terça-feira, 23 de outubro de 2012

Gen 3 A Queda afetou nossa psiquê


Introdução:

 
Nas últimas mensagens temos visto como a entrada do pecado afetou a raça humana. Eclesiastes afirma: “Eis o que tão somente achei: Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias” (Ec 7.28). É exatamente isto que vemos no relato de Gênesis.

A Queda afetou profundamente o propósito original para o qual o homem foi sido preparado. Vimos como o pecado distanciou o homem de Deus: O homem que tinha um relacionamento de amor e confiança com Deus, agora se sente ameaçado por Deus, tenta se defender/acusar; tenta fugir, sente medo. Vimos também como o pecado afetou os relacionamentos – de uma forma direta sua relação com a mulher que lhe foi dado para a plenificação, e que agora torna-se repleta de manipulações, acusações, tentativas de controle.

Mas o mal penetra de forma muito direta, na relação do homem consigo mesmo. Ele sente na sua vida o impacto do pecado, isto o leva a um desequilíbrio consigo mesmo. O pecado atingiu o mundo psicológico do ser humano. Ele passa a experimentar sentimentos que eram, até então, desconhecidos. O seu mundo interior torna-se confuso, desintegrando-se em neuroses, acusações e defesas. Eis algumas destas conseqüências:

 
1. Senso de culpa moral mal resolvido

O homem se percebe nu. Esta nudez aqui é mais do que física. O homem se vê desprotegido, não sabe onde se refugiar. O seu senso de culpa o expõe ao ridículo, “coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si” (Gn 3.7). Todos sabemos que existem folhas muito melhores que as de figo para fazer uma roupa. Folhas de figos além de pequenas são ásperas. Isto revela o esforço fútil e tolo do homem em se proteger de Deus e de si mesmo.

A culpa passa a ser sua companheira desde então, e o homem tem se visto na situação de tentar ocultar sua vergonha, sua nudez, de construir artifícios para si mesmo, justificando-se com pseudos argumentos, mas a culpa está ali, voraz e freqüente. O texto nos diz que o que vai realmente cobrir o homem não são esforços vãos, mas o mover de Deus. O vs.21 nos afirma que Deus faz vestimentas de pele para Adão e sua mulher e os cobre. É a primeira vez que um animal é sacrificado, pelo próprio Deus, para solucionar a culpa e a vergonha humana. Aqui encontramos o proto-evangelho. Os primeiros sinais de Deus em direção ao homem, para cobrir a sua vergonha. Este sinal se cumprirá plenamente na cruz, onde o Filho de Deus é imolado, como o Cordeiro que tira o pecado do mundo, para purificar a raça humana de sua consciência culpada e a dor de uma mente não purificada. Só o sangue de Cristo poderá remover plenamente a culpa que paira sobre a humanidade.

Adão e Eva tinham uma comunhão perfeita com o Criador, mas quando foi atingido pelo pecado, sentiram-se culpados por terem desobedecido. Desde então, o homem tem tentado de todas as formas negar a culpa, fazer de conta que ela não existe, sublimar os sentimentos, mas a indefinida sensação de angústia continua caminhando ao seu lado.

“Abrem-se os olhos”. O mundo era o mesmo, mas vistos agora com os olhos contaminados. Eram capazes de ver o mal sem serem capazes de evitá-lo, e ter o conhecimento do bem; embora incapazes de praticá-lo. Satanás disse meia verdade, conheceram o mal sem poder de evitá-lo, e o bem, sem poder para praticá-lo. O problema real do homem foi obscurecido por um imaginário. O pecado era a desobediência e não a nudez, mas eles desviam sua atenção para a superficialidade de seu mal.

A nudez de Adão e Eva é a perda da justiça original da imagem de Deus. Após a queda, todos os seres humanos nascem nesta condição e é necessário que recebamos as "vestes brancas" que nos são dadas por Cristo (Ap 3.18).

