terça-feira, 21 de abril de 2020

Gn 50.15-21 Deus dirige a história

Salmo 5 – estudo sobre o lamento de Davi que sofre pragas dos ...

Deus controla sua história
Gn 50.15-21

Introdução:
A história de Hiroo Onada, soldado japonês, ilustra como o homem age de acordo com aquilo que crê. A ilustração é um pouco longa, mas vale a pena ouvir.
Soldado de guerra desde os 20 anos, Onoda lutou com tanta devoção que não percebeu quando a guerra acabou e continuou lutando. Em dezembro de 1944, Onoda foi enviado às Filipinas. Sua missão, descrita em nota por Major Yoshimi Taniguchi, era a de manter-se vivo. Um trecho da nota, em uma tradução livre, diz que “Isso pode levar três anos, pode levar cinco, mas aconteça o que acontecer, nós vamos voltar até você.”
Em outubro de 1945, Onoda e seus soldados ouviram alguém anunciando, aos gritos, que a guerra havia acabado, pedindo para que todos os soldados se apresentassem. Onoda pensou que o aviso era, na verdade, uma armadilha. Para ele, não fazia sentido que o Japão tivesse perdido tão rapidamente. Ele ainda nem sabia a respeito das bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki.
Após algum tempo, um avião sobrevoou a ilha e jogou alguns folhetos para informar aos possíveis soldados presentes que haveria mais uma tentativa de busca. Onoda, mais uma vez, desconfiou da veracidade das informações. 
Depois da primeira distribuição de folhetos, mais alguns foram lançados, agora acompanhados de jornais, com notícias a respeito do fim da guerra, além de fotografias e cartas escritas pelos familiares dos soldados. Feito esse contato, alguns delegados de guerra chegaram a entrar na ilha, pedindo para que os soldados escondidos aparecessem, contando sobre o fim da guerra em alto-falantes. 
Anos se passaram e a pequena tropa de Onoda, formada por quatro soldados, continuou escondida. Com o passar do tempo, mesmo vendo que outras pessoas estavam circulando livremente, usando roupas comuns, Onoda continuava a achar que se tratava de uma tentativa de sabotagem.
Aos poucos, dois membros do grupo de Onoda saíram, restando ele e apenas mais um companheiro. Os dois viveram escondidos por mais 17 anos. Eles ainda acreditavam que, eventualmente, mais tropas inimigas apareceriam para confronto ou que o Japão pudesse enviar mais tropas para treinamento. 
Após 27 anos de fuga, o parceiro de Onoda morreu durante uma briga com uma patrulha filipina. A morte deste soldado serviu de alerta ao governo japonês, que acreditava, até então, que todos os soldados que não retornaram estavam mortos. 
O mais irônico vem a seguir: quem, de fato, encontrou Onoda foi um estudante que, em 1974, decidiu viajar para alguns lugares do mundo. Um de seus objetivos era encontrar um panda, o tenente Onoda e o abominável homem das neves. Parece piada, mas é verdade. Pelo menos o tenente ele encontrou.
É claro que Onoda se recusou a acompanhar o estudante, afinal, seu comandante havia dito, há 29 anos, que voltaria para buscá-lo, independente do que acontecesse. O estudante voltou ao Japão e procurou o comandante Major Taniguchi , que enviou Onoda às Filipinas. Ele já estava aposentado e trabalhava em uma livraria. Taniguchi foi até Onoda e contou que a guerra, de fato, havia acabado. Ele estava finalmente liberado para voltar ao Japão. 
Onoda ficou visivelmente revoltado ao analisar toda a situação e pensar no tempo que perdeu, escondendo-se de inimigos que nem mesmo existiam. Em nota, ele disse que se sentiu um tolo, que tudo à sua volta estava negro, como em uma tempestade. 
De volta ao Japão, Onoda virou herói pela dedicação que demonstrou ter com o seu país. Ele também recebeu o pagamento relativo aos 30 anos de trabalho. Com o dinheiro, mudou-se para o Brasil, onde comprou uma chácara e se casou. Ele também escreveu um livro a respeito dos seus 30 anos de guerra. 
Em 1984, Onoda voltou ao Japão, onde criou uma escola para ensinar técnicas de sobrevivência e independência aos jovens de seu país. Em 1996, ele retornou às Filipinas e doou US$ 10.000 para escolas locais. Em uma de suas frases mais famosas, Onoda diz: “Os homens nunca deveriam desistir. Eu nunca desisto. Eu odiaria perder.”

