sábado, 14 de abril de 2018

Atos 5:34-39 O parecer de Gamaliel





“Mas, levantando-se no conselho um certo fariseu chamado Gamaliel, doutor da lei, venerado por todo o povo, mandou que, por um pouco, levassem para fora os apóstolos; e disse-lhes: Varões israelitas, acautelai-vos a respeito do que haveis de fazer a estes homens. Porque, antes destes dias, levantou-se Teudas, dizendo ser alguém; a este se ajuntou o número de uns quatrocentos homens; o qual foi morto, e 2 todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos e reduzidos a nada. Depois deste, levantou-se Judas, o galileu, nos dias do alistamento, e levou muito povo após si; mas também este pereceu, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos. E agora digo-vos: Dai de mão a estes homens, e deixai-os, porque, se este conselho ou esta obra é de homens, se desfará, mas, se é de Deus, não podereis desfazê-la, para que não aconteça serdes também achados combatendo contra Deus”.


Introdução:
Um dos textos mais emblemáticos de Atos é o relato de uma discussão acontecida dentro do Sinédrio, para decidir qual ação deveria ser tomada em relação aos discípulos de Cristo e sua insistência em testemunharem sua ressurreição.
Pela intervenção de Gamaliel, famoso rabino da seita dos Fariseus, os discípulos foram libertos da condenação e morte. Muitos tem se valido do argumento de Gamaliel para tratar de diferenças religiosas e teológicas. Seria o seu conselho verdadeiro e inspirado? Muitos ao verem religiões esdrúxulas ou heréticas, afirmam: “Deixa... se essa obra não for de Deus, não perseverará!”. Seu argumento sofismático: Movimentos fundados por  homens morrem com eles.
Gamaliel lança mão de dois episódios da história recentes de Israel, citando Teudas e Judas Galileu que se levantaram formando motins e logo depois desapareceram (Atos 5.36-37) e afirma que o mesmo aconteceria com o movimento dos discípulos que falavam da ressurreição de Cristo. Gamaliel interpôs com o recurso da tolerância religiosa para o Sinédrio e assim, dar a este movimento que Jesus fundou um pouco de tempo. Se este movimento era como os outros, ele iria entrar em colapso e morrer sob o seu próprio peso.

Onde está o problema com o conselho de Gamaliel?

1.     Uma questão hermenêutica preliminar: A Bíblia possui textos descritivos e normativos. Embora ela seja toda inspirada, devemos lembrar que nem toda narrativa contém mandamentos de Deus.

A Bíblia possui até palavras do diabo sendo ditas aos homens do passado e nem Jesus escapou disto na sua tentação. Quando um texto é descritivo, ele está apenas relatando o que aconteceu. Isto não é um mandamento, mas o registro de um fato. Quando a Bíblia descreve mentiras de Satanás, tais mentiras são narrativas. O adultério de Davi, é relatado, mas não recomendado. A mentira de Abraão contra sua esposa foi contada na Bíblia, e embora não haja uma censura explícita quando o texto é narrado, não significa que este deve ser o comportamento do povo de Deus. Portanto, nem tudo o que está na Bíblia é um mandamento para o cristão.
Assim devemos encarar o parecer de Gamaliel.
O que ele fez não é algo para ser seguido. A Bíblia apenas o descreve, mas não o prescreve. Na verdade, a história tem demonstrado como o seu argumento é falacioso. Quantas seitas e movimentos religiosos surgiram antes e depois do cristianismo e que subsistem até os dias de hoje. A sobrevivência destes grupos revela que Deus os aprova? O budismo, islamismo, confucionismo, espiritismo, religiões animistas, pelo fato de sobreviverem são aprovados ou oriundos de Deus?

