“Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis.” (Ef 6.13).
Introdução
A expressão “o dia mau”, sempre me inquietou. Na última palestra que o Dr. Russel Shedd ministrou a nossa comunidade, ele falou muito deste “dia mau”.
Quando lemos atentamente o texto vemos que ele está no singular, não no plural. Não fala de “dias maus”, mas de “dia mau”, embora se torne muito claro que o texto não está falando de um tempo de 24 hs, parece dar mais a impressão de um tempo no qual o mal nos assola, nos confronta, a intempérie e os dias de trevas, nos assolam.
Nestes últimos tempos, com o advento da Covid-19, (março/abril 2020) que forçou todas escolas e igrejas, e a grande maioria das indústrias e comércio ao fechamento, com muitas mortes sendo anunciados, parece que experimentamos um pouco deste sinistro. O medo, a insegurança, as brigas políticas evidenciavam um ambiente de tensão.
Nós somos uma geração acostumada a estabilidade e segurança. Vivemos num país sem guerra, embora marcado pela violência, assassinatos e acidentes de carros que vitimam tantas pessoas anualmente.
O “Dia mau”, é dia de perplexidade, medo, trevas, angústias. Como cristãos precisamos entender sua realidade e lidar, com as armas de Cristo, em tempos de sobressaltos, calamidades e sofrimento. Eclesiastes fala do “dia da adversidade” (Ec 7.14). Muitos personagens bíblicos atravessaram duros tempos, viram muita dor e sofrimento. Estamos preparados para enfrentar o “dia mau”?
Os seis destrutivos “Ds”
O “dia mau” pode nos sobrevir em uma destas circunstâncias:
A. Decepção - Forte e avassaladora, que nos sobrevem. São situações nas quais experimentamos a traição, o desencanto com coisas ou pessoas. Surge o inesperado que muda todo nosso planejamento, sonho ou rotina. Uma verdadeira avalanche de acusações, conflitos e perdas surge em tais contingências. O Salmo 55 reflete muito bem a dor de Davi por ter sido traído por um amigo e confidente. Muitas vezes é o abandono do cônjuge, uma notícia sobre um comportamento de um filho, o desencanto com alguém. Chega o dia mau com a decepção entrando ferozmente pela porta da casa.
B. Desânimo – Surge a prostração. De forma inexplicável, perdemos a força, a alegria, o entusiasmo. A palavra “ânimo”, tem na sua raiz a ideia de “alma”. Surge a depressão, a tristeza, a vontade de se entregar. Certa mulher me afirmou sobre a sua depressão: “Existem dias que eu acordo e a sinto do lado, me dizendo para não lutar mais, para morrer”. É o desânimo, a depressão, que faz nossos dias se transformarem em invernos prolongados e sombrios e o céu parecer de chumbo.
C. Desencorajamento – Faço uma pequena distinção entre desânimo e desencorajamento porque acredito que no segundo caso, a pessoa tentou avançar, vencer, mas por alguma razão, não conseguiu ou foi impedida, e ela então passa a dizer: “eu não vou fazer mais nada! Tudo que tento fazer as pessoas dizem não!” São pessoas que desta forma não querem mais investir em si mesmas ou em seus projetos. Morreram por ausência de esperança. Chega “o dia mau”
D. Dúvida – Pensamentos e sentimentos se confundem. Aquilo que era o alicerce de sua vida e fazia parte do seu “core” de crenças e convicções se torna relativizado. O “dia mau”, se torna uma realidade, porque faltam convicções e pressupostos. O “dia mau” adentra o coração na forma de questionamentos e pessimismo.
E. Descrença – Neste caso surge a apostasia. Passou do estágio da dúvida. O desespero torna-se substituto da esperança; a incredulidade suprime a fé; o “dia mau” chega através da incapacidade de crer que algo diferente possa acontecer. Uma antiga música dos Vencedores por Cristo faz a seguinte pergunta: “O que fazer, se o coração não consegue mais crer, o que sabe ser verdade. O que fazer se a razão não consegue entender, o porquê da tempestade” (Tomé da Fé).
Assim chega o “dia mau”. Nos dias do Rei Ezequias, com a proximidade do exército da Babilônia, este enviou mensageiros a Isaías o profeta “os quais lhe disseram: Assim diz Ezequias: “Este dia é dia de angústia, de disciplina e de opróbrio; porque filhos são chegados à hora de nascer, e não há força para dá-los à luz.” (2 Rs 19.3).
Neste “dia mau” se torna evidente nossa fragilidade, impotência, vulnerabilidade e humanidade destituída de força. Não se pode ter controle da história nem da própria vida. O organizado se desestrutura.
O texto bíblico sinaliza alguns aspectos que devem ser considerados no “dia mau”.
1. O dia mau é uma realidade, não uma hipótese – “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau.”
O texto não diz que, eventualmente, tal dia acontecerá, mas ele tem por certo que ele virá. Não fala de probabilidade, mas de realidade. O “dia mau” baterá às portas.
Assim lemos nas Escrituras Sagradas.
