domingo, 28 de abril de 2019

Atos 22 Duas questões essenciais



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Introdução:

Todos nós levantamos questões pessoais e existenciais que precisam ser respondidas. Algumas destas questões estão relacionadas ao universo, a Deus, a valores, família, instituição, significado, propósito, e dependendo da resposta que recebemos de outros, ou damos, darão todo sentido à vida, ou nos levarão à morte.
Neste texto Paulo levanta duas questões relacionadas a Deus:
            Quem és tu Senhor? (At 22.8)
            Que farei Senhor? (At 22.10).

Paulo está sendo acusado de transgressão da lei e heresia contra o templo e contra Deus. Havia duas escolas de teologia em Jerusalém: Shammai e Hillel. A primeira era mais conservadora, a segunda um pouco mais aberta. Por causa de sua devoção e aplicação à Lei, Paulo se tornara uma das grandes promessas, estudando aos pés de Gamaliel, respeitado professor. Seu zelo e exatidão na interpretação e aplicação da lei o levou a perseguir duramente os cristãos. Agora, porém, convertido, deixa de ser perseguidor e se torna perseguido.
Diante das ameaças dos judeus, ele faz sua defesa (apologia, vs 1).
Seu testemunho aqui é um modelo de como podemos dar nosso testemunho cristão aos outros. Muitos afirmam que não sabem como evangelizar, mas o método mais eficiente que temos é o de falar o que Deus fez em nossa vida. O testemunho é o método mais eficaz e simples de evangelização.
O exemplo de Paulo em At. 22 é muito importante para que construamos a base de um testemunho.
Como Paulo apresenta seu testemunho?

Primeiro, quem eu fui
Paulo fala de sua vida pregressa. Testemunhar tem a ver com a afirmação de que algo foi visto, ouvido, vivenciado. Uma testemunha é alguém que viu, ouviu ou participou de algo importante e precisa dizer o que viu. Jesus disse que nós seríamos suas "testemunhas" (At 1.8).
Por que testemunhar ?
1. Testemunhar é ordem do Mestre - At 1.8
2. Testemunhar é a tarefa básica dos cristãos - At 22.15
3. Porque o testemunho é o meio que Deus usa para alcançar outros -  At 26.28
4. Porque o testemunho é o único meio de tornar conhecido os fatos entre os homens para sua salvação – Mc 16.15
Ele era um zeloso religioso, conhecido entre os anciãos de Jerusalém e sua escola. Um implacável paladino que fazia cruzada em nome do Deus de Israel, perseguindo aqueles que “se desviava”, não apenas dentro de Israel, mas fora dos limites territoriais de seu país, indo para a Síria para perseguir os cristãos em Damasco. Ele usa duas palavras para definir seu estilo de vida religioso:

Exatidão doutrinaria
Zelo

Paulo dá seu testemunho e faz sua defesa, usando sua história. Ele era judeu, e fala de sua lealdade às origens religiosas e ao templo (At 21.28); Ele fala de sua origem de nascimento. “nascido em Tarso” primeira cidade da Cilícia, não apenas financeira mas em distinção intelectual, onde ficava uma das grandes universidades do Império Romano. Ele fazia tudo  “segundo a exatidão da lei de nossos antepassados” (At 22.3). Ao escrever aos Filipenses que “quanto à justiça que há na lei, irrepreensível” (Fp 3.6).
Nos seus testemunhos, Paulo sempre fala do que ele era antes de conhecer Jesus. Esta mesma estrutura será encontrada no capitulo 26 (At 26.4-12). "Quanto à minha vida..." Ao compartilhar sua fé com alguém, comece falando de sua vida, dos seus temores, dos seus pecados, das suas inseguranças. Afirmar sua fragilidade serve para identificar você com aquele que te ouve. Ele pode perceber que você nunca foi alguém especial, mas que mesmo assim, você pode participar da graça de Deus.

