domingo, 31 de julho de 2022

Lc 3.15-16; 4.1; 4.14 Ele vos batizará com o Espírito Santo

 



 

 

Introdução

 

No Norte da Inglaterra, há inúmeras minas de onde se extrai carvão há longo tempo, sendo que algumas vezes já atingiram camadas muito profundas, com muitos e longos corredores e túneis, havendo constante perigo de que as pessoas se percam nos seus labirintos. Certa ocasião dois velhos operários passaram por uma amarga experiência ao se perderem e suas lanternas se apagarem nas intrincadas galerias da mina. Depois de muito caminharem, um deles sugeriu que parassem, ficassem quietos e tentassem descobrir de que lado vinha o vento, pois ele se desloca sempre em direção à entrada do poço. Repentinamente um deles se pôs de pé e disse: Já o senti, é naquela direção. E assim conseguiram encontrar a saída.

 

Esta é uma boa ilustração para uma vida orientada pelo Espírito Santo. Sem o mover do Espírito, nos sentiremos perdidos, desorientados, com um barco a vela em dias sem vento. Precisamos não de mais conhecimento, nem de melhores estratégias, precisamos da orientação do Espírito de Deus. Precisamos nos orientar pelo movimento do Espírito Santo, que tanto no hebraico quanto no grego vem da palavra vento: Ruah e pneuma, respectivamente.

 

No seu conhecido livro, “O Cristo de todos os caminhos”, um clássico sobre a obra do Espírito Santo, o pregador metodista E. Stanley Jones citando Artur Hard: afirma: “O Espírito Santo é o país desconhecido do cristianismo, o continente negro da vida cristã, o território onde se encontram as fontes da nossa vida espiritual, mas fontes que jazem inexploradas”. E adiante diz ainda: “Quando o ES se distancia de qualquer corrente de opinião, ou forma de caráter, estes definham como planta sem seiva.” (...) “O Natal é a comemoração de Deus conosco. No pentecoste comemoramos Deus em nós. Está Deus apenas conosco e não em nós?” (p.45) “Não sei de outra coisa mais urgente que a necessidade de despirmos o pentecoste dos seus fenômenos e apegar-nos ao fato, no seu sentido real e no seu valor. Acaso teve Cristo visões ou manifestações de emocionalismo? Ele prometeu o Outro da mesma essência.” (p. 50) “Só o pentecoste satisfaz a vida, porque a vida exige ambos, profundidade e extensão. Sem profundidade é superficial.” p. 92)

 

Os escritos Lucanos (Evangelho e Livro de Atos) dão muita ênfase, à obra do Espírito Santo. Lucas faz questão de sintetizar a obra missionária da igreja em Atos afirmando: “mas recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, Judéia e até os confins da terra.” (At 1.8) Estou extraindo três ideias que brotam do texto bíblico que lemos acima, para considerarmos a importância do Espírito Santo na nossa caminhada de fé. Jesus vivia sob a direção e o poder do Espírito, e da mesma forma precisamos de seu poder para caminharmos a jornada cristã.

 

Para nossa reflexão vou usar três textos. O primeiro deles se encontra em Lc 3.3.15-16. Esta é a primeira verdade que precisamos aprender:

 

1.     Precisamos da obra do Espírito Santo para a jornada cristã. Estando o povo na expectativa, e discorrendo todos no seu íntimo a respeito de João, se não seria ele, porventura, o próprio Cristo, disse João a todos: Eu, na verdade, vos batizo com água, mas vem o que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias; ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. (Lc 3.15-16)

 

Deste texto podemos extrair duas ideias:

 

A.    Precisamos deste batismo para sermos verdadeiros cristãos. É interessante observar que este texto nos diz que quem nos batiza é Jesus e o que ele nos dá no batismo é o Espírito santo. Portanto, não existe batismo do Espírito Santo, mas batismo com o Espírito Santo. Jesus é o batizador.

 

Jesus foi muito claro sobre o papel essencial do Espírito Santo. O Espírito Santo é quem nos introduz na vida cristã. “Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.”(Jo 3.3) e “Se alguém não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus.”  (Jo 3.5). Quem nos regenera e dá o novo nascimento é o Espírito Santo, trata-se, portanto, de uma obra do Espírito Santo em nós.

