sexta-feira, 17 de abril de 2020

Sl 137 Riscos de uma teologia equivocada

Quando a teologia transforma-se em doxologia | davarelohim.com.br/web


Introdução:

Poucas coisas fazem tão mal ao ser humano quanto uma cosmovisão equivocada. Por isto, ideologias são tão devastadoras e perigosas. Seja ela de esquerda ou direita. O radicalismo e as atitudes extremas são adotadas quando a pessoa acredita que seu ponto de vista é correto, e pior ainda, o sacraliza. Quando isto acontece as pessoas passam a se perceber como “pessoas do bem”, e na história espiritualidade clássica do cristianismo, aprendemos que as pessoas que se julgavam do bem, quase sempre eram pessoas do mal.

Se ideologias equivocadas são ruins, imagine uma teologia equivocada. Quando isto acontece, Deus é instrumentalizado e transforma-se em um parceiro no julgamento das pessoas e dos fatos. Desta forma, a pessoa julga fazer aquilo para glorificar a Deus, julga-se paladino e guerreiro em nome de Deus, e tem sido desta forma que grupos radicais tem atravessado a história. Sejam eles muçulmanos, na prática do Jihad, ou budistas, que perseguem outras religiões em seus países, ou cristãos, na tão conhecida era das cruzadas com todas as atrocidades próprias da guerra. Em todos estes casos, tendo uma aura sacral.

O Salmo 137 é um dos mais difíceis de serem analisados, porque ele faz parte dos textos sagrados que são chamados de imprecatórios. Ao invés das pessoas orarem a Deus pedindo graça às outras pessoas, elas pediam maldição e juízo. Nas suas experiências ou orações, debaixo de enorme pressão psicológica, exprimem sua dor, reivindicando de Deus uma resposta de vingança.

O Sl 55 o salmista pede a Deus contra seus inimigos: “Que a morte os assalte, e vivos desçam à cova! porque há maldade nas suas moradas e no seu íntimo”. (Sl 55.15). O contexto deste Salmo é de um homem traído por um amigo pessoal que deseja sua morte. Sua oração dramática, revela sua conflitividade e dor, mas não deixa de ser pavoroso o que ele pede a Deus.

O Salmo 137 é ainda mais dramático. Sua linguagem nos choca! Veja a declaração que ele faz no vs. 8-9. “Filha da Babilônia, que hás de ser destruída, feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra”. Definitivamente não é uma oração muito piedosa... mas raivosa, amargurada e vingativa. É um desejo dramático de uma alma que sofre de forma violenta toda a agressão sofrida pelos tiranos da Babilônia e torce para que seus filhos sejam impiedosamente massacrados.

Boa parte da explicação da oração destas pessoas é porque eles possuíam uma teologia nacionalista, etnocêntrica e templista.

Por nacionalista entendemos que eles criam que Deus era Deus apenas dos judeus. Os gentios ou não judeus serviriam apenas para dar combustível ao inferno. Por etnocêntrico, entendemos que havia um senso de que só seu povo deveria prevalecer, os demais eram inimigos. Deus não poderia amar nenhum outro povo na terra, porque só os judeus eram eleitos. Por templista, entendemos que a adoração deles estava voltada unicamente para Sião, porque Deus habitava em Jerusalém, e estava circunscrito ao perímetro e geografia do templo. Quando os islâmicos oram voltados para Meca, sua cidade sagrada, o mesmo pensamento está presente. Deus está lá, na cidade santa. De certa forma a Igreja Universal do Reino de Deus, aponta nesta mesma direção. “Venha ao templo, e você será curado!”. A cura depende de alguns homens sagrados e do santo lugar sagrado.
Sua teologia equivocada os levou a atitudes contrárias à visão de Deus.

