sábado, 17 de setembro de 2022

2 Co.1.3-11 Por que dói tanto?

 



 

 

Por que dói tanto?

2 Co.1.3-11

 

 

Introdução

 

Não raramente somos expostos a situações de muita dor, stress e aflição. Nestas horas ficamos nos perguntando porque passamos por tanta angústia e sofrimento. Neste texto Paulo está falando de angústia, sofrimento, tribulação a até mesmo desespero diante da dor extrema que ele mesmo enfrentou.

 

Nestas horas ficamos perguntando: Por que existe a dor? Por que as coisas são tão pesadas?

 

Esta é a segunda carta de Paulo aos Coríntios. Alguns a chamam de “carta desconhecida”, porque é a menos estudada. A primeira carta é muito apreciada porque ela descreve a igreja, que se parece tanto com as igrejas contemporâneas: disputas, conflitos, pecados, desvios teológicos, crises doutrinárias, questões sobre práticas diárias, usos e costumes. Estamos assim olhando para a igreja.

 

Na segunda carta, entretanto, nosso olhar foca em Paulo. A igreja de Corinto foi fundada nos anos 52/53 d.C., e aquela cidade tinha mais ou menos o mesmo número de Anápolis (cerca de 400 mil habitantes), com a diferença de que ela tinha um importante porto comercial e isto fazia com que a promiscuidade e a ética fossem muito relativizadas por causa da influência de outras culturas.

 

Paulo ficou naquela grande cidade um ano e meio e estabeleceu ali uma igreja. Depois teria enviado três cartas (alguns argumentam que foram quatro), sendo que duas delas se perderam. Paulo começa esta carta apresentando suas credenciais (2 Co 1.1), usando três argumentos:

(a)- Ele não havia recebido o apostolado de homens, mas de Deus;

(b)- Ele havia plantado aquela igreja e era seu fundador (2 Co 12.12)

(c)- Cristo havia aparecido pessoalmente a ele.

Quando lemos toda a carta, entendemos porque ele faz tanta questão de falar destas credenciais, já que em nenhuma outra carta ele as enfatiza.

 

ü  Paulo é acusado de ser de “mundano proceder”.  (2 Co 10.2). Não é fácil para um pastor ser acusado de ser mundano ou leviano;

 

ü  Paulo é questionado sobre a autoridade espiritual. Estaria Deus de fato falando através de sua vida? (2 Co 13.3)

 

ü  A igreja critica seus sermões. (2 Co 10.10). Não é fácil ouvir que nossos sermões são “fracos e desprezíveis.”

 

O Deus de toda consolação

Neste texto que vai de 2 Co 1.3-11 duas palavras são repetidas: Aflição e consolo. Aflição pode bem ser traduzido por pressão ou stress, duas palavras mais empregadas recentemente. Muitos se sentem assim ao enfrentarem o dia a dia e pensarem no dia de amanhã.

 

A palavra consolo é a mesma palavra usada por Jesus ao se referir ao Espírito Santo como “consolador” (Jo 16.7). Jesus usa o termo grego “parakaleo”, que também tem a ideia “daquele que está ao lado”, ou “encorajador”, “fortalecedor”.

 

Ao colocar os termos aflição e consolo lado a lado, somos lembrados de que Deus sempre está presente quando passamos por pressão ou stress. Contudo, em geral não oramos para Deus nos fortalecer, mas pedimos a Deus para não permitir que passemos pela aflição e que nossos problemas desapareçam. Quando as aflições não são retiradas nos enchemos de culpa, raiva, medo, preocupação e murmuração.

 

Ao lermos a Palavra de Deus, entretanto, observamos que muitas vezes Deus não libertou os seus das provações: Os amigos de Daniel não foram impedidos de serem atirados à fornalha de fogo ardente. Daniel não foi impedido de ser atirado à cova dos leões. Mas o que sempre percebemos é que, Deus sempre esteve com eles, e sempre estará conosco quando passamos pela provação e angústia.

 

Nossas dores são reais. Embora muitas vezes sejamos consumidos pelo vitimismo e pela hipocondria, e usemos a dor como uma forma de chamar a atenção das pessoas, muitas dores são reais e profundas. Dói muito. Paulo chega a afirmar neste texto que a dor que ele experimentou no Ásia, os levou a perder a esperança na própria vida. O fato de termos Deus ao nosso lado, não impede que sintamos dor.

