Introdução
Jean tinha apenas 9 anos, mas começou apresentar uma série de distúrbios estranhos como ansiedade fóbica, insegurança em ir para a escola, dificuldade em ter amigos e fortes e estranhos pesadelos. Assustada sua mãe me procurou. Ela estava no seu segundo casamento, e se divorciara três anos atrás, optando para retornar à casa de seus pais, por causa de situação financeira e porque precisava de apoio naquela dura fase de sua vida.
Apesar de um traumático divórcio (alguns afirmam que não existe divórcio não traumático...), seu filho conseguiu organizar-se emocionalmente apesar de ter apenas 6 anos de idade. A presença cuidadosa do avô, aliada ao amor da avó foram suficientes para, em certa medida, compensar a ausência do pai, que agora morava noutra cidade. Depois de dois anos, porém, sendo ela uma mulher jovem e bonita, encontrou outro homem com quem se casou.
Foram então que surgiram os conflitos de forma intensa. A criança não conseguia mais dormir sozinha, pedia para vir para o quarto de sua mãe agora casada com outro homem ou pedia para que ela fosse dormir com ele pois sentia medo. Começou a fazer xixi na cama e a não querer sair de casa.
No encontro que tivemos, chegamos à conclusão que as mudanças foram abruptas e rápidas demais. Em apenas dois anos, ele tivera que fazer duas mudanças, primeiramente saindo da casa do seu pai para a casa do avô, e agora da casa segura do avô para morar com um homem estranho que estava casado com sua mãe. Isto gerou toda aquela situação de fobia. Crianças precisam de estabilidade e rituais, mudanças e inseguranças refletem profundamente na sua autoestima e autoimagem.
Como neste caso acima, é fácil perceber que atitudes emocionais não são construídas no vácuo. Pessoas são seres relacionais que aprendem a conviver e a reagir dentro de uma estrutura específica. Filhos também não agem e reagem sem um perfil histórico e social. A família é o ambiente onde brotam comportamentos tanto positivos, quanto negativos.
Família é local de acolhimento, cura e graça, mas é lugar de ambigüidades, dores e traumas. Em outras palavras, família é cenário de batalha espiritual, e o melhor campo para que estas lutas se processem. Uma pessoa ferida emocionalmente, cujas dores não são devidamente tratadas, não apenas vai se machucar em atitudes e escolhas ambíguas, como também ferirá outros.
Atribui-se a Agostinho o seguinte diálogo: "Com que idade deve um pai começar a ensinar um filho?". Sua resposta: "Vinte anos antes de nascer o Pai". Educação é uma questão de berço.
Em Janeiro de 2008, foi publicado na revista Seleções Reader´s Digest o seguinte: “A conclusão que se tem ao ler estes bilhetes de justificativas é a seguinte: Talvez fosse melhor os professores deixarem seus alunos um pouco de lado e passarem a educar os pais:
§ “Querida escola, por favor, abonem as faltas do João no mês de Janeiro, nos dias 28,29,30,31, 32 e também 33.”
§ “Por favor, dispensem o Ronaldo da aula de educação física, por alguns dias. Ontem ele caiu de uma árvore e deslocou as cadeiras.”
É na família que aprendemos e desaprendemos noções de respeito, de espiritualidade, carícias e experimentamos ternura, acolhimento e oposição e lamentavelmente, rejeição, destruição da autoimagem e abusos. Lares são fábricas de emoções, e as melhores emoções acontecem quando o ambiente familiar favorece esta vivência existencial.
Não existe crise no casamento. Existe crise no coração, que desemboca nas relações interpessoais. Certa moça sabiamente afirmou: “Quando me casei, não sabia a quantidade de lixo que trazia para casa”. Nossa história familiar reflete medos, neuroses, culpas, ansiedades, que vão se confundindo com o relacionamento e tornando quase insuportável a nossa relação, enquanto isto, os filhos vão aprendendo e interpretando as oscilações de humor, alegria, culpa e medo, na medida em que vão discernindo estes aspectos na realidade familiar e na forma como os pais interpretam a vida. A partir daí, constroem sua cosmovisão e fazem suas interpretações. Como querem e como podem.
