Introdução
Todos nós adotamos determinados conselheiros que nem sempre são bons para nossa vida.
A. Alguns são dirigidos pela culpa
B. Outros são dirigidos pela ira e ódio
C. Outros pela amargura e ressentimento
Nem sempre somos suscetíveis a todos eles, mas se você é propenso à culpa, certamente você deverá sempre estar atento às sugestões e ordens que ela te dá. Se a amargura domina seu coração, você tenderá a olhar a vida na sua ótica. Se é ódio, você facilmente se tornará um dos sete anões da fábula: O zangado. Que lida com todas as coisas na ótica da bronca e do mau humor.
Alguns são dirigidos pelo medo.
Se o medo é quem te domina, certamente ele será seu mestre, guia e conselheiro.
Carlos Drummond de Andrade escreveu um pesado poema sobre o medo. Não estou certo de que ele o fez depois da morte de sua querida filha, Maria Julieta, com quem tinha uma relação afetiva muito grande. Ainda no cemitério, no sepultamento, disse a um amigo: “A vida perdeu o sentido para mim”. Pouco depois ele morreria, e O Jornal do Brasil estampou na primeira página: "A morte de Drummond não surpreendeu seus amigos mais íntimos”.
Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
...
O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.
...
Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes…
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.
Davi pessoalmente teve que enfrentar o medo em várias situações:
§ Quando enfrentou animais ferozes e teve que lutar contra eles: Um urso e um leão;
§ Quando enfrentou Golias, um guerreiro gigantesco e desafiador.
§ Quando estava sendo perseguido por seu sogro, Saul, e precisava se esconder de caverna em caverna.
§ Quando seu próprio filho Absalão, o destituiu do trono e o expulsou de sua casa.
§ Quando numa de sua campanhas de guerra, sua cidade Ziclague, foi destruída pelos amalequitas, e todos seus filhos e esposas foram levadas cativas, e para culminar o desespero, ele viu seus próprios companheiros o ameaçando de morte, culpando-o pelo incidente.
Contexto:
Este texto nos fala do medo que Davi teve, quando teve que sair do território de Israel, indo refugiar-se no território dos filisteus, em Gate. As coisas estavam até bem quando o rei Aquis, descobriu sua identidade, e o ameaçou de morte. Para escapar da sentença, Davi se torna teatral, de finge de doido, começa a babar, a revirar os olhos, e as pessoas vendo que ele era um louco, o deixaram livre. Que situação patética. Às vezes é preciso se fingir de doido para sobreviver...
Este texto fala-nos do medo.
Em tempos de pandemia, várias perguntas e inquietações podem surgir em nosso coração, sempre trazendo medo, insegurança, imprevisibilidade. Pessoas queridas de nosso circulo de relacionamento morreram, perdemos dois membros de nossa igreja, e é natural que os filhos fiquem inseguros com a saúde dos avós, dos pais, de gente que amamos. Quantas vezes em minha família, o medo estava presente nas conversas que tínhamos por telefone ou whats up, quanto ao cuidado com nossos pais, evitando a presença de pessoas e visitas. Certo dia meu irmão chegou de viagem e estava com tanta vontade de abraçar meus pais, que el pegou um plástico grande, daqueles que cobrem o colchão, se revestiu deles, foi lá “plastificado”, e deu um abraço e um beijo neles e voltou para casa. A vacina tem se tornado um alivio quando vimos as pessoas mais antigas da comunidade recebendo-a.
O medo está presente!
Temos que lidar com tais desafios...
Como lidar com o medo:
A. O Medo é real – “...em me vindo o medo”. (Sl 56.3)
Davi não nega a realidade do medo. Como vimos, muitas vezes ele estava ameaçado e amedrontado. O medo é real, e é até mesmo importante que tenhamos medo em certo nível. O medo gera prudência, cautela, cuidado.