Primeiro, limitaram o culto a Deus a um único lugar “Como haveríamos de entoar o canto do Senhor em terra estranha?” (Sl 137.4)

Para eles, louvar a Deus na Babilônia seria sacrilégio.
A sua fé estava condicionada a um lugar: Jerusalém: “Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém”... (Sl 137.5). Eles podiam ter saudade de Jerusalém, mas não precisavam deixar de cantar a Deus porque estavam distante de sua terra. Deus poderia ser louvado em qualquer lugar. Por causa da visão de um lugar sagrado, eles desenvolveram uma fé institucional, não pessoal. Não conseguiam entender que Deus estava acima de um lugar, por isto não falam de Deus, mas da terra. Esqueceram que Deus estava em todo lugar. Se apegaram à institucionalização e viveram em torno disto.

Esta tentação de confinar Deus a um local, foi o que levou o próprio Deus a questionar a atitude de Davi em construir um templo. Quando Davi comunicou sua intenção ao profeta Natã, a resposta de Deus foi esta:

“Vai e dize a meu servo Davi: Assim diz o Senhor: Edificar-me-ás tu casa para minha habitação? Porque em casa nenhuma habitei desde o dia em que fiz subir os filhos de Israel do Egito até ao dia de hoje; mas tenho andado em tenda, em tabernáculo. Em todo lugar em que andei com todos os filhos de Israel, falei, acaso, alguma palavra com qualquer das suas tribos, a quem mandei apascentar o meu povo de Israel, dizendo: Por que não me edificais uma casa de cedro?” (2 Sm 7.5-7).

Deus não estava interessado em ter um “local sagrado”. Ao contrário do templo, Deus deu uma arca ao seu povo. Ela tinha argolas do lado, onde se colocavam dois longos varais, e podia ser transportada de um local para outro sempre que necessário. Deus não estava confinado a um lugar. A arca trazia a ideia de movimento. Podia estar em qualquer lugar. O templo traz ideia de monumento, por isto facilmente se transforma em museu.

O primeiro mártir do cristianismo foi o diácono Estevão. E por que ele foi apedrejado? Por o acusaram de ter blasfemado contra o templo de Deus. Qual era a visão de Estevão? Sua visão é a visão bíblica do Novo Testamento acerca de qualquer templo construído na história.

“Entretanto, não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis, diz o Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso?” (At 7.48,49).

Deus não está limitado nem preso a um local, a uma estrutura. Historicamente os suntuosos templos se tornaram centros de idolatria e de romaria. Deus nunca esteve interessado nisto. Nem no Templo de Salomão, nem no Templo de Roma, nem na Catedral da fé, muito menos na réplica do templo de Salomão em São Paulo. Deus habita em pessoas. “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado.”(1 Co 3.16,17). O local da habitação de Deus somos nós, e onde estiver o povo de Deus, ali estará a presença de Deus.
A visão teológica equivocada do povo judeu acerca do templo, acreditando que Deus estava num lugar sagrado, sempre se tornou um enorme problema, porque eles passaram a idolatrar um local, e se esqueceram de que Deus poderia ser adorado em qualquer lugar, como fez.

Jesus procurou também desfazer esta concepção templista. Quando a mulher samaritana lhe perguntou:
Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai... mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores” (Jo 4. 20-21; 23).

A resposta clássica dos judeus seria que Sião é o local sagrado, mas Jesus procura mostrar que não se trata de um lugar, mas se trata do coração.

Isto é muito significativo para estes dias que estamos vivendo. Estamos na época de um vírus horrível, que obrigou as autoridades a fecharem todas escolas, estabelecimentos comerciais e igrejas, a agora somos obrigados a adorar a Deus, sem uma reunião pública (Abril 2020). Considerando que muitas pessoas só possuíam uma espiritualidade relacionada ao culto e às missas, sempre me perguntei o que aconteceria, se um dia, nossos cultos deixassem de existir? As pessoas continuariam a crer? Como seria sua espiritualidade agora não institucionalizada?

O que aconteceu com os israelitas deportados? Distanciados da sua terra e do local de seu culto? Exilados, seus algozes lhes pediram que cantassem, e eles afirmam: “como haveríamos de cantar o canto do Senhor em terras estranhas?” (Sl 137.4). Como poderemos cultuar a Deus se não podemos ir à casa do Senhor?

