Introdução:
Vivemos uma época de
descompromissos. As pessoas temem compromissos institucionais.
Não é sem razão que o IBGE
apontou em 2008 que 3.8% dos brasileiros se declaram “evangélicos não
praticantes”. Você já ouviu falar disto? É possível ser “evangélico”, e ao
mesmo tempo não praticar o evangelho.
Isto vem dentro de uma visão
contemporânea mais ampla.
Zigmunt Bauman afirma que estamos
vivendo na época do “amor líquido”. Os relacionamentos não tem consistência e
são superficiais. No âmbito comercial, fala-se da obsolescência industrial.
Minha sogra teve uma geladeira que durou 28 anos e foi vendida na sua recente
mudança e ainda está em uso, e uma máquina de lavar roupa que já fez 50 anos e
ainda funciona perfeitamente, tendo apenas que eventualmente trocar a polia. Em
contrapartida, os aparelhos eletrônicos de hoje são feitos para durar um tempo
pequeno. Se o seu liquidificador já dura 3 anos, certamente você é uma pessoa
privilegiada... E se estragar, nem tente consertar... ele foi feito para durar
um tempo pequeno.
Isto se reflete nos
relacionamentos.
As pessoas entram e saem
facilmente das instituições. Não possuem fidelização. Enquanto uma determinada igreja
for interessante ficarão lá, mas tão logo encontrem uma “prateleira” melhor,
com ofertas mais atraentes e acessíveis, não hesitarão em mudar de domicílio.
O mesmo acontece na instituição
do casamento.
Os relacionamentos são frágeis e
tênues.
Tenho acompanhado pessoas que
saem do casamento, simplesmente porque “não querem mais”, ou cujos afetos foram
“desligados”, ou porque “querem liberdade para viver”. O compromisso assumido diante
de um altar ou diante de Deus não possui sentido maior para a nova geração.
O mesmo se aplica às igrejas.
As pessoas estão desinteressadas
de compromissos.
Quais são as causas mais comuns de afastamento?
A. Teologia equivocada – Muitas pessoas sequer acreditam que é necessário ter
um envolvimento com uma igreja local. Muitos defendem o princípio de que podem
ser crentes, sem estarem vinculados a um corpo local. Creem na igreja
invisível, na ideia do “reino de Deus”, na igreja universal, mas são reticentes
quanto ao envolvimento com uma igreja visível, concreta, tangível, geográfica e
histórica.
Isto só é possível por causa de
um astigmatismo teológico:
Em primeiro lugar, porque Deus
chamou o seu povo para envolvimento num corpo local – Paulo afirma que “num só espírito, todos fomos batizados num
só corpo” (1 Co 12.13).
Em segundo lugar, A Grande Comissão
dada aos discípulos, envolve o processo de discipulado e vinculação a uma
comunidade. “Ide, fazei discípulos de
todas as nações, batizando-os em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo,
ensinando-os a guardar todas as coisas” (Mt 28-18-20). Isto pressupõe
comunidade. Como discipular, cuidar, guardar, batizar se não há um corpo
histórico no qual os chamados se reúnem para nutrir, apoiar e abençoar?
Em terceiro lugar, um membro
precisa de um corpo, caso contrário torna-se fantasmagórico. Ou vocês já viram
uma mão desvinculada de um corpo, tendo vida própria? “Porque embora muitos membros, somos um só corpo”(1 Co 12.12).
Em quarto lugar, a ausência de
uma comunidade visível e concreta, desemboca inexoravelmente na perda das
próximas gerações. Os filhos advindos deste novo “modelo” pós moderno,
tornar-se-ão sem identidade e sem missão.
Aplicando...
Recentemente encontrei uma pessoa
querida, que se afastou da comunidade. Ela e seu marido se conheceram na
igreja, casaram-se na igreja, foram membros ativos, mas com o passar do tempo,
tornaram–se críticos deste modelo eclesiástico e resolveram viver de forma
alternativa. Encontravam-se eventualmente com um grupo, e estes encontros foram
se tornando cada vez mais escassos, eles se desvincularam da comunidade, não
estão jurisdicionados a nada e sem uma autoridade espiritual sobre suas vidas,
e agora, o marido está optando por uma espiritualidade indiana, com um veio zen
budista, se alimentando em encontros e retiros esotéricos de meditação
transcendental. Na minha concepção, ele já se apostatou da fé em Cristo Jesus e
se afastou da confiança na obra redentora de Cristo.