Hoje se fala muito em negacionismo. Jovens vivem muito nesta dimensão. Para eles, a morte é algo tão distante, que não parece que podem perder a vida. Na medida em que envelhecemos nos tornamos mais prudentes. Mas a falta de medo da morte, tem sido a causa da exposição a atividades de risco, esportes perigosos e a aventuras. A negação do perigo leva as pessoas a não verem os riscos. A Bíblia diz que “o prudente vê o mal e se esquiva, mas os simples passam adiante e sofrem a pena”. É muito arriscado viver como a personagem da literatura Polyanna, que acha que está tudo certo, não há problema, tudo é belo.
Existe até uma fábula sobre um determinado mestre que dizia que tudo que vemos é um efeito ótico equivocado. As árvores são meramente projeções visuais, tudo é ilusão, nada existe. O que vemos são meras contemplações. Até que, num determinado dia, estando ele e seus discípulos caminhando numa estrada de terra, viram surgir diante deles um boi bravo, que começou correr na sua direção. Todos discípulos e o mestre saíram desenfreadamente, tentando escapar do boi subindo nas árvores. Um dos discípulos ao ver o mestre agarrado num galho disse-lhe: “Mestre, uma vez que tudo isto é ilusório, porque fugimos do boi?” E o mestre saindo com uma resposta evasiva: “É porque eu não sei se o boi sabe disto”.
Eventualmente o medo é real. O contexto com o qual lidamos é real. Nos sentimos fragilizados, trememos na nossa estrutura. Não é errado ter medo!
Ao escrever este Salmo, Davi se sentia ameaçado: “Os que me espreitam continuamente querem ferir-me; e são muitos os que atrevidamente me combatem” (Sl 56.2). O ambiente político não era favorável. Ele estava preso em Gate, onde teve que se fingir de doido para se livrar da sentença de morte. O medo é real. As coisas estavam bem complicadas.
Sabemos que existe o medo patológico, alucinatório, paralisante, mas aqui o medo é real. Davi afirma: “Em me vindo o medo”. Ah! Todos nós, em alguns momentos ficamos assustados com as noticias que recebemos, com um acidente que sofremos, como uma enfermidade dura com a qual temos que lidar, com inimigos que nos ameaçam. O medo é uma realidade.
B. Precisamos colocar o medo na dimensão correta
Medo excessivo pode ser patológico e precisa ser confrontado e tratado. Medos reais e ameaças reais, precisam ser dimensionadas e esquadrinhadas. Mas precisamos entender que muitos medos tem a ver com nossa fragilidade emocional, e algumas vezes ele é tão mal dimensionado, que pode impedir-nos de avançar em direção às conquistas que precisamos ter. São medos criados por nós, ou inculcados em nós por outras pessoas. Não são reais, mas ilusórios e podem assumir uma verdadeira paranoia.
Por causa do excesso de medo, surgem as teorias conspiratórias, o senso de ameaça por todos os lados.
O medo precisa ser colocado no lugar certo...
Nem negação, nem exagero.
C. Precisamos tratar corretamente do medo
Davi afirma: “em me vindo o temor, hei de confiar em ti”. (Sl 56.3). O que ele faz? Ele coloca o medo no lugar certo. Na dimensão que pode trazer solução.
O que Davi faz? Ele coloca em Deus.
Quando o medo vem, ele coloca os olhos em Deus.
Em geral, o excesso de preocupação e temor nos adoece. Torna-se idolátrico. Olhamos muito para a tempestade, mas não enxergamos o Deus da tempestade no meio da tempestade. Quando Pedro teve medo e começou a afundar, o texto bíblico afirma: “reparando, porém, na força do vento, começou a submergir”.
O medo era real?
A situação era assustadora?
Mas enquanto ele olhou para Jesus ele pode andar sobre as águas. Seu problema foi parar de colocar seu olhar no lugar certo. Ele começou a perceber quão grandes eram as ondas, mas se esqueceu de colocar seus olhos no Deus que controla as ondas. As ondas eram enormes e ameaçadoras, mas o Deus que estava por trás das ondas era maior e mais poderoso.
Davi realmente era capaz de confiar em Deus em momentos ameaçadores.