Segundo, sua experiência com Deus
Neste segundo momento, Paulo fala do seu encontro com o Cristo ressurreto.
Ele fala de seu inusitado e surpreendente encontro com Cristo no caminho para Damasco.
Ele demonstra que seu chamado foi obra absoluta do amor de Jesus por sua vida. Quando falamos do processo de conversão, vemos a absoluta graça de Deus sobre a vida de Saulo. O que ele fez de bom para ser chamado? Ele era perseguidor, blasfemo e insolente, como ele mesmo se define (1 Tm 1.12). Qual destes aspectos sensibilizou Deus para ir de encontra a Paulo? Nenhum. A conversão de Saulo demonstra que Deus tomou a iniciativa. Deus vem ao seu encontro. Paulo Washer diz: “Eu não encontrei a Cristo, ele me encontrou. O perdido era eu, e não ele” .
Sua salvação demonstra a obra da graça de Deus. Não é mérito. Assim como não foi mérito a vida de Abraão, Raabe, Jefté, Davi e todos os demais que foram alcançados pela obra do Espírito Santo. Tudo começa em Deus. Ele é o autor e consumador da nossa fé (Hb 12.2).
Paulo se defende usando sua experiência. Algumas delas carismáticas. Ele fala de sua experiência na viagem para Damasco (At 22.8), e no êxtase que teve dentro do templo (At 22.17-18).
No nosso testemunho aos amigos precisamos demonstrar o que Cristo fez. Demonstrar a graça de Deus é algo fundamental  para a vida do outro. Muitas vezes enfatizamos muito a vida anterior, mas deixamos pouco espaço para falar da graça de Deus. Fale deste aspecto. Demonstre o que Jesus fez por você:
            1. Perdoou os seus pecados, morrendo na cruz por você.
            2. Ele está dirigindo sua vida, cuidando de áreas emocionais, espirituais e nutrindo você de fé.
            3. Ele lhe deu a Vida Eterna. Você caminha com esperança em seu coração.
           
Terceiro, o que eu sou em Cristo
Todo testemunho genuíno de conversão deve começar com a descrição da obra da nossa realidade sem Deus, com a obra dele em nossa vida, e com o resultado daquilo que o Espírito Santo fez em nós. Muitos de nós temos testemunhos poderosos para compartilhar às outras pessoas.
Paulo fala daquilo que estava acontecendo em sua vida, da obra que Deus tinha preparado para ele: “porque terás de ser testemunha diante de todos os homens das coisas que tens visto e ouvido” (At 22.15).
Por isto, no testemunho que damos, precisamos demonstrar o que somos agora por causa da obra de Cristo em nossas vidas. Isto não significa que você é melhor que ninguém (qualquer ar de superioridade pode levar seu testemunho a ser ineficaz e inoperante). Afinal, a obra é de Cristo, não sua. O que importa é a graça de Jesus. Quanto menor ênfase em você e mais no amor de Jesus, mais realista será seu testemunho e menos arrogante. Muitos arrogantes caem... Tudo o que você é agora, foi Deus quem fez (2 Co 4.5).  

Duas questões essenciais
Ditas estas palavras, voltemos às questões que são levantadas no texto.

Quem és tu Senhor?
Precisamos saber quem é Deus, e o que ele espera de nós.
Paulo afirma em Romanos 10.2 que os judeus tinham zelo, porém, sem entendimento.

Qual era o grande equívoco do povo judeu, e ainda é da maioria hoje, mesmo dos religiosos que frequentam igrejas evangélicas?
Paulo responde: “Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus  e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à quem vem de Deus” (Rm 10.3).
O grande risco do homem é tentar construir sua própria religiosidade, ignorando que Deus já providenciou todos os recursos para nossa salvação por meio da obra de Cristo. Precisamos da justiça de Cristo diante de Deus, e não das nossas habilidades morais e espirituais para estarmos diante dele. Aceite a Jesus e não tente construir um currículo espiritual diante de Deus.

O coração do homem é religioso. Atualmente está muito em moda usar o termo espiritualidade. Um termo moderno, vago, ambíguo, mas que descreve o anseio do ser humano por Deus, pela eternidade.
É muito fácil ser uma pessoa espiritualizada e ainda assim estar muito longe de Deus. Por exemplo, vocês acham que os atuais homens bomba do islamismo são pessoas religiosas? Claro que sim. A questão é que tipo de espiritualidade eles desenvolveram.

Paulo era um homem zeloso, entretanto estava na contramão e se tornou opositor a Deus.
Ele prendeu (At 20.4)
Ele torturou (At 22.19)
Ele matou (At 22.20). Paulo foi o promotor, advogado de acusação, de Estevão, o primeiro mártir do cristianismo.
Paulo fez uma cruzada contra os cristãos por causa do seu zelo a Deus. Mesmo nas cidades estranhos os perseguia. Sua sinceridade foi bastante? Não! Ele era sincero, mas estava errado. Sinceridade não basta!

