Porventura, procuro eu, agora, o favor dos homens ou o de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo.
11 Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem,
12 porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo.
13 Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava.
14 E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais.
15 Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve
16 revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios, sem detença, não consultei carne e sangue,
17 nem subi a Jerusalém para os que já eram apóstolos antes de mim, mas parti para as regiões da Arábia e voltei, outra vez, para Damasco.
Paulo vai a Jerusalém, Síria e Cilícia
18 Decorridos três anos, então, subi a Jerusalém para avistar-me com Cefas e permaneci com ele quinze dias;
19 e não vi outro dos apóstolos, senão Tiago, o irmão do Senhor.
20 Ora, acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não minto.
21 Depois, fui para as regiões da Síria e da Cilícia.
22 E não era conhecido de vista das igrejas da Judeia, que estavam em Cristo.
23 Ouviam somente dizer: Aquele que, antes, nos perseguia, agora, prega a fé que, outrora, procurava destruir.
24 E glorificavam a Deus a meu respeito.
Introdução
No sermão anterior, vimos como é grande a tentação de substituirmos o Evangelho da graça, por alguma outra coisa que dependa de nós. Os crentes da Galácia, trinta anos depois de ouvirem a mensagem do Evangelho, já estavam se afastando do verdadeiro evangelho para “outro evangelho” (Gl 1.6-7), que na verdade não existe, pois o evangelho é exclusivo e único. Na tentativa de se justificar pelos seus esforços morais e espirituais, eles estavam perdendo a centralidade do evangelho. “De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes.” (Gl 5.4)
W.N Griphith Thomas afirma: “Há 4 evangelhos, mas um só Cristo; quatro histórias e um só propósito, 4 retratos de uma só pessoa”.
A grande tentação da igreja em todo tempo é tornar-se politicamente correta, querer ser pregoeira da moral ou paladina da justiça, se esquecendo da centralidade da cruz e da mensagem de Cristo. Afinal, como afirmou R. W. Dale: “Jesus não veio para pregar um evangelho já existente, mas sim para que pudesse existir um evangelho a ser pregado”.
Todos os grandes avivamentos na história da igreja foram marcados por algumas características comuns. Os historiadores afirmam que no Brasil nunca houve avivamento. Estas são as características:
- Tristeza pelo pecado. As pessoas experimentam um sentimento de que o pecado é realmente algo sério e não querem viver numa vida que entristece a Deus.
- Desejo profundo de santidade, incluindo o temor ao Senhor.
- Impacto nas gerações. Todo avivamento alcanca poderosamente os filhos e netos. Ele não se circunscreve apenas a um período pequeno e local da igreja, mas transcende gerações, gerando vida profunda na próxima geração.
- Grande impacto na obra missionária e na evangelização. As pessoas são desafiadas a pregarem o evangelho e muitos jovens decidem se dedicar para a obra missionária.
- Profundas transformações sociais. Todo avivamento impacta a sociedade. Universidades, política pública, cuidado com os pobres, justiça social.
- Resgate das doutrinas básicas das Escrituras, especialmente a doutrina da justificação pela graça. Não existe avivamento enquanto as pessoas não se voltarem para a essência do evangelho.
É fundamental a compreensão do Evangelho e do significado da graça. Somos justificados pela graça, (e apenas pela graça) mediante a fé.
David Nicholas, cujo ministério foi fundamental na plantação do meu primeiro projeto de plantação de igrejas, nos Estados Unidos, investindo recursos e colocando 15 mil dólares em três anos, escreveu o livro: "O que Fizeram do Evangelho", apresentando uma análise crítica sobre a forma como o evangelho tem sido pregado em muitas igrejas contemporâneas. O autor afirma que a mensagem central do evangelho tem sido diluída, simplificada ou até mesmo distorcida, resultando em uma compreensão superficial e imprecisa da salvação por meio de Jesus Cristo. Muitos sermões e pregações não apresentam o evangelho de forma clara e direta, utilizando linguagem complexa ou abordando temas secundários em detrimento da mensagem central. Outras vezes, na tentativa de tornar o evangelho mais acessível leva a uma simplificação excessiva, omitindo elementos essenciais como o pecado, a justiça de Deus e a necessidade da fé em Jesus Cristo, ou dando enfase em emoções e experiências, ou foco apenas na busca por uma vida feliz em detrimento da proclamação da verdade bíblica, minimizando ou negando a importância da decisão pessoal de aceitar a Jesus Cristo como Senhor e Salvador.