 

Entretanto, ao lermos este texto observamos que a dor pode ser amenizada se tivermos algumas compreensões bíblicas sobre seu significado e proposito. Muitas vezes a grande dor que sentimos tem a ver com o fato de que não conseguimos ver nenhum sentido na dor em si. Gostaria de analisar com os irmãos, porque a dor que sofremos ganha proporções ainda maiores quando as enfrentamos.

 

Por que dói tanto?

 

1.     Porque não entendemos que Deus não elimina a dor, mas ilumina a dor.É Ele que nos conforta em toda a nossa tribulação.” (1 Co 1.4)

 

Paulo bendiz a Deus porque ele é o Pai da misericórdia e de toda consolação. O texto diz que “ele nos conforta em toda tribulação”, mas não afirma que ele “nos livra de toda tribulação.” Talvez esta seja a primeira razão porque dói tanto. Não entendemos porque Deus não retira a aflição como desejamos e oramos tanto. Então, o nosso foco se volta para o livramento, e não para a presença de Deus esteja conosco no meio da dor.

 

Jesus foi claro ao declarar: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo passais por aflição, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.” (Jo 16.33). Só teremos paz e bom ânimo se entendermos que a aflição estará sempre nos rondando, mas que Deus nunca nos deixará atravessar as noites escuras sem sua presença. O que nos traz paz é a compreensão das promessas de Deus, e não a ausência das tribulações.

 

Nosso Senhor não fugiu da provação, mas foi sempre confortado por Deus quando passava por elas. Na verdade, Jesus foi levado ao deserto, “pelo Espírito, para ser tentado pelo diabo.” (Mt 4.1) Para muitos esta declaração é complicada. Ser levado por Deus para enfrentar as provocações do diabo.  Mas o que aconteceu a Jesus no deserto? Passou pela aflição, venceu e “a seguir o diabo o deixou, vieram anjos e o serviram.” (Mt 4.11) Jesus passou pela tentação, mas a graça e a consolação do parakletos, o fortaleceu e o sustentou.

 

2.     Porque não entendemos que o fortalecimento que recebemos é exatamente igual à pressão recebida. Porque assim como os sofrimentos se manifestam, assim também nossa consolação transborda por meio de Cristo.” (2 Co 1.5)

 

Se você puder, grife a frase “assim como”. Muitas vezes somos atingidos por uma dor muito maior, porque não somos capazes de perceber que a força que Deus dá não é inferior às pressões e aflições que recebemos.

 

Salmo 23: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo, a tua vara e teu cajado me consolam.” (Sl 23.3). O vale da sombra da morte é inevitável, mas nunca o atravessaremos sem a presença do bom pastor.

 

Paulo afirma “Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida.” (2 Co 1.8). O que ele diz é que, olhando pela perspectiva humana, não havia nenhuma condição de atravessar as provações que enfrentaram, mas o mesmo Paulo afirma: “Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar.” (1 Co 10.13)

 

O cuidado de Deus sempre estará presente nas dores e angústias mais intensas que experimentamos. A força de Deus caminha conosco, no meio da aflição e dor. O bom pastor estará presente. Somos “participantes dos sofrimentos, mas também da consolação.” (2 Co 1.7). A dor que enfrentamos terá a maravilhosa graça de Deus em contrapartida.

 

3.     Dói muito, porque perdemos a dimensão do propósito de Deus no sofrimento. Mas, se somos atribulados, é para o vosso conforto e salvação; se somos confortados, é também para o vosso conforto, o qual se torna eficaz, suportando vós com paciência os mesmos sofrimentos que nós também padecemos. (2 Co 1.6)

 

Traduzindo esta afirmação o que o texto diz é que o sofrimento que temos se torna inspiração e fonte de consolo para outras pessoas que andam conosco: a comunidade, os amigos, os filhos, os jovens. Precisamos aprender a transformar nossa dor em ministério, para que ela não seja mera dor. Você não é a única pessoa que sofre, mas durante o seu sofrimento, outros estão olhando para sua vida e vendo como tratam a dor, qual a perspectiva que temos no meio do sofrimento. Os descrentes observam isto, seus amigos incrédulos consideraram sua atitude no meio da dor. Não é uma questão de negar a dor, mas redimensionar a dor.

