quinta-feira, 30 de março de 2017

Gal 1.10-24 O Impacto do Evangelho

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Introdução:

No sermão anterior, vimos como é grande a tentação de de substituirmos o Evangelho da graça, por alguma outra coisa que dependa de nós. Os crentes da Galácia, trinta anos depois de ouvirem a mensagem do Evangelho, já estavam se afastando do verdadeiro evangelho para “outro evangelho”, que na verdade não existe, pois o evangelho é exclusivo e único.

Esta sempre foi uma grande tentação da igreja em todo tempo. Nunca é demais nos lembrar o que disse Lutero: “Durante vinte anos eu tenho ensinado e acolhido a doutrina da suficiência de fé nos méritos de Cristo, pelos quais somos aceitos perante o tribunal de Deus: contudo, aquele velho e tenaz engano me assedia de tal forma que ainda descubro uma tendência de aproximar-me de Deus trazendo alguma coisa em minha mão, pela qual possa merecer a sua graça”.

Todos os grandes avivamentos na história da igreja são marcadas por grandes sinais. Os historiadores afirmam que no Brasil nunca houve avivamento, pois estes são marcados pelas seguintes características:
    1. Tristeza pelo pecado. As pessoas experimentam um sentimento de que o pecado é realmente algo sério e não querem viver numa vida que entristece a Deus.
    2. Desejo profundo de santidade, incluindo o temor ao Senhor.
    3. Grande vigor missionário. Ocorre um grande despertamento na igreja de Cristo para pregar o Evangelho, enviar recursos para missões, plantar novas igrejas. 
    4. Impacto nas gerações. Todo avivamento alcança poderosamente os filhos e netos. Ele não se circunscreve apenas a um período pequeno e local da igreja, mas transcende gerações, gerando vida profunda na próxima geração.
    5. Transformação social. Todo avivamento impacta a sociedade. Universidades, política pública, cuidado com os pobres, justiça social.
    6. Resgate das doutrinas básicas das Escrituras, essencialmente a doutrina da justificação pela graça. Curiosamente não existe avivamento enquanto as pessoas não se voltarem para a essência do evangelho. Não há nenhum justo, e todos carecemos desesperadamente da obra de Cristo na cruz, que nos purifica de todo pecado e nos justifica diante de Deus.

É fundamental a compreensão do Evangelho. Do significado da graça. DA compreensão de que somos justificados pela graça, mediante a fé.

Neste texto, Paulo estabelece alguns princípios muito interessantes sobre o Evangelho:

1.     Sua fonte é sobrenatural“Recebi não de homens, mas de Jesus” (Gl 1.11-12) Esta é a grande diferença entre cristianismo e outras religiões. Toda religião é marcada pelo desejo do homem de alcançar a Deus, o Evangelho nos afirma que Deus vem ao encontro dos homens. Sua procedência é divina. O homem, pela sua condição espiritual, não tem desejo das coisas de Deus, mas se afasta de Deus. Na Bíblia não vemos a raça humana atraída a Deus, mas um Deus que ama a humanidade e entrega seu filho para nossa salvação. É Deus quem sai ao encontro do pecador, não o pecador que sai em busca de Deus.

2.     O Evangelho baseia-se na graça de Deus, apenas, e não nas nossas qualificações. Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça” (Gl 1.15). Paulo reafirma isto ao escrever a Timóteo: “Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele apara a vida eterna” (1 Tm 1.16).

Por que Paulo afirma,  “para que, em mim, o principal”? Ele não está se vangloriando, mas refere a si mesmo como o principal dos pecadores. Ele está querendo mostrar que, se Deus teve misericórdia dele, que era o principal, blasfemo e insolente, então a graça de Deus pode alcançar qualquer pecador. 

A expressão, “por esta razão” é extremamente significativa. Qual foi a razão? Paulo usa duas vezes a palavra misericórdia (vs.13,16). Misericórdia é uma palavra importante. A misericórdia é concedida a gente quebrada, sem chance, desgraçada. É assim que Paulo se percebe, mas ao mesmo tempo está com o coração cheio de alegria por ter sido achado por Jesus.  A única razão do amor de Deus pela sua vida foi a grande misericórdia. Ele era opositor a Deus, ele perseguiu a igreja de Cristo, ele não tinha mérito algum, mas ainda assim a misericórdia o alcançou.

3.    Seu conteúdo transformador – O Evangelho gera transformação. Normalmente pensamos que o que irá nos mudar são melhores atitudes, novas resoluções, novas intenções. Mas a Bíblia nos ensina que podemos ser transformados eficazmente pelo sangue de Cristo. O Evangelho é poder (Rm 1.16-17). Sua mensagem poderosa atua de forma eficiente em nossa vida para nos transformar. Afeta nossa forma de avaliar e ver a vida. O Evangelho regenera, isto é, transforma nossa natureza intrínseca de dentro para fora. A lei não consegue fazer isto. Nenhuma religião ou princípio moral é capaz de fazer estas coisas.

