Introdução
Este texto narra o momento de transição entre a liderança de Moises e Josué. Toda transição de liderança traz certos estremecimentos. Pessoas chegam à igreja pela chegada do novo líder, e saem com a chegada de um novo líder. Na plantação de igrejas aprendemos que não atraímos as pessoas que queremos, mas as pessoas que se parecem conosco. Isto pode parecer muito atraente e interessante, mas não é. As pessoas que se parecem conosco trazem os mesmos vícios, deficiências, maus cheiros. Somos capazes de suportar o nosso mau cheiro, mas o nosso mau cheiro impregnado nos outros é insuportável. Somos capazes de conviver com nossa inhaca e chulé, mas o mau cheiro dos outros, é terrível. Em geral as coisas que mais nos irritam nos outros são aquelas que estamos sempre praticando. Por esta razão, os filhos que mais nos irritam são aqueles que mais se parecem conosco.
Este texto nos fala de cinco aspectos importantes sobre liderança. Cada um destes é importante e essencial.
1. Lider brota do coração e propósito de Deus
“Então, disse Moisés ao Senhor: O Senhor, autor e conservador de toda vida, ponha um homem sobre esta congregação que saia adiante deles, e que entre adiante deles, e que os faça sair, e que os faça entrar, para que a congregação do Senhor não seja como ovelhas que não têm pastor.” (Nm 27.15-16)
Moisés compreende e ora para que Deus aponte um novo líder para assumir a “congregação” e saia adiante deles. Moisés ora a Deus pedindo que ele levante este líder. “Ponha um homem sobre esta congregação”. Ele sabe que só Deus pode suscitar pastores segundo o seu coração. Podemos escolher pastores pela sua aparência como o profeta Samuel que ficou impressionado com o porte atlético e a beleza de Eliabe. “Sucedeu que, entrando eles, viu a Eliabe e disse consigo: Certamente, está perante o Senhor o seu ungido. Porém o Senhor disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem para a sua altura, porque o rejeitei; porque o Senhor não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração.” (1 Sm 16.7)
Já recebi muitos jovens tentando intender seu se deveriam ou não ir para o seminário. Muitas vezes as condições são difíceis e surgem grandes barreiras circunstanciais, como falta de recursos ou a adequação da família, mas eu sempre procuro lembrar que não importa a situação, desde que a pessoa esteja certa de que é Deus quem está chamando para esta tarefa. A Bíblia ensina que o Deus que chama e vocaciona, é Deus que capacita, dá os recursos, envia e sustenta.
Os estudantes de teologia estudarão hiperetologia, também chamada de Teologia da vocação, já no primeiro ano, que analisa o chamado de Deus para sua vida e serviço. Isto implica em servir a Deus onde estiver, independentemente das circunstâncias.
Certa vez meu filho ouviu uma pessoa dizer: “queria tanto que seu pai fosse pastor de minha igreja.” E ele respondeu: “Vixi, ficou complicado, você precisa falar com o chefe dele que é temperamental e genioso e ninguém sabe que orientação ele dará e qual campo designará. Tem que conversar com o chefe.”
Moisés ainda tenta deixar o mais claro possível, a questão do levantamento de um líder: “O Senhor, autor e conservador de toda vida, ponha um homem sobre esta congregação, que saia adiante deles.” (Nm 27.16,17ª). Ele ora por um líder que surja de Deus, que levanta homens que estão em seu coração, afinal, Deus prometeu: “Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência.” (Jr 3.15) Por isto faz todo sentido a afirmação de Santo Agostinho: “Quando Deus se agita, o homem se levanta.”
2. Lider precisa caminhar com a comunidade. Não ficar distante do rebanho! “Que os faça sair, e que os faça entrar, para que a congregação do Senhor não seja como ovelhas que não têm pastor.” (Nm 27.15-16)
“Que os faça sair, e que os faça entrar.” O líder deve andar com o rebanho, conviver com o rebanho, compartilhar sua vida com o rebanho. Moisés pede a Deus que envie alguém que se identifique com aquelas pessoas que estavam no deserto a tanto tempo, que conhecia suas dores, sonhos, expectativas e temores. O discipulado de Cristo segue o modelo chamado de “peripatético”. Líderes andando com os liderados. Jesus andava com seus discípulos, não era alguém distante e estranho. Ele se identificava com eles, comia com eles, dormia onde eles dormiam. Não era alguém distante e autista.
