Introdução
Síndrome é um conjunto de sintomas que formam o diagnóstico de um determinado quadro clínico ou psicológico. Não se trata de um fato ou evento separado, nem de um único aspecto, mas da soma destes diagnósticos.
Quando lemos este texto bíblico descrevendo a vida de Judas, somos capazes de perceber como, não apenas um aspecto, mas vários aspectos da vida de Judas, vão formando um quadro patológico e demoníaco, apesar de Judas estar ao lado de Jesus, e de ter sido uma pessoa chave no quadro dos apóstolos, a ponto de se tornar o tesoureiro do grupo, portanto, um cargo de confiança, e que exige competência. Todas as suas experiencias, entretanto, não foram capazes de livrá-lo das armadinhas do próprio coração e das sugestões que o diabo lhe faz. A vida de Judas deve nos desafiar a cuidar do nosso próprio coração. A leitura do texto nos leva a pensar na mente e no coração de Judas.
O que passava pela sua alma? Como ele se tornou “o filho da perdição?” como é possível que alguém com tantas oportunidades e vendo tantos sinais claros de Deus ainda continue sendo e agindo como ele agiu. Será que estamos livres de nos enveredarmos por tal caminho? Billy Graham certa vez afirmou que muitas pessoas, apesar de conviverem tanto com as coisas sagradas, são capazes de se tornarem verdadeiros monstros sem perceberem quão sério será o julgamento de Deus sobre suas vidas.
Judas não é um personagem perdido nas narrativas dos livros da Bíblia. Judas é um referencial concreto e perigoso dos descaminhos da alma de alguém, que assumindo posições de tamanha liderança no meio do povo de Deus, ainda reflete esta catastrófica situação de ser um lobo vestido em pele de ovelhas. E os exemplos historicamente são muitos, e se amontoam.
Não é fácil pregar este sermão. Na medida em que orava e estudava o texto fiquei me perguntando: Como seria pregar este sermão se a igreja estivesse vivendo um momento de conflito? Acho importante pregar este sermão, mas me sinto mais feliz em fazê-lo quando a igreja está vivendo em paz. Pregar quando a igreja está em paz, não levanta suspeitas sobre se estaria mandando recados para um ou outro líder da comunidade. Apenas exponho o texto, e espero que a Palavra de Deus, que é viva, seja capaz de gerar em nós, reações de cura, confissão, quebrantamento e restauração aos olhos do nosso amado Pai Celestial.
O que nos assusta em Judas?
1. Judas não é opositor, mas aliado- Faz parte do colégio apostólico. Assume uma função importante que demonstra sua liderança e qualidade administrativa sobre o grupo. Existe um interessante texto, conhecido entre os pastores, que faz ironia sobre sua liderança. Leia abaixo.
A Marcha dos Desqualificados
Depois de alguns meses de pesquisa, a Comissão de procura de um novo pastor para a nossa igreja não tem um relatório muito encorajador para dar. Infelizmente não temos sido hábeis para encontrar o candidato adequado, embora estejamos considerando ainda um deles. Nós apreciamos todas as sugestões dos membros da igreja, e temos tentado contacto com cada um dos que foram sugeridos. Temos mantido contacto através de entrevistas e referências. O relatório a seguir é confidencial e faz referencias a estes candidatos.
Adão – Um bom homem, mas tem problemas com sua esposa. Uma das informações que tivemos é que ele e sua esposa gostam de ficar andando nus entre as árvores da floresta.
Noé – Foi pastor durante 120 anos, mas não há sinais de que alguém tenha se convertido. Além do mais é tendente a estabelecer projetos irrealísticos e a grandes construções.
Abraão – Embora as informações nos relatem que ele tenha problemas sérios com sua esposa, os fatos parecem mostrar que ele nunca dormiu com a mulher de outro homem, embora tenha oferecido sua esposa para dormir com o rei Faraó pra livrar sua pele. Atitude estranha...
José – Um grande pensador, rapaz inteligente, competente administrativamente, mas é muito convencido, crê em interpretação de sonhos e tem no seu histórico um registro de que já esteve preso por supostamente ter assediado a esposa de seu patrão.
Moisés – Um homem modesto e manso, mas pobre em comunicação (tem problemas com gagueira). Algumas vezes se torna irascível e age intempestivamente. Há um relato de que ele teve que sair correndo de um lugar sob suspeita de assassinato.
Davi – O líder mais proeminente que descobrimos, mas ele tem uns filhos problemáticos e teve um caso com a esposa de seu vizinho e foi envolvido em um escândalo sem precedente.
Salomão – Grande pregador, mas é vaidoso e mulherengo. De acordo com o livro que ele escreveu, aparentemente não é muito ortodoxo.
Elias - Tendente a depressão. Desaba quando está sob forte pressão. Expressão tendencias suicidas mais de uma vez.
Oséias – Uma pessoa amorosa e um pastor amoroso, mas não deveria estar no ministério com uma esposa tão mal afamada.