 

A obra cristã não começa, como alguns equivocadamente creem, com o ato público do batismo ou se tornando membro de uma determinada igreja. O princípio é simples: Não nos batizamos para nos tornarmos cristãos, mas porque nos tornamos cristãos, entendendo o evangelho, somos batizados. O batismo de água é apenas sinal, reflexo de algo muito mais profundo. Assim como não assumimos um compromisso público, e colocamos a aliança no dedo, para amarmos determinada pessoa, mas porque amamos queremos selar e declarar publicamente que assumimos integralmente determinada pessoa com o compromisso de cuidar dela, amá-la e protegê-la. O batismo com água é simbólico, aponta para algo mais profundo, assim como a aliança é simbólica, aponta para algo muito mais profundo.

 

A experiência com o Espírito Santo nos dá compreensão espiritual, nos regenera, nos converte, nos santifica, inclina nosso coração em direção a Deus, nos convence do pecado, da justiça e do juízo. Assim, só nos tornamos cristãos quando somos visitados pelo Espírito Santo, quando Jesus nos batiza no Espírito.

 

B.    Precisamos deste batismo para sermos “energizados” por Deus.

 

Não gosto muito do termo “energizado”, porque ele tem sido muito usado pelos espiritualistas e esotéricos, mas foi exatamente esta ideia que Lucas descreveu em At. 1.8). “Mas recebereis poder.” A palavra poder, vem de “dínamo” e existem algumas palavras em português derivadas deste termo.

 

Em máquinas elétricas, dínamo é um aparelho que gera corrente contínua (CC), convertendo energia mecânica em elétrica, através de indução eletromagnética. Outra palavra conhecida é dinamite. Dinamites são artefatos explosivos à base de nitroglicerina e um material absorvente. Têm grande poder destrutivo e são utilizadas na mineração e na construção. Quem descobriu a dinamite foi Alfred Nobel, que perdeu seu irmão e mais quatro funcionários no laboratório quando eles estavam fazendo testes experimentais com este material.

 

Quando Jesus afirma que seus discípulos receberiam “poder”, (At 1.8) ele usa a palavra dínamo. Jesus tinha a compreensão clara de que, sem a obra do Espírito não teríamos força nem combustão para seguir o discipulado e fazer a obra missionária.

 

Alguns anos atrás, eu preguei sobre o texto no qual Joào Batista falava afirma que Jesus nos batizaria com Espírito Santo e com fogo, e uma irmã estava se sentindo muito desanimada na fé cristã, sua vida carecia de fogo, alegria, entusiasmo, ela estava desanimada e quando lemos o texto bíblico, antes mesmo que eu pregasse, ela entendeu: “É disto que realmente estou precisando.” Eu preciso deste poder que vem do Espírito Santo.

 

Vivemos vida pobre e miserável espiritualmente, dominados por medos e patologias, levamos a fé cristã num ritmo debilitante. Precisamos de fogo, precisamos de algo que exploda nosso peito, nos desafie, nos energize, nos potencialize. Falamos muito atualmente de “empoderamento” social e psicológico, mas ninguém tem considerado seriamente a maravilhosa benção de Deus para nossa vida: o empoderamento espiritual, o fogo de Deus acendendo em nossa vida.

 

 “O crente não precisa apenas de perdão, mas de poder para vencer o domínio do pecado. O plano de salvação abrange, pois, o Calvário e o Pentecoste. Calvário é perdão; Pentecoste é poder.” (A.B. Langstom). O ES não só habita em nós, porém cria força e poder em nós. Ele á e força motriz da vida. É o dínamo que põe em movimento todas as faculdades da alma. Se alguém dirige o carro pela estrada, não desce e empurra o veículo, mas guia-o por meio da força que está dentro dele. Assim é aquele que é conduzido pelo Espírito Santo.

 

João Batista afirma que ele nos batizaria com o “Espírito Santo e com fogo.” Será que não deveríamos orar sinceramente para que Deus nos visite com sua maravilhosa graça e nos encha do fogo dos céus, cuja obra é realizada pelo Espírito Santo?

 

O segundo texto que gostaria de analisar encontra-se em Lc 4.1: “Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi guiado pelo mesmo Espírito, no deserto.”