Os grandes erros de Gamaliel

1.     Ver a história de Jesus como algo fora de sua vida – Gamaliel defendeu os discípulos com um argumento de moderação,

Aquela discussão no Sinédrio se tornou para ele nada mais que uma oportunidade para revelar sua sabedoria. Como uma discussão acadêmica, feita por diletantismo intelectual. Nada tinha a ver com sua vida, ele nunca assumiu a fé em Jesus. Na verdade, logo depois da sua defesa, os discípulos foram retirados do Sinédrio e punidos com severos açoites, antes de serem liberados.
Pilatos lavou suas mãos e manteve uma atitude de neutralidade diante de Jesus (Mt 27.24); Gamaliel rejeitou a Jesus de forma educada. Optou pelo recurso da tolerância displicente. Embora sua intervenção salvasse os discípulos, seu parecer não é verdadeiro. Ele sugeriu que deixassem passar o tempo para que ficasse evidente se aquilo era de Deus ou não.
Gamaliel era neto do grande rabino Hillel, fundador da famosa escola de judaísmo em Jerusalém, que competia com a Escola de Shammai. Hillel era de uma linha de pensamento mais liberal. O apóstolo Paulo ao defender sua  formação rabínica afirma que foi criado aos pés de Gamaliel (At 22.3).

2.     Defender a tolerância, sem considerar a verdade – Ele não estava interessado em saber se aquilo deveria ser considerado ou não. Os rabinos judaicos estavam sempre falando da chegada do Messias a qualquer momento, e Gamaliel era um deles, entretanto, não quis averiguar se havia alguma possibilidade daquele simples carpinteiro de Nazaré ter algo a ver com as grandiosas profecias com as quais ele sempre lidou como sério estudante do Antigo Testamento.

Ele não defendeu aqueles homens por perceber a verdade. Gamaliel se mostrou tolerante contra um movimento contrário ao judaísmo e apesar de seu argumento ter livrado muitos da morte, ele não tinha interesse na verdade em si.
Sua atitude tem muito a ver com aquilo que presenciamos em nossos dias. Vivemos numa cultura na qual a tolerância é palavra chave. O problema é que ela quase sempre se torna aceitação e conformismo e muitas vezes “a tolerância religiosa é uma espécie de falta de fé”, como afirmou Bierce. Infelizmente a tolerância tem se tornado um forte oponente do testemunho e da fé cristã. Vivemos numa sociedade plural, onde cada um pensa o que quiser, segue o que quer, e acha que todos estão certos. Esta tentativa de buscar respeito e ser politicamente correto está fortemente enraizado no mundo acadêmico. É claro que devemos respeitar os diferentes pontos de vista, mas isto não significa que devemos sancionar todos diferentes conceitos e ideias quanto à fé e à prática em nossos dias.
Stott afirma que a unidade não deve ser buscada à despeito da verdade. Paulo recomenda: “Seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o cabeça – Cristo!” (Ef 4.15). A verdade sem amor nos transforma em legalistas radicais e zelosos ortodoxos sem entendimento, mas o amor sem verdade deixa a mentira orientar o nosso coração. Em nome da aceitação e conciliação aceitamos a mentira.
Os dois valores precisam andar andar juntos. Verdade em amor e amor em verdade. São como duas asas de um avião. Se tirarmos uma, o avião não decola e nem consegue voar. O perigo da tolerância é que ela insiste no amor em detrimento da verdade. Não queremos ofender contudo o evangelho é ofensivo. Como conciliar luz e trevas em nome da tolerância e pluralidade?
John MacArthur, disse que “quando a tolerância é valorizada acima da verdade, a causa da verdade sempre sofre”. A tolerância pode nos tornar coniventes com falsos pensamentos que estão levando pessoas à morte e estimular a resistência de certos homens em não se submeterem à autoridade de Deus.
O parecer de Gamaliel não é inspirado por Deus. Muitos movimentos até mesmo milenares como as falsas religiões e seitas sobreviveram mesmo sendo opostos à Deus. Nenhum movimento pode ser considerado aprovado por Deus usando o critério da durabilidade.
Naturalmente seu conselho é útil para defender a não violência e os julgamentos precipitados dos homens, entretanto, nenhum dos apóstolos defende o argumento de silenciarmos ou nos omitirmos ao vermos as heresias prevalecerem nas igrejas e tolerarmos o erro em nome do amor e da paz cristã.
Embora Paulo tenha sido educado na escola de Gamaliel, ele ordenou a Tito que fizesse calar a voz dos falsos mestres que surgiam na igreja (Tt 1.10-11), e ordenou a Timóteo: “Disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade”(2 Tm 2.25-26). Paulo não estava disposto a seguir o conselho de seu antigo mestre. Seu mestre agora não era Gamaliel, mas Jesus Cristo.
Jesus também não aconselha uma atitude de indiferença com heresias: “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores. Por seus frutos os conhecereis. Porventura, colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? [...] Toda árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.15-19).