Bon Jovi entendeu bem este dilema, quando ao ser ameaçado pela sua esposa em mais uma das muitas brigas familiares, ouviu-a dizer: “Não posso mais viver com o seu mau humor, vou embora desta casa, porque não te suporto mais”. Ele então argumentou: “Se você for embora eu também vou, porque eu também já não me agüento”.
Vivemos numa sociedade competitiva, que luta pelo poder e domínio, e nesta luta pela supremacia, dilemas individuais” dentro de casa se confundem e transformam em “nosso” dilema. Não é a família que está em crise, é o coração intoxicado. Relações são apenas espelhos de corações!
Por isto, a terapia e cura da família, deve começar na disposição pessoal de baixar a guarda, não ser tão defensivo e acusador, ter coragem de perdoar ofensas, de reconhecer limites e aceitar o outro. A suposta crise familiar é desfeita quando corajosamente enfrentamos a crise de nosso coração, que não é fácil de ser resolvida.
Filhos problemáticos apontam para uma estrutura familiar complexa e mal resolvida. De alguma forma o pano de fundo emocional foi atingido na sua essência, e eles tentam resolver suas lutas da única forma que conseguem resolver, isto é, reativamente.
O Psiquiatra Scott Peck autor de um inquietante livro, O Povo da Mentira, afirma que quando as pessoas trazem seus filhos com comportamentos disruptivos para serem examinados, na ficha do consultório as pessoas que preenchem os dados têm um espaço onde colocam a expressão: "Paciente identificado". Isto se dá porque nem sempre aquele que está doente e manifesta o sintoma é de fato o enfermo. Muitas vezes ele é apenas o que recebe o impacto de um contexto altamente doentio e patológico, e não sabe como elaborar a agressão sofrida.
Muitos dizem: "Meu filho foi criado na igreja, nos preocupamos com sua educação espiritual, etc", contudo, existem coisas que não se conhece publicamente, existem farsas, máscaras, atitudes que encobrem motivos, e que estão muitas vezes presentes em lares cristãos. Nem sempre temos uma compreensão clara dos comportamentos neuróticos, de uma família legalista, rígida quanto à educação, ou de uma família liberal, frouxa e permissiva na disciplina. Quais impactos estas atitudes adversas gerarão na saúde? As histórias clínicas demonstram que os efeitos são muitas vezes catastróficos, sendo duro e rígido ou licencioso e permissivo. O equilíbrio é sempre salutar.
Fala-se muito hoje do comportamento de co-dependência. Pessoas que adoecem com sua família e se tornam mestres na arte da negação. "Eles aprendem como bloquear aqueles episódios que se tornam fonte de sofrimento. A família também cria um rígido sistema de regras, um pacto de silêncio e cumplicidade não escritos, que guarda os segredos da família(...)como resultado(...) eles nunca têm uma válvula de escape para seus doloridos episódios e emoções confusas que sentem. Na verdade, a família é forçada a viver uma mentira e negar qualquer acusação de anormalidade.[1]
As forças da co-dependência são fortíssimas, criando comportamentos neuróticos. Famílias na qual as pessoas dependem sempre da aprovação de outros, podem gerar comportamentos disfuncionais como a obrigatoriedade de viver debaixo de regras, adequando-se a elas ou subvertendo-as. Grandes expectativas colocadas sobre os filhos podem adoecê-los, causando rigidez ou perfeccionismo.
I. A realidade do problema
Educação se faz por imitação, mais do que por transmissão de informações. Filhos imitam comportamentos paternos. Olhando-os aprendem relacionamentos, a emitir atitudes socialmente aceitáveis ou não. Filhos imitam os pais na irritabilidade, agressividade, acusações e manipulações. Assim como um espelho, a atitude dos pais torna-se paradigma para o comportamento dos filhos, nos aspectos positivos e negativos.
Famílias enfrentam muitos problemas. Existem vários modelos de famílias que vivem debaixo de grande dor e sofrimento. Eis alguns destes deles:
1. Modelos Disfuncionais de família.
Um dos problemas mais comuns que temos em família é o modelo chamado de disfuncional. Trata-se de mecanismos familiares gravemente adoecidos que trazem graves danos emocionais. Algo na formação dos afetos é gravemente danificado. Funcionamentos e regras são muito complexos em si mesmos, e tendem a se tornar um fim, quando deveriam ser meios. Disciplina é apenas métodos, não a finalidade.
