Introdução:
O capítulo 12
descreve a batalha cósmica entre Cristo e Satanás. Analisamos a dinâmica das
forças espirituais tentando dominar o propósito de Deus para a raça humana, o
Grande e antigo dragão tentando destruir ao Filho da mulher, e visto ainda que
a encarnação de Jesus representa um enorme risco para os propósitos de Satanás,
por esta razão ele tenta de todas as formas destruir tal criança. Seu plano,
contudo, é frustrado, e o Filho da mulher prevalece.
Ao entrarmos
no capítulo 13, o drama se desloca do plano cósmico e se aproxima da dinâmica
da história, sai do âmbito do eterno e invade os meandros da temporalidade,
penetra os eventos da raça humana e se manifesta num contexto político e
humano. Aqui percebemos como o sobrenatural não se distancia do natural e
vice-versa. A história dos homens, é, em última análise, a história da
intervenção de Deus na terra e a oposição dos poderes aparentemente neutros,
a tudo aquilo que é verdadeiramente divino. A cosmovisão do Velho e do Novo
Testamentos é permeada por toda uma compreensão da intervenção do sobrenatural
no mundo aparentemente secular. O mundo espiritual e o físico, não são
distanciados uns dos outros, não são compartimentalizados, divididos, antes
complementares, vivendo uma relação na qual, mesmo quando achamos que os
eventos são puramente naturais, eles estão recheados de espiritualidade.
Por isso o apóstolo Paulo afirma que quer comamos ou bebamos, façamos tudo
para a glória de Deus (1 Co 10.31)
e que por mais humano que seja determinado evento, em última instância,”a nossa
luta não é contra carne e sangue, mas contra principados e potestades, nas
regiões celestes” (Ef 6.10).
Francis
Schaeffer denuncia o risco de criarmos uma teologia com dois andares
filosóficos, como se estes mundos fossem totalmente diferenciados um do outro
sem capacidade de influenciarem um ao outro ou se tocarem. Para ele, nossa
teologia sistemática, tende a criar dois níveis, ou fazer a leitura destes
universos de forma platônica e dualista. Assim, teríamos dois universos:
GRAÇA, O NÍVEL SUPERIOR
DEUS
O CRIADOR; O CÉU E AS COISAS CELESTES:
O
INVISÍVEL E SUA INFLUÊNCIA NA TERRA; A
ALMA
HUMANA; A UNIDADE.
_________________________________________________________________
NATUREZA, O NÍVEL INFERIOR:
A
CRIAÇÃO; A TERRA E AS COISAS TERRENAS; O
VISÍVEL
E O QUE FAZEM A NATUREZA E O HOMEM
O resultado é
que, com esta leitura, dividimos o mundo em dois andares, mas a posição
bíblica, sustentada pela reforma, não é uma concepção platônica. “Deus nos pode
falar e dizer acca de si mesmo – não de forma exaustiva, mas de maneira real,
não plena, mas verdadeiramente(…)Mas Deus nos tem falado também acerca de
coisas pertinentes ao reino do finito, ao elmento criado”. [2] Em outras palavras, o universo espiritual e material não são
seccionados, mas fazem parte de uma unidade cósmica.
O Livro de
Apocalipse revela que os dramas cósmicos e terrenos se tocam constantemente.
Não existe interlúdio ou espaço entre eles, antes se encontram em movimentos
sincrônicos, que existe ingerência real entre os “dois-mundos”, que na verdade
formam uma unidade. Este é um conceito bíblico, a história de Deus está sempre
se inserindo na história dos homens, con-fundindo-se com ela. Vemos isto
claramente na história de Israel, mas de forma ainda mais radical e profunda,
na vinda de seu Filho que veio “tabernacular” entre nós (Jo 1.14).
Com isto em
mente, voltemos ao texto que ora estudamos. No capítulo 13 de apocalipse, tal
verdade torna-se ainda mais clara. Este texto nos mostra os agentes e
instrumentos históricos sendo usados pelo dragão para fustigar e perseguir a
igreja.
O que representam estas duas bestas?
1. A primeira
besta – 13.1-10
Esta primeira
besta tem características monstruosas, a segunda tem uma aparência inócua e
amena, provavelmente isto nos revela que a segunda seja mais perigosa que a
primeira.
