sábado, 28 de julho de 2012

Gn 1.26-30 A Mulher no Projeto da Criação


Introdução:
Continuando a série de sermões no Livro de Gênesis, a reflexao atual é sobre a criação da mulher, e o lugar que ela ocupa nas Escrituras, no ato da criação. Geralmente a leitura da relação homem e mulher se inicia a partir da queda, mas o correto, é iniciar a partir do projeto original de Deus, que é a criação, já que a queda foi uma quebra neste projeto divino.
Antes de continuar falando sobre a visão da Bíblia sobre a mulher, gostaria de relatar uma engraçada história que ouvi sobre um pastor  que foi pregar sobre a criação da mulher e começou a ler em Gênesis: - “E eis que Deus fez a mulher…” e então, veio um vento e virou a página pra parte da construção da Arca de Noé, e o pastor, desatento, continuou lendo:  -“…e tinha 30 côvados de comprimento por 500 de Altura”. Então, o pastor olhou pro pessoal e disse:- CARAMBA IRMÃOS QUE MULHERÃO HEIM!!!
Historicamente o conflito homem e mulher sempre existiu, e por isto a mulher sempre sofreu graves discriminacões e distorcões históricas quanto ao seu papel. Em muitas culturas ela foi, e continua sendo humilhada, diminuída e escravizada, como se fosse inferior ao homem. O paganismo foi pródigo em desprezar a mulher. No relato da criação, porém, fica claro que  homem e  mulher foram criados por Deus com dignidade e complementareidade recíprocas. Juntos são chamados a transmitir a vida humana e a dominar a terra como mordomos, criados e colocados no mundo com a mesma função política.
Neste texto aprendemos algumas licões importantes sobre o projeto de Deus para a mulher, no ato da criação:

  1. Homem e mulher são participantes do mesmo projeto da criação – Não há igualitarismo, cujo conceito matricial procede do marxista, que vê homem e mulher como iguais não só em essência, mas mesmo nos acidentes. Deus fez o “homem”, o macho (Zakan) e a fêmea (Nikbah) conforme descrição de Gn 1.26. Os mesmos termos ocorrem também em Gn 6.19, em relação aos animais que deveriam ser colocados em pares, dentro da arca. Apesar de diferentes na sua essência, possuem origem e destino comuns, no chamado universal à felicidade, na dignidade e missão. Homens e mulheres não são superiores ou inferiores uns aos outros, apesar de serem distintos. Em Gn 2.23, surgem, os termos “ish”, para homem e “ishah” para mulher, duas letras a mais.

  1. Homem e mulher receberam o mesmo mandato cultural – Por esta razão, em Gn 1.26,27 não aparece homem e mulher diferenciados, mas como uma unidade de propósito. Ao falar de suas funcões, Deus afirma: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhanca; tenha Tenha ELE dominio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu... Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imaem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Marquei a palavra ELE, para dar ênfase ao texto. Aos dois foi dado a tarefa de cuidado e domínio, aos dois a tarefa de construir o mundo e a história.

Quais foram estas tarefas comuns?
    1. Multiplicação – “Deus os abençoou, e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra” (Gn 1.28). Sexo foi designado por Deus para cumprir o seu propósito de procriação. Para aqueles que ainda vêem sexo como pecado, é importante notar que tal ordem foi dada antes do pecado entrar no mundo e contaminar a raça humana. Do ponto de vista biológico, e não apenas ético, o homossexualismo é um desvio do projeto original, já que não cumpre a visão de Deus. Macho e fêmea foram feitos distintamente.
    2. Administração da Natureza – Ao homem e à mulher, foi dado o mandato cultural, que estaria ligado com a responsabilidade de cuidar e construir responsavelmente o meio ambiente. Deus colocou o homem no jardim do Éden, para “o cultivar e o guardar” (Gn 2.15). A causa da ecologia e da defesa do ecossistema não deveria ser defendida apenas por grupos verdes radicais, mas por aqueles que lêem a bíblia tentando perceber a cosmovisão divina. A mulher participa ativamente desta vocação. A ordem não é apenas dada ao macho, mas à fêmea também.

Onde começa a distorção?
A queda, conforme o relato de Gn 3, traz um descompasso nesta harmonia e unidade do universo, formando ali um fosso, trazendo concorrência, acusação e grande desconfianca entre o homem e a mulher. Pela primeira vez, tentam se esquivar da culpa pelas suas decisões erradas e projetam sua responsabilidade sobre os outros.
Alguns problemas vão mostrar as raízes desta distorção da figura feminina:

  1. Competitividade – Com a queda surge a competitividade. Homem e mulher constroem seus bunkers e atiram um contra o outro. O texto é explicito ao falar disto. “Porei inimizade entre ti e a mulher”(Gn 3.15). Não mais harmonia e construção comum, mas trocas de farpas e distanciamento.