Lares disfuncionais são marcados por violência, abuso, rejeição. Muitas vezes por causa do distanciamento afetivo dos pais, a indiferença ou ausência de um ou de ambos, lares excessivamente preocupados com o trabalho e com dinheiro, que se esquecem de construir relacionamentos de amizade e aceitação. O silêncio e a ausência paterna trazem danos, assim como o protecionismo, o espancamento ou a ausência de palavras carinhosas.
Não é muito difícil depararmos com estas situações nos lares, pois não existem famílias perfeitas, apenas famílias redimidas. Eis algumas características destas famílias:
A. Lares competitivos
Muitos lares, por sua natureza e formação, são competitivos em suas abordagens. Tratam a vida como uma luta onde tem que provar e conquistar em todo tempo. Pelo seu temperamento agressivo, exigente e perfeccionista, lidam com a vida através da agressividade e da bronca. A vida em si lhes parece um campo de batalha, e existe pouco espaço para afetividade, celebração e lazer. Vida é luta! Assim tornam-se rígidos, legalistas e inflexíveis. A atitude iracunda está sempre presente. É preciso ganhar sempre, ser o melhor em tudo, ser bom atleta, o melhor estudante, e sem perceber, expectativas tão altas geram insegurança porque nem todos serão um sucesso ou campeões no sentido mais estrito da terminologia no mercado capitalista e de performance. Lares competitivos tendem a ver o bom como inimigo do melhor, e deixam pouco espaço para o fracasso e o insucesso. Fobias, crise de ansiedade, angustia e depressão estão sempre presentes em ambientes assim.
Pessoas que se comportam de maneira feroz, animal, destrutiva, agressivas, demonstram imaturidade e tendem a transformar sua casa num rallye ou numa corrida de cem metros rasos. Por detrás de toda ira está o medo do fracasso, de errar, de não ser bem sucedido, e ao invés de terem consciência da origem de tais sentimentos, preferem continuar buscando a imagem ideal, tornando-se vitimas de si mesmos.
Lares assim são excessivamente ambiciosos, e neste ambiente o Deus Mamom ergue seu altar, e passa a ser reverenciado e adorado (Mt 6.24). Ser bem-sucedido é a meta e isto envolve ter lucros, reconhecimento, ser desejável e receber constante aplauso, mesmo que isto destrua a afetividade e ternura. A Bíblia diz: “Tal é a sorte de todo ganancioso, e este espírito de ganância, tira a vida de quem o possui” (Pv 1.19).
B. Lares perfeccionistas
Esta é outra marca de famílias disfuncionais. São lares nos quais as pessoas não podem errar, marcados por cobranças imensas na tentativa de provar eficácia e competência. Dentre os grandes gigantes que temos a enfrentar no nosso mundo interior, existe o do perfeccionismo.
Normalmente este monstro surge em forma de zelo, de religiosidade, de querer as coisas andando bem, mas isto pode se transformar numa armadilha e consumir nossas vidas.
Paulo afirma que apesar de lutar para viver uma vida íntegra e plena, reconhecia seus limites. “Não que eu o tenha já recebido ou já tenha obtido a perfeição” (Fp 3.12). Ele sabia que esta era a forma com que a lei compreendia a vida e a religião (Fp 3.4-7), mas a conclusão que ele chega é a de sua absoluta compreensão da inutilidade de seus esforços pessoais, e da plena e suficiente obra de Cristo (Fp 3.7-9). Paulo não deseja outra coisa, “senão ser achado nele, não tendo justiça própria que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo” (Fp 3.9). Ele diz agora que o Evangelho o livrou da armadilha da performance, de querer ser perfeito em tudo, e o fez descansar no sacrifício de Jesus Cristo. A justiça e a glória dele estavam não nos seus méritos, mas na obra de Cristo.
Algumas características do perfeccionismo
O perfeccionismo é uma armadilha, que se esconde por detrás de uma roupagem muito especial: da eficiência e competência. Apesar destas coisas serem positivas, podem se tornar um caminho terrível para a alma de quem os possui. Vejamos algumas conseqüências:
- Perfeccionismo adoece espiritualmente – Um pastor da época de João Wesley chegou a escrever um livro sobre isto. O titulo era: O tratamento espiritual para quem sofre de nervos e escrúpulos. João Wesley chegou a tratar deste assunto quando afirmou que “a consciência sozinha não é um guia confiável”. Perfeccionismo é uma distorção espiritual.
