sábado, 6 de abril de 2019

Gn 34 A Anatomia da Ira


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Introdução: 
“Não me diga que estou nervoso, porque fico mais nervoso ainda!”. 
Foi esta a charge que vi numa tirinha de desenhos. Ira é uma reação muito comum nos nossos corações. Talvez não lutemos com drogas ou roubos, mas todos lutamos com ira, assim como sentimos, vemos e sofremos o impacto de pessoas iracundas sobre a nossa vida. Esta provavelmente é a razão que a palavra de Deus diga: “Irai-vos e não pequeis, não se ponha o sol sobre a vossa ira”(Ef 4.25). A questão não é se temos ou não ira, mas quão intensa é a nossa ira, porque ela tem sido nossa incômoda companheira e como lidamos com esta ira.
O texto lido narra os efeitos danosos da ira. Siquém, príncipe da casa de Hamor, se enamora com Diná, e os dois se envolvem num relacionamento sexual antes do casamento. Não sabemos se o sexo foi consensual como parece indicar o vs.34.3 “Sua alma se apegou a Diná, filha de Jacó, e amou a jovem, e falou-lhe ao coração”, ou, como afirma o vs. 2: “tomando-a, a possuiu e assim a humilhou” (34.2). Talvez porque sexo antes do casamento significava uma grave afronta na cultura antiga é que o vs. 7 nos fala diz; “...indignaram-se e muito se iraram, pois Siquém praticara um desatino em Israel, violentando a filha de Jacó, o que se não devia fazer”. Os textos são ambíguos, pois ora falam de amor e linguagem do coração, o que dá a ideia de sexo consensual; ora falam de humilhação, violência e desatino, o que transmite a ideia de estupro.
O fato é que, diante da reputação ferida, dois filhos de Jacó reagiram com muita ira. Criaram uma situação premeditada e fria, para vingarem “a humilhação” da irmã, e de forma brutal e covarde, mataram toda a família de Hamor e Siquém numa emboscada. A indignação deles se transformou numa arma mortífera, trazendo consequências danosas para toda a família.
Por que você anda tão irado?
Ira não é uma reação muito incomum nas nossas vidas. O profeta Jonas, por duas ouviu Deus lhe perguntando: "É razoável a sua esta tua ira” (Jonas 4.4,9)? A irritabilidade entre casais, ou  colegas de trabalho e no trânsito, são tão visíveis no cotidiano que temos a impressão de que vivemos numa sociedade à flor da pele. A ira é um pecado muito presente.
O texto lido de Gn 34 revela as graves conseqüências que a ira pode trazer.
  1. A ira retira o bom senso – Bom senso é a capacidade de lidar com situações cotidianas e de pressão. Uma pessoa iracunda perde a capacidade de emitir respostas apropriadas às provocações diárias. Ela transforma um desentendimento em desgaste e irritação. Sob o efeito da ira, fazem coisas ridículas, comportam-se de forma inadequada e falam coisas que ferem e machucam. Perdem o senso do ridículo.
Diante da situação que expunha a reputação da família e trazia humilhação para a irmã, Simeão e Levi agiram de forma absolutamente insana. Hamor, o pai de Siquém, veio pessoalmente apaziguar a ira e os ânimos. Isto revela um procedimento maduro e equilibrado, mas a ira de Simeao e Levi não deixou que eles vissem que as coisas poderiam ser resolvidas com acordos e perdão. Hamor afirma: “A alma de meu filho Siquém está enamorada fortemente de vossa filha; peço-te que lha deis por esposa” (34.8). “Majorai de muito o dote de casamento e as dádivas, e darei o que me pedirdes; dai-me, porém, a jovem por esposa” (Gn 34.12). Esta é uma linguagem de gente pacificadora e não atitude de hostilidade. No entanto, a ira não permite que o bom senso regule as relações.
Quantas vezes é exatamente isto que acontece na nossa vida. Em situações de ira, pessoas ferem, e apesar das tentativas de paz, de perdão e para resolver o problema de forma pacifica pessoas feridas, amarguras e iradas não conseguem enfrentar os problemas com bom senso. Pessoas com ira não avaliam bem a situação, o homem sem domínio próprio torna-se tolo e sem juízo. Age impulsivamente, perde a razão e mata, machuca e fere. A ira destes irmãos se manifestou num incidente já resolvido, a situação estava sendo reparada, mas nada disto os impediu de agir de forma brutal.
  1. A ira embrutece – É exatamente isto que vemos no texto. A indignação dos irmãos os torna monstruosos (Gn 34.25). Eles estabelecem condições difíceis. (todos os machos da família de Hamor deveriam ser circuncidados, numa época em que não se conhecia anestesia, nem bisturi), e ao terceiro dia, quando a dor era mais intensa, entraram naquela aldeia e dizimaram os homens. A atitude deles foi covarde e desumana.
Encontramos em Provérbios, várias advertências quanto ao domínio próprio: “Melhor é o homem paciente do que o guerreiro, mais vale controlar o seu espírito do que conquistar uma cidade”(Pv 16.32). Como cidade derribada, que não tem muros, assim é o homem que não tem domínio próprio(Pv 25.28).