As filhas encontram-se
completamente distanciadas da igreja. A ausência de uma comunidade, gerou uma
dispersão espiritual. Não investem seu tempo em discipulado de outros, não
cooperam com nenhuma igreja e não tem abençoado o reino de Cristo na tarefa de
fazer missão a todos os povos. Ela percebe que algo não está bem, por isto a
encorajei a procurar uma comunidade. Ela não admitiu abertamente esta
necessidade.
Os efeitos a longo prazo,
certamente serão catastróficos. Os netos, provavelmente buscarão alguma religiosidade,
seja ela qual for que cruzar seus caminhos, ou adotarão um estilo secularizado
e relativistas morais sem referência de Deus e de sua Palavra. Este tipo de espiritualidade
não impacta biblicamente as novas gerações e não é transmitida de forma
eficiente aos filhos e netos, provavelmente tal fé se encerrará nela mesma, sem
nenhum efeito sobre os filhos e filhos dos filhos como nos recomenda o Salmo 78.
B. Medo de compromisso – Esta é a segunda razão pela qual as pessoas se
desvinculam das suas comunidades. Vivemos numa época de independência e busca
de autonomia, estar jurisdicionado a uma comunidade implica em permitir que
outros tenham autoridade espiritual, podendo ser admoestada, repreendida ou até
mesmo disciplina. Pessoas com mentalidade pós moderna, sem o entendimento claro
do princípio da submissão às autoridades, jamais se subordinarão a esta
condição.
Em Hebreus
13.17 lemos: “Obedecei aos vossos guias e
sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar
contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não
aproveita a vós outros” (Hb 13.17).
Será que
este pensamento bíblico ainda é relevante aos nossos dias? Não parece que tal
recomendação é antiquada e fora de moda? Só o novo nascimento pode nos levar à
mentalidade de servo e submissão. Estas palavras são agressivas à presente
geração.
C. Pecado – A
terceira razão pela qual as pessoas se desvinculam de suas igrejas é pecado.
Quando uma
pessoa sai da comunhão com Deus, ela começa a se sentir acuada e envergonhada
de orar e ler a Bíblia. Ir à igreja torna-se desinteressante e justificável.
Como
pastor, tenho observado que ir à igreja não diz muita coisa, mas não ir diz
muito, assim como contribuir regularmente não diz muita coisa, mas deixar de
contribuir, diz muito.
Uma pessoa
pode ir à igreja e contribuir por vários motivos: tradição, hábito, costume ou
até mesmo solidariedade e amizade. Mas quando a pessoa afasta-se da comunidade
ela está fazendo uma declaração clara de onde encontra-se o seu coração. Quando
deixa de contribuir, revela também onde ela se encontra espiritualmente,
afinal, não foi isto que nos ensinou Jesus: “Onde
estiver teu tesouro, ai estará o teu coração”? A realidade é simples e
crua: “Fé que não custa nada, não vale nada!”
O pecado
tem o poder de dispersar a pessoa e afastá-la da comunhão. Pessoas que não se
arrependem, vão lenta e progressivamente se afastando do caminho do Senhor.
Jesus afirmou: “O julgamento é este: que
a luz veio ao mundo mas os homens amaram mais as trevas que a luz”. Quem
anda na luz, aproxima-se da luz, porque não teme que suas obras sejam arguidas,
mas quem anda nas trevas, quer distância da claridade da palavra.
D. Frustração com a igreja ou liderança – Este é o quarto motivo das
pessoas se afastarem da igreja.
Conviver
em comunidade exige perdão, paciência, diálogo, e muitas vezes estas questões
não são resolvidas. Qual relacionamento que não sofre desgaste?
Eventualmente
surgem questões maiores que a pessoa não sabe superar...
Eventualmente
a hipersensibilidade, e não o problema em si, torna-se a raiz da ruptura.
Pessoas do tipo “não me toque”, dificilmente conseguirão sobreviver à
experiência comunitária. A Bíblia diz: “Como
o ferro ao ferro se afia, assim o amigo o seu irmão”. Relacionamentos
sofrem desgastes, apesar de gerar maturidade, perdão, exercício da fé e oração.
Algumas
pessoas saem da igreja por incompatibilidade com a liderança ou o pastor. Não
gostam do “jeito” do pastor, acham autoritário ou discordam de sua pregação, e
desta forma, isto se torna uma razão suficiente para romper com sua comunidade
e se afastar.