A primeira
coisa que nos é dita sobre ela é que sobe do mar - mar significa nações e seus
governos (Is.17:12; Ap. 17:5)[3] Simboliza o poder perseguidor de
satanás incorporado em todas as nações e governos do mundo através de toda a
história [4] Ou, conforme aponta Ladd, um símbolo da humanidade não regenerada, em
constante agitação social, semelhante a um caldeirão borbulhante da vida
nacional e social confusa, de onde surgem os grandes movimentos históricos.[5]
Ela tem dez
chifres e sete cabeças. Os dez chifres da besta simbolizam seu grande poder.
Qual seria a
melhor interpretação deste texto?
Muitos afirmam
que é uma referência à Roma, porque fala de sete colinas e dez imperadores.
Ellul afirma que esta idéia não está excluída podendo até ser feita, mas, na
sua opinião é, por definição, muito limitada.[6] O chifre é ao longo de toda a Bíblia e nos escritos do Oriente, símbolo
compreensível do poder. Ele é multiplicado por dez, que é o poder elevado ao
absoluto. A cabeça é símbolo de domínio, de comando. Não é muito fácil saber se
as sete cabeças representam sete imperadores subsequentes, mas os símbolos são
claros. O fato de haver pluralidade (7,10), indica igualmente que não é um
poder particular que é visado, trata-se de uma potência geral, mais constante,
não fala apenas de Roma, mas da potência absoluta do mundo político[7] Embora as formas sejam diferentes, a essência permanece a mesma. O
governo do mundo dirigido contra a Igreja.
“Sobre as cabeças havia nomes de blasfêmia”
–
A besta tem
prerrogativas divinas, traz um nome de divindade sobre a cabeça, exigindo que
os homens a adorem. (Vs. 4) Talvez fosse uma alusão aos títulos de divindades
que os imperadores usavam na tentativa de promover a crença de que eram
divinos. Um deles era Augustus (Otávio, o primeiro imperador assumiu
este título). Provavelmente esta fosse uma referência ao culto dos imperadores.
Eles se auto intitulavam deuses. Domiciano, (81-96 d.C), que viveu nos dias de
João exigia que as pessoas se dirigissem a ele com o título Dominus et Deus – Senhor e Deus.
Diversos imperadores usaram o adjetivo divus nas moedas, a deificação do
Estado e de seu governante era uma prática comum em Roma.
A exigência do
imperador era assunto gravíssimo para os cristãos, “pois afetava tanto a
lealdade do indivíduo à soberania de Cristo, como o conceito cristão da
obrigação que o homem tem para com o Deus invisível”.[8] Contudo, rejeitar a adoração de tais estruturas, era, por outro lado,
extremamente complicada. O Império havia trazido a pax Romana, unidade e
prosperidade ao mundo civilizado, o imperador simbolizava esta grande força
unificadora, e prestar-lhe honra era sinal de patriotismo. O povo cristão, ao
resistir a adoração de César, se tornava opositor do império e do imperador.
Existem vários
aspectos que devemos considerar quando falamos da besta:
a)- Esta besta
é golpeada de morte, ferida mortalmente, e curada.(13.3) Esta simbologia demonstra o poder do Estado,
revela que sua força política pode ser questionada, ou mesmo ferida e quase
sempre o é, mas ressurge das cinzas e aumenta o seu prestígio diante de cada
nova crise. Cada vez que um poderio militar é ameaçado e resiste às oposições,
brota com força ainda maior e impressiona mais o povo.
b)- Outra
imagem forte refere-se ao poder de alcance de tal governo. Ele tem autoridade
sobre cada tribo, nação, povo e língua. Este poder é exercido de forma
universal e total. Impressiona-nos ainda que ele tenha poder e obtenha vitória
sobre o povo de Deus, pois o texto nos afirma que ele tem o poder de vencê-los.
João anuncia de forma profética, que a igreja de Cristo muitas vezes viverá o
dilema do aparente fracasso de sua missão, que muitas vezes a igreja de Cristo
será isolada de direitos, e que provavelmente questionará o aparente abandono
de Deus e suspeitará de sua própria relação com o Pai, diante da aparente
derrota para os poderes malignos (Vs.7) Conforme o relato do vs. 4 este poder
político torna-se concorrente de Deus pois a besta é adorada.
c)- Novamente
encontramos o conceito de “42 meses”,
isto é, três anos e meio, figura que denota um período limitado de perseguição.