A religiosidade que você desenvolve depende da ideia do Deus que você tem. “os homens se parecem com seus deuses”. Por isto é possível se tornar fanático, religioso, e ainda assim estar muito longe de Deus porque o conceito que você tem da divindade não coaduna com o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo.
Veja o exemplo do místicos pagãos. Temos uma porção de amigos que creem em deuses das montanhas, das cachoeiras, que fazem suas preces a pirâmides, buscam a energias de pedras, cristais, duendes, fadas madrinhas. Paulo afirma que os homens, mesmo tendo um conhecimento primário de Deus revelado na sua criação e na natureza, resolveram “mudar a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem do homem corruptível, bem como de aves, quadrupedes e repteis”(Rm 1.23).
Paulo era religioso, mas ele não conhecia a Deus.
Muitos afirmam “todos caminhos levam à Deus”. Não, muitos caminhos levam a deuses falsos, idolatria, morte e condenação. O caminho de Saulo, não o levava a Deus, mas o tornava num opositor a Deus. “Eu sou Jesus nazareno, a quem tu persegues”(At 22.8). Em Atos 26, Paulo afirma que Deus o censura dizendo: “Dura coisa é recalcitrares contra teus aguilhões” (At 26.14). O fanatismo espiritual de Paulo o levava à oposição à Cristo, ao distanciamento de Deus, e não à Deus.
Você conhece o Deus verdadeiro quando se encontra com Jesus de Nazaré. Foi isto que Jesus disse a Paulo: “Eu sou Jesus!~ (At 22.8).
O encontro com Jesus traz três consequências ruins a Paulo e isto acontece a todos nós ainda hoje:

Primeiro, perda de referência – “guiado pela mão” (At 22.11). você não tem mais senso algum, e percebe que toda sua segurança foi colocada em cheque. Paulo precisa ser guiado pela mão. Há um momento na sua vida espiritual com Cristo que seus pressupostos e valores são insuficientes para você se orientar. Precisa de outra referência.

Segundo, perda de percepção – “Tendo ficado cego” (At 22.11). Falta de percepção. As lentes e os focos antigos da visão já não mais conseguem nos orientar. Não servem mais. O que víamos e acreditávamos ser o certo, agora se torna obnubilado.

Terceiro, Falta de projeto – “Ali te dirão” (At 22.10). Espere um momento. Quem ditava e orientava seu coração era ele mesmo, agora, outros dirão como deve ser o estilo de vida? Discipulado implica nisto. É Jesus, e não mais você, quem deve estabelecer as regras do discipulado. Você está agora “sob nova direção”, a direção do Espírito Santo.

Que farei, Senhor?
Esta é outra pergunta essencial. Não apenas saber quem Deus é, mas entender o que este Deus deseja de minha vida, isto é, como responder corretamente a este Deus.

Quando passo a conhecer a Deus, descubro que ele tem um propósito para minha vida. Seu propósito (ou sua missão), direciona o meu estilo de vida. Paulo agora, desorientado, que antes se achava tão seguro; desarmado, agora cego; que estava tão seguro de suas atitudes, agora sente a necessidade de perguntar: “Que farei, Senhor!”

Esta pergunta direciona sua história.
O ponto central não é o que eu faço, mas o que Deus quer fazer comigo.
Muitos sofrem com isto, porque querem ter o controle de suas vidas. Numa geração tão consciente e tão seguro de seus propósitos, que coloca toda força na ação do homem e não em Deus, esta pergunta pode ser revolucionaria.
E se Deus deseja fazer algo comigo que eu não quero?
Deus é cheio de surpresas, e agora?