  1. Ira reflete frustrações – Por isto é costumeiramente chamada de “pecado de superfície”. Ira aponta para algo mais profundo no coração. Em geral tratamos sintomas e comportamentos, mas dificilmente paramos para considerar o que está por detrás das atitudes e reações. Por isto a ira está sempre conectada aos nossos ídolos, como reputação e auto estima. É um pecado que aponta para outro pecado mais grave, e que se torna uma “cortina de fumaça”. .
Ira é é uma resposta idolátrica. Quando nossos ídolos caem, ficamos enfurecidos. Os exemplos incluem Jonas, Judas, os fariseus e nós mesmos. A razão que nos leva a ficarmos irados tão freqüentemente revela nossa vida auto centrada. Ira é um bom estudo de caso da extensão e profundidade de nossa pecaminosidade. Podemos não comer carne ou roubar um banco, mas será que podemos impedir que a ira aflore? Uma das coisas mais claras nas características dos fariseus é sua ira.
Um material escrito pelo “Sonship Ministries”, numa apostila não publicada em portugues, “Gospel Transformation”, descreve a ira de “A a Z”. Vale a pena ler atentamente, perguntando se meu coração tem sido traido por estas coisas:
A            Ira para com meus filhos, porque eles desorganizam minha falsa paz, controle e domínio. Eles arruínam meus planos e alvos.
 B            Ira para com o cônjuge, porque ele falha em satisfazer minhas expectativas. Eu tenho certos padrões...
 C            Ira diante de meus inimigos porque eles mudaram a visão de mim mesmo que era de uma pessoa boa. (Eu construo minha própria justiça...)
 D            Ira diante de Deus porque ele governa minha vida (Eu governo minha vida...)
 E             Ira diante de outros, porque eles não dão atenção devida aos meus problemas, ouvindo-me ou cuidando de mim (Pessoas devem me servir...)
 F             Ira com alguém no supermercado que passa com seu carrinho de compra em cima de meus pés. Como alguém pode ser tão estúpido?
 G            Ira após perder o jogo no computador. Como uma máquina pode me derrotar?
 H            Ira por não estar casado, ou por estar casado, divorciado ou viúvo.
 I              Ira pela meia-idade, terceira idade ou "qualquer" idade.
 J             Ira por causa da morte. Porque eu deveria morrer e deixar aqueles que eu amo? Deixar o que eu conquistei?
 K             Ira sobre o meu fracasso (no trabalho, escola, universidade, casamento, uma dada situação na vida). Eu mereço algo mais ou alguma coisa diferente...
 L             Ira por não ter reconhecimento. Ninguém percebe o grande trabalho que fiz e estou realizando. Compare o que estou fazendo com o que alguém já fez no passado...
 M           Ira sobre uma incompreensão acerca do que eu disse ou fiz (ídolos da reputação).
 N            Ira sobre desordem doméstica:  O líquido que caiu no tapete, a vasilha que se quebrou, brinquedos espalhados pela casa, cabelos no banheiro, sujeira na pia, papel de toalha colocado de forma incorreta, sabonete quebrado em dois.
 O            Ira por perceber que as pessoas não fazem aquilo que eu preparei cuidadosa e antecipadamente. A atitude deles quebra meus planos. Eu tenho planos, mas eles precisam do carro. Agora tenho que ficar em casa ao invés de ir assistir um filme (prazer, controle). Meu chefe arruinou meus planos para o feriado. Agora eu sou uma vitima...
 P             Ira quando eu não atinjo minhas expectativas próprias. Eu não concluí meu projeto no tempo.
 Q            Ira quando não consigo virar corretamente o bolo (eu sou uma mãe perfeita...).
 R            Ira quando a máquina de lavar estraga a roupa. Eu tinha plano de terminar o trabalho da lavanderia hoje...
 R            Ira quando o carro quebra, justamente quando eu tinha grandes planos. Eu temo o que as pessoas vão pensar se eu chegar tarde. Como fica a minha reputação?
 T             Ira por conviver com gente mau humorada, fariseus e com minha esposa que controla o dinheiro.
 U            Ira porque Deus traz alguém parecido com os “ninivitas” na igreja, gente que não sabe como se "comportar".
 V            Ira porque as pessoas mostram favoritismo. Por que estas pessoas não prestam atenção em mim?
 X             Ira quando as pessoas demonstram amor por mim (vítima). Eu não posso aceitar o amor delas porque eu não quero sofrer novamente com outras pessoas que vão ser falhas em amar.
X             Ira porque as pessoas rejeitam meu convite para almoçarem comigo. Provavelmente elas não se sentem honradas na minha presença...
 Y             Ira porque as crianças não fazem o que eu quero que façam... controle e poder... 
Z             Ira porque as pessoas me cortam no trânsito, buracos na pista que estragam meu carro, radares que são colocados para me apanhar quando ultrapasso os limites, pessoas que buzinam quando não arranco rapidamente.