4.     Sua mensagem reeduca

a.     Em Rm 2.4 lemos: “Ou desprezarás a riqueza da sua bondade, e tolerância, ignorando que a bondade de Deus é quem te conduz ao arrependimento?” (Gl 2.4). Em geral achamos que o que nos transforma é a disciplina, a provação ou a educação. É certo que estas coisas tem enorme poder de nos transformar e moldar, mas Paulo afirma neste texto que a grande estratégia de Deus é o seu amor. “Ou ignorais que a bondade de Deus é quem te conduz ao arrependimento”. A bondade de Deus gera arrependimento e transforma.

b.    Em Tito 3.11 está escrito: “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e às paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, juta e piedosamente”. A graça nos educa, não é isto algo surpreendente? Ela nos dá poder para obter vitória sobre as paixões mundanas que estão ligadas aos nossos impulsos libidinosos e pecadores, e nos dá força para superar a impiedade, esta tendência de tentar viver a vida de maneira independente e fora de Deus.

c.     “Paulo, vá para o deserto...”  De Gálatas 1.18 até 2.1, temos uma síntese autobiográfica da trajetória de Paulo.

Logo após sua conversão, ele sai de Damasco e vai para Jerusalém. Isto nos é relatado em At 9.26 e ao chegar ali, recebe um frio tratamento da Igreja, até que foi assimilado pela comunidade através da zelosa ação pastoral de Barnabé. Algum tempo depois, a impetuosidade daquele jovem pastor, tornou-se um problema para a Igreja de Jerusalém. A situação da igreja com a presença deste jovem pregador, se tornou insustentável, até que Paulo teve que ser tirado da igreja. Em At 9.31 observamos que logo após a sua saída, há um relato interessante, que pode ser até jocoso: “...e assim, na verdade, a igreja tinha paz (At 9.31). Ufa!! Finalmente este rapaz saiu dali. Quando Paulo sai da cidade, a igreja encontra paz. Não é assim com muitos ministérios? A igreja tem paz quando o pastor vai em bora.

Muitos jovens pastores, pela sua impetuosidade, causam grandes transtornos  comunitários. Se você é pastor e já foi mandado embora, não desanime. Paulo foi o primeiro membro de uma igreja que inicialmente não foi aceito pela comunidade (At 8.26); e o primeiro obreiro a ser “expulso” da igreja (At 9.31).

O texto de Atos 9 deve ser associado ao de Gálatas 1.18-21. Se somarmos por baixo, os três anos de Gl 1.18 com os 14 de Gl 2.1, temos aí, cerca de 17 anos. Deus manda Paulo para o deserto, para aprender um novo conceito: A vida cristã não pode ser levada na base da força, nem do talento natural, mas da dependência de Deus.

Paulo ainda fala de dois assuntos extremamente caros para a maioria das igrejas: zelo e tradição.

a.     Zelo não é suficiente“Sendo extremamente zeloso” (Gl 1.14). Paulo afirma que ele era zeloso, mas seu zelo não trouxe vida, antes o afastou de Deus. Uma das coisas que achamos extremamente importante na vida é o zelo. Entretanto, zelo sem discernimento pode ser uma desgraça. Alguns dos fanáticos mais conhecidos foram extremamente zelosos e certos de que estavam fazendo as coisas certas. A história da igreja mostra que nem sempre aqueles que se achavam zelosos e santos, eram na verdade tão santos assim. outro resultado do zelo sem entendimento é que tais pessoas se tornam elitistas. Elas acham que só elas sabem as coisas, só elas tem a boa liturgia e a boa teologia, e se tornam desamorosas e prontas para julgar, eventualmente com severidade em nome da boa doutrina.

Em Rm 10.1-2 Paulo diz, que os judeus tinham zelo, porém, não com entendimentoSabemos como isto foi destrutivo para a nação judaica. Zelo deve ser uma virtude cristã, mas pode se tornar também uma armadilha. Ela pode nos dar um falso senso de justiça própria, e retirar de nós a capacidade de vermos que tudo está baseado na graça, como a citação inicial que fizemos de Lutero.

b.    Tradições são inoperantes “Sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais” (Gl 1.14). Paulo era zeloso nas tradições dos pais. Ele queria manter as coisas da mesma forma que sempre foram. Entretanto, tradições não são capazes de gerar vida. Lutar pelas tradições pode ser importante, mas quando fazemos isto transformamos facilmente a igreja de Cristo, que é um movimento, em monumento.