3.     Incredulidade sutil – Este é o terceiro erro que podemos perceber na vida de Gamaliel. Ele argumenta que este movimento não podia de ser detido por meio da violência; e deste ponto de vista seu conselho é eticamente correto. Mas ele não possuía percepção espiritual para avaliar sua própria posição para com o Evangelho.

M. L Jones afirma que Gamaliel viu coisas boas no Evangelho, mas ainda assim o rejeitou. O fato de alguém ver coisas boas nos ensinos do cristianismo não significa que ele é cristão. A sutil incredulidade e de alto risco, está exatamente na aceitação parcial do Evangelho. Concordar com determinados aspectos do Evangelho pode nos deixar numa perigosa zona de conforto espiritual, transformando-nos numa pessoa respeitada e culta, mas não em um discípulo de Cristo.

4.     Neutralidade displicente. Este é o quarto equívoco de Gamaliel. Ele estava diante de um evento sobrenatural, mas isto não o levou a se tornar um seguidor de Cristo. Sua moderação demonstra como uma pessoa educada, coerente, lógica, pacífica, pode perder aquilo que é essencial na vida.

O problema da nossa geração não tem sido a intolerância, mas a excessiva tolerância. O problema de muitos não é se fecharem ao evangelho, mas o de estarem abertos a tudo. O recente filme Py, relata a travessia de um garoto indiano no mar, com um tigre não domesticado dentro do barco, e sutilmente mostra como a pluralidade religiosa pode nos levar a uma diversidade de deuses e ideias. O garoto do filme adotou três religiões distintas ao mesmo tempo. Era de uma família budista, se tornou cristão e ao mesmo tempo era muçulmano.
A tolerância religiosa que diz que todos estão certos e não há uma verdade única, tem sido mais do que nunca defendida. Gamaliel era moderado, mas o suficiente para não assumir um compromisso com Jesus. Ele é educadamente um descrente em Cristo.
Os discípulos de Hillel, seu avô, criam na ressurreição dos mortos. Agora que a ressurreição estava diante dele ele a tratava com indiferença. Ensinava a vinda do Messias admitindo a possibilidade de que a qualquer momento da história ele  surgisse. Agora o Messias estava diante dele e ele não o reconhecia. Sua atitude de indiferença e discurso ameno e conciliador, revela sua descrença apesar de todas as evidências que estavam diante dele.
Ele era corretamente educado, politicamente correto, conciliador por natureza, mas o Messias estava diante dele e ele o rejeitou. Ele demonstrou que não estava interessado em Cristo. Aí está o perigo do excesso de tolerância. Isto afeta todos os aspectos da vida. Pessoas respeitáveis demais podem estar fugindo de um confronto inevitável proposto por Jesus ao afirmar: “Quem comigo não ajunta, espalha”.
Gamaliel é um símbolo do erro da indecisão. 
Ele preferiu assumir uma atitude de neutralidade diante da verdade que exigia dele uma posição firme e resoluta. Ele decidiu que preservar a paz, a simpatia, boa reputação e influência era o mais importante. Esta neutralidade displicente é fatal quando estamos lidando com questões espirituais. Muitos, como Gamaliel, estão diante poderosas manifestações de Deus, mas não querer assumir sua fé. Podem até  ser um instrumento para libertar outros, mas sem se render a Cristo e reconhecer que é o Messias.

Conclusão:
Por que Deus deixou escrito este relato na Bíblia?

A.   Primeiramente, para mostrar que, em sua soberania, usa quem quer. Usou o famoso e indiferente mestre para preservar a vida dos apóstolos e preparar, pelo menos inicialmente, a vida de Paulo para a compreensão do verdadeiro conhecimento da fé.

B.    Para demonstrar que até mesmo homens de bom senso viram que o cristianismo não constituía uma ameaça à sociedade. Se Gamaliel tivesse seguido seu próprio conselho, teria se tornado cristão — pois o cristianismo foi um sucesso e havia provas abundantes de que Jesus era o Messias. 