O mais importante aprender deste texto é que Deus tem uma missão para sua vida. Você não é uma peça solta no universo. Isto gera angústia e desespero. A falta de sentido e propósito tem sido uma das questões mais desafiadoras para o ser humano moderno.
No dia 8 de abril de 1994, um eletricista acidentalmente descobriu um cadáver  em Seattle, Washington. Ao chamar a polícia, descobriu que se tratava de Kurt Cobain, a lenda do rock que cometera suicídio. Um tiro explodiu sua cabeça tornando difícil a identificação. Suas tentativas anteriores com overdose não foram bem sucedidas.
Ele era um talentoso guitarrista da banda Nirvana, cujo álbum Nevermind vendeu 10 milhões de cópias. Mangalwadi afirma que nenhuma banda capturou tão bem a perda de rumo, de centro e de alma de sua geração quanto esta. O termo nevermind significa, “não se preocupe!” e Nirvana é a palavra budista para salvação. Significa a extinção permanente da existência de um indivíduo, a libertação da nossa alma da miséria e vazio.
A taxa de suicídio, homicídio, abuso de drogas, alcoolismo, evasão escolar tem sido marcante entre os jovens no Brasil. Em 2017, cerca de 60 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, e 80% destas mortes se deram entre 15 e 27 anos.
Combain adotou o vazio filosófico e moral que a banda AC/DC, chamaria de “estrada para o inferno”. Seus discos foram populares até 2008 e venderam mais que os de Elvis Presley. Em 2002, alguns anos após sua morte, sua viúva vendeu os rascunhos de seus diários por  4 milhões de dólares. Neles estava escrito: “Gosto de Punk rock. Gosto de drogas (mas meu corpo e minha mente não permitem usá-las). Gosto de jogar cartas de modo errado. Gosto de sinceridade. Não tenho sinceridade...Gosto de reclamar e de não fazer nada para que as coisas melhorem”.
Ao se matar, Cobain viveu conforme o que creu. Ele compreendeu que o nada, como realidade última, faz do nada algo positivo.
O problema da humanidade nunca foi ético, mas filosófico (prefiro o termo teológico, porque se conecta à experiência de Deus e do Infinito). A ausência de uma referência de sentido, esvazia a alma humana, jogando-a no caos. O livro de Eclesiastes afirma, “Deus pôs a eternidade no coração do homem”. Este anseio infinito pelo sentido e valor da alma que se distanciou do seu Criador, não será preenchido por nada, senão o próprio Deus. Afinal, “o homem tem um vazio em forma de Deus” (Pascal).

A pergunta, “que farei Senhor”, tem a ver com o sentido e propósito da sua história. O que te ocorre hoje, precisa estar conectado à eternidade.

Conclusão:
Quando estas questões se tornam palpitantes, o que acontece conosco?
Paulo diz aqui: “cai por terra!”
Valores, cosmovisão, prioridades, passam sob questionamentos.

Qual deve ser minha reação?
O próprio Deus orienta:
Levanta-te, recebe o batismo, e lava os teus pecados, invocando o nome de Deus” (At 22.16).
Receber o batismo no livro de Atos muitas vezes está conectado ao perdão de pecados. Isto levou a igreja católica a desenvolver uma doutrina do batismo que se chama “ex opere operato”, dando a ideia de que o batismo, por si mesmo, o mero ritual em si, traz salvação.
A igreja reformada afirma outra coisa: O batismo é um sacramento, que é “um sinal invisível de uma graça invisível”. O batismo fala de algo profundo que aconteceu no coração humano, e se torna um sinal daqueles que experimentaram esta obra em seus corações.
Ele não é o evento em si, mas aponta para algo profundo: a obra de Deus em nossas vidas.