Pessoas tradicionais facilmente confundem acidente com essência, temporal com eterno, histórico com revelado. Elas não entendem que o velho também foi novo quando surgiu. Lutero foi muito criticado por introduzir o órgão, instrumento profano e pagão, nas liturgias da igreja. Muitos diziam que ele estava profanando a igreja, trazendo novos elementos litúrgicos.

Certa moça recém casada, sempre preparava pernil para seu marido, porque ele gostava da receita. Contudo, havia algo que intrigava o rapaz. Por que ela sempre preparava uma receita com apenas metade do pernil? Ele sempre via seu enorme esforço em fazer metade do pernil, porque não o pernil inteiro, muito mais fácil...Um dia, educadamente lhe perguntou o motivo, e ela disse honestamente: “não sei! minha mãe sempre fez assim e eu aprendi a receita com ela, mas vou perguntar”. Sua mãe também não sabia o porque de fazer apenas metade de um pernil, e respondeu que ela fazia assim porque a vó havia ensinado a receita. Foram perguntar para a vó, o motivo, e a vó, sorrindo respondeu: “Na verdade fazia assim, porque não tínhamos uma panela grande em casa para colocar todo o pernil. Vocês não precisam continuar fazendo assim.

O Evangelho mostra que tradições são ineficazes para o conhecimento de Deus. João Batista bradava no deserto: “...e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mt 3.9). A falsa pressuposição de que, por serem judeus, descendentes de Abraão, possuíam um foro especial diante de Deus estava sendo desmascarada agora pela pregação de arrependimento.


Em contraste, Paulo mostra duas coisas que geram transformação:

1.      O maravilhoso e eficiente chamado de Deus – “Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu filho em mim, pra que eu pregasse entre os gentios”(Gl 1.15,16). Os teólogos chamam isto de vocação eficaz. A Bíblia usa reiteradamente os termos eleição e predestinação.

Paulo afirma que Deus o separou antes de nascer, e o chamou pela sua graça. Na carta a Timóteo ele afirma: “Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovados do Espírito Santo” (Tt 3.5). É um chamado veemente de Deus, que nos atrai irresistivelmente a ele. É a irresistível graça de Deus nos atraindo. Paulo afirma que Deus nos separa antes do nascimento, e revela sua graça em nós. Deus fez tudo, eu apenas não me fechei ao chamado dele.

2.      O encontro revelador com o Filho de Deus – “aprouve revelar seu filho em mim, para que eu pregasse entre os gentios”(Gl 1.16). Esta revelação é a manifestação de Jesus na vida.

Quando conhecemos a Cristo somos transformados porque sua vida e seu Espírito começam a morar dentro de nós. Recebemos um novo poder, um novo Espírito. Só seremos capazes de viver uma vida que agrade a Deus se formos guiados pelo Espírito Santo.

Deus revelou graciosamente Jesus a Paulo, e lhe deu a incumbência de pregar àqueles que não eram judeus. Qual é a revelação de Deus que temos desejado?

O que vai transformar nossa história é a manifestação de Jesus em nossa vida.

Conclusão:

Precisamos resgatar o Evangelho. Entender o que significa ser salvo pela graça. Há uma enorme confusão atualmente sobre este tema. Em geral estamos pregando outras coisas. Falamos de regras saudáveis para a vida, auto ajuda, educação espiritual, princípios para viver uma vida melhor, mas o que o ser humano precisa é entender a obra de Cristo em sua vida.

O Evangelho foca em agradar a Deus, não aos homens. “Porventura, procuro eu, agora o favor dos homens ou de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse a homens não seria servo de Cristo” (Gl 1.10). Mas como fazer isto, nós que somos tão viciados em aplausos, e idolatramos tanto a auto-glorificação?  Como superar este desejo de sermos aprovados pelos outros? Anseio pela popularidade? O Evangelho retira de nós o desejo pela reputação humana. Nada temos a provar, já fomos aceitos incondicionalmente. Paulo deixa de ser um fariseu respeitado e afamado, para se tornar um cristão desconhecido. Paulo reconhece que ele era bem pior do que imaginava ser, mas que a graça de Deus era bem maior do que ele poderia imaginar.

O Evangelho coloca em nós desejo de adorar e louvar a Deus. Se você confia em Deus para sua salvação e compreende que não pode salvar-se a si mesmo, isto lhe dá grande humildade e enorme alegria em saber que sua salvação não está em você mesmo, não depende de você, mas de Deus.

Por isto o evangelho pode impactar tão profundamente a nossa vida.


Samuel Vieira
Anápolis, chácara do Billy.

18.01.03
refeito, Março 2017

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