O Evangelho Puro e Simples, fala basicamente de dois pontos:
As más notícias: O pecado, a morte espiritual e a incapacidade do homem de se salvar por si mesmo. Evangelho significa “boas notícias” que vem após uma “má notícia”. De que somos todos pecadores e este pecado nos separa de Deus.
As boas notícias:
O evangelho trata das boas novas de salvação num mundo imerso na perdição. O homem morto em seus delitos e pecados é escravo da carne, do mundo e do diabo. É filho da ira e caminha para a perdição. Mesmo sendo inimigo de Deus, o próprio Deus caminhou na sua direção para reconciliá-lo consigo mesmo por meio de Cristo Jesus. O Evangelho, portanto, é Deus buscando o perdido. É Deus abrindo para o pecador um novo e vivo caminho para o céu. O evangelho é a expressão da graça de Deus, manifestada em Cristo, aos pecadores perdidos. É a graça de Deus por meio do sacrifício de Jesus ofertando salvação para todos que nele creem.
Há um grande risco de uma pregação superficial e distorcida do evangelho. É preciso voltar às Escrituras e proclamar a mensagem da salvação de forma clara e concisa. Pesquisas mostram que há muitas pessoas que chamam a si mesmas de cristãs e mesmo assim, não tem ideia no que creem. Esta confusão pode ser resolvida entendendo que um verdadeiro discipulado começa com uma apresentação clara, completa, lógica e sequencial das más e das Boas novas.
Neste texto, Paulo estabelece alguns princípios muito interessantes sobre o Evangelho:
1. Sua fonte é sobrenatural – “Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque eu não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo.” (Gl 1.11-12)
Esta é a grande diferença entre cristianismo e outras religiões. Toda religião é marcada pelo desejo do homem de alcançar a Deus, o Evangelho nos afirma que Deus vem ao encontro dos homens. Sua procedência é divina. O homem, pela sua condição espiritual, não tem desejo das coisas de Deus, antes, se afasta de Deus. Na Bíblia não vemos a raça humana atraída a Deus, mas um Deus que ama a humanidade e entrega seu filho para nossa salvação. É Deus quem sai ao encontro do pecador, não o pecador que sai em busca de Deus.
O evangelho não é segundo o homem e não foi aprendido de homem algum, nem a fonte do seu evangelho, nem o método pelo qual Paulo recebeu eram humanos. O evangelho lhe veio por revelação de Jesus Cristo. O verdadeiro evangelho não tem origem humana, “não é segundo o homem porque eu não recebi nem aprendi de homem algum.” O evangelho não veio mediante instrução humana, nem foi recebido de homem algum, sua natureza não é humana, sua origem é divina.
“O evangelho pregado por Paulo não foi forjado pelo intelecto humano, não é um sistema filosófico, nem uma fé religiosa criada por algum gênio religioso. Não era nem mesmo um desenvolvimento humano da religião judaica. O evangelho não é humano, mas divino, não é natural, mas sobrenatural. O verdadeiro evangelho é revelação divina. O evangelho é de Cristo, vem de Cristo e glorifica a Cristo. Sua origem não é terrena, é celestial; não é humana, mas divina; não está focada no homem, mas em Cristo Jesus. Jesus foi tanto agente por meio do qual veio a revelação quanto o conteúdo da própria revelação. Não há nada para revisar, diminuir ou acrescentar.”(Hernandes Dias Lopes)
- O Evangelho nos transforma e confronta nossas falsas crenças e pressupostos. “Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava. E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais.”(Gl 1.14,15)
Paulo foi um jovem zeloso de sua religião, e a defendia com todo ardor. Quando ele ouviu falar de Cristo e de que pessoas estavam deixando o judaísmo e se tornando seguidoras de Cristo, ele foi proativo na defesa de sua fé. Ele passou a perseguir a igreja e a devastá-la.
Saulo era um judeu de puro sangue, destacou-se como estudante erudito, poliglota, de cultura invejável. Era um homem de personalidade forte, líder do judaísmo, um rabino de qualidades incomparáveis. Percorria com grande desenvoltura os corredores do saber teológico, conhecia com profundidade tanto a lei escrita como a lei oral. Saulo era um fariseu estudioso, bem treinado nas minúcias das tradições orais. Fazia parte da elite intelectual do judaísmo, possivelmente um membro do Sinédrio.
Saulo foi um dos maiores perseguidores da igreja. Ele mesmo se autodenominou insolente blasfemo perseguidor (1 Tm 1.13). Ele devastou a igreja (Gl 1.14) Ele assolou a igreja Galatas (At 8.13). Ele respirava ameaça e morte contra os discípulos de Cristo (At 29.1) e perseguiu a religião do Caminho até a morte. Em Atos 22.4 ele declara que depois de lançar muitos dos santos nas prisões, contra eles dava o seu voto quando os matavam (At 26.9.11).