A besta
blasfema e se opõe a Deus. Ellul chama a atenção para o fato de que antes de
mais nada é o povo que busca o Estado para o adorar, e são eles que encontram a
razão lógica para se curvarem ao Estado e lhe darem atenção e louvor. “Quem é semelhante à besta, quem pode pelejar
contra ela?”. Vs. 4 Tais pessoas não encontram divindade maior que o
Estado, por isto o adoram, colocando nele a sua esperança e fé.
Como esta besta pode acumular tanto poder e glória?
O vs. 4
declara que esta autoridade é concedida pelo dragão. Com isto Apocalipse revela
que esta força política não provém de fatores meramente sociológicos nem é
subproduto de uma história cega e amorfa, mas vem da potência do dragão. Por
mais admiravelmente construído que esteja, por melhor que seja sua organização,
por mais politicamente correto que sejam seus princípios, tais poderes são
gerados, concebidos e concedidos pela força do destruidor, a antiga serpente.
Os poderes do mundo presente estão permeados pela ação do sobrenatural. O mundo
visível é profundamente permeado por realidades invisíveis e é influenciado por
elas.
II. A segunda besta-
Ap 13.11-20
Existem várias
interpretações para a segunda besta. Embora tais interpretações sejam
distintas, não são opostas. Ellul afirma tratar-se da propaganda. “É ela
que anima a imagem e lhe dá a palavra. Uma vez mais a grande arma da segunda
besta é a palavra. Ela põe as suas palavras na boca do Estado; é através dela que o Estado fala e se
faz conhecer, designar, obedecer. Portanto, estamos verdadeiramente diante da
obra extraordinária da animação de uma estrutura morta, de uma organização
estéril, de um mecanismo de poder que se torna presença viva e vital. Ora, o
que efetivamente desempenha todos estes papéis é exatamente a propaganda”.[9]
Para
Hendriksen, trata-se da religião e filosofia falsa. “A primeira besta
sobe do mar, a segunda sobe da terra. A primeira é a mão de satanás, a segunda
é a mente do diabo. A primeira representa o poder perseguidor de satanás
operando em e por meio das nações deste mundo e seus governos. A segunda
simboliza as religiões falsas deste mundo”.[10]
Para McDowell,
refere-se aos sacerdotes ou oficiais do culto ao imperador. “Os chifres
representam a natureza aparentemente mansa da besta – mas os chifres
contradizem a voz da criatura, que fala como dragão, isto é, com voz de
Satanás. Sua aparência exterior, portanto, é pretensa e hipócrita. Ele é um
falso profeta…Eis revelado o sinal determinante do falso profeta de todo tempo
– ele se submete aos homens e à autoridade temporal. A função da segunda besta
é a de assegurar obediência à primeira besta e fazer com que todos os povos do
império a adorem”.[11]
McDowell ainda
cita um ponto de vista paralelo ao seu, encontrado em Swete que afirma
tratar-se “da feitiçaria e superstição do tempo como empenhadas no
intuito de impor o culto de César sobre as províncias. Representa todo sistema
religioso que se alia com as forças hostis do mundo contra a fé cristã”[12].
Cada uma
destas interpretações ilumina aspectos simbólicos da besta que emerge da terra.
O objetivo desta segunda besta é fazer com que a terra e seus habitantes adorem
a primeira besta, tem como objetivo, promover a imagem da besta. Cada uma
destas idéias pode facilmente ser aplicada a esta perspectiva hermenêutica.
Esta segunda
besta apresenta-se na forma de um Cordeiro, mas tem fala de dragão. É benigna
na sua aparência, apresenta-se inofensiva, revela doçura. Assemelha-se a um
cordeiro, mas interiormente encobre um monstro perigoso. Seu pensamento
interior, sua essência e seu caráter se revelam no seu modo de falar. É a
mentira com aparência de verdade. Não é isto mesmo que nos faz a propaganda,
nos tentando convencer que um determinado produto é bom, mesmo que ele não
preste? Gerando em nós necessidades sem
que realmente precisemos deles? A propaganda quase sempre é enganosa, sedutora…
O mesmo se dá
com os sistemas filosóficos e religiosos, Satanás se transformando em anjos de
luz, transformando os seus ministros em ministros da justiça. (II Co.11:14-15) Isto simboliza todos os
perigosos sistemas religiosos que tem surgido, “vestidos de ovelhas, mas
sendo lobos vorazes interiormente” (Mt 7.15). A religião pagã batalha
contra a verdade do Evangelho e luta para destruir a igreja e sua mensagem.
