quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Ed 1.1-3 Deus na história



Introdução:

É impressionante olhar a Bíblia na perspectiva de movimentos e da dinâmica de Deus no meio do seu povo. Como Frei Carlos Mesters afirmou, A Bíblia relata “A história de Deus na história dos homens”. Agostinho enfatiza esta ideia ao afirmar que “quando Deus se agita, o homem se levanta”.
O mover de Deus é muitas vezes sutil, outras vezes avassalador, na maioria das vezes surge como eventos políticos e naturais, daí a dificuldade de discernir onde estão os fenômenos “naturais” e humanos, dos eventos divinos. Esta divisão é complexa, porque nas Escrituras, Deus está sempre se movendo na história, quer tenhamos tal discernimento ou não. Naum chega a afirmar que “Deus caminha no meio da tempestade e da tormenta” (Naum 1.3), mas na sua crise, Elias o percebeu no meio de um cicio tranquilo, e não no meio de terremotos e rajadas de ventos (1 Rs 19).
Este texto de Esdras é surpreendente por nos revelar de forma tão clara a ação surpreendente de Deus, num contexto secular, no meio de uma cultura pagã, e no coração de um rei que sequer o conhecia. As verdades contidas nestes versículos são surpreendentes.

A Primeira verdade é que Deus é Senhor da história
O vs 1, faz questão de afirmar que os eventos de Deus se deram numa situação concreta da história, num lugar específico. “No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor, por boca de Jeremias, despertou o Senhor o espírito de Ciro, rei da Pérsia, o qual fez passar pregão por todo o seu reino, como também por escrito, dizendo:” (Ed 1.1). Temos aqui uma cronologia e uma geografia. Deus não se revela no vácuo histórico nem num vazio geográfico, pelo contrário, ele se manifesta num tempo específico. Os personagens são conhecidos, estão nos livros de história, podem ser aferidos pelas pesquisas históricas.
Assim a Bíblia faz questão de afirmar muitos outros eventos.

No nascimento de Jesus, por várias vezes vemos estes aspectos revelados:
...”Nos dias de Herodes, rei da Judéia” (Lc 1.5)
Naqueles dias, foi publicado um decreto de César augusto, convocando toda a população do império para recensear-se. Este, o primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria” (Lc 2.1,2).

Nestes textos e tantos outros, há uma intenção clara da Bíblia em revelar Deus se movendo na história e agindo nela, num espaço e tempo delimitados. A ação de Deus não acontece  de forma vaga, mas perceptível e histórica. O Deus transcendental se torna imanente. O Deus a-temporal, se deixa condicionar a realidade humana e se envolve com seus dramas e teias políticos, agindo até mesmo em contextos pagãos onde a presença de Deus é ignorada.

Segunda, Deus zela pela sua palavra

Há outro aspecto muito interessante que este texto revela.  No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor, por boca de Jeremias”. Isto se deu setenta anos antes, quando o profeta anunciou que Israel seria levado cativo e ficaria exilado num tempo delimitado. É natural imaginar que as pessoas que ouviram tais palavras já haviam morrido, se o texto não estivesse escrito, ninguém sequer se lembraria da forma como a profecia fora dando e quanto era específica, mas agora, setenta anos depois, no meio do silêncio e do esquecimento, a Palavra de Deus, fiel e verdadeira se revela, e a promessa de Deus se cumpre pois “Deus não é um homem pra mentir, nem filho do homem para se arrepender”. Se ele prometeu ele há de cumprir.