 
2. A dolorosa experiência do medo -  

 Esconderam-se da presença de Deus” (Gn 3.8). A característica mais presente no Éden era a comunhão com o Pai, e o que passa a caracterizar o ser humano é sua existência em fuga. Antes havia diálogo, agora oposição. O homem vive atormentado, com medo de ser descoberto, pego. A presença de Deus não lhe traz mais conforto, mas inquietação. “É antigo e irônico hábito do ser humano, correr mais rápido quando se sente perdido”[1] (Rollo May). “Em verdade temos medo, e fomos educados para o medo... Adeus!  vamos para a frente, recuando de olhar aceso, nossos filhos tão felizes, fiéis herdeiros do medo. Eles povoam a cidade, depois da cidade o mundo, depois do mundo as estrelas, dançando o baile do medo” (Carlos Drummond de Andrade).

O problema do medo é que ele afasta de nós aquilo de que carecemos e nos atrai para o que tememos. Quem tem um medo anormal de pobreza atrairá as condições que teme, porque o espírito se relaciona intimamente com as coisas que o preocupa.  O encontro com Deus, mediante Cristo, torna-se fonte de legítima aceitação da vida, e por isso, arma decisiva contra todo desespero humano e toda negação da vida.

Adão e Eva se escondem ao chamado de Deus. Consciência culpada sempre produz medo e fuga.
Pecaram e agora têm medo da sentença condenatória.

      
3. A inútil e cansativa trajetória de fuga existencial -   

“Onde estás?” (Gn 3.8) O homem passa a viver num mecanismo neurótico de fuga: Foge da história, foge dos fatos, foge da verdade, foge de si mesmo, foge da confrontação, vive em negação. Se alegra com suas fantasias, cria mecanismos de proteção para si mesmo e vai vivendo esta vida de tormento, criando áreas de proteção e máscaras para solucionar seu conflito interior.
Esta pergunta existencial “Onde estás?” (Gn 3.8) não se relaciona ao aspecto geográfico, mas psicológico, existencial. Onde está você que vive sempre correndo, sempre se ocultando, sempre fazendo de conta e criando um mundo paralelo para não se encontrar com Deus? Esta angústia humana está presente na natureza humana e está profundamente relacionada à culpa não resolvida. Existe um mecanismo que o impede de vir a Deus em confissão, prefere a dor da vergonha oculta, do viver paralelo, às escondidas. Falta-lhe o equilíbrio interno e se torna incapaz de entender a graça de Deus. O homem vive nesta eterna luta para escapar de Deus. Ser errante: Onde estás? consciência culpada, sem a experiência da graça. A verdade é que o homem ao errar o alvo que Deus estabeleceu, (Gn. 3.1-8), afastou-se do plano de Deus e abriu as portas para que o pecado o atingisse totalmente, ou seja, para que todas as suas faculdades fossem afetadas.

Segundo Calvino o homem é escravo do pecado; o que significa que seu espírito é tão estranho à justiça de Deus que não concebe, deseja, nem empreende coisa alguma que não seja má, perversa. Todas as suas faculdades foram afetadas e a natureza do homem foi totalmente tomada pelo pecado, não podendo produzir senão os frutos do pecado.   "Esconderam-se de Deus... A vergonha os leva a fugirem. Desestruturam-se interiormente, perdem o objetivo de  viver ,

Neurotizam-se e assim a fuga se acentua.

Michael Green, escreveu um livro cujo título é "Mundo em Fuga" no qual descreve a situação hodierna do homem tentando fugir das realidades da vida. O homem não consegue encarar os problemas. O nome de Deus  pesa  sobre  eles, por  isso  tentam apagá-lo .


4. A completa desestrutura da personalidade: O Pecado atingiu emoções, vontade e a mente -  

Pecado não possui um componente de queda apenas espiritual, mas atingiu áreas profundas da psique humana. Todas as áreas humanas foram atingidas pela entrada do pecado em suas vidas.
 