O grande
desafio nosso é distinguir o falso do verdadeiro. O problema é que estas forças
espirituais possuem apelos fortíssimos.
Tem aparência de poder “também opera grandes sinais, de maneira que até
fogo do céu faz descer à terra diante dos homens, seduz os que habitam sobre a
terra por causa dos sinais que lhe foi dado executar diante da besta” Este
apelo pelo mágico, pelo misticismo, pelos sinais exteriores são extremamente
fortes. “O problema com o falso profeta é que ele não representa apenas a
religião formal, mas representa o verdadeiro poder de Satanás”[13] “O aparecimento do iníquo é segundo a eficácia de Satanás, com todo
poder, e sinais e prodígios da mentira, e com todo o engano de injustiça aos
que perecem” (2 Ts 2.9-10)
Embora
possamos nos referir a este milagres como pseudo milagres, não podemos negar a
forte evidência de poderes dentro de religiões pagãs, e nem a Bíblia o faz. O
diabo, segundo estes dois textos citados, opera sinais, faz milagres, dá
aparência de ser Cordeiro, mas mesmo quando o dragão é capaz de efetuar tais
maravilhas que é capaz de seduzir os moradores da terra, seu objetivo é
destruir a alma daqueles que são confundidos por tais sinais, pois seu objetivo
único é matar, roubar e destruir.
Antes de
concluirmos este capítulo, temos que ainda fazer referência a dois assuntos
muito discutidos nos meios teológicos, e que suscitam muitas questões e
controvérsias.
a)- O que significa a marca a besta?
Muita
especulação tem surgido sobre a possibilidade de que isto signifique algo
literal. Fala-se hoje na possibilidade de se criar um sistema de identificação
universal, que seria lido por laser e que seria colocado na fronte ou na mão
direita. Cada pessoa possuiria assim um determinado número, e onde quer que ela
estivesse seria prontamente identificada. Do ponto de vista tecnológico, é bom
que se saiba que isto é perfeitamente possível. Leituras de barras e um sistema
simples de computação atual seria quase suficiente para que isto se tornasse
exeqüível.
Contudo, é bom
lembrar que a fronte é simbólica da inteligência, da mente, dos pensamentos, da
filosofia de uma pessoa. (Dt 6.8) Estes
homens devem pensar conforme o pensamento do Estado, e isto tem muito a ver com
a ideologia de um sistema ou de um partido. A mão, por outro lado, é símbolo
dos atos de uma pessoa, sua ocupação, seu trabalho, sua habilidade. As pessoas
que tem esta marca nas mãos, agem em favor desta determinada estrutura. Muita
coisa tem sido feita no mundo da arte, da literatura, da filosofia, da ciência,
a favor de sistemas opressivos. Nos dois casos, podemos dizer que a marca é símbolo
de dependência, tais pessoas vivem para agradar e servir estes poderes.
O texto afirma
que nenhum homem pode vender ou comprar sem esta marca da besta. (Vs. 17) Aquele que se recusa a entrar no sistema, que
não se subordina à pressão que este sistema gera e que esta organização
desencadeia é posto à margem da sociedade, não pode exercer mais nenhuma
função, mesmo o ato mais simples de comprar ou vender.
Onde quer que
este sistema anti Cristo se imponha a igreja sofre martírio, é expoliada de
seus bens e direitos, tem sua liberdade limitada e sofre sanções econômicas.
Por não se curvar diante de sistemas corruptos, por se negar a ter “a marca da
besta”, por não se enquadrar neste jogo filosófico, o povo de Deus enfrenta
terríveis limitações. A perseguição se dá, pela recusa em se submeter à marca.
b)- Qual é a
interpretação de 666, o número da besta?
