sábado, 26 de agosto de 2017

Sola Fide- 2017


 

"Dirigiram-se, pois, a ele, perguntando: Que faremos para realizar as obras de Deus? Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado" (Jo 6.28-29).

Introdução:

A Sola Fide foi um dos principios norteadores da Reforma Religiosa do Sec. XVI, ao lado da Sola Scriptura, Sola Christus, Sola Gratia e Sola Deo Glori. A mensagem fundamental das Escrituras é que tudo o que graciosamente nos acontece, provém de Deus, e nos chega pela sua obra de misericórdia e amor. Graça é uma iniciativa livre, soberana e unilateral de Deus que se move em direção ao pecador rebelde e desobediente. Toda esta graça é recebida nas Escrituras pela mediação da fé. "Pela graça sois salvos mediante a fé, e isto não vem de vós, mas de Deus" (Ef 2.8-9).
A Teologia cristã sempre sofre o risco de contaminação. Acrescentar qualquer coisa aos principios fundamentais da sã doutrina é o que chamamos de heresia, que essencialmente não se trata da negação da fé, mas de acrescentar, retirar, minimizar ou superestimar qualquer ponto da fé bíblica. O princípio da Sola Fide sempre tem sofrido seus acréscimos. Vejamos alguns deles:

1.     Fé + Batismo – Muitos grupos religiosos cristãos afirmam que precisamos crer em Cristo, mas se não batizarmos não seremos salvos. Na Igreja Católica, o batismo é chamado de ex opere operato, isto é, “por força do ato”. Na sua essência possui um poder místico de salvação. A justificação seria aplicada através dos sacramentos. Assim, pelo batismo, a justificação seria infundida ao pecador.

2.     Fé + Caridade – É o fundamento teológico do espiritismo. Neste caso, é quase desnecessária a fé, e pouco importa a fé em Cristo para a salvação, desde que se faça caridade, você tem o passaporte para salvação. Este é o pressuposto humanista de todas as grandes religiões que colocam a salvação como mérito humano.

3.     Fé + Boas obras – É a base do catolicismo, por entenderem erroneamente a expressão de Tiago 2.14-16: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguem disser que tem fé, mas não tiver boas obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados de alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?”. Tiago estaria divergindo do princípio do Sola Fide? Naturalmente não! Ele não está respondendo à pergunta: “como posso ser salvo?”, e sim, “como posso saber que minha fé é autêntica?” A fé já existe, mas ela deve ser evidenciada pela minha vida. Mostre-me sua fé, por (através) de suas obras.

4.     Fé + obras espirituais  – Este princípio é subliminarmente defendido pelo ariminianismo. São obras espirituais. Afirmam que a fé depende do homem, apesar da Bíblia ensinar que a fé é dom de Deus (Ef 2.8). Lutero combateu ainda outra atitude religiosa pregada em seus dias que era o da prática das indulgências. A pessoa colocava dinheiro no cofre da igreja e era perdoada por Deus. Determinadas práticas religiosas trariam perdão de pecados.

A Reforma religiosa,contra tudo isto afirma: Sola Fide. Fé não é justiça nem obra meritória, nem mesmo substituto da justiça.
Entao, precisamos corrigir determinadas distorções presentes ainda em nossos dias, mesmo nas igrejas que historicamente se dizem Reformadas.

Se perguntarmos à maioria dos cristãos "o que é necessário para que crescer como cristão?" A resposta invariavelmente será que precisamos ser mais dedicados, dar melhor testemunho, ler mais a Bíblia, orar mais – em geral, fazer mais coisas. Neste texto Jesus é indagado sobre as mesmas coisas: "Que faremos para realizar as obras de Deus?". Eram pessoas sinceras, querendo agradar a Deus, e não sabiam mais o que fazer. E Jesus afirma que "A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado (Jo 6.28-29)". Em outras palavras, a grande obra nossa é crer em Jesus, e aceitar aquilo que ele fez por nós naquela cruz.

Isto não parece estranho? Não seria melhor se nos fôsse dado uma lista de coisas para fazer e voltássemos para casa tentando fazer tais coisas? Quem sabe algumas fórmulas de "como fazer"? Como ser cheio do Espírito Santo. Como ser crente mais produtivo. Como ser mais fiel, etc...

Foi exatamente esta questão que trouxeram a Jesus. Seria possível ter uma "lista de atividades espirituais" que pudesse agradar a Deus? E Jesus certamente os frustra ao dizer: " A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado (Jo 6.28-29).