Um destes momentos aconteceu quando a sua cidade foi invadida, como relatamos. Todos família e bens foram levados. Entretanto, o que fez Davi nesta hora: “Davi se reanimou no Senhor, seu Deus”. (1 Sm 30.6)
O salmista vai usar algumas razões para não viver dominado pelo medo:
A. Se Deus está no controle de todas as coisas, por que eu deveria viver amedrontado: (Sl56.4).
Que me poderá fazer o mortal?
Circunstâncias, enfermidades, tudo está nas mãos de Deus.
O salmista reconhece a realidade das ameaças:
“Em Deus, cuja palavra eu exalto, neste Deus ponho a minha confiança e nada temerei. Que me pode fazer um mortal? Todo o dia torcem as minhas palavras; os seus pensamentos são todos contra mim para o mal. Ajuntam-se, escondem-se, espionam os meus passos, como aguardando a hora de me darem cabo da vida.” (Sl 56.5-6).
B. Deus trata minhas necessidades de forma pessoal, ele me conhece
a. Deus conta todos os meus passos – (Sl 56.8). Nestes últimos dois meses tivemos a alegria de ter nossos filhos passando uma temporada conosco, aproveitando a oportunidade de fazer home office. Por isto pudemos ver os primeiros passos de nosso netinho.
Eles caem tanto que uma amiga recomendou em forma jocosa que deveríamos comprar um capacete para ele, de tanto que caia. Aos poucos seus passos foram firmando, e quando isto acontece, não é fácil acompanhar os passos de uma criança que agora descobre que pode andar. Cada passo precisa ser cuidadosamente guardado, os pequenos degraus se tornam uma verdadeira ameaça. Seguir os passos de alguém não é muito fácil.
Entretanto, o salmista afirma que Deus “conta todos os seus passos”. É uma metáfora interessante para descrever que, assim como fazem os pais com o pequeno bebê, Deus está observando cada passo que damos para não tropeçarmos, para não cairmos, para não sofrermos as consequências dos tombos que desastrosamente podemos levar.
b. Deus recolhe minhas lágrimas no odre. (Sl 56.8). A NVI afirma: Registra, tu mesmo, o meu lamentos”Como eu gosto de pensar nesta frase, como ela me faz bem.
Nenhuma lágrima é desprezada ou ignorada, cada uma delas é repleta de significado e se transforma numa oração. Deus registra nossas lágrimas, pessoalmente. Deus guarda nossas lágrimas. As pessoas não gostam de nos ver chorar, e Deus não nos quer chorando, mas ele não ignora nossas lágrimas como em geral as pessoas fazem.
A tradução livre deste texto, feita por Eugene Peterson, em “A mensagem”, diz assim: “Tu observas cada movimento meu nas noites de insônia. Cada lágrima foi registrada em teu livro, cada dor transcrita em teus registros”.
c. Deus é grande!. “Em Deus, cuja palavra eu louvo. No Senhor, cuja palavra eu louvo. Neste Deus, ponho a minha confiança e nada temerei! Que me poderá fazer o homem?” (Sl 56.10,11).
Se você gosta de riscar a sua Bíblia sublinhe o termo: “Neste Deus”. O salmista sabe o tamanho de seu Deus. Não se trata de um Deus qualquer. Sua confiança não está colocada na instabilidade de sua riqueza, na vitalidade de sua saúde, nem na sua capacidade intelectual, e muito menos em ídolos e outros deuses. Sua confiança encontra-se apenas, e tão somente em Deus.
Spurgeon ao comentar o Sermão da Montanha, que descreve o fato de que Deus cuida dos passarinhos, imagina um diálogo entre um pardal e um pintassilgo. O pardal pergunta: -“Por que será que os homens andam tão ansiosos e preocupados quanto ao futuro?”. E o pintassilgo responde: -“Certamente porque não tem um Deus como o nosso”.
J. B. Philips escreveu um clássico da literatura cristã intitulado: “O Seu Deus é muito pequeno”, e ele afirma, que o problema nosso não é não crermos em Deus, mas porque temos uma visão de um Deus pequeno demais”.
