nem o seu trabalho é suficiente para dar sustentar dignamente a sua família e a si mesmo.

Este cavalo significa o poder da economia.
Poder este que tem uma dimensão espiritual já que a história das nações é normalmente determinada pelo seu poder econômico. O aspecto financeiro de um país ou de uma região é fator vital para a sua sobrevivência. Normalmente as grandes calamidades, fome, enchentes, normalmente agem contra aqueles que possuem o mínimo e que perdem este mínimo nas tragédias da natureza.

4.   Cavalo Amarelo

O quarto cavalo é lívido, amarelado, clorótico, símbolo da morte e da peste. São idênticos no pensamento da época.

Representa a potência ativa da morte e os meios materiais de sua ação, as doenças, feras, calamidades e tragédias. O inferno (hades) recolhe sua obra. “O inferno o estava seguindo” O efeito da ação deste cavaleiro é devastadora.

Pode destruir ¼ da terra.
Temos alguns exemplos claros na história humana do poder que uma peste tem para dizimar povos. A peste bubônica, a febre amarela e vírus fatais como aids, sem falar da árdua batalha que pesquisadores tem mantido contra o câncer mostram-nos a violência deste cavalo.

Alguns exemplos: 

A Gripe Espanhola provocou a morte de cerca de 50 a 100 milhões de pessoas em todo o globo durante os dois anos da pandemia — chegando a afetar cerca de 50% da população mundial, enquanto a Primeira Guerra Mundial, nos seus quatro anos de duração, matou aproximadamente 8 milhões de pessoas.

No mundo, 37,9 milhões de pessoas vivem com Aids. Desde seu início, nos anos 80, 74,9 milhões de pessoas foram infectadas e 32 milhões delas morreram. 6,2 mil adolescentes e jovens mulheres são ainda infectadas pela doença a cada semana. 

A Peste negra foi uma das mais devastadoras pandemias na história humana, resultando na morte de 75 a 200 milhões de pessoas. Somente no continente europeu, estima-se que tenha vitimado pelo menos um-terço da população, sendo o auge da peste acontecendo entre os anos de 1346 e 1353. A doença era transmitida ao ser humano através das pulgas dos ratos pretos ou outros roedores.

No Brasil, em 2017, foram confirmados 1.127 casos da febre amarela, com 331 pessoas mortas.

Em 2019, Ao todo, foram registrados 1.489.457 milhões casos notificados de dengue até 12 outubro, número cerca de 690% maior do que os 215.585 casos de 2018. A dengue atinge até o momento 708,8 em cada 100 mil habitantes. Foram registrados 1.281.759 casos de dengue no país, ante 183.829 casos em período igual do ano passado - alta de 584%, segundo a pasta. 

A Malária continua sendo um problema de saúde global. No ano passado, foram registrados 212 milhões de casos e 429 mil mortes.A situação é mais grave na África Subsaariana, que concentra 90% dos casos e 92% das mortes em todo o mundo. As crianças com menos de cinco anos são mais vulneráveis. Calcula-se que elas representam 70% de todos os óbitos.

Felizmente o poder das pestes também é limitado, Deus limita as potências do caos e da destruição, como fez em Gn 1.2,3, ao destruir o caos e o vazio. Não pode atingir além da quarta parte da terra.

Estes flagelos não atingem apenas “os maus”, mas alcança igualmente gente inocente e simples, gente fiel e amada de Deus também é vitimada pelos seus feitos. Alcança a todos, manifesta seus efeitos sobre todos. A potência destruidora continua, mas a humanidade ainda sobrevive após o seu efeito devastador, porque O Senhor da história tem as chaves da prisão do inferno e da morte.

O poder final não é da dor, do caos e do inferno e só podem agir quando existe uma permissão explícita para que venham. 6:7

O que representam estes quatro cavaleiros?

Todos eles representam potências, poderes, potestades, principados.

São forças que agem e interagem no desenrolar da História humana:

A Palavra de Deus; (O cavalo branco);
As potências da guerra, os poderes políticos (cavalo vermelho);
As potências econômicas (O cavalo preto)
E as forças da destruição, tais como tragédias, calamidades e pestes, forças naturais, que na verdade são também agentes sobrenaturais) (cavalo amarelo).

As mesmas forças que operam em todas épocas e em todos os regimes. Não dá para eliminar uma coisa ou outra, Suprimir uma ou outra seria negar os mecanismos que movimentam a própria história.

Esta é a proposta básica deste texto, de acordo com Ellul.
"A trama da história é tecida com estas 4 forças em movimentos sempre renovados, sempre presentes, sempre em ação. A história humana é feita pelo envolvimento e mutualidade destes quatro elementos ativos. Não é uma combinação estável e constante. A história não é uma série de acasos, probabilidades, atos fortuitos, acontecimentos inesperados e surpreendentes, mas também não tem uma combinação racional, matemática e rigorosa de um certo número de fatores determinados e coerentes. Não existe casualidade explícita de sistema da história".

