terça-feira, 4 de abril de 2017

1 Co 1.10-16 Por que se unir a uma igreja?




Introdução:

Vivemos uma época de descompromissos. As pessoas temem compromissos institucionais.

Não é sem razão que o IBGE apontou em 2008 que 3.8% dos brasileiros se declaram “evangélicos não praticantes”. Você já ouviu falar disto? É possível ser “evangélico”, e ao mesmo tempo não praticar o evangelho.
Isto vem dentro de uma visão contemporânea mais ampla.
Zigmunt Bauman afirma que estamos vivendo na época do “amor líquido”. Os relacionamentos não tem consistência e são superficiais. No âmbito comercial, fala-se da obsolescência industrial. Minha sogra teve uma geladeira que durou 28 anos e foi vendida na sua recente mudança e ainda está em uso, e uma máquina de lavar roupa que já fez 50 anos e ainda funciona perfeitamente, tendo apenas que eventualmente trocar a polia. Em contrapartida, os aparelhos eletrônicos de hoje são feitos para durar um tempo pequeno. Se o seu liquidificador já dura 3 anos, certamente você é uma pessoa privilegiada... E se estragar, nem tente consertar... ele foi feito para durar um tempo pequeno.

Isto se reflete nos relacionamentos.
As pessoas entram e saem facilmente das instituições. Não possuem fidelização. Enquanto uma determinada igreja for interessante ficarão lá, mas tão logo encontrem uma “prateleira” melhor, com ofertas mais atraentes e acessíveis, não hesitarão em mudar de domicílio.  
O mesmo acontece na instituição do casamento.
Os relacionamentos são frágeis e tênues.
Tenho acompanhado pessoas que saem do casamento, simplesmente porque “não querem mais”, ou cujos afetos foram “desligados”, ou porque “querem liberdade para viver”. O compromisso assumido diante de um altar ou diante de Deus não possui sentido maior para a nova geração.

O mesmo se aplica às igrejas.
As pessoas estão desinteressadas de compromissos.

Quais são as causas mais comuns de afastamento?
A.   Teologia equivocada – Muitas pessoas sequer acreditam que é necessário ter um envolvimento com uma igreja local. Muitos defendem o princípio de que podem ser crentes, sem estarem vinculados a um corpo local. Creem na igreja invisível, na ideia do “reino de Deus”, na igreja universal, mas são reticentes quanto ao envolvimento com uma igreja visível, concreta, tangível, geográfica e histórica.

Isto só é possível por causa de um astigmatismo teológico:

Em primeiro lugar, porque Deus chamou o seu povo para envolvimento num corpo local – Paulo afirma que “num só espírito, todos fomos batizados num só corpo” (1 Co 12.13).

Em segundo lugar, A Grande Comissão dada aos discípulos, envolve o processo de discipulado e vinculação a uma comunidade. “Ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas” (Mt 28-18-20). Isto pressupõe comunidade. Como discipular, cuidar, guardar, batizar se não há um corpo histórico no qual os chamados se reúnem para nutrir, apoiar e abençoar?

Em terceiro lugar, um membro precisa de um corpo, caso contrário torna-se fantasmagórico. Ou vocês já viram uma mão desvinculada de um corpo, tendo vida própria? “Porque embora muitos membros, somos um só corpo”(1 Co 12.12).

Em quarto lugar, a ausência de uma comunidade visível e concreta, desemboca inexoravelmente na perda das próximas gerações. Os filhos advindos deste novo “modelo” pós moderno, tornar-se-ão sem identidade e sem missão.