sábado, 6 de abril de 2019

Gn 34 A Anatomia da Ira


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Introdução: 
“Não me diga que estou nervoso, porque fico mais nervoso ainda!”. 
Foi esta a charge que vi numa tirinha de desenhos. Ira é uma reação muito comum nos nossos corações. Talvez não lutemos com drogas ou roubos, mas todos lutamos com ira, assim como sentimos, vemos e sofremos o impacto de pessoas iracundas sobre a nossa vida. Esta provavelmente é a razão que a palavra de Deus diga: “Irai-vos e não pequeis, não se ponha o sol sobre a vossa ira”(Ef 4.25). A questão não é se temos ou não ira, mas quão intensa é a nossa ira, porque ela tem sido nossa incômoda companheira e como lidamos com esta ira.
O texto lido narra os efeitos danosos da ira. Siquém, príncipe da casa de Hamor, se enamora com Diná, e os dois se envolvem num relacionamento sexual antes do casamento. Não sabemos se o sexo foi consensual como parece indicar o vs.34.3 “Sua alma se apegou a Diná, filha de Jacó, e amou a jovem, e falou-lhe ao coração”, ou, como afirma o vs. 2: “tomando-a, a possuiu e assim a humilhou” (34.2). Talvez porque sexo antes do casamento significava uma grave afronta na cultura antiga é que o vs. 7 nos fala diz; “...indignaram-se e muito se iraram, pois Siquém praticara um desatino em Israel, violentando a filha de Jacó, o que se não devia fazer”. Os textos são ambíguos, pois ora falam de amor e linguagem do coração, o que dá a ideia de sexo consensual; ora falam de humilhação, violência e desatino, o que transmite a ideia de estupro.
O fato é que, diante da reputação ferida, dois filhos de Jacó reagiram com muita ira. Criaram uma situação premeditada e fria, para vingarem “a humilhação” da irmã, e de forma brutal e covarde, mataram toda a família de Hamor e Siquém numa emboscada. A indignação deles se transformou numa arma mortífera, trazendo consequências danosas para toda a família.
Por que você anda tão irado?
Ira não é uma reação muito incomum nas nossas vidas. O profeta Jonas, por duas ouviu Deus lhe perguntando: "É razoável a sua esta tua ira” (Jonas 4.4,9)? A irritabilidade entre casais, ou  colegas de trabalho e no trânsito, são tão visíveis no cotidiano que temos a impressão de que vivemos numa sociedade à flor da pele. A ira é um pecado muito presente.
O texto lido de Gn 34 revela as graves conseqüências que a ira pode trazer.
  1. A ira retira o bom senso – Bom senso é a capacidade de lidar com situações cotidianas e de pressão. Uma pessoa iracunda perde a capacidade de emitir respostas apropriadas às provocações diárias. Ela transforma um desentendimento em desgaste e irritação. Sob o efeito da ira, fazem coisas ridículas, comportam-se de forma inadequada e falam coisas que ferem e machucam. Perdem o senso do ridículo.
Diante da situação que expunha a reputação da família e trazia humilhação para a irmã, Simeão e Levi agiram de forma absolutamente insana. Hamor, o pai de Siquém, veio pessoalmente apaziguar a ira e os ânimos. Isto revela um procedimento maduro e equilibrado, mas a ira de Simeao e Levi não deixou que eles vissem que as coisas poderiam ser resolvidas com acordos e perdão. Hamor afirma: “A alma de meu filho Siquém está enamorada fortemente de vossa filha; peço-te que lha deis por esposa” (34.8). “Majorai de muito o dote de casamento e as dádivas, e darei o que me pedirdes; dai-me, porém, a jovem por esposa” (Gn 34.12). Esta é uma linguagem de gente pacificadora e não atitude de hostilidade. No entanto, a ira não permite que o bom senso regule as relações.
Quantas vezes é exatamente isto que acontece na nossa vida. Em situações de ira, pessoas ferem, e apesar das tentativas de paz, de perdão e para resolver o problema de forma pacifica pessoas feridas, amarguras e iradas não conseguem enfrentar os problemas com bom senso. Pessoas com ira não avaliam bem a situação, o homem sem domínio próprio torna-se tolo e sem juízo. Age impulsivamente, perde a razão e mata, machuca e fere. A ira destes irmãos se manifestou num incidente já resolvido, a situação estava sendo reparada, mas nada disto os impediu de agir de forma brutal.
  1. A ira embrutece – É exatamente isto que vemos no texto. A indignação dos irmãos os torna monstruosos (Gn 34.25). Eles estabelecem condições difíceis. (todos os machos da família de Hamor deveriam ser circuncidados, numa época em que não se conhecia anestesia, nem bisturi), e ao terceiro dia, quando a dor era mais intensa, entraram naquela aldeia e dizimaram os homens. A atitude deles foi covarde e desumana.
Encontramos em Provérbios, várias advertências quanto ao domínio próprio: “Melhor é o homem paciente do que o guerreiro, mais vale controlar o seu espírito do que conquistar uma cidade”(Pv 16.32). Como cidade derribada, que não tem muros, assim é o homem que não tem domínio próprio(Pv 25.28).
  1. Ira reflete frustrações – Por isto é costumeiramente chamada de “pecado de superfície”. Ira aponta para algo mais profundo no coração. Em geral tratamos sintomas e comportamentos, mas dificilmente paramos para considerar o que está por detrás das atitudes e reações. Por isto a ira está sempre conectada aos nossos ídolos, como reputação e auto estima. É um pecado que aponta para outro pecado mais grave, e que se torna uma “cortina de fumaça”. .
Ira é é uma resposta idolátrica. Quando nossos ídolos caem, ficamos enfurecidos. Os exemplos incluem Jonas, Judas, os fariseus e nós mesmos. A razão que nos leva a ficarmos irados tão freqüentemente revela nossa vida auto centrada. Ira é um bom estudo de caso da extensão e profundidade de nossa pecaminosidade. Podemos não comer carne ou roubar um banco, mas será que podemos impedir que a ira aflore? Uma das coisas mais claras nas características dos fariseus é sua ira.
Um material escrito pelo “Sonship Ministries”, numa apostila não publicada em portugues, “Gospel Transformation”, descreve a ira de “A a Z”. Vale a pena ler atentamente, perguntando se meu coração tem sido traido por estas coisas:
A            Ira para com meus filhos, porque eles desorganizam minha falsa paz, controle e domínio. Eles arruínam meus planos e alvos.
 B            Ira para com o cônjuge, porque ele falha em satisfazer minhas expectativas. Eu tenho certos padrões...
 C            Ira diante de meus inimigos porque eles mudaram a visão de mim mesmo que era de uma pessoa boa. (Eu construo minha própria justiça...)
 D            Ira diante de Deus porque ele governa minha vida (Eu governo minha vida...)
 E             Ira diante de outros, porque eles não dão atenção devida aos meus problemas, ouvindo-me ou cuidando de mim (Pessoas devem me servir...)
 F             Ira com alguém no supermercado que passa com seu carrinho de compra em cima de meus pés. Como alguém pode ser tão estúpido?
 G            Ira após perder o jogo no computador. Como uma máquina pode me derrotar?
 H            Ira por não estar casado, ou por estar casado, divorciado ou viúvo.
 I              Ira pela meia-idade, terceira idade ou "qualquer" idade.
 J             Ira por causa da morte. Porque eu deveria morrer e deixar aqueles que eu amo? Deixar o que eu conquistei?
 K             Ira sobre o meu fracasso (no trabalho, escola, universidade, casamento, uma dada situação na vida). Eu mereço algo mais ou alguma coisa diferente...
 L             Ira por não ter reconhecimento. Ninguém percebe o grande trabalho que fiz e estou realizando. Compare o que estou fazendo com o que alguém já fez no passado...
 M           Ira sobre uma incompreensão acerca do que eu disse ou fiz (ídolos da reputação).
 N            Ira sobre desordem doméstica:  O líquido que caiu no tapete, a vasilha que se quebrou, brinquedos espalhados pela casa, cabelos no banheiro, sujeira na pia, papel de toalha colocado de forma incorreta, sabonete quebrado em dois.
 O            Ira por perceber que as pessoas não fazem aquilo que eu preparei cuidadosa e antecipadamente. A atitude deles quebra meus planos. Eu tenho planos, mas eles precisam do carro. Agora tenho que ficar em casa ao invés de ir assistir um filme (prazer, controle). Meu chefe arruinou meus planos para o feriado. Agora eu sou uma vitima...
 P             Ira quando eu não atinjo minhas expectativas próprias. Eu não concluí meu projeto no tempo.
 Q            Ira quando não consigo virar corretamente o bolo (eu sou uma mãe perfeita...).
 R            Ira quando a máquina de lavar estraga a roupa. Eu tinha plano de terminar o trabalho da lavanderia hoje...
 R            Ira quando o carro quebra, justamente quando eu tinha grandes planos. Eu temo o que as pessoas vão pensar se eu chegar tarde. Como fica a minha reputação?
 T             Ira por conviver com gente mau humorada, fariseus e com minha esposa que controla o dinheiro.
 U            Ira porque Deus traz alguém parecido com os “ninivitas” na igreja, gente que não sabe como se "comportar".
 V            Ira porque as pessoas mostram favoritismo. Por que estas pessoas não prestam atenção em mim?
 X             Ira quando as pessoas demonstram amor por mim (vítima). Eu não posso aceitar o amor delas porque eu não quero sofrer novamente com outras pessoas que vão ser falhas em amar.
X             Ira porque as pessoas rejeitam meu convite para almoçarem comigo. Provavelmente elas não se sentem honradas na minha presença...
 Y             Ira porque as crianças não fazem o que eu quero que façam... controle e poder... 
Z             Ira porque as pessoas me cortam no trânsito, buracos na pista que estragam meu carro, radares que são colocados para me apanhar quando ultrapasso os limites, pessoas que buzinam quando não arranco rapidamente.