 

2.     Precisamos do Espírito para enfrentar o deserto – “Foi guiado pelo mesmo Espírito, no deserto.”

 

Este texto é curioso porque nos diz que Jesus “foi guiado pelo Espírito, no deserto.” O texto correlato de Mt 4.1 nos diz: “A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito Santo ao deserto, para ser tentado pelo diabo.”

 

O Espírito leva Jesus ao deserto, onde seria tentado pelo inimigo. Por que Jesus precisava passar pelo deserto? Por que o Espírito Santo não apenas permite, mas o leva ao deserto? Sejamos honestos: ninguém quer ir ao deserto. Deserto é lugar de privação, carência, necessidades não satisfeitas, e no caso de Jesus, a companhia não era muito legal. O diabo estaria presente com uma agenda muito clara: Tentação!

 

Ir para o deserto já é, por sua própria natureza, ruim. Ir para o deserto para ser tentado complica ainda mais a realidade. Ter a presença do diabo instigando e provocando, torna tudo muito mais denso e tétrico.

 

Mas a realidade é que muitos personagens bíblicos, e nosso mestre Jesus, tiveram que lidar com o deserto. Este lugar de clima inclemente, grande calor durante o dia e frio intenso à noite. Todos nós atravessamos desertos, alguns irmãos queridos estão passando pelo deserto nestes dias, onde as perguntas e inquietações mais profundas desabrocham, onde as tensões se tornam visíveis e o sofrimento é indescritível. Nestes lugares experimentamos a fome, a solidão, o medo, as questões, as provocações.

 

Jesus também é levado pelo Espírito ao deserto. É importante observar os verbos que descrevem este adentramento espiritual de Jesus no deserto.

 

Como observamos, ele foi levado ao deserto pelo Espírito. (Mt 4.1) Ele não vai sozinho. O Espírito vai com ele. Lucas é ainda mais enfático nesta ideia ao afirmar: “Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi guiado pelo mesmo Espírito ao deserto.” (Lc 4.1)

 

O problema não é se você vai ao deserto, se você tem que ser inserido neste contexto de provocação e medo, a questão é se, além da presença do diabo para tentá-lo e provocá-lo no deserto, você tem a presença do Espírito Santo para ir contigo e guiá-lo. Atravessar o deserto e enfrentar o diabo sem o Espírito é um desastre. O problema não é o deserto nem o diabo, mas a ausência do Espírito Santo. Por isto, Lucas diz que Jesus vai para o deserto, “cheio do Espírito Santo.” Ore para que Deus não permita que você atravesse o deserto sem o poder e a graça do seu Espírito.

 

Por esta razão, o texto de Mateus, descreve assim o final da tentação: “Com isto, o deixou o diabo, e eis que vieram anjos e o serviram.” (Mt 4.11) O diabo deixa Jesus, porque a unção do Espírito está sobre ele. Com o Espírito temos vitória, consolação e provisão de Deus no deserto. Deus envia seus anjos para se aproximarem dele e o servirem. Deus vai estender uma mesa no deserto, vai suprir as necessidades no deserto e vai cuidar de nós no deserto.

 

3.     Precisamos do Espírito Santo para retornar à Galileia – “Então, Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galileia, e a sua fama correu por toda circunvizinhança.” (Lc 4.14)

 

Ele não sai do deserto fragilizado, mas fortalecido. Ele sai “no poder do Espírito.” O deserto não pode ser lugar para abater, mas para fortalecer. Para onde ele vai? Para a Galileia. O que representa a Galileia?

 

A maior parte do ministério de Cristo foi exercido nesta região desprezada pela elite política de Jerusalém. Apesar de ser uma região de terra boa e agricultura, ela não tinha representatividade política e nem relevância religiosa. Ela era até chamada de “Galileia dos gentios” como afirmou o Profeta Isaias. (Is 9.1) Por estar geograficamente mais perto do Mediterrâneo, recebia muita influência de pessoas de outros países e muitos imigrantes. 

 

Galileia representa a região dos enfrentamentos diários que temos na vida. O lugar onde se vive a vida comum. Deserto é excepcionalidade, mas a Galileia possui a característica de ser o lugar no qual precismoz estar diariamente, representa o comum, o ordinário, a vida no seu senso diário.

 

O que Jesus encontra na Galileia?