Aplicando...
Recentemente encontrei uma pessoa querida, que se afastou da comunidade. Ela e seu marido se conheceram na igreja, casaram-se na igreja, foram membros ativos, mas com o passar do tempo, tornaram–se críticos deste modelo eclesiástico e resolveram viver de forma alternativa. Encontravam-se eventualmente com um grupo, e estes encontros foram se tornando cada vez mais escassos, eles se desvincularam da comunidade, não estão jurisdicionados a nada e sem uma autoridade espiritual sobre suas vidas, e agora, o marido está optando por uma espiritualidade indiana, com um veio zen budista, se alimentando em encontros e retiros esotéricos de meditação transcendental. Na minha concepção, ele já se apostatou da fé em Cristo Jesus e se afastou da confiança na obra redentora de Cristo.
As filhas encontram-se completamente distanciadas da igreja. A ausência de uma comunidade, gerou uma dispersão espiritual. Não investem seu tempo em discipulado de outros, não cooperam com nenhuma igreja e não tem abençoado o reino de Cristo na tarefa de fazer missão a todos os povos. Ela percebe que algo não está bem, por isto a encorajei a procurar uma comunidade. Ela não admitiu abertamente esta necessidade.
Os efeitos a longo prazo, certamente serão catastróficos. Os netos, provavelmente buscarão alguma religiosidade, seja ela qual for que cruzar seus caminhos, ou adotarão um estilo secularizado e relativistas morais sem referência de Deus e de sua Palavra. Este tipo de espiritualidade não impacta biblicamente as novas gerações e não é transmitida de forma eficiente aos filhos e netos, provavelmente tal fé se encerrará nela mesma, sem nenhum efeito sobre os filhos e filhos dos filhos como nos recomenda o Salmo 78.

B.    Medo de compromisso – Esta é a segunda razão pela qual as pessoas se desvinculam das suas comunidades. Vivemos numa época de independência e busca de autonomia, estar jurisdicionado a uma comunidade implica em permitir que outros tenham autoridade espiritual, podendo ser admoestada, repreendida ou até mesmo disciplina. Pessoas com mentalidade pós moderna, sem o entendimento claro do princípio da submissão às autoridades, jamais se subordinarão a esta condição.

Em Hebreus 13.17 lemos: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros” (Hb 13.17).
Será que este pensamento bíblico ainda é relevante aos nossos dias? Não parece que tal recomendação é antiquada e fora de moda? Só o novo nascimento pode nos levar à mentalidade de servo e submissão. Estas palavras são agressivas à presente geração.

C.    Pecado – A terceira razão pela qual as pessoas se desvinculam de suas igrejas é pecado.

Quando uma pessoa sai da comunhão com Deus, ela começa a se sentir acuada e envergonhada de orar e ler a Bíblia. Ir à igreja torna-se desinteressante e justificável.
Como pastor, tenho observado que ir à igreja não diz muita coisa, mas não ir diz muito, assim como contribuir regularmente não diz muita coisa, mas deixar de contribuir, diz muito.
Uma pessoa pode ir à igreja e contribuir por vários motivos: tradição, hábito, costume ou até mesmo solidariedade e amizade. Mas quando a pessoa afasta-se da comunidade ela está fazendo uma declaração clara de onde encontra-se o seu coração. Quando deixa de contribuir, revela também onde ela se encontra espiritualmente, afinal, não foi isto que nos ensinou Jesus: “Onde estiver teu tesouro, ai estará o teu coração”? A realidade é simples e crua: “Fé que não custa nada, não vale nada!”

O pecado tem o poder de dispersar a pessoa e afastá-la da comunhão. Pessoas que não se arrependem, vão lenta e progressivamente se afastando do caminho do Senhor. Jesus afirmou: “O julgamento é este: que a luz veio ao mundo mas os homens amaram mais as trevas que a luz”. Quem anda na luz, aproxima-se da luz, porque não teme que suas obras sejam arguidas, mas quem anda nas trevas, quer distância da claridade da palavra.

D.   Frustração com a igreja ou liderança – Este é o quarto motivo das pessoas se afastarem da igreja.

Conviver em comunidade exige perdão, paciência, diálogo, e muitas vezes estas questões não são resolvidas. Qual relacionamento que não sofre desgaste?

Eventualmente surgem questões maiores que a pessoa não sabe superar...

Eventualmente a hipersensibilidade, e não o problema em si, torna-se a raiz da ruptura. Pessoas do tipo “não me toque”, dificilmente conseguirão sobreviver à experiência comunitária. A Bíblia diz: “Como o ferro ao ferro se afia, assim o amigo o seu irmão”. Relacionamentos sofrem desgastes, apesar de gerar maturidade, perdão, exercício da fé e oração.

Algumas pessoas saem da igreja por incompatibilidade com a liderança ou o pastor. Não gostam do “jeito” do pastor, acham autoritário ou discordam de sua pregação, e desta forma, isto se torna uma razão suficiente para romper com sua comunidade e se afastar.

