Introdução:
Este é um dos textos bíblicos do Novo
Testamento que mais desafia os hermeneutas, isto, porque, no forte ambiente da
graça expressa no Evangelho, este relato parece ser mais uma descrição do
Antigo que do Novo Testamento.
Ele descreve o episódio de um casal que vendeu
uma propriedade, e decidiu tramar e mentir para dar uma oferta menor que o
valor arrecadado e por isto foram julgados por de Deus e morreram. Curiosamente
eles não precisavam vendê-la e trazer o dinheiro. Isto não era requerido, nem
obrigatório, apesar de alguns membros estarem fazendo isto, como Barnabé (At
4.36-37). O problema não era o dinheiro em si, mas a disposição de parecer o
que não eram. O problema foi a tentativa de engano e mentira. Eles decidem
vender a propriedade, e fazer de conta que estavam dando integralmente para a
igreja.
Por causa da atitude dissimulada frente à
igreja, eles morreram.
O problema deles foi o desejo de
impressionarem a comunidade.
A Igreja primitiva é muitas vezes descrita
como idílica, a igreja dos sonhos, por
causa da beleza e manifestação de Deus entre o seu povo relatado em Atos 1-4. Entretanto,
percebemos que ela também enfrentava crises, lutas internas e externas e
pecados:
Em Atos 5 é relatado o episódio de Ananias
Safira.
Em Atos 6 a Igreja está sofrendo com a
murmuração. Um grupo de viúvas helênicas sente-se menos favorecida e
discriminada. Instituição dos diáconos.
Em Atos 7 há uma grande perseguição e a
morte de Estevão
Em Atos 8, Herodes entra em ação com sua
crueldade, perseguindo duramente a igreja
Em Atos 9 Saulo continua a perseguição.
Em Atos 10 vemos como o legalismo e o
etnocentrismo pode colocar em risco a missão da igreja.
Em Atos 11 a igreja está confusa em
relação à dimensão do seu chamado e a missão ao mundo gentílico. A Igreja de
Jerusalém cobra explicações de Pedro porque ele foi até a casa de um gentio.
Em Atos 12, Herodes intensifica a
perseguição. Tiago, irmão de Joao é executado por sua fé. Pedro é preso.
O que distingue a Igreja Primitiva, portanto,
não é a ausência de problemas, mas a forma como ela lida com as adversidades e
a visitação especial de Deus em cada uma destas situações.
O que
acontece em Atos 5?
Em Atos 5 vemos a intervenção de Deus num
momento em que o temor de Deus era algo imprescindível para que a obra de Deus
não fracassasse.
O que este texto quer nos ensinar?
O que podemos aprender?
Observações:
- A gravidade do pecado e a severidade do
mal
– Este texto nos ensina como Deus lida com o mal. Pecado para Deus é coisa
séria. “Mentira” é coisa séria, e neste texto é descrita
como uma tentativa de fraudar a Deus. A vida de duplicidade é coisa séria.
Os véus da aparência, ainda que tão
inocentes são criados para satisfação do nosso ego e por isto usamos formas
inteligentes de preservá-lo. Temos
tendência de colocar certas máscaras com formas de virtudes cristãs. A
Bíblia afirma que “Deus odeia a duplicidade”.
Duas afirmações de Pedro diante da
confrontação chamam a nossa atenção:
- “Por que encheu Satanás o teu coração, par
que mentisses ao Espírito Santos?...“Não mentiste aos homens, mas a Deus” (At 5.3,4)
- “Por que entrastes em acordo para tentar
o Espírito Santo?” (At 5.9).
Eles estavam tentando enganar a Deus. Esta é a
razão do pecado ter sido considerado tão severo.
- A Santidade de Deus. O julgamento
tem propósito. Levar a igreja a temer o seu nome. “Ouvindo estas palavras, Ananias caiu e expirou, sobrevindo grande
temor a todos os ouvintes”(At 5.5). “E sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos quantos ouviram
a notícia destes acontecimentos” (At 5.11).