A primeira coisa que notamos foi sua rejeição. (Lc 4.16-30) Ao entrar cheio do Espírito Santo e fazer a leitura do Profeta Isaias na sinagoga de Nazaré, apesar da admiração de alguns, ele tem que lidar com a oposição. As coisas chegam num nível tão profundo que as pessoas da cidade, decidiram atirá-lo montanha à baixo de uma região montanhosa que era o ponto final daquela cidade e tem uma vista incrível de todo o Vale de Jezreel. Já estive neste lugar, e é uma formação rochosa magnífica. Daquele lugar eles queriam jogar Jesus no precipício. O texto relata que Jesus “passando por entre eles, retirou-se.” (Lc 4.30)

 

Galileia é o lugar onde precisamos lidar com a injustiça, rejeição, oposição. Todos passamos por situações assim. Por alguma razão inexplicável, mas ameaçadora, somos colocados contra o muro, e temos que nos virar para nos livrarmos das acusações e das pedras que nos atiram. Se observarmos o texto, veremos que não havia razão para uma fúria tão desproporcional, mas ao mesmo tempo, veremos Jesus tendo com a ameaça real contra ele.

 

A segunda coisa que acontece na Galileia é que Jesus, mais uma vez, terá que enfrentar o diabo. A luta não se encerra no deserto. Jesus precisa lidar com a realidade bruta da ação do diabo na sociedade em que vive. Quando desce a Cafarnaum, a cidade onde ele havia crescido, naquela sinagoga um “espírito de demônio imundo bradou em alta voz: Ah, que temos nós contigo, Jesus Nazareno. Vieste para perder-nos? Bem sei quem és: o Santo de Deus!” (Lc 4.33-34).

 

Jesus agora não lida com a oposição do diabo contra si mesmo, mas com a realidade brutal do que Satanás está fazendo na vida das pessoas. Ele é um “demônio imundo”, esta é uma boa definição do diabo. É maligno e é imundo. Ele destrói a vida das pessoas, oprime, escraviza, subjuga, e Jesus precisa confrontar o diabo.

 

Precisamos estar atentos ao mal que o diabo tem feito ao nosso redor, nas relações familiares e na sociedade, no ordinário da vida e nos lugares por onde andamos. Discernir o mal na dor humana. Criar uma santa suspeita dos eventos meramente humanos. Há muita coisa estranha acontecendo na vida das pessoas que andam ao nosso redor. É preciso confrontar o mal no dia a dia. O maligno anda na Galileia, na vida comum, no dia a dia. Satanás vive de “andar pela terra e passear por ela”, como ele mesmo se definiu no livro de Jó diante de Deus. Jesus também afirmou que “o espírito imundo procura um lugar para repousar”, anda inquieto, procurando pessoas vulneráveis e desatentas espiritualmente e quando encontra as condições propícias se desenvolve rapidamente como um fungo ou uma bactéria mortal.

 

Alguém chegou a afirmar: “Se você acordar de manhã e não encontrar o diabo, você está seguindo na direção errada.”

 

Conclusão

 

O texto de Lucas 4, começa com a seguinte declaração: “Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi guiado pelo mesmo Espírito, no deserto.” (Lc 4.1), depois de todas as lutas contra as forças espirituais do mal ele conclui com uma descrição final marcante: “Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto; as multidões o procuravam, e foram até junto dele, e instavam para que não os deixasse. Ele, porém, lhes disse: É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado.” (Lc 4.42,43)

 

Jesus enfrenta as lutas diárias e o poder das trevas, cheio do Espírito Santo e guiado pelo Espírito Santo, mas para não perder a referência, o texto por ser assediado e procurado, “Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto.” (Lc 4.42) É preciso permitir que a alma se encontre com Deus. É desta forma que nosso espírito é tomado pelo Espírito divino. Não podemos nos distanciar da fonte de todo bem e toda autoridade. Esta fonte encontra-se no poder do Espírito Santo.

 

Por isto a promessa dada por João Batista se reveste de um significado muito profundo: “Ele vos batizará com Espírito santo e com fogo.” Somente a visitação do Espírito e sua obra em nós, cheia de vida e autoridade, pode capacitar-nos a viver a vida que agrada a Deus. Se existem algo que precisamos na nossa vida pessoal, nos lares, nas igrejas e na sociedade, é do revestimento maravilhoso e poderoso do Espírito Santo e do fogo e poder que ele derrama sobre seu povo.