Quais são as enfermidades que o perfeccionismo traz para a vida espiritual.
Ø Orgulho – Este é o primeiro dos sintomas. A pessoa perfeccionista, começa a se ver superior aos demais, e a julgá-los a partir de si mesmos e de sua capacidade de realização.
Ø Farisaísmo – Como o orgulho esconde uma fachada, já que as pessoas são pecadoras e falhas, tal pessoa ao invés de adotar uma posição de confissão e arrependimento, entra numa linha de negação e condenação.
Ø Depressão espiritual – Porque a pessoa não assimila a graça, foca então sua vida na sua incapacidade e fracasso. Graça é para pessoas enfermas e incapazes de realizar a obra de Deus. A graça pressupõe limitações. Qual a necessidade da graça se sou tão competente? Quanto mais perfeccionista, mais a pessoa se torna autocentrada. O problema é que a depressão vai surgir. A pessoa percebe seu fracasso, mas não é capaz de admiti-lo e se dirigir para a cruz, trazendo suas conquistas e depositando-as aos pés do Cordeiro. Se isto não for entendido, o que surge é a culpa constante, e a depressão espiritual.
- Perfeccionismo adoece psicologicamente – Muitas pessoas adoecem por causa desta distorção dos sentimentos. Alguns sintomas se tornam bem perceptíveis:
Ø Depressão – Neste caso isto acontece quando a pessoa percebe que não é capaz de realizar de forma tão eficiente como ele pensava que podia. O sentimento de fracasso e a incapacidade de reconhecer suas limitações pode gerar muita frustração, culpa e medo, adoecendo.
Ø Cobrança excessiva de si mesma – Os fariseus atavam fardos pesados sobre si e sobre os outros, embora não fossem capazes de carregá-los. A vida se torna um peso, perde-se a alegria, a espontaneidade, a graça de viver. Vive-se num mundo de cobrança. Tudo é débito!
Ø Culpa imaginária – Por ser incapaz de alcançar seus objetivos da forma como gostaria de fazê-lo, passa a viver debaixo da pressão da culpa. A pessoa nunca atinge o satisfatório e vive debaixo da tirania dos deveres: “devo melhorar e muito”, “devia ter feito melhor”, “tenho que ser capaz de melhorar”. Os três provérbios prediletos do perfeccionista são: poderia ter, deveria ter, teria...
- Perfeccionismo adoece os relacionamentos –
O perfeccionista invariavelmente se torna legalista, e acaba se voltando seu olhar acusatório sobre os outros a fim de se desviar de seus fracassos. Tornam-se críticos, enxergando uma montanha de defeitos nos outros, nunca conseguindo ter amizades sólidas, já que não encontra outros “perfeitos”. Normalmente o perfeccionista não fazem muito na igreja, mas sabem exatamente as áreas em que há falhas e erros. Geralmente é muito duro quanto aos pecados alheios, mas comete outros ainda maiores como a impaciência, julgamento, sentimento de superioridade, etc.
Lares perfeccionistas sofrem cobranças veladas ou não. Filhos crescem tentando provar sua competência, mas nunca satisfazem nem seu coração nem as expectativas irreais que os pais possuem a respeito deles.
C. Lares licenciosos
Outro aspecto a ser considerado de lares disfuncionais é a licenciosidade. Lares frouxos e liberais na educação, sendo que muitos vieram de famílias legalistas e agora tentam compensar assumindo uma posição mais flexível. Ao fazerem isto tentem a fazerem concessões exageradas, sem regras ou princípios. Os filhos ficam sem orientação moral e são obrigados a tomarem determinadas decisões e fazerem escolhas morais quando ainda não estão prontos para assumir o ônus de escolhas mais complexas. O resultado também é catastrófico.
É comum encontrar famílias onde falta noções de respeito, de santidade, de compromissos, de responsabilidade. A Bíblia afirma que “A criança entregue a si mesma cairá no mal”, e é exatamente isto que acontece. As crianças crescem sem cercas e limites, entregues ao seu próprio instinto egoísta e pecaminoso.
