quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Gen 3 A Queda afetou nossa espiritualidade
Muitas indagações teológicas têm sido feitas sobre o pecado básico do homem. Qual teria sido a mola propulsora de sua
queda?
Desobediência? Alguns acreditam que isto foi o princípio de tudo. Comer do fruto em franca rebelião contra
uma ordem explicita de Deus.
Orgulho? Ser igual a Deus? O pecado teria sido cometido pelo orgulho. Este tem sido considerado pela igreja
na espiritualidade clássica um dos pecados capitais. O orgulho seria a fonte de todos os outros pecados. Ele
nos faz agir como seres independentes em relação a Deus, queremos ser autônomos.
Sexo? Comer do fruto – durante muito tempo alguns teólogos da Igreja Católica assumiram esta posição.
A bíblia não nos autoriza a pensar sobre o assunto, já que o sexo foi instituído antes da queda. Deus fez os
homens seres sexuais e ordenou que procriassem, multiplicassem e enchessem a terra..
Preguiça moral (Harvey Cox) – Esta tese curiosa foi defendida por Cox, no seu livro que a serpente não
decida por nós. Para ele, a grande crise do Éden foi a crise da acedia, ou do descaso moral. O homem não quis
pagar o preço das implicações morais que tinha a assumir e resolver apenas aquiescer ao invés de confrontar a
serpente, dando-lhe a capacidade de decisão que era responsabilidade do homem.
A queda exerce um papel central na Teologia Bíblica. É impossível estudar a Bíblia sem entender o que significa a
queda da raça humana.
A Bíblia possui um eixo central, composto de quatro idéias amalgamadas entre si. Os quatro principais tópicos das
Escrituras são:
CRIAÇÃO
QUEDA
REDENÇÃO
CONSUMACÃO
Na CRIAÇÃO nos é revelado o propósito original de Deus para a raça humana. O mundo foi criado dentro da visão de
um grande arquiteto, com definições bem claras para o homem e mulher, com uma visão moral bem estabelecida Seu
propósito para a humanidade foi claramente delimitado. “Deus não permaneceu estático na vitrina do mundo, não quis
ficar incógnito detrás das cores, dos aromas, dos sabores, das formas, das espessuras. Não se conservou imóvel detrás
do movimento, pétreo detrás da matérias. Deu-nos sinais mais explícitos. Falou. Proclamou que existe. Disse quem é.
Declarou o que fez” (João Mohama).
QUEDA - Definitivamente a harmonia, a razão de ser da raça humana descrita em Gênesis 1,2 se perdeu. “O mundo
que conhecemos não é o mundo bom, saído das mãos de Deus, mas um mundo de pecado e de morte, um mundo
separado de Deus”.1 O homem duvida da bondade de Deus, quer assumir seu lugar, compete com Deus e o resultado é
caótico. Desde então, o mundo perdeu-se numa tentativa vazia de se entender fora do plano de Deus e de excluir Deus
das suas relações. A queda revela a rebeldia, a oposição e o fracasso do gênero humano.
REDENÇÃO – A partir da queda, o homem torna-se entregue a si mesmo. Mas Deus continua intervindo com sua
graça. Mesmo na queda, Deus já fala de sua provisão para a nudez do homem, quando ele faz vestimentas para o
homem, cobrindo-o. Jesus, o segundo Adão, por sua vida e entrega voluntária vem para realizar o caminho inverso do
primeiro Adão. Se no primeiro Adão todos morreram, em Cristo todos são ressuscitados. Na vida e morte de Jesus,
Deus efetua a redenção da criação.
CONSUMAÇÃO – É a fase final de toda obra de Deus. Neste kairos de Deus, o seu propósito original para a raça
humana será totalmente restabelecido. Veremos o novo céu e uma nova terra nos quais habita justiça, onde a presença
de Deus será percebida em todas as coisas. Nesta nova realidade, o Éden é restaurado de forma plena. Este é o tempo de
prestação de contas, mas será um tempo em que cessará toda dor e todo pranto.
A queda trouxe sérias e graves conseqüências para a raça humana, gerando uma grande desarmonia nesta sinfonia
criada por Deus.
Eis algumas de suas conseqüências:
Dietrich, S. De – O desígnio de Deus – São Paulo, ed. Loyola, 1977, pg 12
A queda afetou sua espiritualidade – O relacionamento com Deus foi frontalmente atingido.
A queda afetou os relacionamentos – Adão e Eva, que até então viviam em plena harmonia, desenvolvem
agora um relacionamento de defesas e acusações.
A queda afetou o coração do homem – Atingiu sua psique. Antes, em paz; agora em conflito. Antes de forma
harmônica, agora cheio de culpa e medo;
A queda afetou o ecossistema – Houve uma ruptura da relação do homem com a natureza. A harmonia entre
os dois é quebrada. O pecado atinge a natureza e fere a criação de Deus.
Quais os efeitos do pecado no relacionamento com Deus?