Quando Moisés compareceu diante do Senhor para
receber as tábuas da lei, o povo de Deus percebeu a santidade de Deus. O autor
aos Hebreus descreve o impacto disto na vida do povo de Deus e de Moisés: “Na verdade, de tal modo era horrível o
espetáculo, que Moisés disse: sinto-me aterrado e tremulo!” (Hb 12.21).
Eles ficaram assustados com os relâmpagos e a manifestação da natureza ali no
monte enquanto Moisés recebia as tabuas da lei. E o autor aos hebreus tinha um propósito
claro. Revelar ao povo do Novo Testamento, que a santidade de Deus era a mesma,
por isto deviam viver uma vida de temor e santidade, pois “Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31), “porque o nosso Deus é fogo consumidor”(Hb
12.29).
Vivemos dias em que as pessoas, crentes ou
não, encontram muita dificuldade para entender a santidade de Deus. Em geral
não temos muito problema para crer que Deus é bom, misericordioso, gracioso. Por
ser assim, Deus é uma espécie de papai noel amplificado que se agrada em dar
todas as coisas a todos. Ele é bom. Ele não vai permitir coisas ruins. Ele não
vai julgar ou condenar ninguém, porque ele é tão bonzinho... Mas a Palavra de
Deus afirma constantemente a santidade de Deus. Deus é santo. Não pode suportar
o mal. Sua santidade exige que o mal seja julgado.
O
problema do mal
Este texto nos revela quão sério é a questão
do mal, e como o mal pode se manifestar em ambientes tão sagrados. A Igreja
Primitiva estava experimentando grande alegria e em cada alma havia temor,
entretanto, neste contexto tão significativo o mal se revela de forma aguda.
- O maior problema
do mal é a dissimulação que ele gera no coração humano. Por isto, a coisa
que mais nos aproxima de Deus, realmente, é a compreensão da nosso
fracasso. Existem muitos crentes que parecem aquela antiga propaganda do
shampoo Denorex: “parece, mas não é”, alguns dias atrás vi um comentário
sarcástico de alguém que se referia à atitude suspeita de uma pessoa: “Se
não é parece, e se parece, poder ser”. A dissimulação espiritual é algo
que precisamos rejeitar veementemente em nosso coração. A honestidade, a
transparência, a coerência devem ser buscadas de forma radical em nossa
vida. Se virmos algum sinal disto em nossa vida precisamos ficar alerta e
rejeitar. Moisés, homem de Deus, não resistiu à tentação das máscaras
espirituais e colocou um véu espiritualizante para que os filhos de Israel
ficassem impressionados com ele. Se aconteceu com Moisés, por que não
poderia acontecer conosco?
- O mal tem facilidade
em encontrar parceria. No texto vemos que Ananias e Safira, marido e
mulher, decidiram agir de forma dissimulada. Um teve a ideia e o outro
apoiou. Um deles poderia censurar e impedir que aquilo acontecesse, mas Ananias,
“em acordo com sua mulher, reteve parte do preço” (At 5.2). Os dois se
mancomunaram com o plano
Sempre é possível encontrar solidariedade para
o pecado. Nem sempre encontraremos irmãos que nos advertem, na verdade, alguns sugerem
e apoiam nossa atitude pecaminosa e nos darão elementos para praticarmos o
pecado. Safira apoiou seu marido, ela foi conivente com ele.
- O mal é
distinguido nas Escrituras como uma ação satânica “enchendo o coração do homem”
(At 5.3). As pessoas nem sempre percebem o germe do mal, nem entendem
a raiz e procedência do mal e a forma como o inimigo age. Não consideram
como as ações sutis do maligno podem ser destrutivas para si mesmo, e
ofensivas à igreja e a Deus.