Em todas estas situacoes observamos que estamos lidando com nossos ídolos, que sao de barro e falham: Nossa imagem, reputação, aceitaçãoa. Quando eles se quebram brota a ira. Isto reflete nosso narcisismo, egocentrismo e a vida da carne, auto-centrada, que deseja reconhecimento e aclamação.
4.     Ira traz dores à familia – O texto nos mostra como isto machucou Jacó, pai de Levi e Simeão. “Então Jacó disse a Simeão e Levi: “Voces me puseram em grandes puros, atraindo sobre mim o óodio dos cananeus e dos ferezeus, habitantes desta terra. Somos poucos, e se eles juntaram suas forças e nos atacarem, eu e minha família seremos destruídos” (Gn 34.30).
Apesar de todo constrangimeno, Simeão e Levi acham que estao certos. Eles se defendem e argumentam. Não é exatamente assim que procedemos quando agimos com irritação, ferimos e machucamos os outros? Quantos são capazes de dizer, depois de uma acesso de ira, que estao errados?
A atitude de Simeão e Levi traz danos profundos à sua família. A partir de agora, a tensão com os vizinhos e a paz tornam-se ameaçadas. A desgraça da atitude destes irmãos paira sobre esta família tão pacífica e ordeira, pois o texto inicialmente parece apontar para um ambiente tranquilo entre a vizinhança. A partir de agora, eles estão sobre suspeita e ameaça. Quantos estragos a ira causa hoje em dia na história de uma família? Um assassinato, uma agressão, tudo isto desencadeia uma série de medos e culpas que seguem a história familiar por muitos anos.

