segunda-feira, 3 de abril de 2017

Gal 2.1-21 O Evangelho e as estratégias humanas




Introdução:

Vimos no estudo anterior que o zelo é insuficiente (Gl 1.14), e a tradição é inoperante (Gl 1.14). Ao estudarmos este texto, outras verdades se tornam evidentes:

  1. Estratégias humanas são falíveis – “... mas em particular, aos que pareciam de maior influência” (Gl 2.2). Paulo, como bom obreiro, fez alguns planos, estabeleceu metas, apenas para descobrir posteriormente, que apesar de todas elas parecerem tão bem estruturadas, ele estava na direção errada. Ele achava que se alcançasse as pessoas de maior influência no campo missionário, seu ministério seria mais produtivo. Lamentavelmente não foi o que aconteceu.
No vs 6 ele diz:
E, quanto àqueles que pareciam ser de maior influência (quais tenham sido, outrora, não me interessa; Deus não aceita a aparência do homem), esses, digo, que me pareciam ser alguma coisa, nada me acrescentaram” (Gl 1.6).
Sua estratégia estava absolutamente errada.
Seus planos se mostraram inconsistentes e equivocados.
Não é assim que tantas vezes acontece conosco?

  1. As opiniões humanas são equivocadas – Paulo sofre neste texto uma pressão do grupo, dos seus colegas de ministério e membros da igreja. Ao chegar em Jerusalém, um grupo de cristãos judaizantes estavam pressionando os novos crentes a circuncidarem, provavelmente uma referência a Tito, que era grego.
A grande tentação dos irmãos da Galácia foi acrescentar novos elementos ao evangelho, adicionar um novo elemento litúrgico, teológico ou ético. Não é assim ainda hoje? Não é raro encontrarmos pessoas querendo validar o Evangelho mas estabelecendo algumas condições que o Evangelho nunca impôs, quanto a usos e costumes, alimentos, bebidas, etc.
Veja como estes elementos são comuns ainda hoje:

·         Se você não é batizado no Espírito Santo, com evidências de falar em outras línguas, ainda não é crente...
·         Se você não leu a confissão de fé de Westminter você ainda não sabe o que é Evangelho...
·         Ritos externos: se você cortar o cabelo... usar calça comprida... assistir TV.
·         Se você não participa do G12...
·         Comportamentos religiosos: lista de coisas por fazer: vir à igreja, trazer os dízimos, ler a bíblia diariamente, jejuar...Deus não pode amar você se não tem estes hábitos, dizem estes...
·         Quebra de maldição hereditária: Se você teve um ancestral envolvido com feitiçaria ou mediunidade, você precisa participar de um ritual de quebras de maldição para sair do poder do diabo, caso contrário esta maldição antiga pode ainda estar dominando sua vida e você ainda pode estar dominado por sua herança espiritual.

Sobre isto é bom considerar:
o   Maldição e benção são termos jurídicos, tem a ver com a lei. É uma declaração forense. “...porventura tendo ele prometido não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá? Eis que para abençoar recebi ordem; ele abençoou, não o posso revogar” (Nm 23.19,20).
o   Não creio em maldição hereditária para crentes, pois a Palavra afirma: “Aquele que está em Cristo, nova criatura é; as coisas antigas se passaram, eis que tudo se fez novo” (2 co 5.17). Portanto, uma pessoas que se encontra coberto pelo sangue de cristo, regenerada, lavada pelo sangue do cordeiro, não pode abrigar maldição, pois isto seria uma contradição.
o   É perigoso atribuir este pensamento mágico e atribuir poderes a determinados “super crentes” que possuíam determinadas prerrogativas de quebrar as maldições. Isto nos faz depender de alguma coisa, além da cruz e do Evangelho.