Deus colocou pais para serem mentores, orientarem, darem regras de sim e não, e estabelecerem limites, mas lares licenciosos não querem entrar no mérito de criar princípios, porque desejam ser abertos na sua aproximação. O resultado é que os filhos ficam moralmente sem normas éticas e morais.
Em 2009, O cantor Pop, Gilberto Gil, muito apreciado pela sua poesia surrealista, fez uma música que espantou os mais conservadores. Dê uma olhada na letra de sua música, e veja a denúncia que ele faz neste texto.
Os Pais
Gilberto Gil
Os pais os pais
Estão preocupados demais
Com medo que seus filhos caiam nas mãos dos narco-marginais!
Ou então na mão dos molestadores sexuais
E no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades atuais!
Por isso não acham nada demais
Na semi-nudez de todos os carnavais
E na beleza estonteante e tão natural
Da moça que expressa no andar provocante
A força ondulante da sua moral
Amor flutuante acima do bem e do mal
Os pais os pais
Estão preocupados demais
Com medo que seus filhos caiam nas mãos dos narco-marginais!
Ou então na mão dos molestadores sexuais
E no entanto ao mesmo tempo são a favor das liberdades atuais!
Por isso não podem fugir do problema
Maior liberdade ou maior repressão
Dilema central dessa tal de civilização
Aqui no Brasil sob o sol de Ipanema
Na tela do cinema transcendental
Mantem-se a moral por um fio
Um fio dental!
A Bíblia relata a história de um conhecido sacerdote em Israel cujo nome era Eli. Talvez ele seja mais conhecido por causa de Samuel, que foi levado ainda menino para o templo a fim de ser orientado. Eli era um homem de Deus, mas teve sérios problemas na criação de seus filhos. Quando adultos, seguiram a vocação sacerdotal do Pai, que era hereditária, mas estes rapazes, Hofni e Finéias, não eram tementes a Deus, e começaram a usar seu trabalho religioso para beneficio pessoal. Quando as pessoas traziam suas ofertas, eles tiravam daquilo que deveria ser usado para o holocausto e levavam para casa, e se apropriavam indevidamente das coisas sagradas. Isto desagradou profundamente a Deus.
Deus repreendeu Eli, porque ele não conseguia colocava limites aos seus filhos, via as coisas acontecendo, mas não tomava posição. Talvez por causa da idade, ou de seu temperamento, ou até mesmo por medo de repreender a seus filhos, Eli se calou e isto trouxe grave julgamento de Deus sobre sua casa (1 Sm 2.29; 3.13).
Assim como Eli, existem muitos pais licenciosos. Deixando os filhos sem regras, incapazes de repreender seus filhos, de dizer não. As coisas começam a acontecer desde cedo. Os pais se cansam da educar, cansam de corrigir, lidam com a disciplina de forma ambígua, medo e culpa, e os filhos tornam-se desregrados e sem orientação. Conheci casais que eu jamais convidaria para minha casa, porque não saberia lidar com a falta de educação e desatino de seus filhos.
Filhos precisam de não. Pais precisam educar os filhos, repreendê-los de forma firme e consistente, para que não se tornem desordenados. É neste sentido que a disciplina bíblica deve ser aplicada. Disciplina não é para aplacar a raiva de pais esgotados, mas para resgatar o coração dos filhos desobedientes e rebeldes. Alguns afirmam que seus filhos são impossíveis, mas a verdade é que toda criança, entregue a si mesma, tende a se tornar contenciosa e rebelde. Por isto a Bíblia diz: “Não retires da criança a disciplina, tu a fustigarás com a vara e livrarás a sua alma do inferno.” (Pv 23.13) O objetivo é o coração do filho. Lares licenciosos e frouxos, não ajudam no processo da formação do caráter de seus filhos.
D. Lares Codependentes
William Jefferson Blythe cresceu numa família cujo pai era alcoólatra. Sua infância e ambiente foram caracterizados pela instabilidade e caos. Seu pai faleceu antes de seu nascimento num acidente de trânsito. Sua mãe, Virginia Blythe, foi cursar sua faculdade em New Orleans, e ele continuou vivendo com seus avós. Quando ela retornou, casou-se com um homem conhecido por sua truculência, jogatina, bebedeiras e abuso de mulheres cujo nome era Roger Clinton. Antes mesmo de se casar com ele, sua mãe o surpreendeu com outra mulher, mas a despeito disto decidiu continuar o relacionamento.