 

O autor da Carta aos Hebreus afirma: “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a Palavra de Deus, e considerai atentamente o fim de suas vidas, imitai a fé que tiveram.” (Hb 13.7). Esta é uma perspectiva muito interessante. A forma como envelhecemos, adoecemos e morremos transmite para as novas gerações a atitude que devemos ter diante das provações e aflições. Billy Graham afirma que a igreja ensina como será a vida “após a morte”, mas ensina pouco sobre lidar com a doença, envelhecimento e a dor em si, e como enfrentar o processo da morte.

 

A dor é didática: Deus vai usar a aflição para abençoar outras vidas, caso contrário a dor não tem qualquer relevância e valor, parece alguma coisa desproposital no meio das contradições da vida. A forma como os cristãos enfrentam a morte torna-se inspiração para muitos que virão depois deles.

 

Não foi isto que vimos recentemente? O Pastor Edson Caetano, que carinhosamente chamávamos de Black, lidou com fé e serenidade, em todo o seu processo de luta contra o câncer até sua morte em 19 de Agosto 2022. Na última visita que lhe fiz, ele não estava conseguindo mais caminhar, mas estava cheio de histórias de fé para compartilhar conosco, e com seu rosto cheio de graça e seus bonitos dentes, ria conosco contando seus casos. Levantou-se com o andador, apesar de já estar dez dias sem conseguir ir a cozinha, e queria me mostrar pessoalmente as frutas que Linda tinha trazido da casa deles em Cocalzinho, onde tinham um pequeno pomar e me deu um mamão. Dizendo ele: “da minha roça!” Ali estava alguém transformando sua doença em inspiração e desafiando a feiura da doença e da morte, com fé, serenidade e gratidão. Nada de murmuração e reclamação. Ele sabia que Deus tinha o controle de tudo e que sua vida era do Senhor. Ele sabia que Deus é fiel!

 

Sabe o que acontece quando vemos uma pessoa enfrentando a morte com tanta serenidade como fez o Black? Ele redimensiona e ressignifica a dor e morte. Ele dá uma dimensão exata de como deve ser o enfrentamento cristão com o sofrimento. Ele tinha a perspectiva da morte muito clara por causa de sua simples fé em Cristo. E isto se torna inspiração para todos nós que seguimos nesta mesma direção.

 

É isto que Paulo diz: “Se sofremos é para vosso conforto e salvação.” Deus usa pedagogicamente a dor para ensinar outros como lidar também com sofrimentos, que tiverem que passar por eles. Desta forma, a dor se reveste de significado. Deus quer usar o que estou passando como um ministério.

 

Chuck Colson, foi assessor do Presidente Richard Nixon e se envolveu no escândalo do Watergate (uma espécie de mensalão e petrolão brasileiro), foi julgado e condenado. Certa vez escreveu que frequentemente perguntava porque foi parar na prisão, pois, segundo ele não havia razão legal para que fosse preso, e por muito tempo lutou com a humilhação, vergonha e desgraça que acabou inteiramente com sua reputação.

 

Mas a resposta começou a surgir quando ele estava preso e começou a ver aquelas pessoas esquecidas ali na cadeia, conheceu a história de muitos deles, de alguns que jamais retornariam à liberdade e aos poucos um grande sentimento de compaixão e desejo de ajudá-los atingiu seu coração. Ao sair da cadeia, criou o ministério ”prison fellowships”, e passou a devotar sua vida para aliviar o sofrimento de homens e mulheres na prisão.

 

Porque Chuck Colson foi enviado para a prisão, histórias maravilhosas da graça de Deus começaram a acontecer na vida destes presos. Muitas vezes passamos pela aflição, não por causa de nós mesmos, mas por causa dos outros.  Deus usará nossa história para trazer consolo, esperança e fé no coração de outras pessoas.