C.    As palavras de Gamaliel não formam um princípio doutrinário. Não possuem qualquer peso teológico, e foram expressas num contexto específico e restrito. Ele, não assumiu nenhuma responsabilidade com o cristianismo pregado pelos Apóstolos. Ele era foi político e diplomático, mas nunca foi bíblico e cristão.
Ao olharmos ao nosso redor e repararmos o crescimento vertiginoso das seitas em nossos dias, fica claro que o raciocínio de Gamaliel não pode ser aplicado.

D.   Não é possível ficar neutro. Não há comodidade aqui; não há neutralidade. Não existe atalho para se chegar a verdade e a salvação, somente pelo Senhor Jesus, Príncipe e Salvador.

Gamaliel não assumiu a fé no Messias que se revelou em seus dias. Tantas foram as evidências, tantos milagres, tantos testemunhas. O velho Simeão que adorava a Deus piedosamente no templo, ao ver Jesus entrando nos braços de José e Maria, pegou aquela criança no colo e disse: “Despede em paz teu servo, porque meus olhos já viram o redentor”. Aquele homem de oração distinguiu o Messias sem nunca ver qualquer ato miraculoso ou sequer uma de suas palavras. Gamaliel estava diante de homens simples, testemunhando um evento extraordinário, deu um parecer político, moderado, mas não fez o que era essencial: reconhecer quem era Jesus e se curvar diante de sua majestade.

Que Deus nos ajude a sermos sensatos para proteger os que são perseguidos... e corajosos para assumir e reconhecer publicamente a autoridade de Jesus Cristo.

domingo, 8 de abril de 2018

At 5 A Severidade do Mal



Introdução:

Este é um dos textos bíblicos do Novo Testamento que mais desafia os hermeneutas, isto, porque, no forte ambiente da graça expressa no Evangelho, este relato parece ser mais uma descrição do Antigo que do Novo Testamento.
Ele descreve o episódio de um casal que vendeu uma propriedade, e decidiu tramar e mentir para dar uma oferta menor que o valor arrecadado e por isto foram julgados por de Deus e morreram. Curiosamente eles não precisavam vendê-la e trazer o dinheiro. Isto não era requerido, nem obrigatório, apesar de alguns membros estarem fazendo isto, como Barnabé (At 4.36-37). O problema não era o dinheiro em si, mas a disposição de parecer o que não eram. O problema foi a tentativa de engano e mentira. Eles decidem vender a propriedade, e fazer de conta que estavam dando integralmente para a igreja.
Por causa da atitude dissimulada frente à igreja, eles morreram.
O problema deles foi o desejo de impressionarem a comunidade.
A Igreja primitiva é muitas vezes descrita como  idílica, a igreja dos sonhos, por causa da beleza e manifestação de Deus entre o seu povo relatado em Atos 1-4. Entretanto, percebemos que ela também enfrentava crises, lutas internas e externas e pecados:

Em Atos 5 é relatado o episódio de Ananias Safira.
Em Atos 6 a Igreja está sofrendo com a murmuração. Um grupo de viúvas helênicas sente-se menos favorecida e discriminada. Instituição dos diáconos.
Em Atos 7 há uma grande perseguição e a morte de Estevão
Em Atos 8, Herodes entra em ação com sua crueldade, perseguindo duramente a igreja

Em Atos 9 Saulo continua a perseguição.
Em Atos 10 vemos como o legalismo e o etnocentrismo pode colocar em risco a missão da igreja.
Em Atos 11 a igreja está confusa em relação à dimensão do seu chamado e a missão ao mundo gentílico. A Igreja de Jerusalém cobra explicações de Pedro porque ele foi até a casa de um gentio.
Em Atos 12, Herodes intensifica a perseguição. Tiago, irmão de Joao é executado por sua fé. Pedro é preso.

O que distingue a Igreja Primitiva, portanto, não é a ausência de problemas, mas a forma como ela lida com as adversidades e a visitação especial de Deus em cada uma destas situações.

O que acontece em Atos 5?
Em Atos 5 vemos a intervenção de Deus num momento em que o temor de Deus era algo imprescindível para que a obra de Deus não fracassasse.
O que este texto quer nos ensinar?
O que podemos aprender?