E. Frieza de coração – Muitas vezes nada de significativo ou grave acontece, mas
a displicência espiritual, a negligencia com as praticas devocionais, o
quebrantamento, a piedade não são alimentadas e o coração se esfria.
Apesar
deste aspecto ser pouco considerado, já que é mais fácil encontrar outras
desculpas justificáveis como “não tenho tempo”, ou “estou viajando muito”, o
fato é que o coração está se distanciando. A mornidão espiritual, o descaso e
distanciamento matam nossa fé e espiritualidade muito mais rapidamente que
imaginamos. São centenas de pessoas que perderam sua paixão, seu primeiro amor,
o ardor missionário e se distanciaram de sua comunidade e encontram-se agora, “desigrejados”,
desencontrados, fora da comunhão com o povo de Deus.
Um olhar sobre o texto...
Desculpe-me
a divagação, mas agora gostaria de convidá-lo a olhar comigo o texto lido no
inicio. 1 Co 1.10-17
Paulo faz
quatro afirmações sobre o compromisso e envolvimento que precisamos ter com a
igreja:
Primeiro,
Mantenha a unidade – “Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis
todos a mesma coisa e que não haja entre vós divisões; antes, sejais
inteiramente unidos, na mesma disposição mental e mesmo parecer” (1 Co 1.10)
Observe
quantas vezes o termo “mesma” e “mesmo” ocorrem no texto. São três vezes.
Para se
caminhar numa comunidade e se comprometer com ela, precisamos ter o mesmo foco
comum. A linguagem precisa ser “a mesma”; a disposição mental precisa ser “a
mesma”, e precisamos ter “o mesmo” parecer. Não podemos ficar dividindo ideias
e fazendo rupturas.
Segundo,
Fale a verdade – Paulo escreve esta carta depois
de ter ouvido o depoimento de uma família que veio de Corinto ao seu encontro.
Eram membros da família de “Cloe”. “Pois
a vosso respeito, meus irmãos, fui informado, pelos da casa de Cloe, de que há
contendas entre vós” (1 Co 1.11).
Os relatos
eram verdadeiros?
A família
estava descrevendo uma situação real ou estava mentindo?
É
interessante Paulo mencionar a fonte de onde veio a informação.
Já
perceberam como fofocas e maledicências tentam ocultar a fonte?
O
fofoqueiro nunca diz: “fulano me falou isto”; mas prefere usar termos
impessoais como “andam dizendo isto”; ou “falaram isto”, e quando indagado
sobre a origem do comentário tentam sair pela tangente afirmando: “não vou
dizer por uma questão de ética”.
O que
Paulo faz aqui?
Por uma
questão de ética – Ele diz a fonte.
Isto
significa “dar nome aos bois”.
A melhor
forma de destruir um comentário pernicioso ou que causa divisão numa comunidade
é dizendo quem falou.
Se a
“família de Cloe” estava mentindo, certamente seria julgada por fofoca.
Mas, antes
de dizermos alguma coisa, é importante ainda observar alguns critérios:
i.
É
verdadeiro?
ii.
Devo
comentar?
iii.
Edifica?
Se estas três perguntas
clarificadoras forem positivas, então isto pode ser dito.
Às vezes é verdadeiro, mas ainda
assim, precisamos nos calar para proteger e abençoar.
Às vezes passa pelas duas
primeiras questões, mas esbarra na terceira. Não trará edificação. Então nos
calamos por perceber que comentar não ajuda.
Terceiro,
Assimile a diversidade. O vs 12 vai se referir a alguns grupos que estavam se
formando na igreja: “Refiro-me ao fato de
cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de
Cristo” (1 Co 1.12).
Todos grupos refletem tendências.
Não temos espaço para analisar cada um deles, mas podemos citar o que estes
grupos acima refletem.
Paulo, o grupo dos intelectuais –
Apesar de ser grande teólogo,
Paulo não era um grande pregador. Isto pode ser observado pelo comentário feito
pela igreja de Corinto em 2 Co 10.10 e 11.6 e pelo longo e prolongado sermão
que ele pregou em Trôade que se estendeu demais, indo até a meia-noite levando Êutico
a “adormecer profundamente” e cair da janela tendo morte súbita (At
20-7-12). Conhecia muito, era profundo,
a ponto de Pedro reclamar disto no final de sua carta (2 Pe 3.15-16).
Toda igreja tem um grupo de
pessoas pensantes, que gostam de teologia bíblica profunda, que leem muito, são
reflexivos nas suas abordagens. Gostam de ler C.S.Lewis, Francis Schaeffer,
Jacques Ellul, Os Guiness e os compêndios de Teologia Sistemática.