A tentativa de
decifrar este número pelo método da geometria, deu inúmeros resultados
fantasiosos, alguém com uma inteligência mais impressiva, pode conseguir
resultados mirabolantes. Por exemplo, o número 666 tem sido, repetidas vezes ao
longo da história, atribuído ao papa. Basta transformar em algarismos romanos,
a frase que se encontra na Mitra Papal Vicarius Filli Dei, e o resultado
é surpreendente:
VICARIVS FILII DEI.
V=5 +
I=1 +
C=100 +
A =0
+ R=0
+ I=1
+ V=5
+ F=0
+ I=1
+ L= 50
+ I=1
+ I=1
+ D=500
+ E=0 +
I=1 =
Total 666.
De Nero até
Hitler, através de tais métodos e com alguns pequenos ajustes é possível
descobrir certas comparações imaginativas mas que carecem de fundamento
exegético e hermenêutico sério. Parece-nos, contudo, que o que é mais comumente aceito, e mais
claro método, é entender a oposição entre os números 6 e 7. Sete é o
número da perfeição e seis, 6 o número da imperfeição. Seis é um
número sempre próximo ao sete, mas, ao mesmo tempo, infinitamente longe.
Seis nunca será sete, sendo eterna e infinitamente próximo, mas ao mesmo
tempo, matematicamente impossível de ser sete. Seis é eternamente
imperfeito.
Entretanto,
temos ainda outra pergunta a ser feita: Por que o número seis surge
acumulado?
Ellul sugere
que trata-se do número que acumula imperfeições para tentar finalmente atingir
a perfeição, se fazendo passar por sete. Ellul sugere ainda que quando o texto
nos exorta a sabedoria, ou ao entendimento, a ênfase não está na decifração do
número seis, mas na capacidade de discernir as manipulações presentes
entre nós, que os poderes deste tempo presente fazem da propaganda, ou se
preferirmos, das filosofias, das falsas religiões e dos falsos profetas. Quem
tem entendimento discerne no mundo, as sucessivas manifestações que surgem
desta segunda besta, cujo objetivo é promover, é levar-nos a adorar e a nos
curvarmos diante do poderio do Estado e das forças político-econômicas que
interagem entre nós e que muitas vezes são poderosas para pelejar contra os
santos e vencê-los, e que ocupa muitas vezes o lugar de Deus, com a boca que
profere arrogâncias e blasfêmias contra Deus e para assumir o lugar de Deus,
seduzindo assim os moradores da terra, por causa dos grandes sinais que são
capazes de realizar. Tais sistemas aparecem múltiplas vezes na história,
repetindo-se de forma diferenciada, mas sempre com o objetivo de nos levar a
curvarmos diante da imagem da besta.
Conclusão:
Este texto nos desafia em alguns pontos de forma
extremamente significativa:
1.
Como entender a vitória
temporal da besta sobre o povo de Deus? – O texto
afirma que foi dado a primeira besta, a capacidade de “pelejar contra os
santos e os vencer” (vs.7). Ora, sempre ouvimos falar da igreja de Cristo
sendo vitoriosa, confrontando os poderes das trevas e rompendo em fé, mas qual
seria nossa reação vendo que a besta prevalece contra o povo eleito e amado de
Deus?
Este texto nos
revela que, muitas vezes, Satanás obtém vitórias sobre o povo de Deus. Quantos
mártires foram executados por sua fé? Na história há relatos de vilas e aldeias
inteiras sendo destruídas por poderes que se opunham à verdade do Evangelho. Na
noite de S. Bartolomeu, cerca de 70 mil protestantes foram massacrados num
ataque levado a efeito durante a noite, por ordem de Catarina de Médicis.[14] Muitas vezes a igreja de Cristo tem a impressão de orfandade. É a
vitória parcial da besta contra o povo de Deus. A vitória da besta se dá através
das forças políticas, da pressão do comércio, das forças históricas, e muitas
vezes se tem a impressão que é o triunfo das trevas. O povo de Deus pode se
sentir desencorajado, ter dúvidas acerca do cuidado e da presença de Deus sobre
a igreja, mas é bom pensarmos em duas frases deste texto:
· Quem tem ouvidos para
ouvir ouça – vs. 9 Esta frase foi empregada depois de uma
declaração de que só adorarão a Besta, aqueles fujos nomes não foram inscritos
no livro da vida do Cordeiro, que foi morto desde a fundação do mundo.