Estes 4 cavalos percorrem a terra, aparecendo ora num ponto, ora noutro. Não podemos captar uma lógica no seu galope e por isso podemos ter a impressão de que se trata de um acaso. Mas não há acaso na história, há forças que agem regidas por um propósito maior. O acaso é apenas uma percepção pálida e distorcida que temos dos fatos. A combinação entre as 4 forças, com sua diversidade de ação, numa duração indeterminada, produz um grande número de figuras que podemos ter a impressão de um acaso. Não existe, contudo, casualidade rígida.

No meio da história surgem estes cavaleiros, de forma não previsível, os cavalos surgem correndo, a galope, surgindo e desaparecendo e passam transtornando nossas vidas e nossa compreensão da sociedade e da história. São as forças sem as quais não haveria história. E a história depende deles.

Todos os acontecimentos e fatos podem ser analisados em torno destes 4 cavalos e seus cavaleiros: A palavra de Deus, a guerra e luta pelo poder, as transições econômicas marcadas sucessivamente pela escassez e pela abundância, as enfermidades e pestes, que surgem do nada, poderes incontroláveis, vírus desconhecidos e pavorosos: Aids, Ebola, peste amarela e peste negra são alguns exemplos. Estes cavaleiros são sempre os mesmos, na sua correria desenfreada.

O jogo de forças permanece o mesmo, com roupagens atualizadas. Às vezes encontramos o cavalo vermelho em um lugar, ora ele desaparece de uma região, depois afasta-se e surge em outro lugar.

Quando surgem as guerras, sabemos que existem fatores humanos que desencadeiam tais ações, como a ambição, o ódio, espírito de poder, prestígio, glória, cobiça, e não queremos retirar do homem sua responsabilidade moral sobre a História humana.

Mas este texto também aponta para o fato de apesar de tudo ser do homem, o homem não decide nunca. “Qual dentre os homens tem poder sobre a morte?”  Qual governo, por mais poderoso que seja pode impedir o avanço do vento?

Napoleão Bonaparte, no auge de seu sucesso e de suas conquistas, viu o seu exército sendo dizimado, quando marchava em direção a Rússia, não pelo exército inimigo, mas por uma nevasca de proporções gigantescas.

Alexandre o Grande, morreu de uma simples febre, as 34 anos de idade, depois de conquistas épicas.

Tudo é responsabilidade do homem, mas tudo lhe escapa do seu domínio. Existem forças, potências, energias, os poderosos cavaleiros se movimentam neste volver histórico trazendo suas conquistas e fazendo suas vítimas. Tudo se passa como se estivéssemos diante de uma determinação superior, de uma força irresistível. Nenhum homem pode fazer mais nada quando estas forças, para além dele mesmo se movimentam. Os homens são os agentes, mas muitas vezes apenas os instrumentos. Existem forças que estão além deles mesmos.

Deus enviou juízo sobre o povo de Israel e sobre muitas outras nações conforme nos revela o Velho Testamento. Pestes, guerras e catástrofes são elementos muitas vezes associados na Bíblia a julgamentos de Deus sobre uma nação.

Por exemplo, Deus enviou castigo sobre Joás por ter mandado matar o profeta Zacarias. E neste caso, o castigo foi o exército da Síria,  (a espada: cavalo vermelho). Assim diz a Palavra: “Assim executaram os siros, os juízos de Deus contra Joás” II Cr. 24:24. Esta guerra, aparentemente tinha motivos meramente humanos, mas por detrás dela, este cavalo vermelho sai para agir, quando o Cordeiro o libera para executar os juízos de Deus e realizar os propósitos divinos.

Porém estas quatro forças são em número limitado.

Há quatro e somente quatro. Toda a história é feita da mistura destes agentes, destas potências assustadores e fora de controle dos homens.

Ezequiel nos fala da espada, fome e peste como agentes de Deus (6:11,39; 7:15-39); Zacarias diz que os cavalos são portadores da cólera de Deus. 6:1.
Também são estes três flagelos que Deus oferece a Davi, como opção pelo seu pecado: 3 meses de espada (elementos ativos por intermédio dos homens); 3 dias de peste ou 3 anos de  fome (que agem por si mesmos).
Estes elementos são “forças da história”, l e a expressão dos julgamentos de Deus, são castigos divinos do pecado do homem. São homens que fazem a guerra, que oprimem, mas ao mesmo tempo é a cólera de Deus que se exprime na história, fazendo-a assim, história de Deus.

Marx falava do agentes de produção, dos seres humanos coisificados e manipulados  e resolve anunciar aos homens que construam sua própria História, e neste ponto, precisamos considerar o que Marx está dizendo, mas ao mesmo tempo, este texto afirma que as relações de produção e as forças de produção escapam na sua maioria ao controle dos homens. Há forças do mal que são “desencadeadas”. Os julgamentos de Deus se inserem ao longo de toda História, e não apenas no fim.

A novidade deste texto de apocalipse é que a ação destes 4 cavaleiros é desencadeada pela abertura dos 4 primeiros selos, efetuada pelo Cordeiro.

