quinta-feira, 12 de março de 2020

Gl 3.15-29 O Pacto da Graça




Introdução:

A Bíblia é uma unidade, e seu único tema é o Evangelho.
Ela não é um conjunto de fábulas morais isoladas, mas cada passagem aponta e revela o propósito de Deus para salvar a humanidade através de Cristo. A promessa de Deus a Abraão (3.15-18) é confirmada por Moisés (3.19-24) e finalmente cumprida em Cristo (3.25-29). Nós somos membros de seu povo redimido, apenas uma parcela entre todas as gerações. (3.26-29 cf. Rm 8.28).

Nesta passagem Paulo fala de um dos temas centrais Escrituras Sagradas: A Teologia do Pacto.

Spurgeon afirma:
“Tem sido dito que aquele que entendem bem a distinção entre o pacto das obras e o pacto da graça, é um mestre em teologia. Estou persuadido que a maioria dos enganos que os homens cometem concernente às Sagradas Escrituras é baseado sobre os erros fundamentais em respeito ao pacto das obras e da graça”.

A confusão central se dá na errônea interpretação de que no Antigo Testamento temos o pacto das obras. Os homens são salvos pelo que praticam. E no Novo Testamento, o pacto da graça; os homens são salvos pela obra de Cristo e pela graça.

Pergunte a você mesmo: “como os homens do AT eram salvos?” Por obras da Lei ou pela fé em Cristo e nas promessas?

Paulo afirma que estamos debaixo da mesma aliança abrâmica. “Irmãos, falo como homem. Ainda que uma aliança seja meramente humana, uma vez ratificada, ninguém a revoga ou lhe acrescenta alguma coisa. Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente, Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porem, como de um só. E ao seu descendente, que é Cristo” (Gl 3.15,16).

O texto bíblico nos afirma que “mesmo que fosse meramente humana” (o que não é), não seria revogada. Deus fez aliança com Abraão e estamos debaixo desta aliança abrâmica. Portanto, ainda estamos debaixo da mesma aliança. Para entender o papel da lei, precisamos entender o Pacto das obras e o Pacto da graça.

Pacto é uma forma de relacionamento adotado por Deus para com suas criaturas. “Aliança bíblica é um pacto de sangue, soberanamente administrado”(Palm Robertson).

A Confissão de Fé de Westminster, adotada por boa parte das igrejas reformadas, afirma que o pacto das obras, é um pacto operante antes da queda. Ele se deu em Adão. Nossos pais pecaram e incorreram na maldição do pacto das obras. Deus não quebrou sua aliança baseada na obediência, mas os homens se rebelaram contra ela. O Pacto das obras é realizado, não mais com os homens, que falharam, mas com Cristo, o descendente de Abraão. Jesus cumpre toda lei.

Só existem dois pactos em toda Bíblia. “O pacto feito com os pais difere de nosso pacto somente no que diz respeito à sua administração” (João Calvino). Entretanto, as pessoas quando leem a Bíblia pensam que Deus fez várias alianças e cada um destes representa um período ou época, e são diferentes pactos. Isto é chamado em teologia de dispensacionalismo. Eles creem que existem vários pactos na Bíblia. A visão reformada, porém, afirma que existem apenas dois pactos, ainda que com diferentes administrações: Noé (Gn 9.9); Abraão (Gn 17.7);Moisés (Dt 29.10-15); Davi (II Sm 23.5). Entretanto, a Teologia Reformada fala apenas de dois pactos. O das obras feito em Adão (os homens falharam), e o da Graça (feito em Jesus), que cumpriu toda lei.

O Pacto da graça é chamado no Novo Testamento de diferentes nomes:
-Superior aliança (Hb 8.6)
-Segunda Aliança (Hb 8.7)
-Nova Aliança. Porque foi administrada de maneira diferente.