Emoções – O homem já não sabe mais articular seus sentimentos. Logo após o episodio da queda, vemos em Gn 4, Deus indo em direção a Caim, que após um culto, tem uma crise de ira e mata seu irmão. Os dois foram adorar, mas Caim tem uma crise nervosa e irritado conspira contra a vida de seu irmão. É interessante o diálogo de Deus com ele. “Então lhe disse o Senhor: Por que andas irado? E porque descaiu o teu semblante? Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4.6-7).

O que Deus tenta demonstrar? Muitas emoções desagregadoras se manifestam na sua vida. Ele está irado. Ele está deprimido. Ele está de mau humor. Seus desejos são confusos. Assim é o homem depois da queda.

Paulo afirma, que antes de nossa redenção, “andávamos segundo as inclinações da carne, e éramos, por natureza, filhos da ira” (Ef 2.3). É a carne dominando. E quando ela age, a personalidade se fragmenta.  

 
Vontade – Acho curioso quando as pessoas me perguntam sobre livre-arbítrio. As pessoas acham que são capazes de decidir entre o bem e o mal. Esta foi a proposta da serpente. “sereis conhecedores do bem e do mal”, só que a serpente não lhes informou que conheceriam o bem sem poder de praticá-lo, e o mal, sem capacidade de resisti-lo. Por isto a Bíblia fala tantas vezes que somos escravos do pecado (Rm 6.20). O escravo é alguém que faz a vontade do seu senhor, sem poder de se opor a ele. O pecado nos escravizou e nos tornou escravos de uma vontade decadente, corrupta e degradante. É o que Chamamos na teologia calvinista de “total depravação”. Sem a operacao do Espírito Santo em nossas vidas, vivemos fazendo “a vontade da carne e dos pensamentos” (Ef 2.3).

O pecado nos afetou profundamente. Nossa vontade é escravizada pelo pecado. Somos inclinados para o pecado.


Mente – Francis Schaeffer no livro “Verdadeira espiritualidade” demonstra como o pecado afetou a raça humana, não apenas no nível de sua espiritualidade, mas atingindo todo o cosmo. Por isto, a queda arrastou consigo a arte, a filosofia, a ciência, o conhecimento, a música, etc. A ciência se torna meretriz nas mãos de grupos inescrupulosos, a arte demonstra a perda da referência do sagrado na vida do homem. A música que serve de inspiração, revela também a degradação humana. Vivemos perdidos na nossa mente. Sem a obra de Deus no coração humano ele vive na “vaidade de seus próprios pensamentos, é obscurecido de entendimento e alheio à vida de Deus” (Ef 4.17-18).

 

 

Conclusão:

O texto nos mostra que, para cada uma destas tentativas fracassadas do homem, existe uma resposta de amor de Deus:

 

A. Para o senso de culpa moral mal resolvido, Deus vem ao encontro e traz a solução definitiva. Não suas costuras, nem suas folhas de figo, mas a morte de um animal, que prefigura o sacrifício de Cristo, o Cordeiro de Deus, que morreria em substituição ao nosso pecado. Ele assume nosso lugar no sacrifício perfeito que Deus esperava.

 

B. Para a fuga do homem, vemos que enquanto o homem foge, Deus vem em busca dele. O Cristianismo é a  única  religião  em  que  Deus  vem  em  busca  do homem. Por que?  Porque o Deus das Escrituras é alguém que se interessa por nós  (Jo 3.16);

 

C. Para a degradação das emoções, da vontade e da mente, Deus nos enviou o seu Espírito, que gera em nós um novo homem, criado segundo a justiça e retidão provenientes da verdade, por meio de Jesus (Ef 4.24). Apenas a redenção operada por Cristo ao derramar seu precioso sangue, podemos ser renovados na totalidade de nossa personalidade.

 

 



[1] Rollo May. Eros e repressão, pg 130

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