(13.8) Esta é uma afirmação fortíssima. Na mente e nos planos de Deus, a morte
de Jesus não aconteceu de forma
histórica a dois mil anos atrás, mas ele já havia sido morto, em favor
de nossos pecados, desde a fundação do mundo. A nossa redenção foi
preparada, e Deus nos escolheu em Cristo, antes da fundação do mundo. (Ef.1:4)
Traduzindo isto, Deus já havia considerado o seu povo de forma especial, antes
que o mundo existisse.
· Aqui está a perseverança e
a fidelidade dos santos – vs. 10 Precisamos
entender esta frase no seu contexto, e o contexto dado aqui não é nada fácil: “Se
alguém leva para o cativeiro, para cativeiro vai. Se alguém matar à espada,
necessário é que seja morto à espada. Aqui está a perseverança e a fidelidade
dos santos”. O texto afirma que, seja qual for o momento em que a igreja
estiver, seja ele de perseguição (A idéia de cativeiro), ou mesmo a morte
(necessário é que seja morto à espada), o povo de Deus não vai retroceder. A
besta, os sistemas, as estruturas humanas e históricas poderão levar a efeito
situações extremas contra o povo de Deus, mas a perseverança e a fidelidade dos
santos vai ser conhecida no meio destas fortes aflições. “Aqui
está a perserverança e a fidelidade dos santos”.
2.
Como lidar com os sinais e
prodígios da mentira? Somos uma
geração fascinada pelo mágico, nos impressionamos facilmente com sinais, sem
levarmos em conta:
i.
A procedência de tais
sinais – A Bíblia não nega que o diabo tenha poder para
realizar sinais. Ao vermos coisas mirabolantes e excepcionais acontecendo,
tenhamos cuidado de não atribuirmos a Deus aquilo que não foi feito por ele. “Provai os espíritos”, (I Jô.4:1).
ii. Este sinal glorifica a Deus? Exalta o nome
do Senhor Jesus, ou é só um engodo? Não
basta que o nome de Jesus seja citado, é necessário que Jesus esteja realmente
sendo louvado. Muitas vezes, o nome de Jesus é apenas uma isca para distrair
nossa atenção. Quantos espíritas realizam milagres usando supostamente a Bíblia
e a pessoa de Jesus?
Muitas vezes
isto é fácil perceber. Por exemplo, quando existe propaganda em torno do
curandeiro. Neste caso o foco do poder passa a ser da pessoa que opera
milagres, mais do que em torno de Jesus. Muitos milagres são apenas o disfarce,
a propaganda, para atrair pessoas a um determinado sistema manipulativo, usado
para fins interesseiros, com o propósito de extorsão e manipulação da fé de
pessoas angustiadas e desesperançadas. Outras vezes não é tão fácil…As coisas
surgem de forma camuflada, tem aparência de sabedoria, e são muito mais complicadas.
Neste
caso, o terceiro ponto é bem apropriado…
iii. O Espírito testifica em nosso Espírito? A Bíblia diz que quem se curva diante de tais forças são aqueles que
não receberam a iluminação do Evangelho de Cristo e cujos nomes não foram
escritos no livro da vida do Cordeiro. (Ap. 13:8) O falso profeta, contudo, não
terá o poder de enganar os santos. (Mc.13:22)
3.
A extensão da redenção do
Cordeiro de Deus – o texto afirma que este Cordeiro foi morto, desde a fundação do mundo. Vs.8 Isto
é, antes que existisse mundo, antes do universo ser criado, nos planos eternos
de Deus, o seu Filho Jesus foi designado para morrer como Cordeiro, a sofrer a
minha vergonha, a me substituir, a estar
em meu lugar. Desde a eternidade, Deus o Pai sabia que não seríamos capazes de
realizar a salvação por nós mesmos, e por isto designou seu Filho para estar
naquela cruz. Aquela cruz é o ponto zênite da raça humana, é o clímax da obra
de Deus e de seu plano para a humanidade, por isto aquela cruz é central na
interpretação das Escrituras sagradas, e é fundamental para nossas vidas. A
nossa redenção nos está assegurada desde a fundação do mundo e se baseia nos
eternos propósitos de Deus. Desde a eternidade ele era o Cordeiro que foi
morto, e desde seu aparecimento histórico e temporal ele era a projeção do
eterno plano da redenção divina. Os poderes políticos podem agir
temporariamente e obter alguma vitória, mas acima do tempo e do espaço, o
Cordeiro tem o domínio absoluto e desde a eternidade ele já tem o nome daqueles
que foram escritos no livro da vida e que foram remidos pelo seu precioso
sangue.