Em todas estas situacoes observamos que estamos lidando com nossos ídolos, que sao de barro e falham: Nossa imagem, reputação, aceitaçãoa. Quando eles se quebram brota a ira. Isto reflete nosso narcisismo, egocentrismo e a vida da carne, auto-centrada, que deseja reconhecimento e aclamação.
4.     Ira traz dores à familia – O texto nos mostra como isto machucou Jacó, pai de Levi e Simeão. “Então Jacó disse a Simeão e Levi: “Voces me puseram em grandes puros, atraindo sobre mim o óodio dos cananeus e dos ferezeus, habitantes desta terra. Somos poucos, e se eles juntaram suas forças e nos atacarem, eu e minha família seremos destruídos” (Gn 34.30).
Apesar de todo constrangimeno, Simeão e Levi acham que estao certos. Eles se defendem e argumentam. Não é exatamente assim que procedemos quando agimos com irritação, ferimos e machucamos os outros? Quantos são capazes de dizer, depois de uma acesso de ira, que estao errados?
A atitude de Simeão e Levi traz danos profundos à sua família. A partir de agora, a tensão com os vizinhos e a paz tornam-se ameaçadas. A desgraça da atitude destes irmãos paira sobre esta família tão pacífica e ordeira, pois o texto inicialmente parece apontar para um ambiente tranquilo entre a vizinhança. A partir de agora, eles estão sobre suspeita e ameaça. Quantos estragos a ira causa hoje em dia na história de uma família? Um assassinato, uma agressão, tudo isto desencadeia uma série de medos e culpas que seguem a história familiar por muitos anos.

5.     Ira nos priva de bençãos – Este incidente é narrado em Gn 34, e parece que a Bíblia vira a página e este assunto é esquecido. Isto, porém, não é verdade.
Alguns anos depois, Jacó sente que a hora de sua morte está chegando, e ele chama todos os seus filhos para “abençoá-los” e dar profecias quanto às suas vidas. No entanto, o que ele diz acerca de Simeão e Levi é algo tão duro, que eu não gostaria de ouvir isto de ninguém, e de forma alguma, de meu pai, na hora de sua morte. Esta narrativa encontra-se em Gn 39.
Simeão e Levi são irmaos; as suas espadas são instrumentos de violência, No seu secreto conselho não entre minha alma, com a sua congregação minha glória não se ajunte; porque no seu furor mataram homens, e na sua teima arrebataram bois. Maldito seja o seu furor, pois era forte, e a sua ira, pois era dura; eu os dividirei em Jacó e os espalharei em Israel ” (Gn 49.5-7).
Não existe, neste texto, nenhuma benção. O pai afirmou que não se pactuaria com eles, que não gostaria de caminhar com eles por causa da ira e furor. O pai profetiza que, por causa da ira, eles seriam divididos e espalhados. Gente nômade, sem identidade, confusa. Alguma coisa poderia ser mais dura que esta?

Conclusão:
Como a ira é uma atitude muito presente em nossas vidas. Gostaria de dar 4 sugestões bíblicas de como devemos lidar com ela:
1.     Pergunte a si mesmo: “Por que estou irado?” – Esta é uma pergunta de clarificação, que nos orienta ao auto-exame e à reflexão. Quando você faz esta pergunta a si mesmo, muitos fantasmas que se encontram escondidos no porão de sua alma, são expurgados. Jogue luminosidade no porão escuro de sua casa, e veja quantas lacraias, baratas e ratos brotam dali.
Quando Deus vai tratar com dois personagens bíblicos debaixo do impacto da ira, ele toca na essência do problema deles, tentando-os levar à refletir:
Caim: “O Senhor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se procederes mal, o teu pecado será contra ti e a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4.6-7). A repreensão do Senhor, infelizmente, não gerou nenhuma mudança no coração de Caim, que saiu dali e matou seu irmão. 
Jonas : Por duas vezes Deus lhe pergunta: “É razoável esta tua ira?” (Jn 4,4,9). Sua resposta, na segunda vez que Deus pergunta reflete bem o coração do homem indignado: “É razoável esta minha ira até a morte”. O texto de Jonas termina de forma lacônica, e não nos dá a entender que Jonas tenha refletido sobre esta questão e mudado. Pessoas iracundas, geralmente não querem pensar sobre o que estão fazendo, e são sempre muito cheias de razão.