Ezequiel – É muito pentecostal para o estilo de nossa igreja. Tem visão demais. E além de tudo, tem uns surtos e fica fazendo buracos no muro em pleno meio-dia, a até mesmo relato de que ele fez comida em cima do cocô de um animal.
Débora – Mulher. Isto inviabiliza todo o processo na nossa denominação.
Jeremias – Emocionalmente estável, alarmista, negativista, sempre se lamuriando, e fomos informados que certa vez ele fez uma longa viagem para enterrar sua cueca num banco de um rio de outro país.
Isaias - Você está brincando? Este afirma ver anjos ao redor da igreja. Além do mais, tem problemas com a sua linguagem.
Jonas – recusou o chamado de Deus para o ministério, e foi forcado a obedecer quando um grande peixe o engoliu. Ele nos contou que o peixe mais tarde o cuspiu numa praia deserta. Depois destes relatos, desistimos.
Amós – Muito rural e rude nas suas declarações. Se ele tiver algum treinamento no seminário pode se tornar um candidato promissor, mas é uma pessoa que tem preconceito contra gente rica – talvez seja mais apropriado para uma congregação de pessoas pobres.
João Batista– Diz que é batista, mas definitivamente não se veste como um batista. Gosta de dormir ao ar livre por meses sem fim, tem uma dieta estranha e sempre usa uma linguagem agressiva contra outros líderes denominacionais.
Pedro – Uma pessoa simples demais. Além do mais tem um temperamento forte, chegando às vezes até a amaldiçoar e num acesso de ira cortou a orelha de um soldado. Teve um problema sério com Paulo em Antioquia e é agressivo.
Paulo – É um líder executivo clássico, além de ser um bom pregador. Contudo, não tem bom trato com as pessoas, não conseguiu perdoar um líder novo no seu ministério por ter falhado e costuma ter uma tendência de pregar a noite inteira em longos e intermináveis sermões.
Timóteo – Novo demais!
Jesus – Muitas vezes é uma pessoa bastante popular, mas quando a sua igreja cresceu resolveu deixá-la com os líderes subalternos. Raramente permanece num mesmo lugar por um longo tempo e, obviamente, é solteiro.
Judas - Suas referências são sólidas. Conservador. Atento às coisas que acontecem ao seu redor. Tem boas relações com as pessoas de outras denominações, sabe administrar o dinheiro. Tesoureiro. Nós o convidamos para pregar no próximo domingo em nossa igreja. Estamos esperançosos quando ao seu nome.
Judas é tesoureiro, tem sobre si a responsabilidade de administrar os recursos do colegiado apostólico, nomeado por Jesus. Neste caso se dá a famosa frase: “Descobrimos o inimigo, e ele é um de nós”.
2. Judas faz parte do círculo íntimo: Ocupava liderança – Era apóstolo, no entanto, toma ele mesmo a iniciativa de procurar os inimigos de Jesus. (14.10) “Foi ele com os principais sacerdotes”, e arquitetou o plano para prender Jesus. Quando Jesus convidou seus discípulos, talvez por causa de seu envolvimento ativo, o convidou para ser um dos 12 apóstolos. Que honra suprema ele teve, andando ao lado de Cristo. No entanto, seu coração estava longe, distante e frio.
3. Judas perde o senso do sagrado
Ele não hesita em assentar à mesa. Mc 14.17 “Ao cair a tarde, foi com os doze.” Mantém todas as aparências de normalidade. “É um dos doze, o que mete comigo a mão no prato”. Como estava lidando com realidades sagradas era de se esperar que pudesse ter um senso de lucidez com as coisas eternas.
Jesus percebe que algo não vai bem com seu coração, mas Judas não se assusta com a exortação de Cristo – (VS.21) “Ai daquele”. O coração está tão frio e insensível, que mesmo exortações sérias deixam de ser importantes. Ele é desatento aos movimentos de seu coração, ou quem sabe, é mesmo cínico em relação às coisas tão sobrenaturais.
4. Judas perde o senso da afetividade – Mc 14.44-45
Para trair, a senha é o beijo... instrumentaliza seus afetos para matar Jesus: “Amigo, para que vieste?” (Mt 26.50), em Lc 22.48 lemos o seguinte: “Com um beijo trais o filho do Homem?”
No filme “o advogado do diabo”, o jovem advogado pergunta ao seu patrão qual era a sua senha, e ele, com sorriso sarcástico responde: “matar com bondade”. Não há coisa mais diabólica que usar os afetos para trair e manipular. Por isto a Bíblia afirma: “Leais são as feridas feitas pelo amigo, mas os beijos do inimigo são enganosos.” (Pv 27.6)
Algum tempo atrás, discutíamos alguns princípios de liderança e alguém levantou a questão se não deveríamos analisar os candidatos ao diaconato e presbiterato da igreja a partir, não apenas do conhecimento e firmeza doutrinários, mas da capacidade de afeto e de ternura com que ele lida com sua família e com os outros. Acho que este critério da afetividade é essencial para sabermos onde está o coração de uma pessoa em relação ao reino de Deus.