Satanás encheu o coração de Judas. Que
compartilhou por três anos do colegiado intimo de Cristo. A Bíblia diz que
Satanás induziu Davi a pecar contra Deus fazendo o recenseamento do povo e
trazendo o juízo de Deus. Na oração dominical Jesus ensinou os seus discípulos
a orarem: “Livra-nos do mal”. Por que
orar assim? Porque o mal sempre ronda nossos corações e infelizmente faz
sentido para nós. Algumas pessoas aprenderam a orar dizendo também: “Livra-nos do maligno”. O Mal e o maligno
podem nos seduzir e nos envolver.
- É característico
do mal, a tendência à simulação. O
mal é surpreendido aqui, com o rosto travestido de bondade, tentando
parecer bem. Eles comparecem diante da liderança da igreja, para trazer
uma robusta oferta de uma propriedade que venderam e queriam dar à igreja.
É possível ter um gesto mais bonito e que revela melhor a generosidade de
um coração do que este? Eles não precisavam vender a propriedade, e muito
menos trazer o dinheiro da venda. Eles não precisavam vender nem doar
parte ou todo. Então, por que mentir? Por que tentar enganar? O problema é
que o coração tem uma predisposição à simulação. Nossas atitudes malignas
nem sempre discernem suas intenções mais malignas. Pecado é mentira contra
o Espírito Santo. Mas lá estavam dando uma impressão de generosidade e
amor.
A mentira é uma ameaça real.
Hernandes Dias Lopes afirma: “O pecado entrou
na história humana, quando Eva deu guarida a uma mentira do diabo (Gn 3.4), o
pai da mentira (Jo 8.44). A queda de Jerusalém e o cativeiro babilônico
ocorreram por causa da mentira dos falsos profetas (Jr 27.16). Ananias e Safira
morreram porque mentiram ao Espírito Santo (At 5.1-11). O anticristo virá
fazendo sinais e prodígios da mentira (2Ts 2.9). A mentira está presente em
todos os setores da sociedade: na política e na religião; nas empresas e nas
famílias. A mentira é desastrosa: produz decepção, constrangimento, mágoa e a
própria morte. Há pessoas que são viciadas na mentira. Mentem em casa, no
trabalho e até na igreja. É preciso alertar para o fato que os mentirosos
ficarão fora da bem-aventurança eterna (Ap 21.8). Cuidado com a mentira, ela é
uma ameaça real!”
O mal é
sempre eficiente na dissimulação
Este texto demonstra como Deus vê a vida de um
falso adorador, que insiste em caminhar mentindo contra o Espírito Santo, e que
faz de conta que tem uma espiritualidade impecável quando na verdade está
vivendo um estilo de vida duvidoso. Isto não significa necessariamente que não
sejamos cristão, mas que estamos vivendo uma perigoso e arriscada vida de
máscara e faz de conta, e corremos sério risco na alma.
Este é, essencialmente, o erro mais perigoso da
igreja de Cristo em todas as épocas. Ananias e Safira mostram como a
dissimulação pode ser manifestar em qualquer época e em qualquer ambiente
cristão. É fácil fingir ser algo coisa que não somos, viver uma vida de
representação e faz de conta. O problema se torna ainda maior porque, na
maioria das vezes, é uma forma de hipocrisia inconsciente. Raramente
encontraremos hipócritas conscientes. Esta é a forma sutil e perigosa de religiosidade,
que supõe ser aquilo que não é, não entra em contato com seu pecado, nem sente
necessidade de arrependimento.
Pense numa igreja padrão: gente boa, gente
legal, pessoas simpáticas, filhos criados na igreja, na Escola dominical,
acampamentos, procurando ser amáveis, cordatos, gentis, pagar suas contas. O que
pode haver de errado com uma comunidade assim?