 

sábado, 23 de julho de 2022

Mc 3.1-6 Como ser cristão sem ser religioso?

 




 

 

 

Introdução

 

Uma das ovelhas mais memoriáveis que tive foi o Sr Jorge Sahium. Quando cheguei para pastorear a igreja de Anápolis, ele já era bem idoso, e numa das visitas que lhe fiz   quando ele estava com 90 anos, ele fez brincadeiras sobre sua idade dizendo: "Pastor, eu morro de medo de ficar velho". Parece um contrassenso dizer o que vou dizer, mas vou parafrasear o Sr Jorge: "Morro de medo de me tornar um religioso".

 

A religiosidade humana muitas vezes vai na contramão da história em relação ao projeto de Deus para nossa vida. Leia Mt 23, onde Jesus está denunciando todo tempo os riscos da religiosidade. Billy Graham afirmou: "Muitas pessoas se tornam religiosas o suficiente para não serem tocadas e confrontadas pelo Evangelho".

 

A religiosidade pode nos tornar estéreis, e secar nosso coração e mente. Algumas das pessoas mais intragáveis, duras, preconceituosas e chatas que conheço são marcadas pela sua intolerância e dureza religiosa. Temos que aprender como ser cristãos sem sermos religiosos, já que o religioso pode atravessar o mar para fazer um prosélito e colocá-lo no inferno duas vezes mais, como afirmou Jesus (Mt 23.15).

 

Neste texto Jesus está lidando de forma direta com este segmento mais perverso da religiosidade. Aliás, jesus foi muito mais duro com os religiosos de seu tempo do que com aqueles que se encontravam na lista dos “pecadores”, afinal, Jesus chegou a ser criticado pelos religiosos do seu tempo por ser amigo dos “publicanos e pecadores.” (Mt 11.19)

 

A verdade é que a religião pode nos afastar de Deus de forma violenta. Neste relato de Mc 3.1-6, Jesus entra na sinagoga, num sábado, para cumprir sua função como judeu. Ao contrário daqueles que hoje decidem se tornar não praticante, Jesus era um judeu praticante. Ele cumpriu toda a lei. Seus pais o levaram para ser circuncidado. Ele tinha compromisso de ler a Torah (A Lei do Antigo Testamento), todos os sábados, ele guardava a lei. Portanto, se você acha que pode ser “evangélico sem ser praticante”, você não está seguindo o seu mestre, que era judeu praticante.

 

O problema não estava na sua prática religiosa. O problema estava em como se pratica a religião, e as possíveis distorções que isto pode causar em nossas vidas. A religião pode nos desfocar do propósito de Deus, e não é sem razão que há um livro na Bíblia escrito especialmente para corrigir as distorções dos “judaizantes”, porque perderam o foco na centralidade do plano de Deus. Jesus tentou, por diversas vezes, colocar as coisas no seu devido lugar, quando lidava com os religiosos. Entretanto, nem sempre isto era fácil, e muitas vezes não produzia qualquer efeito.

 

 

Quais são os perigos da religiosidade

 

  1. Guardar a Lei, mas não o Espírito da Lei – Os religiosos descritos neste texto guardavam o sábado, mas nenhum deles perguntou porque o sábado fora dado.

 

Jesus tenta mostrar que o sábado fora dado para a vida. Deus não precisava de descanso, no entanto o criou para o sábado, pensando no homem, a fim de que ele pudesse restaurar sua energia. Este é o conceito do shabath. O sábado seria uma oportunidade para que a alma pudesse ser restaurada. Esta quebra de atividades seria positiva para o ser humano. Deus estava pensando no bem-estar do homem ao criar o sábado, contudo, os homens o transformaram num instrumento de opressão. Um jogo de poder nas mãos dos religiosos.

 

Alguns estudiosos têm indagado se o sábado não seria o ápice da criação, já que no sexto dia Deus fez o homem mas a criação foi concluída no sábado.

 

Qual é a função do sábado?

Dentre várias funções existe a de se tornar um tempo para reorganizar a mente e as emoções, recarregar as baterias. Estudos têm sido feito para demonstrar quanto o descanso pode ser eficiente para o ser humano.