Recentemente um pastor vindo de outra denominação mostrou interesse em ser transferido como pastor para a Igreja Presbiteriana e me perguntou quais seriam os trâmites e as possibilidades. Ele naturalmente estava interessado em fazer parte de minha equipe e até tem se esforçado para estar conosco. Ele me disse que era professor de teologia sistemática de sua denominação e que gosta de dar aula, mas não gosta de visitar, de aconselhar, de estar no dia a dia da igreja. Eu respondi que acreditava que pessoas com os seus dons têm valor no reino de Deus, mas que a grande necessidade na minha equipe é de pessoas que caminhem com o povo, tenham um olhar pastoral para a igreja, se interessem pelas pessoas, visitem e andem com elas. Afinal de contas, eu tenho muitos professores e doutores na minha igreja, mas estou precisando de pastores, que gostem do cheiro de ovelha, ame as ovelhas, cuidem das ovelhas. Pessoas que percebam pessoas e amem a comunidade.
Moisés pede para que Deus envie um homem assim. Que ande adiante e no meio do povo, que os faça sair e entrar. Gente que gosta de cheiro de ovelha, cuida do rebanho, supervisiona o rebanho, protege o rebanho. Não alguém distante e alheio. Estes são pastores que apascentam a si mesmos.
3. Lider tem que estar a frente do povo. “Ponha um homem sobre esta congregação que saia adiante deles”. (Nm 27.17)
Veja o que Moisés está pedindo: que Deus envie um homem que saia adiante deles. Líder precisa estar à frente, por isto precisa de visão, a capacidade de ver a oportunidade, de antecipar o futuro. Líder gera movimento. Ele vê a realidade não como ela é, mas como ela pode ser. Ele faz a comunidade sair de um ponto e dar um passo adiante, porque ele vai adiante.
Foi assim que Jesus descreveu seu ministério. “Minhas ovelhas ouvem a minha voz e me seguem.” O pastor está à frente, chama e as ovelhas vem porque conhecem sua voz, e sabem que podem seguir seguras sobre a orientação daquele pastor. O pastor não fica atrás, empurrando, mas as lidera. O pastor se coloca à frente e conduz o povo. Ele modela, inspira e pavimenta o caminho
Certo guia turístico estava explicando que pastores não andam atrás das ovelhas, mas na frente, conduzindo-as. Contudo, ao passarem por determinada região, viram um pastor com um pequeno grupo de ovelhas, empurrando-as, enquanto elas fugiam de um lado para outro. Intrigado, o guia pediu para parar o ônibus, foi até o pastor e perguntou o que estava acontecendo, e voltou então com a explicação. Aquele não era o pastor, era o açougueiro. Esta é a grande verdade: Se as ovelhas são empurradas é porque quem as conduz é açougueiro, não pastor.
Um axioma fundamental de liderança ensina que nenhuma igreja vai além de seus líderes. Por isto é necessário que presbíteros e pastores orem como o rebanho, e sejam modelos dos fiéis na vida de santidade, ética financeira e entrega do dízimo. É uma questão espiritual. O líder precisa estar à frente do rebanho. Deus nos chama para sermos modelos, estar à frente. Quando faço uma campanha financeira na igreja certamente serei o primeiro a contribuir.
Liderança é influência. Ele faz seguidores. Se você quiser saber se você é líder, olhe para trás e veja se alguém está seguindo e sendo influenciado por você. Lider precisa estar conduzindo o povo, dando visão, inspirando, desafiando: Moisés pede a Deus um líder “...que saia adiante deles, e que entre adiante deles, e que os faça sair, e que os faça entrar,” (Nm 27.17)
4. Lider gera movimento – “E que os faça sair, e que os faça entrar.” (Nm 27.17)
Moisés pede a Deus que envie homens que os faça sair e os faça entrar. Não um líder estático, acomodado, parado. Existem momentos em que precisamos sair, avançar, ir adiante, deixar o lugar onde estamos. É preciso sair e levar o povo a sair. Mas existem momentos que é necessário entrar. Saber a hora de sair e de entrar é um grande desafio, porque as vezes saímos quando deveríamos entrar ou entramos quando deveríamos sair. Moisés pede a Deus que envie um líder que possa sabiamente conduzir o povo em todos os seus assuntos, tanto ao sair para a guerra, como quando retornam para casa para administrar sua família.
Recentemente tivemos uma situação peculiar na Associação Bom Samaritano, que é composta de membros de nossas igrejas. Depois de 50 anos, o Estado cortou convênios com todas as escolas confessionais por razões financeiras. Os alunos das escolas com parcerias com o Estado não são contados e não recebem verbas federais, e assim, não apenas deixavam de receber a quota como ainda gastam pagando professores e servidores para escolas conveniadas. O benefício de escolas conveniadas para a sociedade é espantoso, com custo mínimo, mas para o Estado, financeiramente é um desastre. Então, o que fazer? Fechar as portas? Alugar o prédio? Ou avançar e tentar fazer uma escola particular? O risco era grande demais. Precisávamos de 200 alunos em cada uma das duas escolas para o equilíbrio financeiro. Resolvemos arriscar. O subsecretário da Secretaria da Educação de Anápolis falou publicamente, na minha frente, que me achava doido ao entrar num projeto como este, e de fato, o risco era muito grande.