O termo devastar que aparece aqui no versículo 14 era usado para se referir aos soldados que entravam numa cidade com o propósito de a destruir ou pilhar, nítida conotação de devastação bélica. Calvino defende que durante toda a sua vida Paulo nutria tão profunda rejeição pelo evangelho que se tornou um inimigo mortal e destruidor do cristianismo.
Mas agora, tudo isto não fazia mais sentido. Ele se encontrara com a sublimidade do conhecimento de Cristo. Ele foi achado por Cristo na estrada de Damasco, e todos seus antigos pressupostos espirituais agora não tinham qualquer valor. Paulo tinha planos diferentes, propósitos diferentes, e agora, de perseguidor dos cristãos, ele se torna pregador de Cristo. Depois de falar do seu passado, Paulo trata do seu presente e conta como foi sua conversão destacando a transformação ocorrida em sua vida.
Normalmente pensamos que o que irá nos mudar são melhores atitudes, resoluções e intenções. Mas a Bíblia nos ensina que a profunda transformação ocorre pelo poder do Espírito Santo em nossas vidas. Não é uma mudança meramente comportamental, mas da natureza. “Aquele que está em Cristo é nova criatura.” Jesus fala de “novo nascimento”, um novo DNA, uma nova identidade.
O Evangelho é poder para salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16-17). Sua mensagem poderosa atua de forma eficiente em nossa vida para nos transformar. Afeta nossa forma de ser, de ler a vida, de avaliar os fatos e agir. Por isto a cosmovisão cristã é diferente do mundo secular. O Evangelho regenera, reorienta, ressignifica, transforma nossa natureza intrínseca de dentro para fora. A lei não consegue fazer isto. Nenhuma religião ou princípio moral é capaz de fazer estas coisas. Nenhum método educacional e nenhuma filosofia consegue isto.
Em contraste, Paulo mostra duas coisas que geram transformação:
1. O maravilhoso e eficiente chamado de Deus – “Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu filho em mim, pra que eu pregasse entre os gentios”(Gl 1.15,16). Os teólogos chamam isto de vocação eficaz. A Bíblia usa reiteradamente os termos eleição e predestinação.
Paulo afirma que Deus o separou antes de nascer, e o chamou pela sua graça. Na carta a Timóteo ele afirma: “Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). É um chamado veemente de Deus, que nos atrai irresistivelmente a ele. É a irresistível graça de Deus nos atraindo. Paulo afirma que Deus nos separa antes do nascimento, e revela sua graça em nós. Deus fez tudo, eu apenas não me fechei ao chamado dele.
2. O encontro revelador com o Filho de Deus – “Aprouve revelar seu filho em mim, para que eu pregasse entre os gentios”(Gl 1.16). Esta revelação é a manifestação de Jesus na vida.
Quando conhecemos Cristo somos transformados porque sua vida e seu Espírito começam a morar dentro de nós. Recebemos um novo poder, um novo Espírito. Só seremos capazes de viver uma vida que agrade a Deus se formos guiados pelo Espírito Santo.
“Assim que daqui por diante a ninguém conhecemos segundo a carne, e, ainda que também tenhamos conhecido Cristo segundo a carne, contudo agora já não o conhecemos deste modo.” (2 Co 5.16) Em Jesus temos uma nova percepção das realidades espirituais. Um novo conhecimento, uma nova forma de discernir a história.
Deus revelou graciosamente Jesus a Paulo, e lhe deu a incubência de pregar àqueles que não eram judeus. Qual é a revelação de Deus que temos desejado?
O que vai transformar nossa história é a manifestação de Jesus em nossa vida.
3. O Evangelho baseia-se na graça de Deus, apenas, e não nas nossas qualificações “Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça.” (Gl 1.15).
Paulo afirma que Deus o separou “antes de nascer.” Portanto, não havia nenhuma virtude nele. Não foi por causa do que ele fez, nem pelo seu currículo, nem porque ele impressionou a Deus pelo seu zelo. Paulo é separado por Deus, e a base deste chamado é a graça de Deus. “e me chamou pela sua graça.”
Paulo reafirma isto ao escrever a Timóteo:
“Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna.” (1 Tm 1.16)
Paulo se percebe como o principal dos pecadores. Ele não estava se vangloriando, quando fez esta afirmação acerca de si mesmo. Ele estava querendo mostrar que, se Deus teve misericórdia dele, que era o principal, blasfemo e insolente, então a graça de Deus pode alcançar qualquer pecador.