4.
A resistência aos sistemas : Muitas vezes ao falarmos de sistemas, pensamos nas expressões mais
agudas do mal. Governos políticos inescrupulosos, com milhares de pessoas sendo
executados de forma brutal, como o III Reich ou o fascismo. Outras vezes
pensamos no lado negro da existência humana revelada em figuras caricaturais
envolvidas com vudismo, macumbaria, pacientes dependentes finais de drogas,
etc. Nunca pensamos na figura do dragão sem que nos venha uma imagem
caricatural de seu ser. Mas, o que fazer quando os sistemas são altamente
sedutores e fascinantes? O que fazer quando tais sistemas vem com uma roupagem
atraente, com sistema de juros atraentes e proposta de uma vida melhor?. Com
leis que se transformam em fonte de extorsão e dor para os pobres, mas cuja
roupagem é aparentemente benigna? O que fazer quando os sistemas são dominados
por homens de colarinhos brancos, que aparentemente são bons exemplos de pais
de família, viajam de primeira classe mas “decretam
leis injustas e escrevem leis de opressão para negarem justiça aos pobres, para
arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo, a fim de despojarem as viúvas e
roubarem os orfãos?” (Is 10.1-12)?
Como podemos
nos defender do atual sistema que gera em nós dependência de consumo e de
aquisições de bens, de tal forma que nos submetemos à sua força, entregamos
nossa mente, nossa inteligência, nossa força e nosso trabalho para servi-lo,
sacrificando muitas vezes nossa saúde, nossa família, nossa vida espiritual e o
Reino de Deus? Sistemas que nos dão gratificação financeira mas que em troca
exigem nossa adoração? Não seria isto o que significa a marca da besta?
É interessante
observar que neste século, os 4 maiores sistemas filosóficos de maior
popularidade e aceitação são opostos, na sua essência, aos valores cristãos:
i. Marxismo
– (Campo Social) Sistema elaborada sobre a teoria da luta de classes, que vê a
religião como elemento de alienação social, que impediria o crescimento das
pessoas, sendo um impecilho a crítica às forças históricas que interagem no
âmbito social. O marxismo está fundamentado na teoria do materialismo dialético
elaborado por Hegel. Nele não se vê nenhum ato de Deus, as forças são meramente
humanas. Marx chegou a afirmar que a religião é o ópio do povo. Os líderes
religiosos usariam estrategicamente a religião para neutralizar a capacidade de
reação dos pobres. Ópio é um narcótico, que rouba o poder de crítica dos homens
e os impossibilita de agirem diante da opressão social.
ii. Existencialismo – (Campo Filosófico). Entre os seus precursores encontramos Nietzsche, Camus e Sartre. Afirma que a vida
deve ser vivida aqui e agora, que a história não tem sentido, que vivemos no
meio do caos, não existe nenhum significado por detrás da tola e fútil vida
humana, que somos apenas uma folha solta ao vento. Não sabemos de onde viemos,
porque vivemos e nem para onde vamos. No meio desta insustentável leveza do
ser, só resta ao homem, viver cada dia da forma mais intensamente apaixonada
possível. O que importa é o agora. Não existe Deus, não existe juízo, não
existe certo e errado, tudo é relativo. Talvez a melhor frase para sintetizar
seu pensamento filosófico tenha sido expresso por Sartre: “O mundo é um caos,
absurdo. Deus dá ordem ao
absurdo, mas Deus não existe”.