E.    Frieza de coração – Muitas vezes nada de significativo ou grave acontece, mas a displicência espiritual, a negligencia com as praticas devocionais, o quebrantamento, a piedade não são alimentadas e o coração se esfria.

Apesar deste aspecto ser pouco considerado, já que é mais fácil encontrar outras desculpas justificáveis como “não tenho tempo”, ou “estou viajando muito”, o fato é que o coração está se distanciando. A mornidão espiritual, o descaso e distanciamento matam nossa fé e espiritualidade muito mais rapidamente que imaginamos. São centenas de pessoas que perderam sua paixão, seu primeiro amor, o ardor missionário e se distanciaram de sua comunidade e encontram-se agora, “desigrejados”, desencontrados, fora da comunhão com o povo de Deus.

Um olhar sobre o texto...
Desculpe-me a divagação, mas agora gostaria de convidá-lo a olhar comigo o texto lido no inicio. 1 Co 1.10-17

Paulo faz quatro afirmações sobre o compromisso e envolvimento que precisamos ter com a igreja:

Primeiro,
Mantenha a unidade – “Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa e que não haja entre vós divisões; antes, sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e mesmo parecer” (1 Co 1.10)

Observe quantas vezes o termo “mesma” e “mesmo” ocorrem no texto. São três vezes.
Para se caminhar numa comunidade e se comprometer com ela, precisamos ter o mesmo foco comum. A linguagem precisa ser “a mesma”; a disposição mental precisa ser “a mesma”, e precisamos ter “o mesmo” parecer. Não podemos ficar dividindo ideias e fazendo rupturas.

Segundo,
Fale a verdade – Paulo escreve esta carta depois de ter ouvido o depoimento de uma família que veio de Corinto ao seu encontro. Eram membros da família de “Cloe”. “Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui informado, pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós” (1 Co 1.11).
Os relatos eram verdadeiros?
A família estava descrevendo uma situação real ou estava mentindo?
É interessante Paulo mencionar a fonte de onde veio a informação.
Já perceberam como fofocas e maledicências tentam ocultar a fonte?
O fofoqueiro nunca diz: “fulano me falou isto”; mas prefere usar termos impessoais como “andam dizendo isto”; ou “falaram isto”, e quando indagado sobre a origem do comentário tentam sair pela tangente afirmando: “não vou dizer por uma questão de ética”.
O que Paulo faz aqui?
Por uma questão de ética – Ele diz a fonte.
Isto significa “dar nome aos bois”.
A melhor forma de destruir um comentário pernicioso ou que causa divisão numa comunidade é dizendo quem falou.
Se a “família de Cloe” estava mentindo, certamente seria julgada por fofoca.

Mas, antes de dizermos alguma coisa, é importante ainda observar alguns critérios:
i.               É verdadeiro?
ii.              Devo comentar?
iii.            Edifica?

Se estas três perguntas clarificadoras forem positivas, então isto pode ser dito.
Às vezes é verdadeiro, mas ainda assim, precisamos nos calar para proteger e abençoar.
Às vezes passa pelas duas primeiras questões, mas esbarra na terceira. Não trará edificação. Então nos calamos por perceber que comentar não ajuda.

Terceiro,
Assimile a diversidade. O vs 12 vai se referir a alguns grupos que estavam se formando na igreja: “Refiro-me ao fato de cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo” (1 Co 1.12).
Todos grupos refletem tendências. Não temos espaço para analisar cada um deles, mas podemos citar o que estes grupos acima refletem.

Paulo, o grupo dos intelectuais –
Apesar de ser grande teólogo, Paulo não era um grande pregador. Isto pode ser observado pelo comentário feito pela igreja de Corinto em 2 Co 10.10 e 11.6 e pelo longo e prolongado sermão que ele pregou em Trôade que se estendeu demais, indo até a meia-noite levando Êutico a “adormecer profundamente” e cair da janela tendo morte súbita (At 20-7-12).  Conhecia muito, era profundo, a ponto de Pedro reclamar disto no final de sua carta (2 Pe 3.15-16).
Toda igreja tem um grupo de pessoas pensantes, que gostam de teologia bíblica profunda, que leem muito, são reflexivos nas suas abordagens. Gostam de ler C.S.Lewis, Francis Schaeffer, Jacques Ellul, Os Guiness e os compêndios de Teologia Sistemática.