A expressão, “por esta razão” é extremamente significativa. Qual foi a razão? “...me foi concedida misericórdia.” Misericórdia é uma palavra importante. A misericórdia é concedida a pessoas quebradas, sem chance, desgraçadas. É assim que Paulo se percebe, mas ao mesmo tempo está com o coração cheio de alegria por ter sido achado por Jesus. A única razão do amor de Deus pela sua vida foi a grande misericórdia. Ele era opositor a Deus, ele perseguiu a igreja de Cristo, ele não tinha mérito algum, mas ainda assim a misericórdia o alcançou.
4. O Evangelho reeduca
De Gálatas 1.18 até 2.1, temos uma síntese autobiográfica da trajetória de Paulo, depois do seu encontro com Cristo. Logo após sua conversão, ele sai de Damasco e vai para Jerusalém. Isto nos é relatado em At 9.26 e ao chegar ali, recebe um frio tratamento da Igreja, até que foi assimilado pela comunidade através da zelosa ação pastoral de Barnabé, que não era um dos apóstolos, mas diácono da igreja.
A impetuosidade do jovem Saulo, tornou-se um problema para a Igreja de Jerusalém. A situação da igreja com a presença deste jovem pregador, se tornou insustentável, até que Saulo teve que ser tirado da cidade. Em At 9.31 Logo após sua saída, há um relato interessante, que pode ser até engraçado: “...e assim, na verdade, a igreja tinha paz (At 9.31). Ufa!! Finalmente este rapaz saiu. Quando Paulo sai da cidade, a igreja encontra paz. Não é assim com muitos ministérios? A igreja tem paz quando o pastor vai embora.
Muitos jovens pastores, pela sua impetuosidade, causam grandes transtornos comunitários. Se você é pastor e já foi mandado embora, não desanime. Paulo foi o primeiro membro de uma igreja que inicialmente não foi aceito pela comunidade (At 8.26); e o primeiro obreiro a ser “expulso” da igreja (At 9.31).
O texto de Atos 9 deve ser associado ao de Gálatas 1.18-21. Se somarmos por baixo, os três anos de Gl 1.18 com os 14 anos de Gl 2.1, temos aí, cerca de 17 anos. Deus manda Paulo para o deserto, para aprender um novo conceito: A vida cristã não pode ser levada na base da força, nem do talento natural, mas da dependência de Deus.
Paulo precisava agora passar por outro treinamento teológico, não mais aos pés de Gamaliel, nem da famosa escola Hillel de Judaísmo, ele precisava de um novo aprendizado lendo a Palavra de Deus e ouvindo a Deus. Barclay afirma que antes de falar aos homens, Paulo precisou falar com Deus. Só se levanta diante dos homens aqueles que primeiro se prostram diante de Deus. Paulo passou cerca de três anos na Arábia fazendo um seminário intensivo com Jesus. A Arábia ficava cerca de 320 km ao sul de Damasco e 160 km a sudeste de Jerusalém. Howard lembra que a Arábia era um deserto e não uma metrópole próspera. Ali Paulo teve comunhão com Deus em vez de comunicação com os homens. Nesse período, Paulo releu o Antigo Testamento e descobriu que aquele mesmo Jesus que outrora perseguia era de fato o Messias.
Em Jerusalém, Paulo passa apenas 15 dias, tempo insuficiente para aprender o conteúdo do Evangelho que ele já proclamava entre os gentios. Paulo não foi a Jerusalém para receber a ordem de pregar o Evangelho, ele já havia recebido sua missão, como também o Evangelho que recebeu do próprio Jesus. Depois, Paulo vai a Síria e Silícia, que é a sua cidade natal. Em Tarso, precisou encontrar com seus amigos de infância, que consideravam louco por pregar agora o que tentaram destruir antes.
Em Tito 3.11 está escrito: “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas à impiedade e às paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente”.
A graça nos educa, não é isto algo surpreendente? Ela nos dá poder para obter vitória sobre as paixões mundanas que estão ligadas aos nossos impulsos libidinosos e pecadores, e nos dá força para superar a impiedade, esta tendência de tentar viver a vida de maneira independente e fora de Deus.
Destacamos aqui três pontos nesta transformação:
O primeiro deles é a eleição incondicional: “Quando porém o que me separou antes de eu nascer.” Não foi Paulo quem escolheu a Deus, mas foi Deus quem o escolheu. Deus não o escolheu porque previu que Paulo iria crer, mas Paulo recebeu o dom da fé porque Deus o escolheu. A eleição divina não se baseia no mérito, mas é incondicional.