O texto de Gálatas demonstra que Abraão e a Promessa apontam para Jesus (Gl 3.15-18). Deus não desfez sua aliança com Abraão. O pacto está firme (Gl 3.15). Deus, contudo, não fez pactos com os “descendentes” (plural), mas com “o descendente”(singular). (Gl 3.16). Esta aliança não foi baseada na obediência, mas na promessa. (Gl 3.17-18). A Lei não pode “ab-rogar”ou desfazer a Promessa. A Lei de Moisés não mudou os propósitos de Deus. A promessa gratuita opera de forma distinta da Lei, que é baseada na retribuição. Já vimos como Abraão não foi salvo pelas obras, mas pela fé. “Abraão creu em Deus, e isto lhe foi imputado para justiça” (Gl 3.6). “Foi pela promessa que Deus a concedeu gratuitamente a Abraão” (Gl 3.18)

Qual, pois, a razão de ser da lei?

Paulo antecipa uma pergunta que certamente estava na cabeça do leitor, e certamente está na mente do atento estudante da Bíblia. Se a lei não salva, para que existe a lei? Qual, pois, a razão de ser da lei” (Gl 3.19). Podemos encontrar neste texto, algumas razões para a existência da lei.

  1. A impotência da Lei: A Lei é santa, mas inoperante contra o pecado.

A Bíblia demonstra que Moisés e a Lei apontam para Cristo. Porque, se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justificação, na verdade, seria procedente da lei” (Gl 3.21). O propósito da Lei não era o de providenciar meios de auto-salvação, mas mostrar nossos pecados e, portanto, da necessidade de Jesus.

Enquanto não entendermos que somos incapazes e sem poder de obedecer a lei, ainda não entendemos o ponto principal do ensino da lei. “Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que, mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que creem” (Gl 3.22). Todos estão condenados. Todos estão dominados pelo pecado. A Lei pode apontar os pecados, mas não pode dar vitória. Uma visão limitada da lei nos conduz a uma limitada visão da graça. Apenas aqueles que se sentem acuados e prisioneiros da lei podem ser conduzidos a Cristo.

Paulo vai além em Romanos ao afirmar: “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo mundo seja culpável perante Deus” (Rm 3.19). A lei é um “cala boca!” de Deus. Ela mostra o fracasso humano. Ninguém é capaz de cumprir plenamente a lei, por isto, todos foram julgados. Todos são “culpáveis perante Deus”. A lei sentencia e não absolve o homem. O homem poderia ser justificado perante a lei? Sim. Desde que a cumprisse integralmente, todavia, “Não há justo, nem um sequer”  (Rm 3.10).

Então, o que era para a vida, se tornou para morte. A Lei, se cumprida, poderá nos justificar diante de Deus, mas sendo quebrada, nos tornou culpados. O problema não estava na lei, mas no homem: “Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado” (Rm 6.14).  A Lei me condena, ao invés de me absolver e justificar. “Porque, se houvesse uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade, seria procedente da lei” (Gl 3.21).

  1. A Lei foi “adicionada por causa das transgressões” (Gl 3.19).

Esta frase parece meio enigmática e da forma que foi traduzida, não nos ajuda muito a entender qual é o pensamento cristão sobre o papel da lei.

A Nova Versão Transformadora da Bíblia (NVT), nos ajuda a entender esta mensagem: “Qual era, então, o propósito da lei? Ela foi acrescentada à promessa para mostrar às pessoas seus pecados. Mas a lei deveria durar apenas até a vinda do descendente prometido” (Gl 3.19).

Em outras palavras, a Lei era uma espécie de sistema de proteção para impedir que o mal avançasse. Sem o Espírito de Deus agindo na consciência, o homem só poderia ser controlado por uma força externa. Não é assim que, infelizmente, respeitamos a lei? Nós respeitamos a lei porque realmente somos guardiões da lei, ou porque temos medo de fazer alguma coisa errada e sermos punidos?

Há uma conhecida ilustração que nos ajuda a entender isto.

Certo homem dirigia seu carro em velocidade acima da lei e ainda passou pelo sinal vermelho sem respeitá-lo. O guarda o abordou e disse: “Você cometeu duas graves infrações. Por acaso você não viu a placa de velocidade e o sinal vermelho?” E o homem respondeu: Tudo isto eu vi, eu só não vi o senhor.

A lei é um controle externo quando o controle interno não está agindo. Na falta de consciência, tem polícia. Na falta de obediência à lei, existe o guarda; quando a pessoa infringe a lei e comete ato criminoso, aplica-se a justiça. A Lei não deixa as coisas  frouxas, por isto, uma sociedade que perde o temor à lei e à justiça, corre grave risco de anarquia e caos.