Muitas atitudes são importantes, outras se parecem muito espirituais, mas elas não nos levam ao Evangelho, e podem distorcê-lo e até nos levar a desviar (Col 2.20-23). Estas ideias normalmente constrangem a igreja de Cristo, como fizeram a Paulo, pela atitude incisiva, intensidade e ênfase (Gl 2.3) e podemos ter a impressão de que estamos fazendo algo errado, mas Paulo afirma que tais pessoas estavam intrometendo em suas vidas, para novamente reduzi-los à escravidão da lei (Gl 1.4), e que se fizessem isto, a verdade do Evangelho perderia a força em suas vidas (Gl 1.5). Por que? Porque a partir deste momento passariam a depender destes rituais ao invés de depender da graça de Deus que vinha da cruz.

A resposta de Paulo:
A atitude de Paulo foi direta.
Ele decidiu não aceitar estas pressões porque elas desviavam seus olhos do Evangelho e da plena suficiência da cruz. Paulo diz: “nem por uma hora” (Gl 2.5) Porque se você ceder, ainda que em pequena escala, terá a impressão de que realmente precisa delas.

As armadilhas da Lei:
A partir de então, Paulo passa a demonstrar que a lei possui alguns fascínios, e tais coisas podem ser verdadeiras armadilhas para nossa vida. “Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado?”  (Gl 3.1). Por ter esta “atração fatal” é que a Lei está sempre nos fazendo retroceder e esquecer do poder do Evangelho.
Paulo demonstra algumas destas armadilhas aqui neste texto:

  1. É mais fácil entender a lei de forma mental que na prática- A Igreja de Jerusalém e seus líderes mais importantes, foram solícitos quando Paulo falou do plano missionário. Ele foi até mesmo encorajado. Tiago, Cefas e João, reputados colunas, estenderam a destra de comunhão, e lhe deram a benção para seguir adiante no projeto (Gl 2.9).    Aparentemente tudo estava certo. Veja o exemplo dos apóstolos, a visão do ministério e da missão, quando souberam que a graça havia sido estendida aos gentios (Gl 2.7). Nenhuma dúvida, Deus os estava enviando...
Entretanto vamos observar que tal conhecimento era meramente intelectual.
Eles não sabiam quão difícil isto seria, na prática teológica, trazer os gentios para o meio deles. Quando tiveram que lidar com a realidade recuaram de forma grotesca e anti cristã, e não conseguiram traduzi-la para a vida. “Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe face a face, porque se tornara repreensível” (Gl 2.11).  Quando vieram para a “prática da graça”, esta “inclusividade” (termo que uso com muito cuidado por causa dos seus desdobramentos teológicos atuais), se lhes tornou escandalosa, e eles voltaram aos rudimentos religiosos, achando que havia certa superioridade religiosa, cultural ou moral dos judeus, porque eram uma nação eleita.

Aplicação:
Isto tem desdobramentos enormes na nossa atual teologia.
A tradição religiosa está fincada no princípio do mérito e da retribuição. Pessoas religiosas acreditam, num nível bem profundo, que a salvação tem a ver com méritos e justiça pessoal. Se fizermos algo Deus vai se agradar de nós... Temos que dar algo para sermos aceitos... Precisamos fazer coisas para Deus para sermos amados por ele...
Na prática,
É mais fácil entender o evangelho mentalmente, que emocionalmente.

2. A lei e o peso da tradição – Outro ponto pesa é a tradição. Como ela é forte sobre nossas vidas... Antes de chegarem os irmãos de Jerusalém, gentios e judeus viviam em plena comunhão. Não havia crise, mas bastou que um grupo viesse de lá, para que a atitudes deles mudasse radicalmente.

Pedro foi o primeiro.
Paulo trata esta realidade de forma dura: “Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe face a face, porque se tornara repreensível”. (Gl 2.11)

O que levou Paulo a tomar uma posição e admoestar Pedro tão severamente?
Muitas vezes não entendemos o que está acontecendo no texto bíblico, mas a realidade é que “Paulo jogou duro com Pedro”.   
O que tornou Pedro sujeito a tão severa repreensão, “feita assim na cara”?