Em segundo lugar, a chamada irresistível, (Gl 1.15) “Que me chamou pela sua graça.” A eleição é incondicional e a graça é irresistível. Deus chama e chama eficazmente, o Deus que escolhe é também o Deus que chama. John Stott destaca que Paulo não merecia misericórdia, nem a pedira, mas a misericórdia fora o seu encontro, que a graça o chamara.
Em terceiro lugar, revelação sobrenatural, “aprouve revelar seu filho em mim” (Gl 1.15). Deus revelou Jesus a Paulo, não apenas no nível intelectual, mas sobretudo no nível experimental. A experiência que Paulo teve no caminho de Damasco mudou sua vida. Paulo não inventou os ensinamentos de Cristo, ele os recebeu.
Paulo ainda fala de dois assuntos extremamente caros para a maioria das igrejas: zelo e tradição.
a. Zelo não é suficiente – “Sendo extremamente zeloso” (Gl 1.14).
Paulo afirma que era zeloso, mas seu zelo não trouxe vida, mas o afastou de Deus. Uma das coisas que achamos extremamente importante na vida é o zelo. Entretanto, zelo sem discernimento é uma desgraça. Fanáticos em geral são extremamente zelosos e certos de que estavam fazendo as coisas certas. A história mostra que nem sempre aqueles que se achavam zelosos e santos, eram na verdade tão santos assim. Alguns dos homens mais zelosos pela fé são os mais descaridosos e duros no julgamento e na atitude legalista, desejo de controle, superioridade moral e atitude de criticar os outros.
Em Rm 10.1-2 Paulo diz que os judeus tinham zelo, porém, não com entendimento. Zelo deve ser uma virtude cristã, mas pode se tornar também uma armadilha. Ela pode nos dar um falso senso de justiça própria, e retirar de nós a capacidade de vermos que tudo está baseado na graça, como a citação inicial que fizemos de Lutero.
b. Tradições são inoperantes – “Sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais” (Gl 1.14).
Paulo era zeloso nas tradições dos pais. Ele queria manter as coisas da mesma forma que sempre foram. Entretanto, tradições não são capazes de gerar vida. Lutar pelas tradições pode ser importante, mas quando fazemos isto transformamos facilmente a igreja de Cristo, que é um movimento, em monumento.
Certa moça recém casada, sempre preparava pernil para seu marido, porque ele gostava da receita. Contudo, havia algo que intrigava o rapaz. Por que ela sempre preparava uma receita com apenas metade do pernil? Ele sempre via seu enorme esforço em fazer metade do pernil, porque não o pernil inteiro, muito mais fácil...Um dia, educadamente lhe perguntou o motivo, e ela disse honestamente: “não sei! minha mãe sempre fez assim e eu aprendi a receita com ela, mas vou perguntar”. Sua mãe também não sabia o porquê de fazer apenas metade de um pernil, e respondeu que ela fazia assim porque a vó havia ensinado a receita. Foram perguntar para a vó, o motivo, e a vó, sorrindo respondeu: “Na verdade fazia assim, porque não tínhamos uma panela grande em casa para colocar todo o pernil. Vocês não precisam continuar fazendo assim.
O Evangelho mostra que tradições são ineficazes para o conhecimento de Deus. João Batista bradava no deserto: “...e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mt 3.9). A falsa pressuposição de que, por serem judeus, descendentes de Abraão, possuíam um foro especial diante de Deus estava sendo desmascarada agora pela pregação de arrependimento.
Conclusão
Precisamos resgatar o Evangelho. Entender o que significa ser salvo pela graça. Há uma enorme confusão atualmente sobre este tema. Em geral estamos pregando outras coisas. Falamos de regras saudáveis para a vida, auto ajuda, educação espiritual, princípios para viver uma vida melhor, mas o que o ser humano precisa é entender a obra de Cristo em sua vida.
O Evangelho foca em agradar a Deus, não aos homens. “Porventura, procuro eu, agora o favor dos homens ou de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse a homens não seria servo de Cristo” (Gl 1.10). O Evangelho retira de nós o desejo pela reputação humana. Nada temos a provar, já fomos aceitos incondicionalmente. Paulo deixa de ser um fariseu respeitado e afamado, para se tornar um cristão desconhecido.
O Evangelho coloca em nós o desejo de adorar e louvar a Deus. Se você confia em Deus para sua salvação e compreende que não pode salvar-se a si mesmo, isto lhe dá grande humildade e enorme alegria em saber que sua salvação não está em você mesmo, não depende de você, mas de Deus.
Por isto o evangelho pode impactar tão profundamente a nossa vida.
Samuel Vieira
Anápolis, chácara do Billy.
18.01.03
Revisto Nov 2024