A verdade é que vivemos de acordo com aquilo que cremos. Por isto é certo afirma que os homens se parecem com os seus deuses. Morremos e vivemos a partir de conceitos estabelecidos e tidos como corretos. Quando se trata de perspectivas espirituais, afirmamos que uma das maiores desgraças da vida são pressupostos teológicos equivocados, e que uma das maiores bênçãos é uma boa teologia, isto é, a forma como vemos a Deus e a vida – filosoficamente isto é chamado de cosmovisão.
Nenhuma fé é genuína e saudável se não se sustenta em pressupostos corretos sobre Deus. O que pensamos de Deus, correta ou equivocadamente, traz sossego ou muito desconforto para a alma.
Um exemplo clássico disto pode ser percebido no profeta Jeremias, quando vê sua cidade amada, Jerusalém, devastada por um império cruel e reduzida a pó. Seus símbolos sagrados foram agredidos, famílias e amigos morreram na guerra, crianças ficavam atônitas nos cantos sem saber o que comer, para onde correr, muitas meninas foram levadas para se tornarem escravas sexuais dos guerreiros, e diante do caos, da falta de sentido e da desordem ele diz a si mesmo: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não tem fim, renovam-se a cada manhã”(Lamentações, 3.22-23). Jeremias se firma num pressuposto, numa concepção – e esta era a única coisa que lhe podia dar esperança.
Larry Crabb Jr afirma que esta é a tarefa fundamental do conselheiro cristão diante da angústia, desespero e medo. Ele afirma ser fundamental “colocar a mente no lugar”. Para ele, o passo crucial para a mudança é a renovação da mente. “O pensamento sempre tem conteúdo”[1].
Deus providencia para cada pessoa um significado. A ausência deste sentido é a crise mais profunda do ser humano. Significado tem a ver com auto-aceitação, mas tem a ver com a compreensão de que a vida está relacionada a um projeto maior, e não apenas a uma caminhada que vai encerrar seu último capítulo num túmulo frio. Um ponto finito requerer um ponto de referência infinito, como afirmou J. P. Sartre: “nenhum ponto finito tem sentido se não se conectar a um ponto infinito”.
Para Crabb Jr “O ponto inicial de todos os problemas emocionais da causa não-orgânica é um problema de pensamento, uma crença errada sobre como as necessidades pessoais podem ser supridas”[2]. Já que “As proposições que uma pessoa tem em sua mente, isto é, sentenças que ela diz a si mesma, controlam diretamente aquilo que ela acaba fazendo[3]
A Bíblia faz exatamente esta declaração, muito anos de uma elaboração sistemática ter sido elaborada: “Como o homem pensa em seu coração, assim ele é”. O sistematizado deste pensamento de forma filosófica foi Albert Ellis: “Como uma pessoa avalia o evento isto determinará sua resposta emocional”. Este princípio é chamado em psicologia de “teoria do controle proposicional”. O evento não controla o sentimento, mas a avaliação do evento é que o controla. Por isto, uma crença errada, uma equivoco na interpretação ou conceitos deformados sempre leva a comportamentos errados e a sentimentos neuróticos.
A história de Jose nos mostra como uma mente teologicamente correta ajuda a lida com oposição/sofrimento, ingratidão e injustiça. Toda leitura que ele faz está submetido às percepções que ele tem de Deus. Se José tivesse uma concepção errada de Deus, certamente isto afetaria profundamente a sua interpretação de vida, diante de tudo que viveu.
Quando atravessamos um brejo ou pântano, o único modo de fazê-lo com êxito é encontrando lugares sólidos onde colocar os pés. M. L Jones sugere: “Coloque o problema particular no contexto dos princípios sólidos que estão adiante”[4].
José supera toda oposição, por causa de seus pressupostos:
  1. Ninguém ocupa o lugar de Deus – “Não temais, acaso estou no lugar de Deus?” (Gn 50.19). Ele não precisava fazer nada, nem vingar-se, porque o Eterno tinha o controle da história e ninguém ocupava seu lugar neste papel de ator principal.
Quando o apóstolo João começa a ter as visões celestiais, a primeira coisa que ele vê é um trono e nele alguém assentado. “imediatamente eu me achei em espírito e eis armado no céu um trono, e, no trono, alguém sentado” (Ap 4.2). João estava preso por pregar o evangelho, e talvez sua mente estivesse confusa por Deus ter permitido que ele, seu fiel servo estivesse nestas condições; talvez a igreja estivesse perplexa com o desenrolar da história quando viu seu velho e fiel pastor sendo levado por um sistema corrupto para morrer numa ilha sem condições básicas de vida. Nesta hora, Deus afirma sua soberania. Alguém está no centro das decisões do universo, Deus governa todas as coisas visíveis e invisíveis. O trono não está vazio, esperando alguém que possa assumir este lugar. No trono tem alguém sentado.
  1. Ninguém pode fazer o que Deus não permite – (Gn 50.20). Esta é a segunda percepção que José tem. Vocês não fizeram isto sem que Deus quisesse. “Vós intentastes o mal, mas Deus transformou o mal em bem”.