 

O sábado tem também uma função social, numa sociedade escravocrata, o escravo era alguém sem identidade e valor. Então, era natural serem submetidos a horas intermináveis de trabalho, sem descanso, sem repouso. O sábado, obrigava os senhores judeus a não explorarem seus escravos nestes dias. Pessoas ambiciosas poderiam instrumentalizá-los de forma desumana para tirar o máximo proveito de sua produtividade, esquecendo-se de suas necessidades biológicas.

 

O sábado tinha ainda uma função ecológica. Até mesmo o animal e a terra precisavam de descanso. Teria assim uma implicação de respeito à natureza e ao meio ambiente. No sistema levítico era decretado que a terra tivesse também um ano sabático.

 

No entanto, os religiosos tomaram o lado pior deste mandamento, transformando-o num instrumento de opressão religiosa. A lei que fora dada para vida tornara-se em morte. Deus deseja orientar, guiar, dar sabedoria pela lei. Sua lei é perfeita e restaura a alma, dá sabedoria aos símplices, e agora se tornara numa lei de opressão.

 

Os religiosos censuram Jesus porque come no sábado (Mc 2.23-24), e o censuram por fazer o bem, curando num sábado (Mc 3.5). Eles não haviam entendido o espírito da lei. O homem não foi feito por causa do sábado, mas o sábado por causa do homem.

 

  1. Transformar a religiosidade num fim em si mesma – Qual era o propósito da Lei? Trazer o homem para perto de Deus. Mas a Lei não tocava em aspectos internos, não lidava com a alma humana. Já que não tem poder de penetrar o interior, cuida apenas do exterior do homem (Mc 7.6-10).

 

Então o alvo do homem não era a glória de Deus, mas simplesmente guardar a lei pela lei em si. Eles não entendiam que a lei fora dada para vida. Esta é uma diferença crucial com o Evangelho, já que toca o coração humano, a pessoa pode ser transformada pelo poder que emana do Espírito de Deus.

 

Poucas pessoas têm entendido isto. Alguns ainda diferenciam maturidade emocional de maturidade espiritual.

 

Muitos religiosos têm atração pelo poder, querem controlar, manipular. Certa feita numa reunião de Presbitério disse o seguinte: "a impressão que eu tenho é que vocês conspiram contra o Reino de Deus". Já havia ouvido coisa similar, numa reunião com o grupo de liderança cristã em Brasília, quando o então Ministro Aldo Fagundes afirmou que a liderança de sua igreja conspirava contra a santidade.

 

Conclusão

 

Por que a fé cristã se diferencia da religião?

 

  1. A fé cristã mira mais no valor da vida humana e menos nos rituais religiosos.

 

O que Jesus faz neste texto? Chama o homem para o centro. "Vem para o meio!" (Mc 3.3). Se nossa religiosidade não coloca o valor do homem no centro de nossa teologia, estamos perdendo a referência de Deus. "A religião pura e sem mácula para com nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo." (Tg 2.27) Jesus chama a atenção daqueles religiosos tão preocupados com a lei do Antigo Testamento, ao perguntar-lhes: "É lícito fazer o bem ou o mal?" (Mc 3.4)

 

Como cristãos somos conhecidos por regrinhas: "Não fume, não beba, não dance, não jogue". Não dá para a gente ser conhecido de forma mais humana? Os cristãos são respeitáveis com as jovens; tratam bem o meio ambiente, tratam seus funcionários com dignidade, os maridos cristãos tratam suas mulheres de forma mais cuidadosa? Cuidam dos pobres, lutam pela dignidade do ser humano? Naturalmente não estou aqui fazendo uma apologia destas práticas acima, mas o que gostaria é de que pudéssemos ter uma visão mais madura das coisas espirituais.

 

Era isto que Deus queria mostrar ao seu povo quando falou que não mais escreveria sua lei em tábuas de pedras e sim no coração. Deus está interessado na plenitude da vida interior. Portanto, tudo que fizermos para restaurar o homem à sua dignidade é o que Deus espera de nós.

