Introdução:
É
impressionante olhar a Bíblia na perspectiva de movimentos e da dinâmica de
Deus no meio do seu povo. Como Frei Carlos Mesters afirmou, A Bíblia relata “A
história de Deus na história dos homens”. Agostinho enfatiza esta ideia ao
afirmar que “quando Deus se agita, o homem se levanta”.
O mover
de Deus é muitas vezes sutil, outras vezes avassalador, na maioria das vezes
surge como eventos políticos e naturais, daí a dificuldade de discernir onde
estão os fenômenos “naturais” e humanos, dos eventos divinos. Esta divisão é
complexa, porque nas Escrituras, Deus está sempre se movendo na história, quer
tenhamos tal discernimento ou não. Naum chega a afirmar que “Deus caminha no meio da tempestade e da
tormenta” (Naum 1.3), mas na sua crise, Elias o percebeu no meio de um
cicio tranquilo, e não no meio de terremotos e rajadas de ventos (1 Rs 19).
Este
texto de Esdras é surpreendente por nos revelar de forma tão clara a ação
surpreendente de Deus, num contexto secular, no meio de uma cultura pagã, e no
coração de um rei que sequer o conhecia. As verdades contidas nestes versículos
são surpreendentes.
A
Primeira verdade é que Deus é Senhor da história
O vs
1, faz questão de afirmar que os eventos de Deus se deram numa situação
concreta da história, num lugar específico. “No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra
do Senhor, por boca de Jeremias, despertou o Senhor o espírito de Ciro, rei da
Pérsia, o qual fez passar pregão por todo o seu reino, como também por escrito,
dizendo:” (Ed 1.1). Temos aqui uma cronologia e uma geografia. Deus não se
revela no vácuo histórico nem num vazio geográfico, pelo contrário, ele se
manifesta num tempo específico. Os personagens são conhecidos, estão nos livros
de história, podem ser aferidos pelas pesquisas históricas.
Assim
a Bíblia faz questão de afirmar muitos outros eventos.
No
nascimento de Jesus, por várias vezes vemos estes aspectos revelados:
...”Nos dias de Herodes, rei da Judéia” (Lc
1.5)
“Naqueles dias, foi publicado um decreto de
César augusto, convocando toda a população do império para recensear-se. Este,
o primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria”
(Lc 2.1,2).
Nestes
textos e tantos outros, há uma intenção clara da Bíblia em revelar Deus se
movendo na história e agindo nela, num espaço e tempo delimitados. A ação de
Deus não acontece de forma vaga, mas
perceptível e histórica. O Deus transcendental se torna imanente. O Deus
a-temporal, se deixa condicionar a realidade humana e se envolve com seus
dramas e teias políticos, agindo até mesmo em contextos pagãos onde a presença
de Deus é ignorada.
Segunda,
Deus zela pela sua palavra
Há outro
aspecto muito interessante que este texto revela. “No
primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor,
por boca de Jeremias”. Isto se deu setenta
anos antes, quando o profeta anunciou que Israel seria levado cativo e ficaria
exilado num tempo delimitado. É natural imaginar que as pessoas que ouviram
tais palavras já haviam morrido, se o texto não estivesse escrito, ninguém
sequer se lembraria da forma como a profecia fora dando e quanto era específica,
mas agora, setenta anos depois, no meio do silêncio e do esquecimento, a
Palavra de Deus, fiel e verdadeira se revela, e a promessa de Deus se cumpre
pois “Deus não é um homem pra mentir, nem filho do homem para se arrepender”.
Se ele prometeu ele há de cumprir.
O
povo havia sido levado para a Babilônia por Nabucodonozor (587 a.C.), após sua
morte, seu filho Belsazar assume o reinado. O capitulo 5 de Daniel revela a
queda da Assíria. No ano 539 a.C., Dario, rei dos medos e dos persas, com a
idade de 62 anos, conquista a região. Posteriormente Ciro assume seu lugar (520
a.C). O povo de Israel se dispersou, vivendo na Assíria enquanto outros foram deportados
para a Pérsia, como se deu com Daniel. Portanto, 70 anos se passaram, e esta
era a hora profética, e assim como Deus havia falado por seus profetas, sua
mensagem agora se cumpre de forma inesperada. O Salmo 126 relata esta
experiência como se tudo fosse um sonho. O povo retornará para a Judéia, e reconstruirá
Jerusalém, reassumindo a terra que Deus havia dado aos seus pais.