Observações:

  1. A gravidade do pecado e a severidade do mal – Este texto nos ensina como Deus lida com o mal. Pecado para Deus é coisa séria.  “Mentira”  é coisa séria, e neste texto é descrita como uma tentativa de fraudar a Deus. A vida de duplicidade é coisa séria.
Os véus da aparência, ainda que tão inocentes são criados para satisfação do nosso ego e por isto usamos formas inteligentes de preservá-lo. Temos  tendência de colocar certas máscaras com formas de virtudes cristãs. A Bíblia afirma que “Deus odeia a duplicidade”.

Duas afirmações de Pedro diante da confrontação chamam a nossa atenção:
  1. “Por que encheu Satanás o teu coração, par que mentisses ao Espírito Santos?...Não mentiste aos homens, mas a Deus” (At 5.3,4)
  2. Por que entrastes em acordo para tentar o Espírito Santo?” (At 5.9).

Eles estavam tentando enganar a Deus. Esta é a razão do pecado ter sido considerado tão severo.

  1. A Santidade de Deus. O julgamento tem propósito. Levar a igreja a temer o seu nome. “Ouvindo estas palavras, Ananias caiu e expirou, sobrevindo grande temor a todos os ouvintes”(At 5.5). “E sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos quantos ouviram a notícia destes acontecimentos” (At 5.11).

Quando Moisés compareceu diante do Senhor para receber as tábuas da lei, o povo de Deus percebeu a santidade de Deus. O autor aos Hebreus descreve o impacto disto na vida do povo de Deus e de Moisés: “Na verdade, de tal modo era horrível o espetáculo, que Moisés disse: sinto-me aterrado e tremulo!” (Hb 12.21). Eles ficaram assustados com os relâmpagos e a manifestação da natureza ali no monte enquanto Moisés recebia as tabuas da lei.   E o autor aos hebreus tinha um propósito claro. Revelar ao povo do Novo Testamento, que a santidade de Deus era a mesma, por isto deviam viver uma vida de temor e santidade, pois “Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31), “porque o nosso Deus é fogo consumidor”(Hb 12.29).
Vivemos dias em que as pessoas, crentes ou não, encontram muita dificuldade para entender a santidade de Deus. Em geral não temos muito problema para crer que Deus é bom, misericordioso, gracioso. Por ser assim, Deus é uma espécie de papai noel amplificado que se agrada em dar todas as coisas a todos. Ele é bom. Ele não vai permitir coisas ruins. Ele não vai julgar ou condenar ninguém, porque ele é tão bonzinho... Mas a Palavra de Deus afirma constantemente a santidade de Deus. Deus é santo. Não pode suportar o mal. Sua santidade exige que o mal seja julgado.

O problema do mal
Este texto nos revela quão sério é a questão do mal, e como o mal pode se manifestar em ambientes tão sagrados. A Igreja Primitiva estava experimentando grande alegria e em cada alma havia temor, entretanto, neste contexto tão significativo o mal se revela de forma aguda.

  1. O maior problema do mal é a dissimulação que ele gera no coração humano. Por isto, a coisa que mais nos aproxima de Deus, realmente, é a compreensão da nosso fracasso. Existem muitos crentes que parecem aquela antiga propaganda do shampoo Denorex: “parece, mas não é”, alguns dias atrás vi um comentário sarcástico de alguém que se referia à atitude suspeita de uma pessoa: “Se não é parece, e se parece, poder ser”. A dissimulação espiritual é algo que precisamos rejeitar veementemente em nosso coração. A honestidade, a transparência, a coerência devem ser buscadas de forma radical em nossa vida. Se virmos algum sinal disto em nossa vida precisamos ficar alerta e rejeitar. Moisés, homem de Deus, não resistiu à tentação das máscaras espirituais e colocou um véu espiritualizante para que os filhos de Israel ficassem impressionados com ele. Se aconteceu com Moisés, por que não poderia acontecer conosco?