 

No livro O Profeta Pródigo, Tim Keller afirma como a atitude do profeta Jonas se torna complicada na relação com as pessoas: “Por duas vezes Jonas se ve num encontro com pessoas diferentes dele no que diz respeito à religião e a raça. Em ambas as ocasiões, seu comportamento é de desdém e nada útil, enquanto todos os pagãos têm sistematicamente uma atitude mais admirável que a dele (...) Por que o capitão censura Jonas? Porque Jonas não está interessado em seu bem comum (...) o capitão insiste enfaticamente para que Jonas faça o que puder por todos eles (...) Jonas não usa os recursos de sua fé de forma solidaria ao sofrimento de seus concidadãos humanos (...) amando seu próximo e servindo suas necessidades práticas.” (São Paulo, Ed. Vida Nova, 2019, p. 41-42)

 

  1. A fé cristã confronta nossas motivações – Aqueles homens estavam na sinagoga, diante do salvador do mundo, mas qual era o propósito de estarem reunidos num culto ao Deus todo poderoso? "E estavam observando a Jesus para ver se o curaria em dia de sábado, a fim de o acusarem" (Mc 3.2). Por isto, ao terminar o culto, saíram dali para conspirar em como lhe tirar a vida (Mc 3.6).

 

Vinham a Igreja e saiam pior, para pecar. Usavam o tempo da igreja para maquinar o que poderiam fazer depois do culto. É bom lembrar que o primeiro assassinato aconteceu logo depois de um culto. Caim matou seu irmão Abel, depois de terem participado de uma cerimonia de oferendas a Yahweh. Paulo afirma que muitas pessoas se reuniam nos cultos para pior, e não para melhor (1 Co 11). Em Timóteo, afirma que na igreja existiam aqueles que penetravam sorrateiramente nas casas e conseguiam cativar "mulherinhas sobrecarregadas de pecados, conduzidas de várias paixões" (2 Tm 3.6).

 

Jesus confronta aqueles homens com suas atitudes, suas motivações para estarem na casa de Deus. Qual é o propósito de nossa religiosidade?

 

Certa vez, um casal muito simpático começou a frequentar uma igreja que eu pastoreava. Eles estavam vindo de uma igreja que havia se esfacelado por causa do pecado moral de seu pastor, então, desconfiavam agora de tudo e todos. Então, depois do culto, eles me cumprimentavam na porta da igreja, entre risos e abraços e me diziam: “Pastor, estou te avaliando.” Um dia, porém, eu resolvi conversar com eles e lhes disse: “Vocês têm me avaliado várias vezes, isto significa que todas as vezes que vocês vêm à igreja, vocês não estão abertos para ouvir a palavra de Deus, mas estão prontos para questionar as verdades de Deus. Durante este tempo, vocês não têm compromisso com a igreja, vocês não se sentem livres para adorar porque estão numa atitude de suspeita, não colocam as vidas de vocês a serviço do reino, não contribuem porque vocês não acreditam na liderança desta igreja. Minha sugestão para vocês é que procurem uma igreja na qual vocês possam olhar para o pastor e dizer: “Este aqui é um homem de Deus. Esta igreja é biblicamente séria, e eu preciso parar de ficar avaliando a igreja e permitir que eu possa contribuir para esta igreja.” Pelo que sei, este casal nunca mais retornou à nossa igreja.

 

Qual é a motivação que tenho para o culto? Para a igreja? Para as coisas de Deus? Como me comprometo com elas? Me assento no culto para julgar os outros ou para derramar minha alma diante de Deus? Para adorar a Deus ou para encontrar um motivo para crítica ou condenação como fizeram estas pessoas quando Jesus convidou o homem enfermo para se colocar diante de todos?

 

  1. A fé cristã Focaliza no ponto certo – “Olhando-os ao redor, indignado e condoído com a dureza do seu coração, disse ao homem: Estende a mão. Estendeu-a, e a mão lhe foi restaurada.”(Mc 3.5)

 

O que está no foco central aqui é a vida humana, sua cura e restauração. A glória de Deus se revela quando a vida do ser humano, criado por Deus para ser pleno, se plenifica de fato. Vocês já pararam para perceber que toda cura bíblica tem o objetivo de restaurar o homem à sua condição de normalidade?

 

O alvo de Deus é que o cego veja

O surdo ouça

O paralitico ande

O morto ressuscite

Aquele que se encontra escravizado pelo diabo seja liberto.

 

Por que Jesus age em nossa vida? Para nos curar! Ricardo Barbosa disse que prefere a palavra redenção, e acho a sugestão dele pertinente. A obra de Deus a nosso favor é um resgate, trazendo-nos novamente à condição plena de vida. É isto que o Evangelho de Cristo faz no coração do homem pecador, desorientado, sem rumo, sem direção.