iii. Psicanálise - (Campo Psicológico) A psicanálise
foi elaborada por Freud, que hipervalorizou a sexualidade como forma de
encontrar o sentido para o viver humano. Freud via a repressão sexual, como o
fator de maior conflitividade para o ser humano. A liberação sexual, ou a não
repressão aliviaria esta carga neurótica presente no ser humano. Freud via a
religião como uma neurose obsessiva compulsiva. Critica fortemente a religião
no seu livro “O mal estar da civilização”
e ainda hoje exerce enorme influência no campo da psicologia. Embora não
possamos negar sua valiosa contribuição, nem como a dos outros autores acima
citados para o campo literário, é assustador a influência quase massiva que
exerce sobre a psiquiatria e na pesquisa da psicologia humana.
iv. Darwinianismo – (Campo Científico e antropológico) Se o existencialismo exerce
grande influência na filosofia, o marxismo no campo sociológico e o
freudianismo no campo psicológico, o Darwinianismo vai criar uma corrente que
causa furor e controvérsia no campo da ciência. Darwin via o surgimento das
espécies como fruto do acaso, não de um Deus sábio e providente. Isto foi
chamado de geração espontânea. As coisas surgiram como resultado da obra
evolutiva e não haveria nenhuma mente inteligente ou criadora por detrás.
Embora normalmente nossa grande controvérsia ocupe a questão da teoria sobre a
origem das espécies, acredito que como cristão, a grande controvérsia deveria
ir numa dimensão mais profunda, isto é, no fato de Deus ter sido retirado da
criação e da providência do universo. Esta teoria científica afirma que
a história da humanidade está entregue a uma força cega e impessoal, entregue a
si mesma, sem nenhuma ação de um Deus Poderoso e pessoal, que criou os céus e a
terra e sustenta todas as coisas pela palavra de seu Poder. Para eles, a idéia
de Deus pode ser facilmente suprimida dos cosmos.
Outro ponto
que se faz necessário refletir. É muito fácil identificarmos no materialismo
dialético formulado por Hegel e
popularizado por Marx, um sistema oposto ao cristianismo, porque eles se
declaram um sistema sem Deus. Mas honestamente, seria o capitalismo um sistema
sagrado como muitas vezes querem nos fazer crer? Com seu método exploratório e
tantas vezes desumano de gerar riquezas à custa da miséria e do sofrimento de
pessoas pobres, e o empobrecimento de tantos países? Podemos afirmar que tal
sistema é cristão? O que se ensina nas faculdades seculares dentro do espírito
do capitalismo é igualmente satânico. Talvez Schaeffer tenha sintetizado bem o
que estou querendo dizer: “A diferença entre o comunismo e o capitalismo é
que no capitalismo, o homem oprime o homem, no comunismo é o contrário…” Não se assuste com a frase, ela está escrita
de forma correta.
Facilmente
repudiamos as formas grosseiras de oposição a Deus, mas engolimos e somos
seduzidos pelo convite que Satanás nos faz de colocarmos nossa mente, nossa
inteligência, nosso raciocínio (nossa fronte) para receber sua marca e sem
nenhuma crise somos capazes de colocar nossa força, nossos braços, nossa
energia para servir a sistemas que nem sempre entendemos a que fim se destinam,
(nossa mão direita) e muitas vezes sequer temos consciência de onde vão nos
conduzir
Provavelmente
era esta a idéia deste texto: “Aqui está
a sabedoria, aquele que tem entendimento, calcule…” (Ap 13.18)
Samuel Vieira
West Springfield, Set. 15, 2000
[1] Schaeffer, Francis - A morte da razão, São Paulo,
Fiel & ABU, 4a. edição, 1986, pg. 7
[2] Schaeffer A. Francis, Op. cit. 82
[3] Hendriksen, W. 1965 - pg. 176
[4] Hendriksen, W. 1965 - pg. 176
[5] Ladd, George - 1980
- pg. 131
[6] Ellul, Jacques -
1980, pg. 97
[7] Ellul, Jacques -
1980, pg. 97
[8] McDowell, E. A., 1976, pg. 117
[9] Ellul, Jaques, 1980 – pg.101
[10] Hendriksen, W., 1977, pg.
174-175
[11] McDowell, E. A., pg. 120
[12] H.B.Swete – The apocalypse of St.
John, pg. 172
[13]
Ladd, George , 1980. Pg. 136
[14] Ver História da Igreja Cristã, Robert Hasting
Nichols, Casa Editora Presbiteriana, 1978 pg. 168
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