  1. O mal tem facilidade em encontrar parceria. No texto vemos que Ananias e Safira, marido e mulher, decidiram agir de forma dissimulada. Um teve a ideia e o outro apoiou. Um deles poderia censurar e impedir que aquilo acontecesse, mas Ananias, “em acordo com sua mulher, reteve parte do preço” (At 5.2). Os dois se mancomunaram com o plano
Sempre é possível encontrar solidariedade para o pecado. Nem sempre encontraremos irmãos que nos advertem, na verdade, alguns sugerem e apoiam nossa atitude pecaminosa e nos darão elementos para praticarmos o pecado. Safira apoiou seu marido, ela foi conivente com ele.

  1. O mal é distinguido nas Escrituras como uma ação satânica “enchendo o coração do homem  (At 5.3). As pessoas nem sempre percebem o germe do mal, nem entendem a raiz e procedência do mal e a forma como o inimigo age. Não consideram como as ações sutis do maligno podem ser destrutivas para si mesmo, e ofensivas à igreja e a Deus.
Satanás encheu o coração de Judas. Que compartilhou por três anos do colegiado intimo de Cristo. A Bíblia diz que Satanás induziu Davi a pecar contra Deus fazendo o recenseamento do povo e trazendo o juízo de Deus. Na oração dominical Jesus ensinou os seus discípulos a orarem: “Livra-nos do mal”. Por que orar assim? Porque o mal sempre ronda nossos corações e infelizmente faz sentido para nós. Algumas pessoas aprenderam a orar dizendo também: “Livra-nos do maligno”. O Mal e o maligno podem nos seduzir e nos envolver.

  1. É característico do mal, a tendência à simulação.  O mal é surpreendido aqui, com o rosto travestido de bondade, tentando parecer bem. Eles comparecem diante da liderança da igreja, para trazer uma robusta oferta de uma propriedade que venderam e queriam dar à igreja. É possível ter um gesto mais bonito e que revela melhor a generosidade de um coração do que este? Eles não precisavam vender a propriedade, e muito menos trazer o dinheiro da venda. Eles não precisavam vender nem doar parte ou todo. Então, por que mentir? Por que tentar enganar? O problema é que o coração tem uma predisposição à simulação. Nossas atitudes malignas nem sempre discernem suas intenções mais malignas. Pecado é mentira contra o Espírito Santo. Mas lá estavam dando uma impressão de generosidade e amor.

A mentira é uma ameaça real.
Hernandes Dias Lopes afirma: “O pecado entrou na história humana, quando Eva deu guarida a uma mentira do diabo (Gn 3.4), o pai da mentira (Jo 8.44). A queda de Jerusalém e o cativeiro babilônico ocorreram por causa da mentira dos falsos profetas (Jr 27.16). Ananias e Safira morreram porque mentiram ao Espírito Santo (At 5.1-11). O anticristo virá fazendo sinais e prodígios da mentira (2Ts 2.9). A mentira está presente em todos os setores da sociedade: na política e na religião; nas empresas e nas famílias. A mentira é desastrosa: produz decepção, constrangimento, mágoa e a própria morte. Há pessoas que são viciadas na mentira. Mentem em casa, no trabalho e até na igreja. É preciso alertar para o fato que os mentirosos ficarão fora da bem-aventurança eterna (Ap 21.8). Cuidado com a mentira, ela é uma ameaça real!”

O mal é sempre eficiente na dissimulação
Este texto demonstra como Deus vê a vida de um falso adorador, que insiste em caminhar mentindo contra o Espírito Santo, e que faz de conta que tem uma espiritualidade impecável quando na verdade está vivendo um estilo de vida duvidoso. Isto não significa necessariamente que não sejamos cristão, mas que estamos vivendo uma perigoso e arriscada vida de máscara e faz de conta, e corremos sério risco na alma.
Este é, essencialmente, o erro mais perigoso da igreja de Cristo em todas as épocas. Ananias e Safira mostram como a dissimulação pode ser manifestar em qualquer época e em qualquer ambiente cristão. É fácil fingir ser algo coisa que não somos, viver uma vida de representação e faz de conta. O problema se torna ainda maior porque, na maioria das vezes, é uma forma de hipocrisia inconsciente. Raramente encontraremos hipócritas conscientes. Esta é a forma sutil e perigosa de religiosidade, que supõe ser aquilo que não é, não entra em contato com seu pecado, nem sente necessidade de arrependimento. 
Pense numa igreja padrão: gente boa, gente legal, pessoas simpáticas, filhos criados na igreja, na Escola dominical, acampamentos, procurando ser amáveis, cordatos, gentis, pagar suas contas. O que pode haver de errado com uma comunidade assim?
O problema é que este tipo de respeitabilidade religiosa pode esconder o coração frio, a insensibilidade, a falta de amor por Deus. Billy Graham advertia sobre o risco de sermos pessoas religiosas o suficientes para não termos que nos converter e nascer de novo. Podemos estar surdos, cegos e endurecidos diante da Palavra de Deus. A Igreja de Éfeso em Apocalipse era doutrinariamente correta, ortodoxa quanto à fé, rigorosa na disciplina de seus membros, mas tinha abandonado o primeiro amor (Ap 2.1-4). O coração estava distante e frio, faltava entusiasmo pelas coisas de Deus.