Ora, o que Jesus diz é absolutamente contrário ao princípio essencial de todo homem e mulher religiosos. Instintivamente não damos uma resposta baseada na fé, pelo contrário, procuramos fazer uma lista de coisas que são boas do ponto de vista da religião, para agradar a Deus. Esquecemo-nos que não somos salvos pelo amor que exercitamos, mas pelo amor que nos acolheu.

Paulo parece ter entendido claramente isto, e este princípio era pregado pela igreja primitiva. Leia Gálatas 3.1-5, 14. Ele faz aqui uma interessante pergunta: "recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?" (Gl 3.2). O nosso encontro com Deus se dá porque fazemos uma porção de coisas, ou porque cremos naquilo que Cristo fez por nós?

Esta pergunta é retórica, isto é, exige de nós uma resposta concordante. Nós não recebemos o Espírito Santo porque somos cheios de nós mesmos, ou temos credenciais humanas para tanto, ou porque fazemos muitas coisas para Deus. O Espírito nos é dado quando nos esvaziamos de nós mesmos, e olhamos para a obra de Cristo, e entendemos o que ele fez por nós. A partir deste momento começamos um grande exercício espiritual, de confiar não mais nas nossas obras para salvação, mas crer naquilo que Cristo fez por nós. E esta é a obra que Deus deseja de nós se quisermos agradá-lo: Que creiamos em Jesus, que foi enviado para nos salvar.

O Evangelho denuncia todo esforço humano, relativizando-o, e mostrando que para agradar a Deus é necessário colocar a confiança em Jesus, não nos nossos esforços.

O Dr. Gerstner, descreve a situação do homem, por natureza orgulhoso, assim: "Cristo fez tudo quanto é necessário para a nossa salvação. Coisa alguma se posta agora no caminho, entre o pecador e o Senhor Deus, exceto as 'boas obras' do pecador. Coisa alguma pode impedi-lo de vir a Cristo, exceto a sua ilusão de que não precisa dEle(...) Se ao menos os homens pudessem ser convencidos de que não tem justiça própria (...) e que todos estão sujeitos ao pecado – então, nada poderia obstaculizar-lhes a salvação eterna. Tudo o de que necessitam é do senso de sua necessidade. Tudo quanto devem ter é o nada. Tudo quanto se requer deles é que reconheçam a sua culpa. Infelizmente, porém, os pecados não sabem separar-se de suas virtudes. Tais virtudes são todas imaginárias, mas lhe parecem extremamente reais. Por outra parte, a graça divina lhes parece irreal. Desprezam a autêntica graça de Deus a fim de se apegarem às suas próprias ilusórias virtudes. Com os olhos fixos em uma miragem, negam-se a beber a verdadeira água. E sucumbem de sede em meio ao oceano da graça divina".
Paulo pergunta: "recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?" (Gl 3.2). Como é que o Espírito Santo vem para nossa vida, senão quando reconhecemos nosso pecado, nossa incapacidade e olhamos confiantemente para Jesus.

"Que faremos para realizar as obras de Deus?" (Jo 6.28-29).

C. Spurgeon relata que, quando era jovem em Londres, com o coração carregado de pecado, anelava por Deus, mas tudo o que ouvia não lhe infundia segurança. Afirmou que se algum pregador lhe dissesse que deveria levar uma surra de chicotes para ganhar o céu, isto ele faria, se tivessem dito que deveria andar 100 kms, descalço e a pé, isto também ele faria, contanto que soubesse que isto agradava a Deus. Um dia, com 16 ½  anos, entra em um pequeno templo evangélico, e um pregador leigo estava pregando. Era um culto no meio de semana e não havia mais que oito pessoas no templo, e o pregador leu o texto: "Olhai para mim, e sede salvos, vós, todos os termos da terra" (Is 45.22). O leigo começou a explicar o texto da forma mais simples possível: "não é preciso levantar a mão, e nem mexer o pé, coisa alguma precisa ser feita. Basta olhar para o Cristo crucificado. No caso de muitos, o problema é que olham para si mesmos. Enquanto você olhar para seu interior e suas virtudes, nunca encontrará o segredo da salvação. Olhai para Jesus, este é o convite da Palavra". Anos mais tarde ele disse: "naquela hora, minha alma foi invadida pela realidade da graça de Deus. Olhei para a cruz de Cristo, onde ele foi traspassado pelos meus pecados e o vi carregando o peso de minhas culpas sobre si e percebi que tudo estava consumado".