2.     Coloque sua ira no lugar certo – A nossa ira geralmente é pecaminosa, porque ela mexe com os ídolos. Um dos maiores é a da reputação, quando voce julga que deveria ser tratado de forma diferente. Raramente nossa ira é positiva. Na verdade, em apenas dois casos ela pode ser positiva:
Primeiro, quando fere a santidade e a glória de Deus – Muitos pecados humanos ferem o coração de Deus. A Bíblia afirma que o pecado de Sodoma inquietou os céus. Deus decide averiguar pessoalmente, se manifestando numa teofania no encontro dele com Abraão (Gn 18). Deus pessoalmente conversa com Abraão, o texto fala que o Senhor conversou com ele, e não anjos, seus mensageiros. A perversidade da cidade fere a Deus. No caso de Nínive, Deus afirma que a maldade da cidade tinha subido até ele. Você se recorda que alguma vez tenha ficado irado por causa do nome do Senhor?
Segundo, quando é uma ira voltada para o fraco, o necessitado, o pobre, o explorado pela malignidade humana ou pelo sistema. Oscar Bulhole afirma que temos que recuperar a capacidade de indignação da exploração que o homem tem sofrido na América Latina. Você alguma vez ficou irado ao ver o pobre sendo explorado e massacrado? Você se recorda de alguma vez que tenha sentido ira por isto?
Não. Em geral nossa ira é por causa de alguma coisa que nos fizeram, que mexeu com o nosso brio e com nossa auto-estima.

3.     Não dê espaço para sua ira – É isto que a Palavra de Deus nos ensina: “Não deixe que o sol se ponha sobre a sua ira, nem deis lugar ao diabo” (Ef 4.26,27).
Quando o sol se põe sobre nossa ira, isto demonstra que ela foi recalcada e desceu para as nossas visceras. Quando isto acontece, ficamos contaminados pela amargura. Ira não resolvida, que passa de um dia para o outro, é um desastre. Este texto ainda nos adverte a não dar lugar ao diabo. Falamos muito de brechas espirituais que abrimos quando nos envolvemos com seitas malignas ou ao fazermos pactos ou associações com sociedades secretas ou malignas, e de fato precisamos nos proteger e afastar destas coisas. No entanto, poucos param para considerar o quanto a ira pode ser uma porta para o diabo.
Vocês se recordam da história de Saul? Como um espírito maligno estava sempre oprimindo-o e causando depressão? Ao lermos atentamente a sua história, percebemos que o mal entrava sempre pelas portas da ira. Logo depois de um dia mal resolvido, em que ficava zangado , enciumado, ou irritado, o diabo vinha sobre ele e o dominava. Existem muitas pessoas sofrendo nas mãos do diabo, por causa da ira mal resolvida.
4.     Transfira seus direitos a Deus – A Palavra de Deus nos ensina: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira (de Deus), porque assim está escrito:A mim pertence a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor” (Rm 12.19).
Este texto nos ensina a deixar nossa ira para Deus. Quando somos feridos ou injustiçados, Deus toma a nossa causa. Ele é chamado na Bíblia do “Deus das vinganças” (Sl 94.1). Ele mesmo é o Deus dos orfãos e das viúvas, isto é, de pessoas que não possuem ninguém que as defenda. Quando levamos a Deus a injustiça e a infâmia sofrida, ele mesmo se torna nosso defensor. A vingança não é uma tarefa nossa, porque “A ira do homem não produz a justiça divina” (Tg 1.20). Portanto, deixe com Deus os seus direitos. “A mim me pertence a vingança, diz o Senhor”.

Conclusão:  A ira tem causados muitos males em nossa sociedade, destruído famílias, desautorizado pessoas, destruído relacionamentos, traumatizado crianças. Como dissemos no início, talvez não lutemos com drogas ou roubos, mas lutamos com a ira, emoções descontroladas, temperamentos desequilibrados, atitudes destemperadas.
A ira tem um enorme poder de destruição, fere famílias inteiras, priva-nos de bençãos e causam grandes tragédias.
Que Deus nos ajude. Que o domínio próprio, fruto do Espírito Santo em nós, gere uma disposição diferente e saudável em nossa vida.

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