5.     Ira nos priva de bençãos – Este incidente é narrado em Gn 34, e parece que a Bíblia vira a página e este assunto é esquecido. Isto, porém, não é verdade.
Alguns anos depois, Jacó sente que a hora de sua morte está chegando, e ele chama todos os seus filhos para “abençoá-los” e dar profecias quanto às suas vidas. No entanto, o que ele diz acerca de Simeão e Levi é algo tão duro, que eu não gostaria de ouvir isto de ninguém, e de forma alguma, de meu pai, na hora de sua morte. Esta narrativa encontra-se em Gn 39.
Simeão e Levi são irmaos; as suas espadas são instrumentos de violência, No seu secreto conselho não entre minha alma, com a sua congregação minha glória não se ajunte; porque no seu furor mataram homens, e na sua teima arrebataram bois. Maldito seja o seu furor, pois era forte, e a sua ira, pois era dura; eu os dividirei em Jacó e os espalharei em Israel ” (Gn 49.5-7).
Não existe, neste texto, nenhuma benção. O pai afirmou que não se pactuaria com eles, que não gostaria de caminhar com eles por causa da ira e furor. O pai profetiza que, por causa da ira, eles seriam divididos e espalhados. Gente nômade, sem identidade, confusa. Alguma coisa poderia ser mais dura que esta?

Conclusão:
Como a ira é uma atitude muito presente em nossas vidas. Gostaria de dar 4 sugestões bíblicas de como devemos lidar com ela:
1.     Pergunte a si mesmo: “Por que estou irado?” – Esta é uma pergunta de clarificação, que nos orienta ao auto-exame e à reflexão. Quando você faz esta pergunta a si mesmo, muitos fantasmas que se encontram escondidos no porão de sua alma, são expurgados. Jogue luminosidade no porão escuro de sua casa, e veja quantas lacraias, baratas e ratos brotam dali.
Quando Deus vai tratar com dois personagens bíblicos debaixo do impacto da ira, ele toca na essência do problema deles, tentando-os levar à refletir:
Caim: “O Senhor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se procederes mal, o teu pecado será contra ti e a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4.6-7). A repreensão do Senhor, infelizmente, não gerou nenhuma mudança no coração de Caim, que saiu dali e matou seu irmão. 
Jonas : Por duas vezes Deus lhe pergunta: “É razoável esta tua ira?” (Jn 4,4,9). Sua resposta, na segunda vez que Deus pergunta reflete bem o coração do homem indignado: “É razoável esta minha ira até a morte”. O texto de Jonas termina de forma lacônica, e não nos dá a entender que Jonas tenha refletido sobre esta questão e mudado. Pessoas iracundas, geralmente não querem pensar sobre o que estão fazendo, e são sempre muito cheias de razão.