A tensão de realizar

Muitos cristãos ainda hoje vivem sob constante peso de condenação. Quando a base de nossa atividade cristã depende de algo que vem de nós mesmos, nossa força de vontade, nossa determinação, nossa capacidade espiritual, então não há como escapar do senso de culpa, pois nunca poderemos ter certeza de que fizemos o suficiente. Esta atividade frenética leva a exaustão e ao cansaço. Se ao menos crêssemos que a "A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado" (Jo 6.28-29). Que Deus já nos ama, e nada que fizermos ou deixarmos de fazer vai modificar o fato do amor de Deus por nós. A base de nossas obras deve ser nossa gratidão, porque Deus já se agradou, em Jesus de nós, e não para tentar convencer a Deus de se agradar de nós.

O modo operacional – Pela fé ou pelas obras?
Quando preparamos um texto no computador, existe o "sistema de operação" (windows) e um processador de texto (Microsoft Word). É impossível preparar um texto com Word, sem que o sistema operacional que está por detrás dele esteja funcionando adequadamente. Se o sistema não estiver lá você não pode trabalhar com o programa. Se o sistema não for capaz de ser identificado, isto significa que você provavelmente terá um longo dia de frustração pela frente. Se ao tentar ligar novamente, o mesmo problema aparecer isto significa que você não conseguirá fazer absolutamente nada. Da mesma forma podemos dizer que o Evangelho é o nosso sistema operacional, quando nós, pela fé, lançamos mão dele. Nós precisamos crer em Cristo, e nos arrependermos de nossa incredulidade. Este é o nosso fundamento. Fora disto, ninguém pode fazer as obras do pai. Nenhum conselho, lei, programa, sistema, pessoa ou teoria pode funcionar fora disto. Por esta razão, quando as pessoas perguntaram: "Que faremos para realizar as obras de Deus?" Jesus Respondeu-lhes: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado" (Jo 6.28-29). Talvez, para nossa destruição, não temos conseguido identificar a causa porque ainda não conseguimos entender o poder do evangelho e nunca o acionamos em nossa vida. Tentamos fazer com que nosso carro ande, mas sem funcionar o motor do mesmo. É que nem sempre somos avisados disto! Conduzimos carro sem motor, sem energia, e estamos cansados. Somos incrédulos, perdemos a alegria, vivemos em fofoca e maus pensamentos diante de outras pessoas, ou tomado por luxúria e avareza, por não cremos no Evangelho, e seu poder operacional, que é a fé não tem funcionado em nossa vida.

Nesta hora é bom recordar a frase de um grande puritano: "nossa luta em viver a vida cristã não é fazer, mas crer" (John Owen). Pense nisto. Qual é o nosso grande problema? Crer na capacitação do Espírito e confiarmos em nós mesmos. A grande questão é Onde posso obter o poder para obedecer a Cristo. Não apenas como obedecer, mas como encontrar poder para obedecer. Onde está aquele poder para remover montanhas, atravessar mares, perdoar meus inimigos. A única força capaz de vencer nosso desânimo, e nos capacitar a viver para agradar a Deus é a fé. A fé possui um princípio ativo.

Albert Einstein revolucionou o mundo ao afirmar que mesmo uma pequena quantidade de matéria possui uma enorme quantidade de energia. Jesus afirmou também que, mesmo a fé do tamanho de um grão de mostarda, poderia nos capacitar a remover  uma montanha. Fé significa na mente de Jesus, poder espiritual.

Jesus demonstra que as coisas acontecem ou não, por causa da fé. A fé e ou a ausência dela vai determinar se as coisas acontecem ou não em nossas vidas.
Em Mt 17 diz que não expulsaram demônios por que não tiveram fé; Em Mt 21 ele explica a seus discípulos que a figueira se secou rapidamente por causa da fé; Em Lc 17, Jesus diz que não conseguiam perdoar por não terem f'é. A questão é: "Onde posso encontrar poder para obedecer a Cristo? Onde está o poder para remover montanhas na minha vida, ou perdoar meus inimigos? A resposta é "através da fé!"

Fé é a mais alta forma de nossa dependência de Deus. Fé é simplesmente um pecador olhando para Cristo. Esta capacidade de olhar para sua obra redentora é o instrumento de nossa mudança.