  1. Manipulação e controle – É interessante perceber como as nuances literárias revelam isto. Em Gn 5.2  lemos: “homem e mulher os criou, e os abençoou, e lhes chamou pelo nome de Adão, no dia em que foram criados”. Homem e mulher recebem o mesmo nome, Adam, cuja raiz é Adamã, terra, no entanto, logo após a queda, Adão resolve dar um nome diferenciado para sua mulher, chamando-a de Eva (Gn 3.20). Nomear, na cultura semita, tem o sentido de ter o controle sobre o outro e assim Adão lhe retira o poder político de ser agente de Deus e atender ao mandato cultural, conforme o propósito original que havia sido dado (Gn 1.26). Eva não é mais Adam. Para os antigos semitas, o nome não era algo meramente exterior e, sim, uma parte constitutiva da pessoa ou coisa nomeada. Dar ou mudar um nome era uma forma de afirmar a autoridade ou domínio, por esta razão Deus não entrega seu nome e sua identidade a Moisés (Ex 3.13).
O homem muda o nome. Já não é mais ishah (companheira/varoa), termo que destaca sua identidade (Gn 2.23), mas Eva (mãe de todos os viventes), que ressalta sua função (Gn 3.20). A utilidade suplanta a idoneidade. Passa a ser um meio para atingir um fim. O sujeito passa a ser objeto.

  1. Acusação –Adão culpa Eva por ter lhe dado o fruto, e a Deus por ter lhe dado a mulher por esposa (Gn 3.12). Boa parte da caminhada humana torna-se agora um desafio para justificar-se, defender-se e acusar. Perde-se a idéia da complementareidade, de que se completam e ambos possuem uma só vocação de exercer a administração eo cuidado na criação dos filhos e proteção à natureza. Nesta mútua vocação, surge a alteridade, ambos necessitam um do outro. As diferencas presentes na sexualidade os autenticava como seres sexuais, cuja distinção biológica os ajudava a perceber, reagir e relacionar-se de forma diferente, dando ao cosmos uma compreensão mais ampla. A diferença enriquecia a função que lhes fora dada.

  1. Relacões confusas, papéis conflitantes -  A partir da queda, a mulher passa a ter funcões distintas. “Em meio a dores, darás a luz, filhos”(Gn 3.16) e se limita à função de genitora enfrentando a limitação dos seus próprios desejos: “O teu desejo será para teu marido, e ele te governará” (Gn 3.16). A harmonia perde o lugar para os conflitos O homem, por sua vez, vê sua prazeirosa tarefa do trabalho, tornar-se complexa: “Em fadigas obterás o sustento” (Gn. 3.17).
Daí em diante, a história de humilhação da mulher se constrói, num mundo onde o mais forte é quem manda, escreve a lei e regulamenta costumes, e assim a mulher passa a ser subjugada, não é mais a companheira idônea, mas alguém a ser subjugado. Quem constrói a história é aquele que tem o poder, e o homem passa a tratar assim a mulher, que originalmente fora chamada para a construção em conjunto de uma civilização harmônica.
O incidente do Rei Assuero, no livro de Ester, demonstra como as coisas se constroem. Vasti se recusa a ir a presença do rei, para ser apresentada aos governantes e súditos do grande imperador. Os sábios demonstram preocupação com a reação da rainha, neste movimento feminista, e então, para evitar problemas futuros, aconselham que ela seja deposta, e outra colocada em seu lugar. Mulher questionando a autoridade do marido é vista como ameaça, suas atitudes de rebeldia e liberação deveriam ser podadas de imediato, evitando assim problemas futuros. Assim tem sido a incômoda situação das mluheres, que se tornam excluídas do projeto decisório sobre a humanidade.

O que isto comunica? Quais as consequêcias?

No Judaísmo, o ortodoxo orava: “Graças te dou, Senhor, por não ter nascido nem cachorro, em gentio, nem mulher”. A mulher foi excluída do local de adoração comum, e se assenta no pátio dos gentios. Mulher não é contada na sinagoga, nem no templo e tem dificuldade no seu acesso à Deus.
No cristianismo, Jesus introduz uma revolução, sintetizada em Gal 3.28. A mulher, pela primeira vez, é inserida numa religião, e é batizada, assim como o homem. No Judaismo, apenas aos homens era permitida a circuncisão, quando se tornavam parte integrante da religião; agora, no cristianismo, a mulher é incluida.
Isto significa que o problema foi vencido?
Absolutamente não! Cristo venceu o preconceito, mas a humilhação da mulher ainda é exercitada dentro e fora da igreja. No primeiro caso, por não entenderem a radicalidade de Gl 3.28, para os demais, por efeito da queda na sua compreensão do lugar que a mulher ocupa diante de Deus. Cristo vem resgatar a dignidade da muher, colocando-a no lugar originalmente designado por Deus, de participante no projeto de construção de um mundo melhor.
No episódio da mulher adúltera, vemos Jesus confrontando a visão machista que a história judaica perpetuara. Onde estava o homem adúltero? Só a mulher seria trazida? Onde estão seus acusadores? Jesus não estava justificando o pecado da mulher, mas colocando os dois, no mesmo nível de responsabilidade. “Onde estão teus acusadores?”
               
Conclusão:
Ainda há uma longa batalha para que a mulher possa retomar o ponto de partida que se perdeu desde o Éden, mas construir uma teologia a partir da criação, vendo como Deus tratou a mulher, abre um bom espaço para se resgatar um pouco de seu papel e dignidade. Milhares de mulheres ainda são massacradas por sistemas iníquos, muitos deles sustentados em nome de religiões e costumes. Talvez, em virtude da queda, nunca veremos sua situação plenamente restaurada, mas pelo menos podemos dar sinais de que o ponto de partida foi dado quando Jesus, de forma tão humana que só poderia ser divina, tratou de colocar a mulher no lugar de onde nunca deveria ter saído.

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