segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

1 Co 1.30 A Identidade Perdida


 

Introdução:

Um dos meus colegas de ministério e contemporâneo do seminário, tornou-se conhecido entre os colegas por ser um dos homens de vida mais profícua na oração. Aos 63 anos, começou a apresentar alguns sintomas de dores e febre, e ao procurar orientação médica, teve duas surpresas ruins. A primeira, um rápido diagnóstico apontou que ele só possuía um rim; a segunda, ele tinha um tumor cancerígeno neste rim, com metástase. Minha esposa e eu fomos visitá-lo e esta visita se tornou uma das coisas mais ricas de nossa experiência: Em primeiro lugar, em nenhum momento ele nos pediu para que orássemos pela sua cura; em segundo lugar, apresentava uma  serenidade e paz que nos impressionou, diante do seu diagnóstico.
No final de nossa abençoada conversa, onde certamente fomos mais abençoados que ele, abrir a bíblia para ler um texto das Escrituras (hábito pastoral...) percebi que, nenhum dos textos convencionais fazia qualquer sentido. Enquanto folheava a Bíblia em busca de uma palavra, e conversávamos, meus olhos fixaram em 1 Co 1.30: “Vós sois de Deus, em Cristo Jesus”. Era exatamente aquilo que eu precisávamos lembrar naquela hora. Aquele irmão amado pertencia a Deus. Sua vida não era apenas um acidente e aquele câncer, por mais desproposital que parecesse, estava nas mãos de Deus.
Aqui encontra-se uma das doutrinas mais profundas nas Escrituras e uma das que mais facilmente nos esquecemos. Nós somos de Deus! Esta é a mensagem mais urgente que precisamos ouvir. O grande problema de nossa espiritualidade é que sofremos um grave problema de orfandade. Satanás parece nos fustigar com pensamentos nos levando a perder a identidade mais profunda de nossa existência. Nós somos de Deus!
Quando Jesus foi levado ao deserto para ser tentado, a primeira coisa que Satanás sugeriu foi que ele não era filho. “Se és filho de Deus”. Esta é a tentação profunda e ameaçadora que o filho de Deus não raramente sente: “Deus se esqueceu de mim. Deus não se importa. Deus me deixou só. Estou órfão”...
Quando os discípulos foram enviados para sua viagem evangelística em Lucas 10, a palavra de Deus nos diz que voltaram impressionados com o poder de Cristo sobre suas vidas. No entanto, Jesus quis colocar seus olhos noutra verdade. “Alegrai-vos, não porque os demônios se vos submetem em meu nome, mas porque os vossos nomes estão escritos no livro da vida”(Lc 10.17). A grande questão não é se temos poder ou não, mas se nos vemos como filhos amados. Nossa identidade não é de guerreiro, mas de filhos amados.
Por isto a Palavra de Deus nos vem confortar ao dizer: “Vós sois de Deus!”
Você reconhece isto em sua vida?
O livro do profeta Malaquias é composto de sete controvérsias do povo com Yahweh. A Primeira delas, não sem razão, é sobre o amor de Deus. “Eu vos tenho amado, diz o Senhor; mas vós dizeis: Em que nos tens amado? Não foi Esaú irmão de Jacó? – disse o Senhor; todavia amei a Jacó” (Ml 1.2). O povo daqueles dias não conseguia ver o amor de Deus para com eles. Sentiam-se perdidos na sua identidade. Não se viam como pessoas amadas. Deus afirma: “Eu vos tenho amado”.
Quando perdemos nossa identidade, nos tornamos órfãos. Como se sente o órfão?