"Temos empregado horas e horas procurando ensinar as pessoas a reunirem todos os seus recursos humanos e se esforçarem ao máximo a fim de realizar a obra de Deus, Mas o que estamos mobilizando é a carne. Procuramos fortalecer sua confiança no poder dos números, dos recursos ocultos do espírito humano e nas possibilidades da força da vontade" [1]

Nossa luta na vida cristã não é fazer, mas crer. Qual é a critica principal que Jesus faz aos seus discípulos?
q  "Perguntou-lhes, então, Jesus: Por que sois tímidos, homens de pequena fé?" (Mt 8.26);
q  "Jesus, estendendo a mão, tomou-o e lhe disse: Homem de pequena fé, porque duvidaste?" (Mt 14.31).
q  "Percebendo-o Jesus, disse: Por que discorríeis entre vós, homens de pequena fé, sobre o não terdes pão?" (Mt 16.8).
q  "...Por que motivo não pudemos nós expulsá-lo? E ele lhes respondeu: Por causa da pequenez de vossa fé" (Mt 17.19-20).

Jesus dá à fé uma força poderosíssima, e por isto critica os discípulos a sua incredulidade. Qual é o nosso maior pecado atualmente? Normalmente enfatizamos a ira, a luxúria, a desonestidade, nossa língua e outros comportamentos externos. Mas para Jesus, o maior problema dos seus discípulos é que eles não criam. "Ó geração incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei?" (Mc 9.19). Doutra feita faz a seguinte pergunta: "Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na terra?" (Lc 18.8).
A fé deve ser colocada no foco certo. "A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado" (Jo 6.28-29). Se quisermos agradar a Deus, temos que nos arrepender de nossa incredulidade, e colocarmos nossa confiança plena na obra plena e suficiente de Jesus para nossa salvação, e pedir ao Senhor, que nos dê fé, como aquele homem orava: "Eu creio! ajuda-me na minha falta de fé!"  (Mc 9.24).

A fé é a única forma de fazer as obras do Pai. De receber as promessas espirituais. “Abraão creu, e isto lhe foi imputado para justiça” (Rm 4.6). O homem é justificado pela fé independentemente das obras (Rm 3.28). A fé salvadora é sempre evidencia pelas obras, mas não determinada pelas obras. A questão pode ser chamada de “preposicional”, isto é, determinada pelas preposicoes. Somos salvos para boa obras, e não pelas boas obras.

Fé salvadora não é uma experiencia emocional, nem mera concordância intelectual sobre alguns pressupostos teológicos do cristianismo, mas colocar toda a confiança para salvação em Cristo Jesus, admitir seu completo fracasso, toda insuficiência moral e confiar na, e apenas na, obra de Cristo para salvação. Fé são as mãos vazias de uma alma que se estende àquele que justifica o pecador com base apenas na graça.
Graça é o meio
Fé é o instrumento – Eu aceito, eu recebo!
A fé salvadora, biblicamente, precisa vir só. Qualquer coisa que lhe for acrescentada a contamina, e a torna algo diferente da fé. Um velho hino americano diz: “Numa vida que não vivi, Numa morte que não morri, nisto repousa a minha eternidade”.
Nossa oração hoje deve se voltar neste sentido. "Senhor aumenta-nos a fé. Dá-nos a capacidade de crer, diante dos obstáculos que temos a enfrentar. Dá-nos esta energia que vem da fé e o poder para que possamos continuar lhe obedecendo". Amém.

A história romana narra a história de um rico oficial romano, cujo filho quebrava seu coração, e um escravo chamado Marcelo, a quem admirava profundamente. Percebendo que estava doente e idoso resolve fazer seu testamento deixando toda sua herança para o escravo porque sabia que se deixasse nas mãos do filho, em pouco tempo ele estaria numa situação de miséria, e se deixasse com o eficiente escravo, ele administraria sabiamente e por ser bondoso, jamais deixaria faltar qualquer coisa ao filho. Decidido então, chama o filho para conversar, travando um interessante diálogo. Ao surpreso filho ele fala da sua decisão, dizendo-lhe que, de todos seus bens, o filho teria direito a apenas uma de suas propriedades, esta seria sua única herança. Pela lei romana, o escravo não tinha direito a nada, a menos que recebesse alforria. Quem fosse dono de Marcelus poderia ser dono de tudo aquilo que estava debaixo do domínio de Marcelo, e o filho, para sua surpresa afirmou: “eu fico com Marcelo!”.
Quem tem Jesus possui tudo (1 Co 3.21). Estar em Cristo é receber tudo que lhe pertence, incluindo sua justiça. Isto tudo recebemos pela fé, e somente pela fé.



[1] Stedman, Ray – A dinâmica da vida autêntica, São Paulo, ed. Cresça, 1975, pg. 64-65

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