Esta percepção é tão clara nas Escrituras, que existe até mesmo o relato de um famoso macumbeiro na Bíblia, que a compreende. Me assusta pensar que um ímpio com um background religioso como este tenha esta percepção que muitos cristãos não são capazes de ter. Balaão é contratado por Balaque, um rei, para “fazer um trabalho”, e enfraquecer espiritualmente o povo de Israel . Havia muito dinheiro envolvido nesta transação espiritual, mas quando ele chega perto do povo, ao invés de fazer sentenças de maldição, começa a abençoá-lo. O rei o censura e então ele faz uma das melhores declarações sobre a soberania de Deus em toda bíblia:
Como posso amaldiçoar a quem Deus não amaldiçoou?
Como posso denunciar a quem Deus não denunciou?...
Eis que para abençoar recebi ordem, ele abençoou, não o posso revogar.
Pois contra Jacó não vale encantamento, nem adivinhação contra Israel;
agora, se poderá dizer de Jacó e de Israel: que coisas tem feito Deus!” (Nm 23.8,23).
José também possui uma percepção clara de que Deus está no controle da história. É exatamente esta leitura que o sustenta todos os difíceis anos que teve de enfrentar e o livra de ressentimentos e desejo de vingança, tão comuns em nós quando nos sentimentos injustiçados.
  1. Deus pode transformar o pior episódio, em uma maravilhosa graça e intervenção. “Vós intentastes o mal, mas Deus transformou o mal em bem”.
José não ameniza a realidade do mal, nem minimiza a crueldade e maldade dos irmãos, mas percebe que Deus usou este ato desumano como uma forma de abençoá-lo. Lembra-se do conceito de Ellis citado anteriormente? “O Evento não controla o sentimento, mas a avaliação do evento é que o controla”. José analisa o evento na perspectiva da soberania e da graça de Deus.
  1. Ele entende que Deus é santo – “Deus é luz, e nele não há treva nenhuma”. Pode o Senhor cometer injustiça? Fazer algo errado? Ter motivações pecaminosas? Não! Em Deus os motivos são sempre puros e santos.
  2. Ele entende que Deus é Todo-Poderoso – O Deus criou o mundo do nada e tem todas as coisas sobre o seu domínio é também aquele que governa a vida pessoal de José e da sua vida. “Quereis, acaso, saber as coisas futuras? Quereis dar ordens acerca dos meus filhos e acerca das obras das minhas mãos? Eu fiz a terra e criei nela o homem, minhas mãos estenderam os céus e todos os seus exércitos deis as minhas ordens”(Is 45.11,12). Deus fez a história da forma que Ele quis. Ele é o Alfa e o Ômega, o principio e o fim. Ele depõe reis e estabelece reis.
  3. Ele entende que Deus é Fiel – Apesar de todas oposições e sofrimento, a fidelidade de Deus estava presente sobre sua vida. Não sabemos se José murmurou contra Deus nos reveses que sofreu, se o fez, a Bíblia não descreve. Entretanto, a bíblia afirma todo o tempo que “O Senhor era com José” (Gn 39.2,5,21,23). Sua fidelidade e cuidado nunca se apartaram da vida de José, mesmo nos momentos mais antagônicos. Deus era com José. Você crê que Deus é contigo? Voce crê que ele controla sua história pessoal?
Nos sermões expositivos que Martin L. Jones faz sobre o livro de Habacuque[5], ao expor o clássico versículo O Justo viverá pela fé (Hab 4.4) ele tira duas lições:
  1. Os acontecimentos históricos devem ser interpretados à luz do reino de Deus – “Se desejamos ter paz interior, a despeito do que acontece no mundo e ao nosso redor, o único modo de consegui-lo é mediante a compreensão da filosofia bíblica da história” (Pg 54).
  2. Perplexidade diante dos acontecimentos correntes não é experiência nova – “Temos sido bastante tolos em imaginar que nossos problemas são excepcionais e peculiares. Não o são... nossas perplexidades não de forma alguma novas” (Pg. 54).
O mesmo autor aponta 4 aspectos que apontam para a soberania de Deus:
  1. A história está sob controle divino – as coisas não são o que aparentam ser. Não há poder neste mundo que não seja por ele controlado. Deus é senhor da história (Is 40.15).
  2. A história segue um plano divino – As coisas não acontecem por acaso. Os acontecimentos não são simplesmente acidentais. Há um propósito na história.
  3. A história segue um horário divino – Deus tem o seu tempo, tem o seu caminho; ele age e trabalha de forma ordenada.
  4. A história está ligada ao seu reino divino – A chave da história do mundo é o reino de Deus. Desde a queda, Deus vem trabalhando no estabelecimento do universo de um novo reino no mundo. Não devemos ficar desconcertados quando coisas surpreendentes acontecem no mundo.
Diante disto, pergunte a si mesmo:
    1. Tenho percebido, de fato, que Deus controla minha história?
    2. Quando ocorrem os eventos, de bençãos ou dificuldades, tenho conseguido discernir o que Deus está querendo me ensinar?
    3. Nos eventos particulares da minha vida tenho me perguntado o que isto tem a ver com o reino de Deus? Como minha vida, família, sucesso ou fracasso estão sendo interpretados em relação ao reino?
    4. O que os acontecimentos tem a ver com a luz do grande, eterno e glorioso propósito de Deus?


[1] Crabb Jr. Larry L. Princípios Básicos de Aconselhamento Bíblico , 1977, Ed. Refúgio, Brasília, 1984, pg 45
[2] Idem,  Crabb Jr. Pg. 77
[3] Idem,  Crabb Jr. Pg. 77
[4] Jones, M. L - Do temor à fé. São Paulo, Ed. Vida, 1977, pg 28.
[5] Idem, Jones, pg 54

Nenhum comentário:

Postar um comentário