 

Jesus se condói e fica indignado com a atitude dos religiosos porque eles não conseguem entender o propósito de Deus na vida daquele homem, na sua restauração e mesmo participando de uma cerimônia religiosa tinham perdido o sentido de estarem ali . Quão longe estavam da visão de Deus. Queriam tanto guardar o sábado, e não se lembravam do significado do sábado, que visava o bem-estar do homem e sua dignidade. Queriam tanto guardar a Lei, mas não entendiam o foco central da lei, que era dar vida ao ser humano.

 

  1. A fé cristã não está centrada no que fazemos, mas no que Deus faz – A grande verdade é que o Evangelho não é sobre nossas habilidades, competências, virtudes, mas sobre Deus.

 

Por exemplo, se você colocar sua moral na frente você rejeita o evangelho.

Se você pensar que é você quem faz, você perdeu o Evangelho.

Se você tentar fazer qualquer coisa para Deus, achando que com isto você vai impressioná-lo, ao invés de fazer as coisas por Deus, porque ele fez (gratidão), você não está entendendo realmente o evangelho. "Se o maior pecador que você conhece não é você, você precisa se conhecer." - C.S. Lewis.

 

O autor aos hebreus afirma: “Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é fruto dos lábios que confessam o seu nome.” (Hb 13.15). O que é um sacrifício? É algo que fazemos para Deus. Mas que tipo de sacrifício ele deseja de nós?  Sacrifício de louvor. De alguém que reconhece o que Deus fez por ele, e com gratidão oferece a Deus o seu culto. Seu culto não é para impressionar a Deus. O seu culto é para agradar a Deus. O religioso acha que o centro do culto é ele mesmo, mas o Evangelho coloca o centro do culto em Deus.

 

Os cristãos de Galácia, perderam a referência da autêntica fé cristã e começaram a pensar que tudo dependia deles, e Paulo os faz lembrar que Deus é quem está no centro.

 

Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus exposto como crucificado? Quero apenas saber isto de vós; recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?” (Gl 3.1,2)

 

À Igreja de Corinto Paulo é ainda mais claro:

Não que por nós mesmos sejamos capazes de fazer alguma coisa como se partisse de nó; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou a sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata mas o espírito vivifica.” (2 Co 3.5-6)

 

Na carta ao jovem pastor Tito ele afirma: “Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar renovador e regenerador do Espírito Santo.” (Tt 3.5).

 

A fé cristã não é sobre o que fazemos, mas sobre o que Deus faz. Não fazemos as coisas para Deus como uma razão para auto exaltação, mas fazemos como gratidão, declarando nossa alegria pelo que recebemos e nossa gratidão pelo que ele fez.

 

O Evangelho “não é fundamentalmente um modo de vida. Não é algo que fazemos, mas que foi feito por nós e ao qual devemos responder. O evangelho não diz respeito ao que fazemos, mas ao que foi feito por nós; mesmo assim, o evangelho resulta em um modo de viver completamente novo.” (Tim Keller

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O evangelho é, portanto, a notícia do nosso resgate. Estávamos escravizados, perdidos e separados, mas pela obra de Cristo na Cruz fomos libertos, resgatados e reconciliados.

 

Michael Horton, afirma no seu livro “Cristianismo Sem Cristo”, o seguinte:

“Todas as religiões – incluindo o ‘cristianismo sem Cristo’, que não é cristianismo de jeito nenhum – pressupõem alguma forma de redenção por esforço próprio. É sempre surpreendente, irracional e até mesmo ofensivo para os seres humanos ouvir que a salvação não depende da decisão ou do esforço humano, mas de Deus, que mostra misericórdia (Rm 9.16).”

 

Sua conclusão é a seguinte:

“Então, há realmente apenas duas religiões no mundo: a religião do esforço humano para ascender a Deus por meio de obras, sentimentos, atitudes e experiências piedosas, e a religião das boas-novas da descida misericordiosa de Deus até nós em seu Filho. As religiões, filosofias, ideologias e espiritualidades do mundo diferem apenas nos detalhes. Independente de estarmos falando de Dalai Lama ou do Dr. Phil, do Islã ou da Oprah, de liberais ou conservadores, a convicção mais intuitiva é a de que somos boas pessoas que precisam de bons conselhos, não pecadores impotentes que precisam de boas-novas.”