Deus
cumpre sua palavra:
“Porque, em verdade vos digo: até que o céu e
a terra passem, nem um i ou um til jamais passara da Lei, até que tudo se
cumpra” (Mt 5.16)
“Porque os dons e a vocação de Deus são
irrevogáveis” (Rm 11.29).
Terceira,
Deus utiliza instrumentos incomuns
Basta
olhar detalhadamente o texto para entender esta verdade: “No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra
do Senhor, por boca de Jeremias, despertou o Senhor o espírito de Ciro, rei da
Pérsia, o qual fez passar pregão por todo o seu reino, como também por escrito,
dizendo:” (Ed 1.1).
Quem
é este Ciro que sai em defesa de Jerusalém e que faz um decreto para sua
reconstrução?
Inicialmente
podemos ter a impressão de que este rei era seguidor de Yahweh, o Deus de
Israel, e até mesmo que fosse um homem íntimo de Deus e piedoso.
Superficialmente podemos ter esta visão. Teria ele se convertido do paganismo?
Deixado os deuses falsos para seguir o Deus verdadeiro?
O
profeta Isaias, nos ajuda a entender como era a espiritualidade deste homem.
Inicialmente chamando-o de “ungido”(Is 45.1), mas logo depois, afirmando que,
apesar de Ciro cumprir a missão de Deus, ele é absolutamente distante de Deus.
O texto mostra que Deus o usaria a despeito de sua relação com ele. “Eu sou o Senhor, e não há outro; além de mim
não há Deus; eu te cingirei, ainda que não me conheces” (Is 45.5).
Deus
usa um homem pagão para realizar seu plano.
Isto
nos leva a entender que os homens cumprem o propósito de Deus, de forma
consciente ou não. Deus vai usar os eventos mais improváveis e absurdos para
levar a história para o alvo que ele deseja. Mesmo um pagão como Ciro.
Ilustração:
Certa
senhora crente estava vivendo dias de muita penúria financeira, e saiu para o
quintal de sua casa a fim de orar e o fez de forma audível: “Senhor, tu sabes
que eu tenho sido fiel, e que tenho dedicado a minha vida ao Senhor. O Senhor
me deu promessas de que cuidaria de mim, e queria lhe pedir que me sustentasse
nestes momentos tão difíceis, enviando recursos para a minha casa”. Seu vizinho
não crente, ouvindo-a, resolveu pregar-lhe uma peça. Foi ao supermercado,
comprou uma cesta básica colocando na porta de sua casa um recado: “Deus me
mandou enviar isto para a senhora”. Então, apertou a campainha e saiu correndo.
Quando
a mulher viu a cesta, voltou repleta de alegria e foi novamente ao quintal para
agradecer. Quando o vizinho a ouviu agradecendo, não se conteve e gritou do outro
lado do muro. “Sua tola, não foi Deus quem lhe deu esta cesta, fui eu. Ouvi
você orando e resolvi comprar uma cesta para a senhora...” e a devota mulher,
então agradeceu dizendo: “obrigado Senhor, porque usou até mesmo um ímpio para
me abençoar”.
Instrumentos
incomuns
Deus
usa instrumentos comuns, ordinários ou não, e até mesmo surpreendentes para
executar seu plano.
Desta
forma é surpreendente o nascimento de Jesus. “Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, convocando
toda a população do império para recensear-se. Este o primeiro recenseamento,
foi feito quando Quirino era governador da Síria” (Lc 2.1,2).
César
era imperador de Roma. Seu decreto atingiria plenamente o plano da redenção.
Maria estava grávida, próxima de dar a luz. José estava ao seu lado,
apoiando-a. Tal decreto era oneroso e não inteligente: para se cadastrar a
pessoa teria que retornar à sua terra natal. Pense na logística que isto envolveria
se hoje tivéssemos semelhante decreto. Pessoas de Alagoas, Pernambuco, Minas
Gerais, deveriam retornar às suas cidades e estados de origem. Enorme custo
financeiro, grande movimentação nas estradas. No entanto, Deus usa este decreto
para que José e Maria fossem a Belém, e assim se cumprisse a profecia dada
cerca de 700 anos antes através do profeta Miquéias, que afirmava que na
insignificante cidade de Belém, nasceria o Messias, redentor de Israel.