Cefas, o grupo dos tradicionais –
Outro grupo citado é o de Pedro.
Ele reflete a ala conservadora da igreja, como medo de mudanças. Nem mesmo
quando Deus diz que precisa mudar, ele muda. Veja sua visão e a dureza dele em
entender o que Deus lhe queria comunicar em At 10, na visão dos lençóis que
descem dos céus. Ariovaldo Ramos afirma que Deus deu aquela visão a Pedro, não
porque ele fosse espiritual, mas porque ele era cabeça dura. Jesus já havia
ensinado isto aos seus discípulos, mas Pedro encontrava-se reticente e
resistente.
O grupo dos tradicionais. E qual
igreja não os tem? Este grupo confunde acidente com essência, temporal com o
eterno e métodos com os fins.
Pedro posteriormente seria
repreendido “cara a cara” por Paulo, por causa de seu fechamento
Apolo, o grupo dos entusiastas
Quem é Apolo neste cenário?
Para conhecermos um pouco deste
personagem, é importante ver a narrativa que o livro de Atos faz a seu
respeito: “Nesse meio tempo, chegou a
Éfeso um judeu, natural de Alexandria, chamado Apolo, homem eloquente e
poderoso nas Escrituras ... conhecia apenas o batismo de João... Ele, pois,
começou a falar ousadamente na sinagoga. Ouvindo-o, porem, Priscila e Áquila,
tomaram-no consigo e, com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de Deus” (At
18.24-27).
Era um homem apaixonado, mas
superficial e raso na explicação da Palavra. Precisava de discipulado...
Já viram alguns pregadores assim?
Apaixonados, empolgados, entusiasmados, mas que ao fazerem determinadas
asseverações trata-se de coisas superficiais, precisam de maior embasamento
bíblico.
Estes pregadores, porém, atraem a
atenção de pessoas mais emotivas, que gostam de uma pitada maior de paixão no
discurso, sem muitas vezes considerarem o que está sendo dito, mas que se
apaixonam por um estilo destes. Não é assim mesmo?
O grupo de Cristo, os
super-espirituais
O último grupo que surge aqui é o
de Cristo.
À primeira vista parece ser o
grupo mais correto, mas não era.
Este grupo era aquele que se
colocava acima dos demais para dizer que não estavam presos a nenhum
partidarismo, mas estavam acima dos outros.
Os super-crentes, geralmente, são
muito orgulhosos, e dão muito trabalho pelo seu orgulho espiritual.
Qual a conclusão que chegamos?
Precisamos assimilar a
diversidade.
Em toda igreja encontraremos
pessoas distintas, com abordagens e predileções diferentes. Precisamos perceber
esta diversidade e celebrá-la, ao invés de dividirmos a unidade do corpo de
Cristo.
Quarto,
Entenda a sacralidade da igreja – No vs 13 Paulo afirma: “Acaso, Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vós ou
fostes, porventura, batizados em nome de Paulo?”.
Este texto tenta nos levar à
compreensão da natureza da igreja.
Afinal, o que é igreja?
Por que uma comunidade cristã,
local e tangível, é tão significativa e importante?
Por que precisamos estar unidos a
uma igreja local?
A resposta está no fato de que
estamos falando da sacralidade deste povo.
Igreja é o corpo de Cristo.
A igreja é a expressão histórica
de um povo, que se revela temporalmente num determinado local.
Esta igreja foi comprada por
Cristo, que morreu por ela, que a redimiu com seu sangue, e que decidiu, que
estaria pessoalmente engajado na sua edificação (Mt 16.18). Se perdermos a
dimensão da sacralidade da igreja, perderemos a dimensão do que somos
(natureza), e do que deveremos fazer (missão).
Conclusão:
Por que devo me unir a uma igreja local?
Porque acima de tudo, esta é a recomendação
bíblica:
“Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos
admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.25).
É interessante observar que, já
nos dias apostólicos, havia uma certa corrente que julgava natural deixar de se
congregar. Esta carta exorta os membros das igrejas a não ficarem distante dela
e separados de sua comunhão.
Se você é crente, bastaria este
texto, com toda clareza para lhe convencer a não se afastar de uma comunidade
onde a Palavra de Deus é pregada com fidelidade, os sacramentos são ministrados
corretamente e a disciplina bíblica é aplicada com zelo.
Que Deus nos abençoe!
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