2. Teologia equivocada retira de nós a capacidade de adoração. “Como, porém, haveríamos de entoar o canto do Senhor em terra estranha?” (Sl 137.4)

Quanto tempo o povo de Deus ficou cativo na Babilônia?
Esta mentalidade os impedia de, por setenta anos, cultuarem a Deus.

Tornaram-se deprimidos e apáticos. “Nos assentávamos e chorávamos” (Sl 17.1). Estavam onde não queria estar. Babilônia era o endereço, mas o coração era Sião. Tornaram-se apáticos, tomados por nostalgia. “chorávamos”, moravam no passado. Transformou os adoradores em lamuriadores. Eles penduraram sua harpa, não cantavam mais a Deus, nem o glorificavam pelos seus feitos.

Quando somos dominados por uma teologia equivocada, facilmente deixamos de adorar a Deus. A Teologia da prosperidade afirma que pessoais fieis não passarão por dificuldades ou problemas, e quando a adversidade vem, não conseguem mais louvar a Deus. Como ainda poderão louvar a Deus se Deus não fez sua contrapartida? Tal teologia leva as pessoas a uma relação de barganha com Deus.

Já vi muitas pessoas decepcionadas por Deus por causa de uma experiência negativa. Elas se julgam merecedoras de algo e acham que Deus lhes, então, diante das intempéries e tribulações voltam-se para Deus indagando como ele teve coragem de fazer isto com eles, ou permitir que algo lhes acontecesse. O resultado é desconfiança, descrença, raiva contra Deus. O louvor desaparece de seus corações. A Bíblia diz: “Em tudo dai graças, porque esta a vontade de Deus em Cristo Jesus”, mas quem tem uma teologia errada não consegue glorificar a Deus nas suas frustrações e desilusões.

Terceiro, teologia equivocada nos impede de testemunhar. Pois aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções, e os nossos opressores, que fôssemos alegres, dizendo: Entoai-nos algum dos cânticos de Sião” (Sl 137.3).

Os cânticos de Sião falam de que?
Da grandeza e do poder de Deus, de sua glória, de sua capacidade criativa, de sua aliança. Eles podiam pregar e anunciar as grandezas de Deus aos ímpios.

O Profeta Isaias afirma que nossa eleição tem um propósito bem claro. Fomos criados para glorificar a Deus, dar louvores ao seu nome: “Ao povo que formei para mim, para celebrar o meu louvor.” (Is 43.21). fomos feitos para declarar ao mundo quem Deus é. O fim de nossa eleição é mostrar o glória de Deus de todas as maneiras possíveis, a todos os povos.

O mesmo observamos no Novo Testamento: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2.19). É fácil cantar em Sião, mas o projeto de Deus é que cantemos em qualquer lugar. Paulo e Silas glorificam a Deus quando foram espancados (At.15). O povo de Deus aproveita toda oportunidade que tem para demonstrar quem é o de sua confiança, mas a teologia errada nao nos possibilita a este tipo de percepcao. O cenário pode ser o mais dramático, mas ainda assim devemos declarar em louvor e adoração, como fez Jó: “Eu sei que meu redentor vive, e que por fim se levantará do pó”(Jó 19.25).

O povo da Babilônia não pôde ouvir os louvores de Sião porque o povo de Deus se recusou a louvar. Perderam o senso da missão que os conclama a viverem “para louvor da glória da graça de Deus”(Ef 1.6). A teologia templista os impediu de declarar os louvores ao criador dos céus e a terra, do Deus da aliança no meio de tantos deuses pagãos. Os babilônios eram crédulos, cultuavam uma infinidade de deuses, mas nunca tinham ouvido falar do Deus que estava sobre todos os deuses, e o povo de Deus não conseguiu transformar esta oportunidade em louvor e glória a Deus, mesmo quando os pagãos pediam que lhes falasse.