Perda da Intimidade – Antes da queda, o homem vivia em um relacionamento de amor e intimidade com
Deus, mas após sua desobediência, a primeira coisa que faz é tentar se esconder de Deus.
A pergunta de Deus parece invasiva: “ Onde estás?”. Adão se esconde.
A quebra do relacionamento leva o homem a procurar se evadir de sua presença.
A voz e a presença de Deus se tornam agora uma grande ameaça em sua vida. O mesmo Deus que vinha no final do dia,
para dialogar com o homem, criado à sua imagem e semelhança, parece agora alguém ameaçador. Adão tem medo da
voz de Deus: “Quando ouvi tua vez, tive medo e me escondi”.
2. Fuga de Deus – Adão agora tenta se esconder, se evadir.
Michael Green escreveu alguns anos atrás um livro chamado “Fuga de Deus”, no qual tenta demonstrar que os sistemas
filosóficos se constroem tentando excluir o nome de Deus. Deus sofre um “problema habitacional crônico”. O universo
que ele mesmo criou parece não poder comportar mais a sua presença.
Veja o Darwinianismo, com sua teoria evolutiva. Certo autor evolucionista chegou a comentar: “Ou cremos na evolução
ou temos de admitir que o mundo foi criado por um ser superior”. Mais que a problemática em torno da evolução, o que
é mais preocupante é o conceito da geração espontânea, que visa excluir a possibilidade de um ser inteligente por detrás
do criado.
Na psicanálise vemos Freud, em todo o tempo, tentando retirar Deus da discussão. Ele não passa de um “pai
amplificado”, fruto de meras projeções simbólicas do ser humano.
Não é de estranhar. A raça humana sempre tentou se evadir de Deus;
3. Tentativa de manipular o Sagrado – Outro aspecto a ser considerado é que Adão tenta “enrolar a Deus”.
Acusando-se e defendendo-se. Adão argumenta, demonstra suas razões e justifica-se fazendo para si
vestimentas. As roupagens humanas, porém, são frágeis e tolas. Ele coze para si, folhas de figueira. Qualquer
homem com o mínimo de experiência rural sabe que a folha de figueira, além de ser pequena, é áspera, e
pode queimar se tocar no corpo humano. Este é o símbolo da religiosidade vazia. Até hoje, o homem continua
fazendo folhas de figueira para se proteger da culpa. Tenta enrolar Deus com discursos filosóficos que não
convencem a Deus.
Deus responde de duas maneiras:
A. Faz promessas de julgar a serpente e esmagar a sua cabeça, com o descendente da mulher
(Gn 3.15). É interessante que Deus não fala dos descendentes da mulher, mas sim, de
um descendente, Jesus, que haveria de destruir o diabo pelo seu sacrifício (Col 2.14-15),
afinal, “para isto se manifestou o filho de Deus, para destruir as obra do diabo” (1 Jo 3.8).
B. Deus fez vestimentas para Adão e Eva – Gn 3.21 A roupa que eles fizeram eram frágeis e
rotas demais. Suas tolas defesas e sua roupagem barata não eram suficientes. Isto aponta
para nossos esforços e nossa tola religiosidade que deseja fazer coisas para Deus.
4. Suspeita: A primeira delas tem a ver com os afetos. A queda da raça humana trouxe uma relação truncada
e repleta de desconfiança na relação com Deus. Ali o homem começou a suspeitar das motivações e das
intenções de Deus. A sugestão diabólica arraigou-se na alma humana. “Deus não esta bem intencionado… ele
não quer competidor”. Um dos maiores problemas nos relacionamentos tem a ver com a tendência nossa de
julgarmos a motivação dos outros. Estamos sempre com suspeitas. O ciúme é terrível por isto, porque ele não
deixa que você ame livremente. Na relação com Deus, se você tem uma desconfiança com ele, torna-se sempre
complicado sua doação. Como posso descansar nas mãos de alguém em quem não confio?
Algum tempo atrás alguém me pediu uma referência sobre um colega meu. Falei de suas qualidades, suas virtudes
excelentes, capacidade de liderança e articulação, mas no final eu disse: “o meu problema é que não sou capaz de
dar o meu número de identidade para ele”. Ali estava o meu problema central e básico: Nenhuma relação pode se
fundamentar em cima da desconfiança.
Boa parte de nossa crise teológica tem a ver com esta incapacidade de ver Deus como um Deus santo. Quando falamos
de predestinação e eleição, temas claramente bíblicos, percebo que a dificuldade em aceitar tais definições é porque não
confiamos no caráter de Deus. Não acreditamos que ele seja soberano, amoroso, e muito menos santo. No fundo cremos
que Deus não tem boas intenções para suas criaturas e seus filhos. Suspeitamos de Deus. A queda trouxe esta relação
duvidosa do criador para com sua criatura.