Quarta,
Deus mobiliza pessoas para cumprir seus propósitos
Ed
1.5 “Então, se levantaram os cabeças de
famílias de Judá e de Benjamin, e os sacerdotes, e os levitas, com todos
aqueles cujo espirito Deus despertou, para subirem a edificar a casa do Senhor,
a qual está em Jerusalém” (Ed 1.5).
Este
é um dos mais importantes princípios em missiologia: “O Deus que vocaciona, dá
os recursos”. Deus despertou alguns, não
todos. “aqueles cujo espírito Deus
despertou”, e aqueles que se sentiram responsabilizados pela obra foram os que
Deus mesmo quis despertar.
Quem
vai fazer a obra?
Esta
é a pergunta que todo líder busca quando está desenvolvendo algum projeto. Como
as coisas vai se operacionalizar? Qual será a logística? Qual recurso humano
teremos? Quem vai se comprometer e vestir a camisa?
Em
geral usamos recursos e técnicas humanas de motivação, instigamos as pessoas a
responderem e participarem, mas este texto nos revela aquilo que sempre
soubemos e que nunca levamos a sério: a obra é do Senhor. Ele a fará. O
movimento da história é provocado por ele mesmo.
Alguns
anos atrás, estávamos passando por um tempo muito especial na igreja que estou
pastoreando desde 2003. Grandes desafios estavam diante de nós, a igreja estava
em franco crescimento. De repente, Deus agregou a nós, algumas pessoas que
tinham grande intimidade e vida espiritual profunda. Tivemos algumas
experiências muito positivas de oração. Era como se Deus estivesse
arregimentando pessoas para orarem e protegerem meu ministério. Lembro-me disto
com muito temor e gratidão.
Alguns
dias atrás estava conversando com um líder muito especial de nossa igreja. Ele
compartilhou uma experiência sua da provisão de Deus, que me tocou
profundamente o coração. Ele estava falando de si, aparentemente não estava
interessado em trazer nenhuma mensagem para mim, mas Deus o usou para me
lembrar que quem faz a obra é ele. Ele é o dono da vinha. Quem tem o noivo é a
noiva.
Como
pastores facilmente esquecemos disto e queremos mobilizar outros por
estratégias de marketing, bom planejamento, auto-ajuda e motivação. Não devemos
nunca esquecer que Deus é quem mobiliza pessoas para cumprir seu propósito. “E, servindo ao Senhor e jejuando, disse o
Espírito Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho
chamado” (At 13.2).
Quinta,
Deus levanta os recursos para os seus propósitos
Ed 1.6 afirma: “E todos os que habitavam nos
arredores lhes firmaram as mãos com vasos de prata, com ouro, com bens e com
gado, e com coisas preciosas; além de tudo o que voluntariamente se deu.
Também o rei Ciro tirou os utensílios da casa do Senhor, que Nabucodonosor tinha trazido de Jerusalém, e que tinha posto na casa de seus deuses.
Estes tirou Ciro, rei da Pérsia, pela mão de Mitredate, o tesoureiro, que os entregou contados a Sesbazar, príncipe de Judá.
E este é o número deles: trinta travessas de ouro, mil travessas de prata, vinte e nove facas,
Trinta bacias de ouro, mais outras quatrocentas e dez bacias de prata, e mil outros utensílios.
Todos os utensílios de ouro e de prata foram cinco mil e quatrocentos; todos estes levou Sesbazar, quando os do cativeiro subiram de babilônia para Jerusalém”.
Também o rei Ciro tirou os utensílios da casa do Senhor, que Nabucodonosor tinha trazido de Jerusalém, e que tinha posto na casa de seus deuses.
Estes tirou Ciro, rei da Pérsia, pela mão de Mitredate, o tesoureiro, que os entregou contados a Sesbazar, príncipe de Judá.
E este é o número deles: trinta travessas de ouro, mil travessas de prata, vinte e nove facas,
Trinta bacias de ouro, mais outras quatrocentas e dez bacias de prata, e mil outros utensílios.