“Laços de morte me cercaram, e angústias do inferno se apoderaram de mim; caí em tribulação e tristeza. Então, invoquei o nome do Senhor: ó Senhor, livra-me a alma.” (Sl 116.3-4).
As figuras são fortes: “laços de morte”, “angústias do inferno”. São metáforas desesperadoras. O corpo, a mente, as emoções são envolvidas num turbilhão de realidades desanimadoras e vemos o fim se aproximar.
O “dia mau” virá! Certamente.
2. O “dia mau” não é um tempo de tomar decisões, mas de tomar posição. “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis.”
Nestas horas temos a propensão de querer fazer mudanças arriscadas, desesperadamente tentamos nos livrar das amarras e ameaças. Mas não é sábio tomar grandes decisões em hora de muita dor: o prejuízo pode ser enorme. Calma!
O texto fala de “resistência”, não de fuga. Isto me faz lembrar de outro texto bíblico que afirma: “resisti ao diabo e ele fugirá de vós”. Não podemos correr, temos que enfrentar. Não podemos escapar, temos que confrontar. Tempo de treva precisa ser tempo de posicionamento. “depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis.”
Outra traduções dizem:
“Depois de terdes feito tudo, permanecer inabalável”.
A King James Version atualizada afirma:
“usando bem cada oportunidade, permanecer inabalável!”
Fique firme! Não corra. Não saia em disparada! Enfrente.
Nos dias desta pandemia que enfrentamos, muita gente está perdendo muito dinheiro, mas muitos estão ganhando muito. Cria-se certo pânico! Não mude sua posição, fique firme! Dinheiro é como água, muda, muda de cor, de ambiente, evapora-se, chove em outro lugar, mas não desaparece. A mesma quantidade de água que tínhamos no inicio do mundo ainda temos hoje. Ela pode se tornar líquida, gasosa, sólida, mas é a mesma água. Por ser poluída, mas ainda é água.
3. Só é possível vencer o “dia mau” usando as armaduras de Deus. “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau.”
Não devemos tentar resolver isto quando o dia mau vem. A vitória é ganha antes! Não se enfrenta a tempestade quando o ciclone nos abate, mas antes dele chegar.
Em algumas regiões nos Estados Unidos onde furacões acontecem com certa regularidade, agora com o sistema metereológico, torna-se mais fácil prever o que virá. Quando a tempestade se mostra forte demais, as autoridades locais, retiram as pessoas de áreas mais perigosas, e os donos revestem suas casas com proteções extras, antecipadamente. Ninguém faz isto quando os fortes ventos estão soprando, mas a preparação vem com antecipação.
Não devemos esperar o dia mau para nos prepararmos. Precisamos das armaduras de Deus antecipadamente. É necessário “tomar toda armadura” e colocá-lo. Todos os recursos que Deus nos dá. “Para que possais resistir no dia mau”. Revestir-se para enfrentar o mal. Todos esperam o milagre, mas poucos se posicionam com as armaduras de Deus para enfrentar as lutas. Então, por causa da ausência de prevenção, não é raro vermos que muitos ruem quando chega o dia mau. Estavam desarmados!
Imagine o corpo humano. Hoje mais do que nunca estamos ouvindo discussões sobre pandemia, epidemiologia, vírus, contaminação, etc. Quais são as pessoas mais suscetíveis às graves consequências desta poderosa gripe? As pessoas cujo organismo são mais vulneráveis e estão enfermos. O vírus se torna devastador em pessoas doentes e frágeis. Desta forma, o mal se torna devastador para aqueles que se encontram sem a armadura apropriada que Deus preparou para seu povo. Se quiser saber que armadura é esta, leia todo texto que começa em Ef 6.10 e vai até o vs 17.
4. Os dias são maus, mas Deus é bom. “Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis.”
Não apenas será possível resistir com a armadura de Deus, mas esta armadura nos dará condições de vencer e permanecer inabalável. “O dia mau”, não tem a palavra final e nem o poder definitivo, por causa da suficiência e do poder de Deus.
O Salmo 139.7-12 afirma:
“Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá. Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa.”
Não há abismo profundo que Deus não possa visitar. Dor aguda que Deus não possa penetrar. Não há enfermidade que o céu não possa curar. Ainda que seu abismo seja colossal, ainda que seja a Fossa das Marianas, o lugar mais profundo do mar, localizada no Pacífico Ocidental, 300 km a leste das Ilhas Marianas, o lugar mais escuro do planeta, atingindo impressionantes 11.034 metros de profundidade! Ainda lá Deus estará. Sua bondade e misericórdia nos alcançarão.
Outra aspecto fundamental deste texto é que ele não cria falsas esperanças sobre suas possibilidades, mas ele fala das possibilidades de Deus. Você não deve enfrentar o dia mau com suas armaduras, mas com a armadura de Deus. Você precisa tomar suas armas, não lute com as estratégias e armas que você tem, elas são insuficientes e frágeis, não resistem ao dia mau. Você não vence estes dias de trevas com sua força pessoal, mas com o poder de Deus. O poder vem de Deus, a capacitação vem dele, as armas são dele.