Quando lemos a Bíblia vemos Jeremias trazendo o recado de Deus ao seu povo que está exilado, e o que Deus pede do povo é exatamente o oposto do que o salmista expressa aqui no Salmo 137.

“Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os exilados que eu deportei de Jerusalém para a Babilônia: Edificai casas e habitai nelas; plantai pomares e comei o seu fruto. Tomai esposas e gerai filhos e filhas, tomai esposas para vossos filhos e dai vossas filhas a maridos, para que tenham filhos e filhas; multiplicai-vos aí e não vos diminuais. Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz.” (Jr 29.4-7).

O Salmo 138.4 afirma:
Render-te-ão graças, ó Senhor, todos os reis da terra, quando ouvirem as palavras da tua boca, e cantarão os caminhos do Senhor, pois grande é a glória do Senhor.”

Deus será glorificado pelos pagãos e incrédulos, “quando ouvirem as palavras da tua boca”. As pessoas creem porque ouvem a Palavra. “A fé vem pelo ouvir”. Que oportunidade o povo de Deus exilado perdeu de proclamar a glória do Senhor a um mundo pagão, proclamar as verdades de Deus a uma nação embrutecida, pagã e idólatra.

Quarto, teologia equivocada corre o risco de transformar Deus em parceiro da vingança.Filha da Babilônia, que hás de ser destruída, feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra”(Sl 137.8,9).

O povo exilado, erroneamente começou a acreditar que Deus seria glorificado se destruísse os babilônios, e preferencialmente, de forma cruel, tomando seus pequenos filhos e esmagando-os contra a pedra. Este é o fundamento da Jihad islâmica. Nesta visão distorcida, quem destrói o ímpio ou pratica atos terroristas destruindo vidas em nome de Alah, recebe galardão no céu. Será que estamos longe disto?

Quantas vezes não amamos os ímpios, mas os hostilizamos? Basta pensarem diferente de nós, teologicamente, ou que tenham religiões diferentes ou até mesmo ideologias politicas, e já estamos achando que são do diabo porque sua visão não está alinhada à nossa. Temos dificuldade de amar os diferentes. Encontramos grande problema em ser amigo de pecadores. E achamos ainda que nosso ódio ou distanciamento, glorifica a Deus e que ele é nosso parceiro na indiferença e hostilidade.

O resultado disto tudo é que criamos a falsa ilusão de que o ódio traz felicidade: “Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra”… Enquanto o ódio dominar, não haverá verdadeiro canto, nem louvor a Deus. Enquanto o ódio dominar não seremos capaz de cantar os cânticos de Sião, pois tais cantos falam de um Deus perdoador, amoroso, misericordioso e gracioso. Deus não é parceiro do nosso ódio.

Conclusão

Poucas coisas são tão destrutivas quanto uma teologia equivocada. Visões distorcidas de mundo, concepções errôneas acerca da moral e valores, ética distorcida, tudo isto também traz grave consequência para a vida humana. Mas quando temos uma visão distorcida de quem Deus é, podemos nos tornar bárbaros em nome de Deus, e até mesmo opostos a Deus.

Paulo em nome de seu zelo, perseguiu a igreja, amordaçou e condenou os cristãos, tudo isto em nome de Deus. Ele era zeloso, mas não tinha entendimento assim como o povo judeu (Rm 10.2). O zelo é insuficiente se for distorcido, porque hostiliza o outro em nome de Deus, fere a santidade de Deus em nome de Deus, e ainda por cima: sacraliza o mal. Dá uma esfera sagrada à sua atitude demoníaca.

O povo judeu deixou de cantar louvores a Deus porque estava em terra estranha. Sua concepção sobre Deus estava errada.  Quando falhamos na hermenêutica bíblica, não cumprimos a missão de Deus para nossa vida, e quando falhamos na missão deixamos de exaltar o seu nome.

Que o Espírito Santo nos ajude a olhar as coisas de Deus, pelo prisma correto das verdades claramente reveladas por ele a nós nas Escrituras Sagradas.

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