Todos os utensílios de ouro e de prata foram cinco mil e quatrocentos; todos estes levou Sesbazar, quando os do cativeiro subiram de babilônia para Jerusalém”.
Ao
lermos este texto percebemos que Deus dá muitos recursos e riqueza a Esdras
para financiar a obra de restauração do templo: Ciro autoriza o retorno de
milhares de objetos sagrados: utensílios, bacias de ouro, facas, taças de ouro,
ao todo, cinco mil e quatrocentos utensílios de ouro e prata. Trata-se de muita
riqueza saindo do tesouro da Pérsia para reconstrução do templo.
Até
mesmo muitos dos objetos sagrados que foram retirados do templo há 70 anos
atrás agora estão retornando. Como foram preservados? Levados nos lombos de
camelos por uma viagem de até quatro meses para a Babilônia (atual Iraque), de
lá retirados novamente pelos Persas (atual Irã) e que foram preservados nos
templos pagãos.
Como
foi a liberação destes recursos, uma vez que muitos deles estavam dentro dos
templos pagãos? Provavelmente os sacerdotes destes deuses devem ter
protestado...
Acima
de tudo, porém, percebemos como Deus levanta os recursos. Pessoas, reis,
simpatizantes, muitas pessoas doaram bens para a restauração do templo.
Precisamos
entender que “dinheiro é questão espiritual”.
Preguei
este sermão no dia 31 de Julho de 2017, na minha igreja. Até este último dia do
mês não tínhamos recursos para pagar a folha de pagamento da igreja.
Eventualmente fico preocupado com isto. E se os recursos não vierem?
Imediatamente, contudo, me lembro de duas verdades: primeira, raramente tivemos
algum saldo em nossa conta bancária, durante os 15 anos de pastorado nesta
igreja (2003-2017). Geralmente Deus levanta e mantém a obra, porque ele mesmo é
responsável por ela. Segunda, Deus está pessoalmente envolvido na questão do
sustento de seu projeto. Se Deus estiver naquilo que fazemos, ele mesmo vai
levantar os doadores. Veja o que diz o Esd 1.7: “Todos os que habitavam nos arredores os ajudaram com objetos de prata,
com ouro, bens, gado e coisas preciosas, afora tudo o que, voluntariamente, se
deu”. Deus agiu no coração destas pessoas.
Há
uma declaração surpreendente sobre este assunto em Êxodo, quando Moisés está
levantando recursos para a edificação do tabernáculo, que foi erguido com
ofertas voluntárias: “Disse o Senhor a
Moisés: Fala aos filhos de Israel que me tragam oferta; de todo homem cujo
coração o mover para isso, dele recebereis a minha oferta” (Ex 25.1,2).
Quem iria ofertar? “todo homem cujo
coração o mover para isso”... Este movimento de generosidade e doação, só
Deus pode fazer.
Se
você não contribui, é porque Deus não moveu seu coração... por isto você pode
estar tranquilo, afinal de contas, a culpa é de Deus em não mover o seu
coração. Correto?
Outro
raciocínio, porém, grave e angustiante pode emanar disto. Se você não tem o seu
coração movido por Deus, deveria perguntar ao Senhor: “Deus, por que meu
coração não se move para tua obra? Há alguma coisa errada comigo a tal ponto
que o Senhor não deseja que eu seja envolvido no seu projeto?”
Conclusão:
Este
texto nos fala do mover de Deus na história.
Sempre
me impressionou esta forma surpreendente e maravilhosa do Deus que
soberanamente guia a história. E ele está fazendo isto constantemente.
Cinco
lições extraímos deste texto:
A
primeira é que Deus é Senhor da história
A
segunda, Deus zela pela sua palavra
A
terceira, Deus utiliza instrumentos incomuns
A
quarta, Deus mobiliza pessoas para cumprir seus propósitos
A
quinta, Deus levanta os recursos para os seus propósitos
Em
At 14.17 lemos que “Deus não se deixou
ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo-nos o bem, dando-vos do chuva chuvas
e estacoes frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e alegria”.
Que
coisa maravilhosa!
Deus
participando da história, movendo-se nela, cumprindo seus planos.
Você
tem percebido isto?
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