O povo havia sido levado para a Babilônia por Nabucodonozor (587 a.C.), após sua morte, seu filho Belsazar assume o reinado. O capitulo 5 de Daniel revela a queda da Assíria. No ano 539 a.C., Dario, rei dos medos e dos persas, com a idade de 62 anos, conquista a região. Posteriormente Ciro assume seu lugar (520 a.C). O povo de Israel se dispersou, vivendo na Assíria enquanto outros foram deportados para a Pérsia, como se deu com Daniel. Portanto, 70 anos se passaram, e esta era a hora profética, e assim como Deus havia falado por seus profetas, sua mensagem agora se cumpre de forma inesperada. O Salmo 126 relata esta experiência como se tudo fosse um sonho. O povo retornará para a Judéia, e reconstruirá Jerusalém, reassumindo a terra que Deus havia dado aos seus pais.

Deus cumpre sua palavra:
Porque, em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passara da Lei, até que tudo se cumpra” (Mt 5.16)
Porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29).

Terceira, Deus utiliza instrumentos incomuns

Basta olhar detalhadamente o texto para entender esta verdade: “No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor, por boca de Jeremias, despertou o Senhor o espírito de Ciro, rei da Pérsia, o qual fez passar pregão por todo o seu reino, como também por escrito, dizendo:” (Ed 1.1).

Quem é este Ciro que sai em defesa de Jerusalém e que faz um decreto para sua reconstrução?
Inicialmente podemos ter a impressão de que este rei era seguidor de Yahweh, o Deus de Israel, e até mesmo que fosse um homem íntimo de Deus e piedoso. Superficialmente podemos ter esta visão. Teria ele se convertido do paganismo? Deixado os deuses falsos para seguir o Deus verdadeiro?
O profeta Isaias, nos ajuda a entender como era a espiritualidade deste homem. Inicialmente chamando-o de “ungido”(Is 45.1), mas logo depois, afirmando que, apesar de Ciro cumprir a missão de Deus, ele é absolutamente distante de Deus. O texto mostra que Deus o usaria a despeito de sua relação com ele. “Eu sou o Senhor, e não há outro; além de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que não me conheces” (Is 45.5).

Deus usa um homem pagão para realizar seu plano.

Isto nos leva a entender que os homens cumprem o propósito de Deus, de forma consciente ou não. Deus vai usar os eventos mais improváveis e absurdos para levar a história para o alvo que ele deseja.  Mesmo um pagão como Ciro.

Ilustração:
Certa senhora crente estava vivendo dias de muita penúria financeira, e saiu para o quintal de sua casa a fim de orar e o fez de forma audível: “Senhor, tu sabes que eu tenho sido fiel, e que tenho dedicado a minha vida ao Senhor. O Senhor me deu promessas de que cuidaria de mim, e queria lhe pedir que me sustentasse nestes momentos tão difíceis, enviando recursos para a minha casa”. Seu vizinho não crente, ouvindo-a, resolveu pregar-lhe uma peça. Foi ao supermercado, comprou uma cesta básica colocando na porta de sua casa um recado: “Deus me mandou enviar isto para a senhora”. Então, apertou a campainha e saiu correndo.
Quando a mulher viu a cesta, voltou repleta de alegria e foi novamente ao quintal para agradecer. Quando o vizinho a ouviu agradecendo, não se conteve e gritou do outro lado do muro. “Sua tola, não foi Deus quem lhe deu esta cesta, fui eu. Ouvi você orando e resolvi comprar uma cesta para a senhora...” e a devota mulher, então agradeceu dizendo: “obrigado Senhor, porque usou até mesmo um ímpio para me abençoar”.

Instrumentos incomuns
Deus usa instrumentos comuns, ordinários ou não, e até mesmo surpreendentes para executar seu plano.

Desta forma é surpreendente o nascimento de Jesus. “Naqueles dias, foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se. Este o primeiro recenseamento, foi feito quando Quirino era governador da Síria” (Lc 2.1,2).
César era imperador de Roma. Seu decreto atingiria plenamente o plano da redenção. Maria estava grávida, próxima de dar a luz. José estava ao seu lado, apoiando-a. Tal decreto era oneroso e não inteligente: para se cadastrar a pessoa teria que retornar à sua terra natal. Pense na logística que isto envolveria se hoje tivéssemos semelhante decreto. Pessoas de Alagoas, Pernambuco, Minas Gerais, deveriam retornar às suas cidades e estados de origem. Enorme custo financeiro, grande movimentação nas estradas. No entanto, Deus usa este decreto para que José e Maria fossem a Belém, e assim se cumprisse a profecia dada cerca de 700 anos antes através do profeta Miquéias, que afirmava que na insignificante cidade de Belém, nasceria o Messias, redentor de Israel.