O salmista contempla o grandeza deste Deus e afirma. “Neste Deus ponho a minha confiança!”
d. Deus esteve no meu passado dele, e estará no meu futuro.
Temos aqui uma dupla reflexão: “Deus já evidenciou sua graça em minha vida”. Ele já fez. Eu já possuo uma história de cuidado com este Deus. Ele já andou comigo na beira do abismo, ele já me protegeu os pés. Eu poderia ter sido completamente destruído naqueles dias, entretanto Deus cuidou de mim.
Uma experiência que temos com Deus é capaz de nos dar segurança quanto às novas ameaças que enfrentaremos. O mesmo Deus que visitou nossos pais, que nos visitou, este Deus estará cuidando do que virá.
Podemos saber que ele fará, porque ele já fez. Não falamos de algo alheio a nossa caminhada com Deus. Não estamos teorizando. Temos uma biografia com Deus. Quantos milagres, intervenções, manifestações de cuidado. Quantas vezes Deus nos protegeu de forma tão sobrenatural.
Certa noite, eu e meu irmão, na tentativa de socorrer um policial que havia sido assassinado por um ladrão, e estava caído na beira da BR 153, ficamos debaixo dos tiros deste mesmo homem e milagrosamente escapamos. Minha esposa estava grávida do Matheus, meu filho mais novo. Deus me guardou, Deus me livrou. Quando penso em incidentes como este, será que não deveria estar pronto para dizer: O mesmo Deus que cuidou do meu passado não cuidará do meu futuro? Minha vida poderia ter encerrado ali. Mas Deus me protegeu. Como diz uma música de Nani Azevedo:
“Eu não morrerei Enquanto o Senhor não cumprir em mim
Todos os sonhos Que Ele mesmo sonhou pra mim
Eu quero viver em santidade e adoração
Pois é só Dele Somente Dele o meu coração”
O Deus que cuidou dos meus passos, tem planos para minha vida, e está cumprindo seu propósito em mim.
Conclusão
Vamos colocar tudo isto na perspectiva do Evangelho.
O que vemos na obra de Cristo não é exatamente isto?
O Salmo 22 é um salmo messiânico. Ele fala sobre os sofrimentos de Cristo e começa com uma das frases ditas por Jesus na cruz: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparates?” Ele fala do sofrimento de Cristo: “Muitos touros me cercam; fortes touros de Basã. Cães me cercam, uma súcia de malfeitores me rodeia; transpassaram-me as mãos e os pés” (22.12, 16). O contexto é de muita ameaça e medo. Forte oposição, mas quando lemos adiante, há uma declaração maravilhosa: “Pois do Senhor é o reino, é ele quem governa as nações” (Sl 22.28).
Quando Jesus enfrenta a cruz, ele o faz sabendo de todo sofrimento e ameaças que ele teria que enfrentar. Ele sabe de sua missão. Ele teria que morrer pelos pecadores e satisfazer a justiça deste Deus santo. Ele veio com uma missão clara: morrer pelos pecados do mundo inteiro, e redimir os eleitos.
O medo se escancara diante dele. Ameaças de todos os lados, oposição dos autoridades politicas, religiosas, oposição do inferno. Jesus enfrenta o medo da solidão, do abandono, da dor física e mental.
O medo chega de forma clara e profunda sobre Jesus.
Mas ele coloca os olhos no Deus que estava acima de tudo isto.
“Pois do Senhor é o reino, é ele quem governa as nações” (Sl 22.28).
Deus não perdeu o controle. A história segue um plano divino, um cronograma divino, um propósito divino, e ele encontra-se no centro da história da redenção.
O medo é real.
As ameaças são reais.
A morte é real.
Mas Jesus coloca seus olhos em Deus.
É isto que o salmista afirma:
“Em me vindo o temor. Hei de confiar em ti” (Sl 56.3)
Quando o medo chegar, e certamente ele chegará, irei confiar em Deus.
Nele repousará a minha confiança.
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Amém. Glórias a Deus pela sua vida Pastor Samuel. Me sinto confortado.
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