Quem abre os selos? O Cordeiro.
Em última instância, É Jesus Cristo o senhor desses desencadeamentos, e o agente primeiro, a causa fundante dos movimentos da História.

O Cordeiro que foi morto, não o Cristo triunfante e juiz, justamente aquele que sofreu o peso do galope dos cavalos, esmagados pela justiça dos homens e pela brutalidade e violência dos maus. Este Cordeiro é o que controla os flagelos, os evoca, os libera, o que os anuncia. O Cordeiro revela, torna manifesta a ação destas forças a-históricas (ainda que profundamente históricas), e a-temporais (ainda que profundamente envolvidas na historicidade humana). O Cordeiro abre os selos que permite ler o interior do livro e ver as forças que movimentam a História. Revela quais são as forças componentes da História e foi na sua própria morte que esta revelação se efetuou.

Outro detalhe ainda impressionante no texto, é que estas forças destruidoras não agem sozinhas.

A história não é feita apenas pelos três cavaleiros: preto, vermelho e amarelo. A história é também palco da manifestação da Palavra de Deus. Existe antes de tudo, a manifestação da Palavra viva de Deus.

No curso, no coração, na essência da História humana, no trama, no desenrolar desta história, existe a Palavra. A Palavra de Deus está no âmago dos acontecimentos e da história. Esta Palavra representa tudo aquilo que contribui para a glória de Deus, todo amor que torna Deus presente no meio dos homens, tudo o que mantém a vida contra a morte, que torna Deus presente no meio dos homens.

É no meio da guerra que a Palavra de Deus se revela na ação dos seus agentes, que curam, que restauram as feridas, homens que se dão no resgate daqueles que são vitimados pelas potências econômicas na busca por mais poder  e riqueza;

É no meio das tragédias humanas e da peste, que surgem pessoas fundadas na Palavra de Deus e no Deus da Palavra, é no meio da fome que surgem agentes de Deus, se levantam, revelando o amor de Deus aos necessitados.

A Palavra de Deus é tudo aquilo que faz brilhar e dá alegria, tudo o que é verdadeiro poder ( a coroa) contra a violência estabelecida (a espada); tudo o que é abundância e pacto (o arco), contra o que é fome (a balança). Esta palavra de Deus também se faz História com os outros. Por isso, se não há progresso do reino de Deus como nós esperamos e desejamos, também não há vitória completa do inferno, que se segue ao cavaleiro chamado Morte (6:8).

Por fim, não haverá triunfo da morte, porque a esse cavaleiro branco está prometida a vitória final, sendo ele a própria vitória. A vitória é do cavalo branco, que “saiu vencedor e para vencer”.

Há uma espécie de dialética na Bíblia entre estas potências que se combinam. Se este cavaleiro branco fosse a morte, não haveria nada a se opor. Todos os cavaleiros estariam na mesma linha, não haveria um movimento de ação oposta entre eles. Não seriam, portanto, as forças da História. Para que haja história é necessário que haja um processo dialético. A nossa dialética passa-se entre a história e a supra história, entre as potências históricas e a potência meta-histórica que se torna histórica.


Conclusão

O contraponto da guerra, da fome e da peste é o cavalo branco.
Enquanto a história não chega ao seu desfecho, ainda não somos capazes de vislumbrar todo o seu domínio.  Sua história só será plenamente compreensível, sendo vista retrospectivamente, a partir do fim. É vendo o fim da história que entendemos o momento histórico que vivemos.

A história contém um bloco com começo, meio e fim.
Jesus é aquele que era, que é e que há de vir.

A Bíblia nos mostra a história não numa perspectiva cíclica, repleta de acasos, mas num movimento ascensional, com princípio, meio e fim. A história tem propósito, tem teleologia, possui significa e significante.

Em Zacarias vemos uma cena surpreendente, que fala desta realidade: “O carro em que estão os cavalos pretos, sai para terra do Norte; o dos brancos, após eles” (Zc 6.6). O cavalo negro vai para o Norte, levando a cólera de Deus, mas é dado ao cavalo branco a ordem expressa de o acompanhar.

Felizmente a morte não segue sozinha o seu trajeto. Deus envia o seu cavaleiro no meio da dor e do caos.

O flagelo é sempre acompanhado pelo Verbo de Deus, a qual é, ao mesmo tempo, a expressão de julgamento de Deus e do seu perdão.

Os flagelos se seguem pela sua própria necessidade como agentes da história, e até mesmo para estabelecer o juízo de Deus sobre a terra, mas nunca a história fica sem as manifestações do perdão e da graça.

Mesmo diante dos mais temíveis cavalos: o preto, o vermelho e o amarelo, vemos a presença dialética do cavalo branco, trazendo esperança e anunciando que ainda que existam manifestações trágicas da dor, a vitória não é da morte, nem da espada, nem da guerra, nem da peste, mas do cavalo branco, que “saiu vencendo e para vencer”.

Ainda existe outra poderosa força da história no texto a seguir. São as orações dos mártires... mas isto é assunto para outra conversa.

Aleluia!

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