Neste contexto estava sendo moldado o caráter do futuro presidente dos Estados Unidos. Numa noite, Virginia queria ir visitar sua mãe no hospital e Roger apanhou uma arma e atirou na sua direção, o tiro se cravou na parede da casa. Naquela noite, Bill dormiu na casa de um vizinho. Passou muitas noites ouvindo violentas brigas e discussões. O alcoolismo e a violência cresceram de tal forma que sua mãe o abandonou em 1962, quando Bill tinha 16 anos. Ele que era o filho mais velho teve que depor contra seu padrasto na corte, e a partir daí, o ônus da casa tornou-se dele.
Sua coragem o transformou no herói da sua família. Durante o Ensino Médio tornou-se excelente filho e estudante, apesar de sua casa ser sempre desequilibrada.
Como toda família disfuncional Bill tornou-se mestre da negação. Mantendo os segredos da família. Na tentativa de salvaguardar as aparências, criou uma regra de silêncio. Numa entrevista posterior afirmou que “em geral tivera uma boa vida na infância”.
Um terapeuta afirmou
“Bill negava sua experiência da juventude, apesar dos repetidos episódios de abandono, alcoolismo, divórcio e violência doméstica, disparo de arma, ele descreve sua vida em casa como normal, quando na verdade sua infância deveria ser descrita como caótica e altamente anormal.”
Bill tornou-se o que é conhecido como codependente. Vivia num constante processo de negação de relacionamentos extraconjugais, uso de droga, num esforço de se defender das questões relacionadas a estes assuntos. Sua necessidade de ser agradável o levou a esconder a verdade. Mentia sem nenhuma culpa e rapidamente estava preparado para apresentar desculpas.
Como presidente dizia o que era agradável aos diferentes grupos que o ouviam, pois temia desagradar as pessoas, foi envolvido num escândalo da morte de uma licenciada dentro da Casa Branca, caso ainda não solucionado e posteriormente no seu mais famoso escândalo, teve um caso com a licenciada Mônica Lewinsky.
Lares codependentes lutam com a profunda necessidade de agradar outros e as forças da codependência são fortíssimas. Uma definição possível para esta atitude é um comportamento emocional e espiritual que impossibilita a pessoa de expressar seus sentimentos de forma aberta, bem como de discutir seus problemas pessoais e interpessoais.
Co-dependência é normalmente associada a pessoas que compulsivamente dependentes de outros ou dependentes de drogas, alimentação, pornografia ou álcool. A família do codependente também precisa se adaptar de diferentes formas para equilibrar o comportamento embaraçoso de pessoas dentro de casa. Na tentativa de proteger a família de escândalos, cria-se um código não falado, mas compreendido, no qual a pessoa não pode chorar, desabafar, confessar a dor para qualquer outra pessoa fora do círculo restrito em que vive. Cria-se assim um código de regras restritas, impedindo que a pessoa possa fale de forma aberta e honesta de suas emoções, gerando repressão emocional que causa grande stress. As pessoas passam por crise, mas não podem falar destas coisas proibidas. O conceito de tabu normalmente associa-se a atitudes como estas. Todos são proibidos de falar do tema.
Codependentes tendem a reagir mais que tomar iniciativa. Reagem a comportamentos de pessoas dependentes, a dores, problemas e comportamento de outros, num esforço para equilibrar o sistema familiar, acobertar comportamentos familiares e manter paz nos seus relacionamentos. Assumem responsabilidade pela ação e emoção dos outros, frequentemente culpando a si mesmos pelo comportamento inapropriado dos outros, e com enorme tolerância por desvios bizarros dos outros desde que isto mantenha a aparência do grupo com o qual encontra-se vinculado. Eles podem até se ferir no processo, desde que não firam outros ou que os outros se firam. Encontram grande dificuldade em confrontação e frequentemente querem ser pacificadores. Como resultado tornam-se depositários de ira reprimida e frustração.