5. Teomania: A luta para ser como Deus. A queda trouxe para o coração humano esta síndrome luciférica.
Não mais queremos estar subordinados, mas igual, ou superior. Quem antes era servo hoje acha-se Senhor
e acha que pode dizer a Deus o que ele tem que fazer. Na raiz da queda está uma proposta que encontra
enorme espaço na alma humana. “Deus sabe que no dia em dele comerdes, se vos abrirão os olhos, e como
Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.5). Esta atitude de independência está presente nas
nossas comunidades. Queremos independência, não queremos dar que prestar contas a ninguém, queremos
ser autônomos na vida e nas relações. Este desejo vai levar o povo a querer construir uma torre. “vinde,
edifiquemos para nós uma torre cujo tope chegue até aos céus” (Gn 11.4). A torre de Babel revela a tentativa
humana de se igualar a Deus, ou mesmo de supera-lo.
Eu morava nos Estados Unidos quando a Torre do WTC foi atacada por um grupo radical muçulmano. Certamente
houve muita dor e angústia diante de um ataque covarde e demoníaco. Nada pode justificar um ato brutal como aquele.
Contudo, do ponto de vista teológico, podemos fazer leituras, e muitos pastores e servos de Deus o fizeram com muita
discrição e sabedoria. Aquela torre era o símbolo do poder e opulência americana. A queda daquela torre não atingiu um
alvo neutro, mas trouxe conseqüências também na psique humana.
E na nossa vida pessoal. Como gostamos de viver de forma independente de Deus, sem termos que prestar contas na
comunidade criou para que vivêssemos nela?
A autonomia nossa, a dificuldade de nos submetermos a Deus e à sua Palavra, tem a ver com esta nossa atitude de
independência e autonomia. Temos dificuldade de nos submeter a Deus, resistimos às suas ordens, queremos romper
com Deus, vivermos de forma autônoma. A queda trouxe esta relação confusa. Os homens acreditam que a liberdade
virá quando romperem com o propósito de Deus para suas vidas e viverem para si mesmos. Esta é uma das sérias
conseqüências da queda da raça humana.
Culpa - A eterna luta para escapar de Deus e de seus julgamentos morais. O homem se torna um ser errante,
tentando desesperadamente fugir da presença de Deus. Obviamente este não foi o propósito original de Deus.
Deus criou o homem para que ele fosse um ser de relação com seu criador. Por isto, Deus sempre vinha ao seu
encontro para dialogar com ele. Mesmo após a queda, Deus o procura novamente para trazê-lo para perto de
si. “Onde estás?” Não geograficamente, mas existencialmente.
O homem agora passa a se sentir ameaçado por Deus. Sua culpa e medo reflete-se nas suas relações com o criador.
Diante da acusação de sua consciência, ele tenta se proteger, criando artifícios e defesas frágeis. “coseram folhas de
figueira e fizeram cintas para si” (Gn 3.7). Sua tentativa é tola e infantil, coseram folhas de figo, certamente não é a
melhor folha para se cobrir. Além de áspera, é pequena. Esta tentativa é um bom protótipo do que acontece conosco.
Tentamos tola e ingenuamente fazer coisas para nos defendermos de Deus, mas nossos artifícios são frágeis. Quando
os estabelecemos achamos que realmente esta era uma sábia atitude, mas o tempo demonstra nossa falta de sabedoria e
tolice.
Conclusão: Apesar de todas estas notas dissonantes trazidas pelo pecado humano, como a perda de privilégios do Éden,
este texto revela a graça de Deus.
1. Enquanto o homem foge, Deus o busca – Deus busca a relação perdida, romper com o medo e com a culpa.
Deus não permite que o afastamento se perpetue. Vem ao encontro do homem, busca o diálogo com este ser
que resiste, por medo, culpa, vergonha, a proximidade de Deus. O Evangelho sempre revela esta fascinante
faceta de Deus. Na Bíblia não vemos um homem desesperado para se encontrar com Deus, mas vemos um
Deus buscando constantemente o homem, querendo trazê-lo para perto de si, querendo reatar as relações. Na
queda, o homem se afasta, Deus se aproxima. O homem foge, Deus o chama.
Deus fixa novas bases de relação para o homem. O castigo em si, já contém o germe da graça, a possibilidade
de salvação. O trabalho, a família, a gravidez, os afetos, devem ser continuados, não interrompidos. A vida
precisa avançar.
3. A provisão de Deus – para mostrar ao homem e à mulher a sua provisão, ele os veste. Providencia-lhes
vestimentas de pele (Gn 3.21). Esta é a primeira vez que a morte entra no universo criado por Deus, mas entra
para substituir a tentativa fracassada do homem em providenciar cobertura para si mesmo. Aqui encontramos o
protótipo de Evangelho. Este texto aponta para a cruz, onde Deus providencia cobertura para a nossa vergonha,
para a nossa desgraça, para a solidão. “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo mesmo o mundo”. Ali na
cruz nos é revelada a radicalidade do amor de Deus pelo mundo. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu
o seu filho unigênito, para que todo aquele que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
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