É isto que a história de Ananias e Safira nos ensina.

Quando fingimos ser algo que não somos, estamos mortos! A máscara da adequação, emitindo comportamentos que sabemos que as pessoas esperam de nós, quando nos achegamos ao altar de Deus, fazendo de conta que está tudo certo, quando não está! Sem dizermos a verdade toda. Este é o maior risco do coração humano, e ao julgar estes irmãos de forma tão severa, Deus queria que soubéssemos que tal atitude é insuportável diante de sua santidade.

O caminho da cura nas Escrituras é sempre o mesmo: Arrependei-vos e creiam no evangelho! Não precisamos parecer santos, podemos reconhecer que há algo errado no que estamos fazendo ou naquilo que está passando em nosso coração e nos arrepender, rejeitar a máscara. A confissão e não a aparência é que nos redime. Já fomos aceitos pelo sangue de Cristo. Nós não precisamos viver uma vida de representação e engano. A confissão nos livra do mal.
Todos somos desqualificados e inadequados. Deus sabe que só existe um perfeito, e apenas em Cristo podemos ser verdadeiros, encontrar a graça e a verdade e podermos descansar nele. O que vale para nós é a justiça e os méritos de Cristo.

Para entender a severidade do mal e a santidade de Deus, precisamos olhar o que aconteceu na cruz.
Uma das frases ditas por Jesus na cruz foi “Deus meu, Deus meu, por que me desamparastes?”(Mt 27.46). Esta afirmação traz uma séria de perguntas à nossa mente? Como o Deus trino, Pai, Filho e Espírito Santo são três pessoas subsistindo em forma de uma só, como Deus se separou de Deus? Ela também nos leva a pensar: “O que significa esta afirmação?”

Na cruz, Jesus assumiu o lugar do pecador. Deus colocou seu Filho para nos substituir. Deus  não passou simplesmente por cima dos pecados, mas Jesus pagou o preço do pecado. Caso contrário, como um santo Deus poderia reconciliar-se com pessoas impuras? Como o relacionamento entre um santo Deus e pessoas impuras pode ser restaurado sem reparação alguma? Não seria isto um ato grosseiro de injustiça? Deus não ignora simplesmente o culpado e o absolve. Deus fez reparação aceitando a oferta de Jesus para assumir nosso lugar.

Portanto, o que vemos na cruz é algo muito profundo.

Deus derramou sua ira sobre seu Filho, e assim todo aspecto da justiça demandada pelo Ele  foi satisfeita. Na cruz vemos o quanto Deus valoriza Sua santidade. Deus não violou sua  santidade para nos salvar. Na cruz vemos a ira e misericórdia encontrando-se. Vemos ambas em sua gloriosa plenitude – a exposição final da ira de Deus colocada sobre o seu filho assume o pecado dos seus eleitos, e a exposição final da misericórdia de Deus em aceitar a oferta do seu Filho a nosso favor, concedendo-nos perdão pelo sacrifício de sangue.

A ira de Deus foi colocada sobre Cristo. O profeta Isaias afirma: “Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará em suas mãos” (Is 53.10).

Cristo pagou a sentença completa da justa ira que eu merecia. o inculpável pagando a sentença do pecador.

O mal é tão severo, que Jesus morreu por ele em nosso lugar.