2.     Coloque sua ira no lugar certo – A nossa ira geralmente é pecaminosa, porque ela mexe com os ídolos. Um dos maiores é a da reputação, quando voce julga que deveria ser tratado de forma diferente. Raramente nossa ira é positiva. Na verdade, em apenas dois casos ela pode ser positiva:
Primeiro, quando fere a santidade e a glória de Deus – Muitos pecados humanos ferem o coração de Deus. A Bíblia afirma que o pecado de Sodoma inquietou os céus. Deus decide averiguar pessoalmente, se manifestando numa teofania no encontro dele com Abraão (Gn 18). Deus pessoalmente conversa com Abraão, o texto fala que o Senhor conversou com ele, e não anjos, seus mensageiros. A perversidade da cidade fere a Deus. No caso de Nínive, Deus afirma que a maldade da cidade tinha subido até ele. Você se recorda que alguma vez tenha ficado irado por causa do nome do Senhor?
Segundo, quando é uma ira voltada para o fraco, o necessitado, o pobre, o explorado pela malignidade humana ou pelo sistema. Oscar Bulhole afirma que temos que recuperar a capacidade de indignação da exploração que o homem tem sofrido na América Latina. Você alguma vez ficou irado ao ver o pobre sendo explorado e massacrado? Você se recorda de alguma vez que tenha sentido ira por isto?
Não. Em geral nossa ira é por causa de alguma coisa que nos fizeram, que mexeu com o nosso brio e com nossa auto-estima.

3.     Não dê espaço para sua ira – É isto que a Palavra de Deus nos ensina: “Não deixe que o sol se ponha sobre a sua ira, nem deis lugar ao diabo” (Ef 4.26,27).
Quando o sol se põe sobre nossa ira, isto demonstra que ela foi recalcada e desceu para as nossas visceras. Quando isto acontece, ficamos contaminados pela amargura. Ira não resolvida, que passa de um dia para o outro, é um desastre. Este texto ainda nos adverte a não dar lugar ao diabo. Falamos muito de brechas espirituais que abrimos quando nos envolvemos com seitas malignas ou ao fazermos pactos ou associações com sociedades secretas ou malignas, e de fato precisamos nos proteger e afastar destas coisas. No entanto, poucos param para considerar o quanto a ira pode ser uma porta para o diabo.
Vocês se recordam da história de Saul? Como um espírito maligno estava sempre oprimindo-o e causando depressão? Ao lermos atentamente a sua história, percebemos que o mal entrava sempre pelas portas da ira. Logo depois de um dia mal resolvido, em que ficava zangado , enciumado, ou irritado, o diabo vinha sobre ele e o dominava. Existem muitas pessoas sofrendo nas mãos do diabo, por causa da ira mal resolvida.
4.     Transfira seus direitos a Deus – A Palavra de Deus nos ensina: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira (de Deus), porque assim está escrito:A mim pertence a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor” (Rm 12.19).
Este texto nos ensina a deixar nossa ira para Deus. Quando somos feridos ou injustiçados, Deus toma a nossa causa. Ele é chamado na Bíblia do “Deus das vinganças” (Sl 94.1). Ele mesmo é o Deus dos orfãos e das viúvas, isto é, de pessoas que não possuem ninguém que as defenda. Quando levamos a Deus a injustiça e a infâmia sofrida, ele mesmo se torna nosso defensor. A vingança não é uma tarefa nossa, porque “A ira do homem não produz a justiça divina” (Tg 1.20). Portanto, deixe com Deus os seus direitos. “A mim me pertence a vingança, diz o Senhor”.

Conclusão:  A ira tem causados muitos males em nossa sociedade, destruído famílias, desautorizado pessoas, destruído relacionamentos, traumatizado crianças. Como dissemos no início, talvez não lutemos com drogas ou roubos, mas lutamos com a ira, emoções descontroladas, temperamentos desequilibrados, atitudes destemperadas.
A ira tem um enorme poder de destruição, fere famílias inteiras, priva-nos de bençãos e causam grandes tragédias.
Que Deus nos ajude. Que o domínio próprio, fruto do Espírito Santo em nós, gere uma disposição diferente e saudável em nossa vida.