O problema é que este tipo de respeitabilidade
religiosa pode esconder o coração frio, a insensibilidade, a falta de amor por
Deus. Billy Graham advertia sobre o risco de sermos pessoas religiosas o suficientes
para não termos que nos converter e nascer de novo. Podemos estar surdos, cegos
e endurecidos diante da Palavra de Deus. A Igreja de Éfeso em Apocalipse era
doutrinariamente correta, ortodoxa quanto à fé, rigorosa na disciplina de seus
membros, mas tinha abandonado o primeiro amor (Ap 2.1-4). O coração estava
distante e frio, faltava entusiasmo pelas coisas de Deus.
É isto que a história de Ananias e Safira nos
ensina.
Quando fingimos ser algo que não somos,
estamos mortos! A máscara da adequação, emitindo comportamentos que sabemos que
as pessoas esperam de nós, quando nos achegamos ao altar de Deus, fazendo de
conta que está tudo certo, quando não está! Sem dizermos a verdade toda. Este é
o maior risco do coração humano, e ao julgar estes irmãos de forma tão severa,
Deus queria que soubéssemos que tal atitude é insuportável diante de sua
santidade.
O caminho da cura nas Escrituras é sempre o
mesmo: Arrependei-vos e creiam no evangelho! Não precisamos parecer santos, podemos
reconhecer que há algo errado no que estamos fazendo ou naquilo que está
passando em nosso coração e nos arrepender, rejeitar a máscara. A confissão e
não a aparência é que nos redime. Já fomos aceitos pelo sangue de Cristo. Nós
não precisamos viver uma vida de representação e engano. A confissão nos livra
do mal.
Todos somos desqualificados e inadequados.
Deus sabe que só existe um perfeito, e apenas em Cristo podemos ser
verdadeiros, encontrar a graça e a verdade e podermos descansar nele. O que
vale para nós é a justiça e os méritos de Cristo.
Para entender a severidade do mal e a
santidade de Deus, precisamos olhar o que aconteceu na cruz.
Uma das frases ditas por Jesus na cruz foi “Deus meu, Deus meu, por que me
desamparastes?”(Mt 27.46). Esta afirmação traz uma séria de perguntas à
nossa mente? Como o Deus trino, Pai, Filho e Espírito Santo são três pessoas
subsistindo em forma de uma só, como Deus se separou de Deus? Ela também nos
leva a pensar: “O que significa esta afirmação?”
Na cruz, Jesus assumiu o lugar do pecador. Deus colocou seu
Filho para nos substituir. Deus não passou
simplesmente por cima dos pecados, mas Jesus pagou o preço do pecado. Caso
contrário, como um santo Deus poderia reconciliar-se com pessoas impuras? Como
o relacionamento entre um santo Deus e pessoas impuras pode ser restaurado sem reparação
alguma? Não seria isto um ato grosseiro de injustiça? Deus não ignora simplesmente
o culpado e o absolve. Deus fez reparação aceitando a oferta de Jesus para
assumir nosso lugar.
Portanto, o que vemos na cruz é algo muito profundo.
Deus derramou sua ira sobre seu Filho, e assim todo aspecto da
justiça demandada pelo Ele foi
satisfeita. Na cruz vemos o quanto Deus valoriza Sua santidade. Deus não violou
sua santidade para nos salvar. Na cruz
vemos a ira e misericórdia encontrando-se. Vemos ambas em sua gloriosa
plenitude – a exposição final da ira de Deus colocada sobre o seu filho assume o
pecado dos seus eleitos, e a exposição final da misericórdia de Deus em aceitar
a oferta do seu Filho a nosso favor, concedendo-nos perdão pelo sacrifício de
sangue.
A ira de Deus foi colocada sobre Cristo. O profeta Isaias
afirma: “Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der
ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os
seus dias; e a vontade do Senhor prosperará em suas mãos” (Is 53.10).
Cristo pagou a sentença completa da justa ira que eu merecia. o
inculpável pagando a sentença do pecador.
O mal é tão severo, que Jesus morreu por ele em nosso lugar.
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