  1. A Lei é provisória

A lei possui caráter temporário e passageiro. “Mas, antes que viesse a fé, estávamos sob a tutela da lei e nela encerrados, para esta fé que, de futuro, haveria de revelar-se, de maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio.” (Gl 3.23-25).

A lei tem caráter temporário. Ela só existiu até a vinda da fé evangélica, até a chegada de Cristo.

Para que serve o “aio”?
O aio é um mentor. Quando as pessoas são menores e são incapazes de decidir o rumo que deve tomar a sua vida, sendo elas órfãs, a justiça nomeia um tutor para acompanhá-las. Este mentor aconselha, orienta, protege.

A lei tinha esta função. O alvo de Deus era enviar Cristo, mas até a vinda de Cristo ficamos subordinados à lei. A NVI traduz este texto assim: “Assim, a lei foi o nosso tutor até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. Agora, porém, tendo chegado a fé, já não estamos mais sob o controle do tutor.”

O propósito de Deus para seu povo sempre foi o guiá-lo  não através da lei, mas através do seu Espírito Santo.

Ao falar da Nova Aliança, o profeta Ezequiel anunciava: Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis”. (Ez 36.26,27). O profeta Jeremias ainda é mais enfático na sua afirmação: “Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo”. (Jr 31.31-33).

O alvo de Deus para seu povo não era uma lei externa para governar e punir. Isto é trabalho de tutoria, alguém de fora, algo externo para guiar. O plano de Deus para seu povo é uma obra interna, que nos leva a viver para Deus  não por causa de controle externo, mas porque algo profundo e marcante no coração.

A Bíblia relata o abençoado reinado de Joás, que assumiu o trono aos sete anos de idade. Seu reinado foi de uma fidelidade exemplar, enquanto teve Joiada como seu mentor. Com a morte de seu tutor, contudo, ele se perverteu totalmente e cometeu atrocidades em Israel, e até mesmo quando Zacarias, o filho do seu tutor já falecido resolveu exortá-lo, ele ignorou todo bem recebido de Joiada, e ao invés de se arrepender mandou matá-lo. (2 Cr 24).

Este é o típico exemplo do que acontece com aqueles que são controlados exteriormente. Há muitas pessoas que, ao invés de dependerem do Espírito Santo para guiá-las,  resolvem depender de pessoas, gurus, pastores, ou mesmo da lei, do controle externo, da punição. Quando o Evangelho está presente em nosso coração, as leis de Deus são inscritas no nosso coração. Não fazemos as coisas porque tememos o julgamento dos outros, mas porque a verdade do evangelho está operando em nós. 

Conclusão

Este texto nos fala da graça de Deus e do poder do evangelho.

Este texto nos fala das duas alianças: Uma, trouxe a morte porque a aliança foi quebrada. O elo fraco desta aliança foi o ser humano, que resolveu viver sua vida sem considerar as verdades de Deus. Adão resolveu construir sua vida de forma independente de Deus, e foi devorado pelo seu orgulho. Este é o primeiro pacto, o pacto das obras. O homem podia dizer: “posso não pecar!”.

Deus então, fez uma nova aliança, não mais com os homens, mas com seu Filho. Jesus entra nesta aliança com o Pai. Ele cumpriu toda a lei, foi perfeito em sua obediência, ele pagou o preço com sua própria vida. Ele nos resgatou com seu sangue. Não confiamos em nós mesmos, porque nossa fidelidade é superficial. Confiamos em Cristo e na obra dele.

Agora, uma nova aliança foi feita, por meio de Cristo.
O autor da Carta aos Hebreus é muito claro ao afirmar:

“Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas. Porque, se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para uma segunda. E, de fato, repreendendo-os, diz: Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá, não segundo a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os conduzir até fora da terra do Egito; pois eles não continuaram na minha aliança, e eu não atentei para eles, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. E não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior. Pois, para com as suas iniquidades, usarei de misericórdia e dos seus pecados jamais me lembrarei. Quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer”.(Hb 8.6-13).

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