 

4.     Passamos pela dor para que percebamos nossa vulnerabilidade e fragilidade. Contudo, já em nós mesmos, tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e sim no Deus que ressuscita os mortos; o qual nos livrou e livrará de tão grande morte; em quem temos esperado que ainda continuará a livrar-nos.” (2 Co 1.9,10)

 

Paulo menciona uma tribulação duríssima pela qual ele atravessou na Ásia: “Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida.” (2 Co 1.8) Não sabemos ao certo a que tribulação ele se refere. Seria uma enfermidade? Uma doença grave? Ele adoeceu? Talvez sim. Mas a maioria dos comentaristas acredita que esta era uma referência ao que lhe aconteceu em Éfeso, durante sua viagem missionária. Naquela cidade o Evangelho começou a avançar poderosamente e muitas pessoas convertidas começaram a queimar livros de magia e o comércio de nichos mantido pelos ricos comerciantes que vendiam artigos religiosos, começou a ficar ameaçado, então eles promoveram uma manifestação pública, uma passeata encabeçada por Demétrio, e a Bíblia diz que “a cidade foi tomada de confusão.” (At 19.29)

 

Naquele momento eles passaram sério risco de serem linchados em praça pública. Paulo percebeu quão vulnerável ele era. Ele viu que, quão vulnerável e frágil era sua vida, que no seu corpo ele tinha uma sentença de morte. Não é assim que nos sentimos diante da dor? Quão frágil somos. Como a vida rapidamente passa...

 

Qual o resultado disto? Tal compreensão o ajudou a “não confiar em si mesmo, e sim no Deus que ressuscita os mortos.” O sofrimento tem o poder de quebrar nossa arrogância e altivez, frustrar nossa tentativa de controle e domínio das coisas, de esfacelar a autossuficiência. Diante da tribulação aprendemos dependência e humildade. A dor nos torna humildes e a enfermidade nos humaniza.  Temos em nosso corpo uma sentença de morte, não dá pra confiarmos na estabilidade de nossa saúde, nos recursos médicos, nas condições sociais que temos. Isto não garante nossa estabilidade. Seu seguro de vida não segura sua vida... Ele na verdade é um seguro de morte.

 

Conclusão

 

Com o envelhecimento vemos a morte cada vez mais próxima de nós, e a morte de pessoas queridas trazem dor.

-Perdi o Black, um querido colega de ministério, que já estava no ministério comigo por 14 anos como pastor auxiliar, fazia parte da minha equipe pastoral. Ele morreu um ano depois de ser diagnosticado com um câncer de pulmão.

-Perdi a esposa de outro pastor da minha equipe 15 dias depois da morte deste colega que mencionei. Gente de dentro de nossa casa, companheira inestimável para muitos dentro de nossa comunidade.

-Recentemente um dos grandes amigos meus foi diagnosticado com uma encefalite auto imune. Começou com um grande de ansiedade e hoje encontra-se num estágio quase catatônico: extrema passividade, mutismo, negativismo, rigidez corporal, alienação, incapaz de dar uma risada.

-Outro amigo meu, de Salvador, com a mesma idade que tenho, foi diagnosticado dias atrás com um câncer no pâncreas. Família assustada, amigos tentando entender toda situação. O que vai acontecer?

-Meu pai teve recentemente um AVC isquêmico, e com sua idade isto trouxe dificuldade maior dos movimentos e praticamente não consegue mais andar.

 

Todas estas coisas doem...

 

Mas é bom colocar a dor na sua perspectiva correta. Paulo inicia este texto dizendo: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação!” (2 Co 1.3)

 

Ele aponta para o Deus de toda consolação. O nosso “parakaleo”, que “está ao lado”. Neste texto aprendemos que:

 

A.    Sua presença não elimina os problemas, mas nos conforta ao atravessamos as aflições.

 

B.     Ele não permite que nossa dor maior seja maior do que o fortalecimento que ele nos dá. Por isto sobrevivemos.

 

C.    Ele ensina que a nossa dor que enfrentamos se transforma num grande instrumento de Deus para ministrar aos outros. O sofrimento das pessoas que amam a Deus nos inspira a uma fé mais madura e sólida.

 

D.    No meio da dor, resgatamos a clara compreensão de nossa fragilidade e vulnerabilidade.  

 

Portanto, não podemos falar de pressão, aflição e dor sem lembrarmos do nosso Salvador Jesus. Sua dor nos inspira e consola, fortalece e encoraja, mas acima de tudo, é redentora. Por meio da sua morte, o Cordeiro de Deus derramou sua vida para resgate de todos aqueles que nele vierem a crer em seu nome. Sua morte nos trouxe perdão, libertação, nos livrou da nossa condenação.

 

A melhor forma de entender a dor é olhando para a cruz. Nela o nosso amigo Jesus teve a opção de não morrer, mas decidiu enfrentá-la por nos amar. A dor traz sofrimento, tudo isto dói, mas não estamos sós nesta trajetória.