Por ter ferido de forma tão séria esta questão do afeto, e por ter se corrompido tão grandemente, quando Judas se afasta para executar seu maquiavélico plano, Lucas conclui a narrativa, colocando na boca de Jesus a afirmação: “Esta, porém, é a vossa hora e o poder das trevas.” (Lc 22.53) Que juízo pesado...
5. Judas entra na geografia de Satanás - “Após o bocado, imediatamente, entrou nele Satanás.” (Jo 13.27)
A Bíblia descreve o diabo como alguém que ronda um determinado perímetro, tentando encontrar vítimas ingênuas ou desatentas: “Sede sóbrios e vigilantes, o diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar. Resisti-lhe firmes na fé certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo.” (1 Pe 5.8) Quando entramos nesta “zona do mal”, neste perímetro das trevas, abrimos brechas oportunas para sua destrutiva ação em nossa mente e coração.
Biblicamente, bem e mal agem por concessão. Por isto a Bíblia nos adverte: “Não deis lugar ao diabo.” (Ef 4.27) e o contexto em que esta expressão é usada, tem relação com a mentira e a ira (Ef 4.25-26). Quando começamos a agir com mentiras, ou nosso comportamento é determinado pela ira e amargura, ou incapacidade de perdoar, Satanás sempre leva grande vantagem.
Judas não teme viver nesta zona espiritual onde as trevas dominam. “Ele, tendo recebido o bocado, saiu logo e era noite.” (Jo 13.30) A noite se apossa visceralmente de Judas que não mais se encontra apenas sob a influência e sugestão do mal, mas passa a ser completamente dominado por ele.
Advertências:
1) Não é preciso estar longe, para se tornar um forte opositor de Jesus
Líderes, não raramente se tornam opositores do reino. O Ex-Ministro da Justiça, Aldo Fagundes, certa vez num encontro de liderança cristã em Brasília afirmou com pesar: “A liderança de minha denominação conspira contra a santidade.” Isto deve nos fazer ficar atentos, ficar em constante alerta. Precisamos checar os movimentos do nosso coração.
-Nossa alma está firme em Deus?
-Que tipos de pensamentos tem dominado nosso coração?
-Estamos tentando viver de aparência?
-Perdemos a capacidade de rendição e quebrantamento?
Ao fazermos isto aprendemos a chorar por nossa frieza distanciamento, buscar orientação, buscar e orar. Judas deveria ter caído de joelhos diante da advertência de Cristo, clamando por socorro e misericórdia, mas preferiu continuar na sua zona sombria.
2) Procure estar próximo das coisas de Deus, mas lembre-se que funções e cargos não são garantias de que o coração está sendo tocado por Deus. Portanto vigie!
· Judas ouve as palavras de Jesus
· Judas é discipulado por Jesus
· Judas torna-se apóstolo, assume liderança dada por Deus, mas seu comportamento demonstra que sua liderança é apenas uma forma de ocultar a malignidade de seu coração. Fuja disto!
· Judas assume a tesouraria, tem uma função importante no colegiado, mas isto de nada vale, porque o seu coração não é tocado nem tratado.
· A afetividade de Judas está danificada. Seu coração embruteceu. A palavra, ao invés de libertar, endureceu. Só o coração contrito pode nos livrar do cinismo e indiferença. Apenas um desejo genuíno de Deus pode nos transformar. “Aquele que tem sede, venha a mim e beba. Porque se alguém crer em mim, como diz as Escrituras, do seu interior fluirão rios de água viva.” (Jo 7.37-38)
3) Não negocie com o mal, não faça concessões às trevas, nem abra brechas ao diabo – Judas caminhou em todas estas direções:
· Procurou o mal ao contatar os líderes religiosos por causa de dinheiro;
· Banalizou sua fé ao participar da ceia sem nenhum compromisso real com o seu significado.
· Fez permissões ao diabo, mesmo conhecendo todos os ensinamentos de Jesus e deixou que as trevas o dominassem.
4) Tome cuidado com o embrutecimento, não se torne uma pessoa auto vitimizado, cheia de remorso, esquecendo que a graça de Deus pode lhe alcançar em qualquer nível de cinismo e dureza que estiver, se buscarmos arrependimento.
Judas não se arrependeu para ser transformado, mas preferiu a autocondenação a culpa e o suicídio. “Vendo que Jesus fora condenado, tocado de remorso, devolveu as 30 moedas de prata aos principais sacerdotes, e aos anciãos, dizendo: Peguei, traindo sangue inocente” (Mt 27.3-4).
A culpa humana não é removida por autocondenação e remorso, mas por confissão, arrependimento e mudança de vida. É bom lembrar as doces palavras: “O que encobre as suas transgressões, jamais prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia.” (Pv 28.13).
Na cruz de Cristo, há sempre o remédio para nosso cinismo, embrutecimento e hipocrisia. Deus nunca despreza o coração compungido e quebrantado, mas o restaura e cura. Esta é a essência do Evangelho: perdão, redenção, reconciliação, tratamento e cura.