Lares codependentes vivem em farsas, mentiras e silêncio. Algumas destas questões sérias são tratadas num sinistro e macabro silêncio como aconteceu na família de Jacó. Seus filhos fizeram um pacto de enganar o pai, e por anos conseguiram manter e sustentar a mentira, até que a verdade veio à tona de forma contundente. Muitos abusos são cometidos em casa, às vezes até mesmo de crianças que são sexualmente defraudadas, mas para manter a aparência e proteger o clã, os membros se silenciam e secretamente engolem a dor. Se por alguma razão, alguém levanta este tema, eles negarão ou darão interpretação diferente para que a imagem da família não seja maculada.
2. Modelos Neuróticos de família.
Em segundo lugar podemos construir uma distinção entre o modelo disfuncional e o neurótico. Tanto o primeiro quanto o segundo são patologias, o que muda é a intensidade. Uma neurose pode ser definida como “um conjunto de problemas de origem psíquica que conservam a referência à realidade, ligam-se a situações circunscritas e geram perturbações sensoriais, motoras, emocionais e/ou vegetativas; psiconeurose.”
Eis alguns modelos mais comuns de neurose:
A. Pais frustrados: São pais com poucas oportunidades de sucesso na sua vida pessoal e profissional, que projetam nos filhos, um desejo de reparar seu fracasso, gerando assim grandes expectativas que sempre se transformam em culpa inconsciente.
É comum encontrarmos crianças que parecem não ter direito à infância. Possuem pesadas agendas a serem cumpridas: Balé, inglês, francês, kumon, teatro, piano, e os pais esperam que seus filhos obtenham sucesso em todas estas áreas além das tarefas escolares. O alvo dos pais nestes casos é o sucesso dos filhos. Eles esperam que seus filhos sejam pessoas bem-sucedidas, e não percebem que transformaram seus filhos em pequenos executivos. Ignoram ainda que o grande desafio não é a formação intelectual, e sim seus corações e afetos.
B. País infiéis: Surgem de lares marcados pela traição, desconfiança, adultério, fragilidade de caráter, fraude e engano.
Podemos ver isto em Davi. Sua vida é descrita na Bíblia de forma quase romântica, de uma pessoa profundamente comprometida com as coisas de Deus, fiel aos seus amigos, e que de repente se envolve num gigantesco escândalo. Dali pra frente é possível perceber como os conflitos familiares se manifestam. Amonm, seu filho mais velho, estupra a irmã; Absalão o mata e foge para o país vizinho; depois retorna e toma o trono de seu próprio pai. O pecado de Davi atinge frontalmente sua casa, e ele não consegue ter a autoridade devida para repreender seus filhos.
Lares marcados por adultério e infidelidade trazem muitas dores, raiva, tristeza e depressão. Mas podemos falar ainda de pais desequilibrados emocionalmente, finanças desorganizadas, ausência de parâmetros morais e disciplina. O atalho é sempre atrativo, mas sempre terminam sempre em abismos.
3. Modelos psicóticos.
Aqui penetramos num ambiente ainda mais profundo, marcado por graves distorções e que deixam marcas profundas e quase irreparáveis. São os lares psicóticos.
Psicose, para a medicina, é uma síndrome neurológica, na qual algumas partes do cérebro não estão funcionando normalmente, geralmente associada à ação de um neurotransmissor nessas áreas, chamado dopamina. Ela se caracteriza pela distorção na percepção da vida real. Etimologicamente, esta palavra vem do grego “psychosis” que significa “condição anormal da mente”. Muitos pais são doentes mentalmente, profundamente afetados pela distorção da realidade e desequilíbrio mental.
Algumas psicoses são hereditárias, e outras marcadas por traumas profundos, perdas emocionais significativas, uso abusivo da droga, violência e álcool. Alguns consideram até mesmo como sendo de origem maligna, causadas pelo diabo. A Bíblia descreve ambientes familiares marcados por atividades malignas. A mulher Siro-fenícia descreve sua filha como alguém “horrivelmente endemoninhada.” Literalmente, o maligno havia construído um ninho na sua casa. (Mt 15.22) Famílias que ainda estão debaixo da maldição, e não se converteram a Jesus, ou que vivem debaixo de práticas de ocultismo e esoterismo são marcadas por desequilíbrio e opressão.
Em lares dominados pela disfuncionalidade surgem sintomas patológicos. Se quisermos criar filhos para que sejam aquilo que Deus gostaria que eles fossem, com saúde emocional e espiritual, precisamos edificar lares emocionalmente saudáveis.