Quarta, Deus mobiliza pessoas para cumprir seus propósitos

Ed 1.5 “Então, se levantaram os cabeças de famílias de Judá e de Benjamin, e os sacerdotes, e os levitas, com todos aqueles cujo espirito Deus despertou, para subirem a edificar a casa do Senhor, a qual está em Jerusalém” (Ed 1.5).

Este é um dos mais importantes princípios em missiologia: “O Deus que vocaciona, dá os recursos”.  Deus despertou alguns, não todos. “aqueles cujo espírito Deus despertou”, e aqueles que se sentiram responsabilizados pela obra foram os que Deus mesmo quis despertar.

Quem vai fazer a obra?
Esta é a pergunta que todo líder busca quando está desenvolvendo algum projeto. Como as coisas vai se operacionalizar? Qual será a logística? Qual recurso humano teremos? Quem vai se comprometer e vestir a camisa?
Em geral usamos recursos e técnicas humanas de motivação, instigamos as pessoas a responderem e participarem, mas este texto nos revela aquilo que sempre soubemos e que nunca levamos a sério: a obra é do Senhor. Ele a fará. O movimento da história é provocado por ele mesmo.

Alguns anos atrás, estávamos passando por um tempo muito especial na igreja que estou pastoreando desde 2003. Grandes desafios estavam diante de nós, a igreja estava em franco crescimento. De repente, Deus agregou a nós, algumas pessoas que tinham grande intimidade e vida espiritual profunda. Tivemos algumas experiências muito positivas de oração. Era como se Deus estivesse arregimentando pessoas para orarem e protegerem meu ministério. Lembro-me disto com muito temor e gratidão.

Alguns dias atrás estava conversando com um líder muito especial de nossa igreja. Ele compartilhou uma experiência sua da provisão de Deus, que me tocou profundamente o coração. Ele estava falando de si, aparentemente não estava interessado em trazer nenhuma mensagem para mim, mas Deus o usou para me lembrar que quem faz a obra é ele. Ele é o dono da vinha. Quem tem o noivo é a noiva.
Como pastores facilmente esquecemos disto e queremos mobilizar outros por estratégias de marketing, bom planejamento, auto-ajuda e motivação. Não devemos nunca esquecer que Deus é quem mobiliza pessoas para cumprir seu propósito. “E, servindo ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado” (At 13.2).

Quinta, Deus levanta os recursos para os seus propósitos
Ed 1.6 afirma: E todos os que habitavam nos arredores lhes firmaram as mãos com vasos de prata, com ouro, com bens e com gado, e com coisas preciosas; além de tudo o que voluntariamente se deu.
Também o rei Ciro tirou os utensílios da casa do Senhor, que Nabucodonosor tinha trazido de Jerusalém, e que tinha posto na casa de seus deuses.
Estes tirou Ciro, rei da Pérsia, pela mão de Mitredate, o tesoureiro, que os entregou contados a Sesbazar, príncipe de Judá.
E este é o número deles: trinta travessas de ouro, mil travessas de prata, vinte e nove facas,
Trinta bacias de ouro, mais outras quatrocentas e dez bacias de prata, e mil outros utensílios.
Todos os utensílios de ouro e de prata foram cinco mil e quatrocentos; todos estes levou Sesbazar, quando os do cativeiro subiram de babilônia para Jerusalém”.