O conselho da igreja precisava dar o aval ao risco uma vez que a Escola não tem recursos financeiros suficientes. Os debates foram intensos: um grupo percebia o risco, e o rombo que isto poderia causar, já que cada escola teria uma folha de pagamento em torno de R$ 45.000,00 mensais (cerca de 9 mil dólares) e o outro grupo também enxergava o risco, mas olhava pelo alcance missionário desta obra na vida dos adolescentes. Ficamos divididos, ainda que não perdemos a harmonia nem a unidade. O tema era sensível e tenso. Então eu disse: “Irmãos, eu entendo o coração de vocês, porque eu também estou oscilando entre o temor e a fé.” Esta era a realidade dialética do conselho. Temor de um lado, fé do outro. Os números não batiam, mas era necessário ousar. Resolvemos assumir o desafio. Resultado: 275 matriculados em uma escola e 208 na segunda. O conselho avançou, abraçou a causa, cresceu no desafio, e Deus teve misericórdia de nós. O fracasso das matriculas seria muito difícil, mas os líderes precisaram ter coragem e ir à frente. O primeiro round é sempre com os guerreiros da linha de frente. Líderes precisam gerar movimento.
Grandes líderes se recusam a aceitar o Status Quo. Eles valorizam progresso ao invés de segurança. Eles estão insatisfeitos com coisas medíocres e possuem uma visão para o futuro, pois estão desejosos em fazer o que é necessário para transformar a visão em realidade. Dwight Eisenhower disse que “não há vitória com preços baratos.” Uma pessoa que enfrenta o status quo é diferente, assume riscos e paga o preço da vitória.
Obviamente precisamos perguntar: “Qual movimento, movimenta os líderes de um movimento?” A Bíblia diz que “se alguém aspira ao episcopado, à supervisão, à direção, excelente obra almeja.” (1 Tm 3.1) mas o que orienta tal aspiração é o grande problema. As motivações podem ser vaidade, orgulho, reputação, aplauso humano e reconhecimento, e todos estes elementos são pautados pela carne, e é sempre muito difícil denunciar em nós mesmos nossas aspirações pecaminosas e trazer cativo o pensamento à obediência e à glória de Cristo.
5. Lider precisa ser orientado pela compaixão – “...que saia adiante deles, e que entre adiante deles, e que os faça sair, e que os faça entrar, para que a congregação do SENHOR não seja como ovelhas que não têm pastor.” (Nm 27.17).
Moisés pede um líder com sensibilidade tal que proteja o rebanho de ser como ovelhas que não tem pastor.
O que acontece quando ovelhas não tem pastor?
Elas ficam desorientadas, confusas, vulneráveis, sem alguém que lhes proteja, alimente, cuide delas, afugente os lobos, que as apoie nas suas dúvidas e contradições. Quando Israel estava sob o reinado de Acabe, o profeta Micaias afirmou que o povo estava disperso “como um rebanho sem pastor” (1Rs 22.17). Faltava direção espiritual, orientação.
As ovelhas ficam desorientadas quando falta a verdade do evangelho, ou quando são presas de ideologias e de tiranias humanas. E não há pior desorientação para o ser humano que a de ser ovelha de outro homem.
Jesus caminhava entre o povo e demonstrava cuidado pastoral; não procurava glória pessoal, alimentava e guiava o rebanho de Deus, e foi fiel em toda a casa de seu mestre. Um dos momentos em que percebemos sua sensibilidade encontra-se em Mateus 9.36: “Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque andavam desgarradas e errantes, como ovelhas que não têm pastor.” Jesus se move intimamente, com compaixão, ao ver o povo confuso, sem rumo, como ovelha sem pastor, e se levanta para proteger as desgarradas e errantes.
Faz parte da tarefa pastoral, orientar as ovelhas, apontar o caminho, levá-las às pastagens, trazê-las para a segurança do aprisco. As ovelhas precisam saber para onde estão seguindo.
Ovelhas são animais muito frágeis e sensíveis. A saúde e a sobrevivência de um rebanho dependem basicamente dos cuidados do pastor. Ovelhas sem pastor ficam expostas a muitos perigos, podem morrer de sede ou de fome se não encontrarem pastagem. Certo criador de ovelhas afirmou que uma ovelha precisa ter supridas três necessidades para que possa descansar e procriar:
-Ela precisa sentir-se segura
- Precisa ser alimentada
-Precisa estar livre do atrito com as demais ovelhas do rebanho.