Uma das primeiras características ao se perder a identidade é que não consegue descansar no Senhor. O Sl 46.10 diz: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus”. Uma versão mais moderna diz: “Pare de lutar!” Pessoas órfãs, na sua natureza intrínseca facilmente se tornam vítimas ou tiranas. John Owen, um dos mais conhecidos puritanos afirmou: “Apesar de ser sua maior dificuldade na vida cristã, crer que o Pai o ama, você comete seu maior pecado ao deixar de acreditar que Ele realmente o ama”.
No livro de Sofonias Deus faz a seguinte declaração de amor ao seu povo: “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo” (Sf 3.17). Paulo afirma neste texto lido: “Vós sois de Deus, em Cristo Jesus”.
Uma frase aqui nos chama a atenção. “Vós sois de Deus, em Cristo Jesus”. A frase “em Cristo” aparece cerca de 100 vezes nos escritos paulinos. Muitos querem ser de Deus fora de Cristo. Mas a Bíblia nos ensina que por meio de Cristo fomos adotados por Deus e nos tornamos filhos amados. Lemos ainda na palavra que todas as bênçãos espirituais encontram-se em Cristo (Ef 1.3).
Cristo se torna para nós “sabedoria, justificação, santificação e redenção”. Cada uma destas palavras possui verdades maravilhosas. No texto anterior, Paulo estava contrastando a sabedoria do mundo com a sabedoria de Deus, e por várias vezes afirma que Deus considerou louca a sabedoria do mundo, mas que Cristo, se tornou a sabedoria de Deus para sua vida.
Pense ainda no significado de nossa justificação. O que significa a expressão: “Cristo se vos tornou sabedoria e justificação?”
Deus conhece nossas fraquezas, sabe de todos os pecados que temos cometido, conhece nossa natureza rebelde, a independência, arrogância, indiferença, mas nos atrai com laços de amor e misericórdia, para entendermos o que ele fez na cruz através do seu filho amado, assumindo nossa culpa e morrendo nossa morte. Quando a vida de Cristo se torna a nossa vida, passamos a viver de forma que lhe agrada, passamos a viver “Em Cristo”. A justiça que produzimos por nós mesmos é insuficiente para agradá-lo, mas Cristo se torna o nosso advogado, ele nos representa junto a nós. Deus nos vê em Cristo. Ele se torna a nossa justiça perante Deus. Por isto Paulo afirma que “Nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”(Rm 8.1).
A Justificação é um ato contínuo da parte de Deus em nosso favor. Em Cristo, Deus imputa os méritos dele e não mais nos considera culpados dos nossos pecados. “Justificação é um ato da livre graça de Deus, nos concedendo o perdão dos nossos pecados e nos aceitando como justos diante dos seus olhos, apenas em função da justiça de Cristo que foi imputada em nós e recebida exclusiva e tão-somente pela fé” (Catecismo da Confissão de Fé de Westminster). “Mediante a fé em Cristo, portanto, a justiça de Cristo se torna a nossa justiça, e tudo o que ele tem se faz nosso. Ele mesmo se torna nosso.” (Martinho Lutero). “Uma pessoa será justificada pela fé quando, excluída da justiça das obras, coloca completamente a sua fé na justiça de Cristo e aparece revestida aos olhos de Deus, não mais como pecador, mas como justo” (João Calvino).
O problema da vida cristã é que temos esquecido nossa identidade em Cristo. Temos esquecido quem realmente somos e por isto vivemos como escravos, sem descobrir a liberdade em Cristo. Diante disto mantemos várias identidades confusas:

ü       Órfão - Com medo  de rejeição, fracasso, punição, já que facilmente nos esquecemos de nossa adoção em Cristo.

ü       Fariseu, mantendo aparência, buscando aprovação dos outros, tentando nos justificar a nós mesmos quando já somos justificados por Cristo;

ü       Um hindu, trabalhando para construir um bom carma, porque nos esquecemos de nossa retidão em Cristo e achamos que o nosso currículo espiritual é que vale;

ü       Ou como um tirano: Lidando com manipulação, raiva, desejo de poder controlar coisas, pessoas, situações, ao invés de nos submetermos a Cristo.

O que eu descobriria sobre você se eu te conhecesse como você realmente é ? Qual é a sua identidade? Santo ou um pecador?
Na vida cristã podemos construir duas formas de viver: Na primeira, temos o círculo da Incredulidade, na segunda, o círculo da fé. Estes são os dois estilos de vida completamente diferentes.

O Círculo da Incredulidade

Quando perdemos nossa identidade em Cristo, criamos um sentimento vago sobre nossa vida espiritual. Pensamos mais ou menos assim: “Se eu pudesse ser mais auto-controlado, ou acreditasse mais, me livraria da minha natureza pecadora”, mas a verdade é que a natureza pecadora é um monstro com o qual iremos lutar até a morte. Mas quando descobrimos nossa identidade em Cristo, nos tornamos mais atentos à luz da cruz, e isto nos dá novas oportunidades para arrepender e confiar em Jesus. Isso abre nossas vidas mais completamente para o poder do Espírito para subjugar a natureza pecadora.
Quando perdemos nossa identidade, entramos no circulo da incredulidade e nossa identidade em Cristo torna-se apenas uma concordância intelectual ou teórica. Esquecemos quem somos em Cristo, e passamos a nos definir pelos sucessos ou fracassos. Muitos cristãos vivem dessa maneira.
No ciclo da incredulidade, entramos em desespero e derrota. Sentimo-nos apenas como um “pecador pequeno”, que não tem cometido graves faltas, apesar de vivermos relacionamentos destrutivos, caracterizados por raiva, mexerico, manipulação e desespero.  Passamos a viver na dependência dos ídolos: raiva, orgulho, controle, ócio  e as acusações de Satã se tornam verdades em nossa vida. Na exposição do nosso pecado concluímos que isto é realmente quem somos e isto nos faz desanimar, pois os hábitos, pecados, sucessos e falhas nos definem. Nos esquecemos da retidão de Cristo, de quem ele é e de que, Deus, em Cristo, imputou seus méritos a nós. 

Círculo da Fé
                                                                                                  .
No círculo da fé, buscamos nossa identidade em Cristo e contemplamos sua perfeita obra na  cruz. Nos orgulhamos na cruz, porque sabemos que ela, ao mesmo tempo que revela nosso profundo fracasso, aponta para nossa grande esperança. Estamos em Cristo. Morremos com ele e com nele vivemos. A velha natureza pecadora ainda precisa de arrependimento. “Mas eu não vivo mais! Cristo vive em mim” (Gl 2.20).
Quem sou eu, “santo” ou “pecador”? Olhando na perspectiva da redenção, o santo ganha facilmente! Parece estranho afirmar isto, justamente nós que sabemos de quão fracassados somos, mas a verdade é que, de acordo com as Escrituras, aqueles que estão em Cristo, não vivem mais na realidade de duas identidades que estão no mesmo status. O “pecador” está lá, mas não é sua verdadeira identidade (Rm 7.17). Precisamos nos arrepender; somos responsáveis, mas “pecador” não define quem realmente somos. Desta forma, escolhemos  alegremente ver outros cristãos dessa mesma forma. Arrependimento e alegria fazem parte da minha vida. Apreciamos relacionamentos construtivos com outros, caracterizados por encorajamento e paz.
Baseado nessas verdades, podemos agora admitir a natureza pecadora em vez de escondê-la. Eu sei do meu fracasso, dos meus medos, segredos e dores, mas estou construindo minha identidade no status espiritual sobre o qual Cristo me colocou. Eu me arrependo da natureza pecadora e passo a acreditar no que sou em Cristo e isto me leva ao arrependimento e ao desejo de glorificar Jesus no meu corpo e na minha vida.  Minha culpa não me define. Eu tenho a vida de Cristo!
                                           
Conclusão:

Conta-se que o Rei Luiz XIV, da França, quando criança viu seu pai sendo jogado numa cadeia por causa de um levante contra seu reinado enquanto ele foi levado ainda pré adolescente para viver longe do palácio, em condições adversas e provocativas, para viver junto de soldados e guerreiros depravados e de péssimos hábitos que o rodeavam. Estes homens cometiam toda sorte de orgia, sordidez e degradação moral, vivendo vida dissoluta, mas o rapaz, resolutamente não cedia às chantagens e provocações, até que um dia um deles lhe perguntou: “Por que você não faz as coisas que os outros fazem?”. E ele, serenamente respondeu: “Por  ainda vou me tornar o rei da Franca, e estas coisas não são dignas de um rei”.
Quando descobrimos nossa identidade em Cristo, muito daquilo que pode parecer tão atraente, deixa de ter sentido, porque afinal, realmente sabemos quem somos, e quem é o nosso pai. Quando enfrentamos adversidades e lutas, ainda podemos recordar quem somos em Cristo. Nós não somos bastardos, nem órfãos, nem escravos. Nossa vida está oculta em Cristo. Em Jesus construímos nossa identidade.
Vós sois de Deus, em Cristo Jesus!”




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