Conclusão: Um Exemplo Familiar
“Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus.” (2 Tm 3.14-15)
A família de Timóteo é um bom exemplo de uma casa resgatada pela obra do Espírito Santo. Queremos relembrar que não existem famílias perfeitas, mas existem famílias redimidas e restauradas pela graça de Deus.
Este texto nos ensina quatro verdades sobre um lar cristão:
- O conteúdo da mensagem ensinada – “...Desde a infância, sabes as sagradas letras.” Timóteo foi instruído nas verdades reveladas por Deus ao povo de Israel. Ele conhecia a Lei porque seus pais tinham o cuidado de ensinar. Muito provavelmente memorizava textos do Antigo Testamento, da Torah (Lei) e dos Nabiim (profetas). Eles não possuíam livros didáticos, mas os pais judeus eram instruídos por Deus a inculcar as verdades de Deus na mente de seus filhos.
“Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.” (Dt 6.6-7)
Timóteo conhecia as sagradas letras porque seus pais tiveram o cuidado de implantar isto em seu coração.
- A Estratégia de ensino – “...Desde a infância, sabes as sagradas letras.” Este texto nos revela quando começaram a ensinar: "Desde a infância." A palavra infância que Paulo usa aqui vem do grego brephos, e significa: "Criança de colo". Isto nos leva a crer que ele foi ensinado por seus pais desde o berço.
Eles não esperaram para que Timóteo ficasse maior para ensinar. Eles não queriam perder tempo. Quando minha filha era ainda muito pequena, um colega me perguntou se eu já estava ensinando a Bíblia, orando e cantando corinhos com ela. Eu revelei certa surpresa achando que era muito precoce e ele me disse: “Como as crianças aprendem a falar? Elas prestam atenção e ouvem os outros falando. É Assim que devemos ensinar a Palavra de Deus.”
Portanto, a estratégia aqui é ensinar deste cedo, desde o berço.
C. A atitude de coerência – Outro aspecto que Paulo faz questão de frisar na educação espiritual de Timóteo, é que ele estava cercado de pessoas cuja fé era autêntica e coerente. Ele afirma que sua vó, Eunice, tinha uma "fé sem fingimento" (2 Tm 1.5).
Poucas coisas são tão destrutivas na educação espiritual que uma fé frágil e contraditória. Quando se estuda a apostasia dos jovens, dois aspectos são sempre mencionados como fatores que tiram a fé do coração dos filhos: Lideranças inescrupulosas na igreja e lares cínicos e hipócritas. Muitos lares vivem sob o estigma do divino, cumprem todos os ritos, frequentam igrejas, mas não imprimem a marca divina nos filhos, perdem a dimensão da fé simples do evangelho, da fé sem fingimento, onde Deus é experimentado de forma profunda e graciosa. Deixam de desfrutar da atmosfera onde o sagrado é vivenciado, orações são respondidas e o testemunho da graça de Deus é compartilhado.
D. O efeito do ensino da Palavra – Este texto nos ensina que Timóteo aprendeu as Sagradas letras que “podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus." (2 Tm 3.15)
O grande objetivo do ensino cristão, o grande alvo é atingir o coração dos filhos de uma forma tão indelével e marcante que tragam salvação aos filhos por meio do Evangelho. Mais do que educá-los para termos descanso, ou recebemos aprovação das outras pessoas, o grande motivo deve ser para conduzir nossos filhos a Deus, apontando o caminho da salvação.
Este relato bíblico sobre a vida de Timóteo e seu aprendizado espiritual nos revelam que lares sólidos, estruturados na Palavra de Deus, marcados pela coerência e integridade são o melhor meio de trazer vida espiritual profunda aos filhos. Isto refletirá numa vida abençoada.
Em Provérbios lemos:
“No temor do Senhor, tem o homem forte amparo, e isso é refúgio para os seus filhos.” (Pv 14.26). Não existem filhos problemas, existem pais problemas. Pais que se refugiam no Senhor, trazem refúgio, segurança, equilíbrio emocional e graça ao coração dos filhos. É isto que desejamos experimentar em nossa vida.
Samuel Vieira
Para ouvir a mensagem:
https://www.youtube.com/watch?v=9g0jolMhTEo&list=PLR9PRkKupu-i8T0yZDtn1G3ESS8lvCvAq&index=2
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