Pedro retrocedeu para pior.
Ele voltou atrás na compreensão do Evangelho. Paulo é ainda mais incisivo ao dizer que eles dissimularam e não estavam mais andando “corretamente, segundo a verdade do Evangelho” (Gl 2.14). A ausência da graça o tornara repreensível.  A lei e o peso da tradição ainda estavam presentes.
A ausência da lei nos torna repreensível e neste caso, por isto Paulo repreende a Pedro de forma tão severa.

3 A lei e o problema da aparência – Com efeito, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, comia com os gentios; quando, porém, chegaram, afastou-se e, por fim, veio a apartar-se, temendo os da circuncisão” (Gl 2.12).
O resultado espiritual é trágico: Hipocrisia, cinismo, e dissimulação.
Se o Evangelho não está ocupando o centro da vida, passo a viver constantemente preocupado com o julgamento das pessoas e o que dirão a meu respeito, e isto me torna dissimulado.
Dissimulação é viver dando impressão de que somos uma coisa quando somos outra. Dissimulação não nos permite fraqueza, quebrantamento e arrependimento. O que passa a interessar é a opinião das pessoas, e não o que Deus diz a meu respeito.
O Pastor Glênio Paranaguá contou a experiência de uma conhecida pregadora nordestina, ardorosa defensora da confissão positiva no Brasil, uma linha teológica que afirma que a palavra da fé cura, e que precisamos rejeitar a doença, entendendo que o crente verdadeira não pode ficar doente, porque Deus não tem este propósito para seu povo. Uma dia, porém, enferma, foi levada ao hospital e internou-se com um nome falso. Quando um médico cristão a reconheceu ela afirmou que fez isto para não ser incomodada pelas pessoas, mas que, na verdade ela não podia admitir, para seus próprios seguidores, que ela estava enferma e precisava de cuidados médicos.
Uma teologia equivocada traz graves efeitos colaterais, porque suas afirmações não são sustentáveis...

4. A lei e o desencanto da alma – “...a ponto de o próprio Barnabé ter-se deixado levar pela dissimulação deles”. Este texto revela o desencanto, frustração e tristeza de Paulo ao ver que até seu discipulador, aquele homem que foi seu referência na vida cristã e no ministério, não resistiu a pressão da lei e se enveredou pelo fascínio da lei e da admiração externa, passando a viver de forma que negava o Evangelho.

5. A lei precisa ser questionada constantemente pelo Evangelho – Quando, porém vi, que não procediam corretamente segundo a verdade do evangelho” (Gn 2.14).
Uma outra tradução afirma que eles estavam “perdendo o evangelho”.
É fácil perder o evangelho.
A Igreja da Galácia tinha apenas 30 anos de existência, mas já estava se desvirtuando e passando da graça de cristo para outro evangelho (Gl 1.6).  Precisamos sempre estar perguntando: “O que o evangelho ensina sobre este assunto”?
Não são apenas os descrentes que rejeitam a graça de Deus, mas o povo de Deus costumeiramente também o faz.
O problema é grave, porque se eu esquecer a essência do Evangelho, isto é, a graça de Cristo sobre minha vida, e que nada mais pode ser acrescentado a isto, transformo Cristo em ministro do pecado (Gl 2.17) e ignoro o poder de sua morte (Gl 2.21).

Conclusão:
  1. Não aceitar a pressão da lei – “nem por uma hora”. Não há espaço para concessões.
  2. Não se iludir com a aparência - Entender que precisamos do favor de Deus antes que o dos homens, e que não atitude viver e fazer as coisas exteriormente. Para Deus não conta apenas o que fazemos, mas porque fazemos o que fazemos.  
  3. Esteja alerta! A lei possui um enorme poder de sedução, e por isto pode facilmente nos atrair e nos pegar novamente... cuidado para não voltar aos rudimentos. “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou, permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão” (Gl 5.1).

Samuel Vieira
Chácara do Billy Fanstone - Anápolis, Go
31. jan 2003

Refeito em 2017

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