Firmando a liderança.
Em resposta à sincera e objetiva oração de Moisés, Deus coloca Josué na liderança de Israel. Moisés assume o papel da sucessão. A ausência de liderança poderia gerar especulação e disputa e é sempre muito arriscado quando surge vácuo de liderança.
“Disse o Senhor a Moisés: Toma Josué, filho de Num homem em quem há o Espírito, e impõe-lhe as mãos; apresenta-o perante Eleazar, o sacerdote, e perante toda a congregação; e dá-lhe, à vista deles, as tuas ordens. Põe sobre ele da tua autoridade, para que lhe obedeça toda a congregação dos filhos de Israel.” (Nm 27.18)
A partir do vs. 18 veremos alguns elementos que devem ser considerados:
A. Deveria ser um homem em quem há o Espírito – “Toma Josué, filho de Num homem em quem há o Espírito.” (Nm 27.18)
Um líder cristão precisa ter o Espírito Santo. Pode parecer tão obvio, mas nem sempre o óbvio é tão óbvio. Precisamos nos lembrar sempre da obviedade dos aspectos centrais das Escrituras Sagradas. As igrejas e pastores se perdem por não conseguirem se lembrar do óbvio.
Esta mesma ideia estava presente na igreja primitiva na escolha dos diáconos. “Mas, irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço.” (At 6.3)
As vezes colocamos líderes competentes, inteligentes, talentosos, mas não atentamos para sua vida espiritual. São homens públicos, carismáticos, simpáticos, mas não são cheios do Espírito Santo.
B. Lider precisa receber investidura – “impõe-lhe as mãos.” (Nm 27.18)
A Bíblia nos adverte a não impormos as mãos precipitadamente sobre alguém, porque a imposição das mãos é algo extremamente forte e simbólico. Muitas pessoas no livro de Atos recebiam o Espírito Santo pela imposição das mãos.
C. Lider precisa ser formalmente apresentado à congregação. “Apresenta-o perante Eleazar, o sacerdote, e perante toda a congregação, e dá-lhe à vista dele, as tuas ordens.” (Nm 27.19) Os demais líderes precisavam ver Moisés. Transferindo sua liderança. A investidura não poderia ser alguma coisa privativa e no anonimato, mas deveria ser um ato público.
D. Lider deve receber autoridade – “Põe sobre ele da tua autoridade, para que lhe obedeça toda congregação, dos filhos de Israel.” (Nm 27.20) As pessoas precisavam obedecer aquele homem que estava recebendo a autoridade.
E. Lider precisa de proteção. “E apresentar-se-á perante Eleazar, o sacerdote, o qual por ele consultará, segundo o juízo de Urim, perante o Senhor.” (Nm 27.21) Eleazar, que era o sacerdote maior, deveria consultar ao Senhor, por ele. Acho interessante esta ideia. Eleazar deveria apresentar Josué perante Deus. Isto é intercessão.
É fundamental termos pessoas orando a favor dos líderes e dos pastores. Josué precisava de proteção espiritual. Proteja seus líderes, ore por eles, cuide deles, encoraje-os.
“Abisai, cuja mãe era Zeruia, socorreu Davi, atacou o gigante filisteu e o matou. Então os soldados de Davi lhe fizeram a seguinte promessa: “Nunca mais irás conosco à guerra, para que não apagues a nossa esperança, a gloriosa lâmpada de Israel.” 1(2 Sm 21.17)
Conclusão
Há muitas outras características que podem ser observadas em um líder. Certamente estas cinco evidenciam alguns aspectos que podem ser extraídos do texto bíblico que nos propomos a estudar. Estas características não são exaustivas, mas essenciais.
Para recordar, queremos retornar as cinco características que surgem neste texto:
1. Lider brota do coração e propósito de Deus: (Nm 27.15-16). Moisés entende isto e ora por isto neste texto.
2. Lider precisa caminhar com a comunidade. Não poder ficar distante do rebanho! “Que os faça sair, e que os faça entrar.” (Nm 27.15-16)
3. Lider tem que estar a frente do povo. “Ponha um homem sobre esta congregação que saia adiante deles”. (Nm 27.17)
4. Lider gera movimento – “E que os faça sair, e que os faça entrar.” (Nm 27.17)
5. Lider precisa ser orientado por compaixão – “...para que a congregação do SENHOR não seja como ovelhas que não têm pastor.” (Nm 27.17)
Que Deus nos ajude!!!