Cefas, o grupo dos tradicionais –
Outro grupo citado é o de Pedro. Ele reflete a ala conservadora da igreja, como medo de mudanças. Nem mesmo quando Deus diz que precisa mudar, ele muda. Veja sua visão e a dureza dele em entender o que Deus lhe queria comunicar em At 10, na visão dos lençóis que descem dos céus. Ariovaldo Ramos afirma que Deus deu aquela visão a Pedro, não porque ele fosse espiritual, mas porque ele era cabeça dura. Jesus já havia ensinado isto aos seus discípulos, mas Pedro encontrava-se reticente e resistente.
O grupo dos tradicionais. E qual igreja não os tem? Este grupo confunde acidente com essência, temporal com o eterno e métodos com os fins.
Pedro posteriormente seria repreendido “cara a cara” por Paulo, por causa de seu fechamento

Apolo, o grupo dos entusiastas
Quem é Apolo neste cenário?
Para conhecermos um pouco deste personagem, é importante ver a narrativa que o livro de Atos faz a seu respeito: “Nesse meio tempo, chegou a Éfeso um judeu, natural de Alexandria, chamado Apolo, homem eloquente e poderoso nas Escrituras ... conhecia apenas o batismo de João... Ele, pois, começou a falar ousadamente na sinagoga. Ouvindo-o, porem, Priscila e Áquila, tomaram-no consigo e, com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de Deus” (At 18.24-27).
Era um homem apaixonado, mas superficial e raso na explicação da Palavra. Precisava de discipulado...
Já viram alguns pregadores assim? Apaixonados, empolgados, entusiasmados, mas que ao fazerem determinadas asseverações trata-se de coisas superficiais, precisam de maior embasamento bíblico.
Estes pregadores, porém, atraem a atenção de pessoas mais emotivas, que gostam de uma pitada maior de paixão no discurso, sem muitas vezes considerarem o que está sendo dito, mas que se apaixonam por um estilo destes. Não é assim mesmo?

O grupo de Cristo, os super-espirituais
O último grupo que surge aqui é o de Cristo.
À primeira vista parece ser o grupo mais correto, mas não era.
Este grupo era aquele que se colocava acima dos demais para dizer que não estavam presos a nenhum partidarismo, mas estavam acima dos outros.
Os super-crentes, geralmente, são muito orgulhosos, e dão muito trabalho pelo seu orgulho espiritual.

Qual a conclusão que chegamos?
Precisamos assimilar a diversidade.
Em toda igreja encontraremos pessoas distintas, com abordagens e predileções diferentes. Precisamos perceber esta diversidade e celebrá-la, ao invés de dividirmos a unidade do corpo de Cristo.

Quarto,
Entenda a sacralidade da igreja – No vs 13 Paulo afirma: “Acaso, Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vós ou fostes, porventura, batizados em nome de Paulo?”.
Este texto tenta nos levar à compreensão da natureza da igreja.
Afinal, o que é igreja?
Por que uma comunidade cristã, local e tangível, é tão significativa e importante?
Por que precisamos estar unidos a uma igreja local?

A resposta está no fato de que estamos falando da sacralidade deste povo.
Igreja é o corpo de Cristo.
A igreja é a expressão histórica de um povo, que se revela temporalmente num determinado local.
Esta igreja foi comprada por Cristo, que morreu por ela, que a redimiu com seu sangue, e que decidiu, que estaria pessoalmente engajado na sua edificação (Mt 16.18). Se perdermos a dimensão da sacralidade da igreja, perderemos a dimensão do que somos (natureza), e do que deveremos fazer (missão).

Conclusão:
Por que devo me unir a uma igreja local?

Porque acima de tudo, esta é a recomendação bíblica:
Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.25).
É interessante observar que, já nos dias apostólicos, havia uma certa corrente que julgava natural deixar de se congregar. Esta carta exorta os membros das igrejas a não ficarem distante dela e separados de sua comunhão.
Se você é crente, bastaria este texto, com toda clareza para lhe convencer a não se afastar de uma comunidade onde a Palavra de Deus é pregada com fidelidade, os sacramentos são ministrados corretamente e a disciplina bíblica é aplicada com zelo.


Que Deus nos abençoe!

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