Muitas vezes enfrentamos dores profundas e angustiantes, mas sabemos que o nosso bom pastor ali conosco estará. Ainda que andemos pelo escuro vale da sombra da morte, ele não retira de nós a sua bondade e misericórdia, não deixa de nos fazer companhia.
Conclusão
Hoje de manhã tive uma longa e agradável conversa com um irmão da igreja. Estávamos com saudades um do outro por causa do isolamento social que esta grave pandemia nos causou. Então lhe perguntei quais estavam sendo os motivos de sua oração nestes dias maus que enfrentamos? Ele me falou que pedia a misericórdia de Deus sobre o mundo, orava pela economia do povo, e para que Deus capacitasse os pesquisadores a encontrarem uma cura para a doença. Todos seus motivos eram bons e plausíveis.
Eu tenho orado para que Deus dê à sua igreja graça para testemunhar neste tempo de crise. Para que muitas vidas distante de Deus possam ter um tempo de reflexão e retorno ao considerarem a fragilidade da vida.
Tenho pensando no significado da cruz e do evangelho neste tempo. A cruz é o lugar mais desolador. Aquele era um “dia mau”. O melhor de todos os filhos que esta humanidade viu, estavam sendo cruelmente crucificado, num tribunal de mentira. Ali estava refletido a dor, a humilhação, o abandono de Deus, mas naquele lugar, naquele momento de absoluto caos e desatino, nunca ficou tão evidente a graça de Deus. Ali na cruz, Jesus derrama seu sangue e satisfaz a ira de Deus, esmaga a cabeça da serpente, nos purifica de nosso pecado. Aquele dia de trevas tornou-se o dia da redenção.
Graça
O Evangelho chama isto de graça. Há um grande mistério contido na ideia da graça. Lendo o livro do celebrado psiquiatra Norte Americano, M. Soctt Peck, me surpreendi com um interessante capítulo do seu best seller “A Estrada Menos percorrido”, falando do efeito da graça na vida do ser humano, na perspectiva clínica, sua percepção me surpreendeu. Como ele conseguiu ver a graça divina fluindo em contextos de desagregação e desorientação:
“Um homem de negócios 35 anos de idade, veio para uma consulta, por causa de uma neurose que poderia ser descrita com média. Ele nasceu ilegitimamente e durante toda sua infância, foi criado apenas pela sua mãe. Quando estava com apenas cinco anos, o Estado, entendendo que sua mãe não era competente para criá-lo, o tirou de sua mãe sem aviso ou explicação colocando-o numa sucessão de três famílias adotivas (famílias substitutas), onde ele foi tratado numa rotina de relacionamentos com total ausência de afeição. Quando tinha quinze anos, ele ficou parcialmente paralisado, como resultado da ruptura de um aneurisma congênito hemorrágico. Aos 16 ele deixou a última família e foi viver sozinho. De forma previsível, com a idade de 17 anos foi para cadeia por causa de um roubo que praticou. Na cadeia não recebeu qualquer tratamento psiquiátrico.
Ao ser solto, após seis meses de prisão, as autoridades lhe deram uma oportunidade de trabalho num almoxarifado de uma rede de lojas. Nenhum psiquiatra ou agente social poderia prever que seu futuro poderia redundar em alguma coisa saudável. Entretanto, três anos depois, ele se tornaria o mais jovem líder supervisor na história daquela companhia, e cinco anos depois, após casar-se com outra executiva, deixou a companhia e começou a gerir seu próprio negócio, tornando-se um homem relativamente rico.
Quando ele começou seu tratamento, ele tinha se tornado um amável e efetivo pai, um intelectual autodidata, um líder comunitário e um respeitado artista. Quando, porque, onde e como tudo isto pôde se tornar realidade? Dentro do conceito do ordinário, nunca saberemos. Juntos, somos capazes de traçar com exatidão, numa estrutura lógica de desenvolvimento fundamentado na relação de causa e efeito, o que determinou sua neurose média, mas somos incapazes dentro da mesma lógica, de entender como tal pessoa pode obter sucesso”.
Eu cito este caso, diz Peck, precisamente porque “os traumas observados foram tão dramáticos que na vasta maioria dos casos, traumas da infância como neste caso, são considerados devastadores, e nos surpreende sua cura. Não raramente vemos pacientes, que são mentalmente muito mais enfermos que seus pais. Nós sabemos muito bem porque as pessoas se tornam doentes mentais. O que não entendemos é como pessoas sobrevivem aos traumas como muitos fazem. Nós sabemos exatamente porque certas pessoas cometem suicídio, o que não sabemos, dentro do conceito de causalidade é porque certas pessoas não cometem. Todos podemos dizer que há certa força, mecanismo que não compreendemos perfeitamente, que parecem operar rotineiramente em muitas pessoas para protegê-las e dar-lhes saúde mental, mesmo dentro do contexto das mais adversas condições”.
O “dia mau”, é uma realidade, mas a graça de Deus excede toda dor e sofrimento.
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