Ao lermos este texto percebemos que Deus dá muitos recursos e riqueza a Esdras para financiar a obra de restauração do templo: Ciro autoriza o retorno de milhares de objetos sagrados: utensílios, bacias de ouro, facas, taças de ouro, ao todo, cinco mil e quatrocentos utensílios de ouro e prata. Trata-se de muita riqueza saindo do tesouro da Pérsia para reconstrução do templo.

Até mesmo muitos dos objetos sagrados que foram retirados do templo há 70 anos atrás agora estão retornando. Como foram preservados? Levados nos lombos de camelos por uma viagem de até quatro meses para a Babilônia (atual Iraque), de lá retirados novamente pelos Persas (atual Irã) e que foram preservados nos templos pagãos.
Como foi a liberação destes recursos, uma vez que muitos deles estavam dentro dos templos pagãos? Provavelmente os sacerdotes destes deuses devem ter protestado...
Acima de tudo, porém, percebemos como Deus levanta os recursos. Pessoas, reis, simpatizantes, muitas pessoas doaram bens para a restauração do templo.

Precisamos entender que “dinheiro é questão espiritual”.

Preguei este sermão no dia 31 de Julho de 2017, na minha igreja. Até este último dia do mês não tínhamos recursos para pagar a folha de pagamento da igreja. Eventualmente fico preocupado com isto. E se os recursos não vierem? Imediatamente, contudo, me lembro de duas verdades: primeira, raramente tivemos algum saldo em nossa conta bancária, durante os 15 anos de pastorado nesta igreja (2003-2017). Geralmente Deus levanta e mantém a obra, porque ele mesmo é responsável por ela. Segunda, Deus está pessoalmente envolvido na questão do sustento de seu projeto. Se Deus estiver naquilo que fazemos, ele mesmo vai levantar os doadores. Veja o que diz o Esd 1.7: “Todos os que habitavam nos arredores os ajudaram com objetos de prata, com ouro, bens, gado e coisas preciosas, afora tudo o que, voluntariamente, se deu”. Deus agiu no coração destas pessoas.

Há uma declaração surpreendente sobre este assunto em Êxodo, quando Moisés está levantando recursos para a edificação do tabernáculo, que foi erguido com ofertas voluntárias: “Disse o Senhor a Moisés: Fala aos filhos de Israel que me tragam oferta; de todo homem cujo coração o mover para isso, dele recebereis a minha oferta” (Ex 25.1,2). Quem iria ofertar? “todo homem cujo coração o mover para isso”... Este movimento de generosidade e doação, só Deus pode fazer.
Se você não contribui, é porque Deus não moveu seu coração... por isto você pode estar tranquilo, afinal de contas, a culpa é de Deus em não mover o seu coração. Correto?
Outro raciocínio, porém, grave e angustiante pode emanar disto. Se você não tem o seu coração movido por Deus, deveria perguntar ao Senhor: “Deus, por que meu coração não se move para tua obra? Há alguma coisa errada comigo a tal ponto que o Senhor não deseja que eu seja envolvido no seu projeto?”

Conclusão:
Este texto nos fala do mover de Deus na história.
Sempre me impressionou esta forma surpreendente e maravilhosa do Deus que soberanamente guia a história. E ele está fazendo isto constantemente.
Cinco lições extraímos deste texto:
A primeira é que Deus é Senhor da história
A segunda, Deus zela pela sua palavra
A terceira, Deus utiliza instrumentos incomuns
A quarta, Deus mobiliza pessoas para cumprir seus propósitos
A quinta, Deus levanta os recursos para os seus propósitos
Em At 14.17 lemos que “Deus não se deixou ficar sem testemunho de si mesmo, fazendo-nos o bem, dando-vos do chuva chuvas e estacoes frutíferas, enchendo o vosso coração de fartura e alegria”.
Que coisa maravilhosa!
Deus participando da história, movendo-se nela, cumprindo seus planos.
Você tem percebido isto?

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