Introdução
No primeiro período da década de 60 A.D., os cristãos foram perseguidos duramente em Roma. O Imperador naqueles dias era Nero. Pedro e Paulo perderam suas vidas durante o seu império. O Apóstolo Pedro, percebendo que as coisas iam de mal a pior, escreveu esta carta de instrução e encorajamento ãos cristãos espalhados pelo Império Romano. Os cristãos estavam sendo perseguidos. Muitas acusações surgiram contra eles:
· Os cristãos foram acusados de antropófagos, pois diziam comer o sangue e a carne de um certo Jesus
· Os cristãos foram acusados de praticar incesto – casavam-se com suas irmãs.
· Foram taxados de revolucionários e rebeldes, pois não se curvavam diante dos deuses pagãos.
· Nero detestava os cristãos. Outros imperadores também os perseguiram. Pedro escreve esta carta para fortalecer os irmãos.
Três razões da perseguição:
a)- Recusa em adorar os ídolos – Os deuses romanos eram políticos. Rejeitar adorá-los tinha conotação de insubmissão e falta de patriotismo.
b)- Crítica aos jogos violentos – Os cristãos se opunham as jogos praticados.
c)- Recusa em se curvar diante do Imperador – Só Deus merece adoração.
Este texto nos mostra a Trindade operando em nossas vidas. Para aqueles que não creem na Trindade, este é um dos textos que coloca as três pessoas juntas. Na verdade A Bíblia nos fala de um Deus diferente dos outros deuses, este Deus é um Deus que comunga, traz-nos o modelo de como viver em unidade. Na linguagem de Boff, “A trindade é a melhor comunidade”. Este texto nos fala da participação da Trindade na salvação e santificação do Povo de Deus.
Neste texto, a função da Trindade é bem definida. A Bíblia nos mostra como cada uma destas pessoas da Trindade, tem papeis específicos:
1. A obra do Pai
a. Ele nos escolheu segundo sua presciência – “Eleitos segundo a presciência de Deus.” (1 Pe 1.2)
Presciência não é predição. Deus não prevê a fé do homem, antes cria fé no homem. Deus não é um mero expectador que aguarda o passo do homem e decide baseado na decisão que o homem assume. A verdade de Deus não depende da capacidade do homem de conciliar na sua mente aquilo que ele não concorda. O cristão não é importante porque ele se considera assim, mas porque Deus o considera assim.
Assim diz a Palavra:
“Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.” (Ef 2.8-9). Ninguém poderá se vangloriar diante de Deus por causa de sua justiça pessoal ou por causa de sua performance espiritual ou moral. Somos salvos pela graça. Se é de graça não provém de mérito; se não provém de mérito, é gratuito.
Uma das experiências mais difíceis da minha vida se deu quando pastoreava uma grande igreja do Brasil, e fui chamado por um diácono da igreja para acompanhá-lo no aeroporto, porque seu irmão, adotara um filho e ao fazer os exames descobriu que ele era HIV Positivo, ele tinha AIDS. Eles eram pessoas que tinham muita posse, tanto que contrataram um avião particular para virem de sua cidade do interior para trazer aquela criança que havia sido adotada num hospital de Brasília. Chorando a devolveram dizendo que não tinham estrutura emocional para ficar com ela por causa de sua doença. Não conseguiram adotar o filho por causa de sua condição física.
Que contraste do amor de Deus para conosco. Deus escolheu nos amar, não porque tivéssemos algo para lhe oferecer, ou porque éramos saudáveis, mas ele nos escolheu sabendo que somos realmente enfermos, e mesmo assim, apesar de nossas doenças, nos chamou para um relacionamento de amor.
A Palavra de Deus afirma:
“Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo.” (Tt 3.5)
b. Ele escolheu nos redimir como filhos, pela sua graça livre e soberana.
A Eleição divina não é constrangida por qualquer coisa, nem está condicionada à performance. Ela é baseada apenas na livre escolha de Deus e na sua soberana graça. Deus nos fez seu povo especial, apesar de não termos nada especial em nós mesmos.
Assim lemos no Antigo Testamento:
“Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito.” (Dt 7.7-9)
E mais adiante encontramos:
“Quando, pois, o Senhor, teu Deus, os tiver lançado de diante de ti, não digas no teu coração: Por causa da minha justiça é que o Senhor me trouxe a esta terra para a possuir, porque, pela maldade destas gerações, é que o Senhor as lança de diante de ti. Não é por causa da tua justiça, nem pela retitude do teu coração que entras a possuir a sua terra.” (Dt 9.4-5)
Deus escolheu o povo de Israel apesar de que não tinham nada a oferecer a Deus. Sua eleição está baseada no seu amor livre e soberano. Israel foi escolhido sem ter qualquer credencial (Is. 43:20-21) assim como escolheu a Igreja para revelar nela o seu amor (Gl.6:16).Eleição, antes de mais nada demonstra o profundo afeto de Deus por seu povo, e como Deus o considera especial.
Aqueles cristãos forasteiros estavam sendo perseguidos por causa de sua fé em Cristo. ao serem dispersos, perderam tudo o que tinham: Bens, posses, identidade, família, suas casas muitas vezes eram queimadas ou ocupadas pelos perseguidores, e eles tinham que fugir para se proteger e proteger sua família e a situação era dramática. Mas agora estavam ouvindo uma declaração profunda de Deus sobre sua realidade espiritual. Eles eram eleitos e especiais em Cristo.
Por isto, é importante pensar na expressão inicial de Pedro a estes irmãos, quando diz que eram os “eleitos, que são forasteiros da dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia” (1 Pe 1.3) Eles haviam se dispersado por várias regiões, deixando sua herança histórica e familiar.
Estas declarações são aparentemente contraditórias: Como poderiam ser amados e especiais para Deus quando o cenário de suas vidas e as circunstâncias eram tão adversas? Como entender a bondade de Deus quando o mundo desmoronava, sendo espoliados, acusados e perseguidos?
A convicção de quem somos em Deus, nossa identidade em Cristo, é uma das coisas mais preciosas que podemos experimentar. Na verdade, a única coisa que pode nos sustentar em épocas de crises são as convicções pessoais, que temos. Pedro queria que aqueles irmãos entendessem como Deus os via e aquela era a base da sustentação de suas vidas naqueles dias de caos. Quando nossa realidade é dura, a única coisa que pode dar segurança são as profundas convicções de amor que recebemos de Deus.
O que pode nos trazer esperança em meio ao caos? Dar sentido diante da instabilidade das coisas? Nosso mundo exterior pode se manter em pé, mesmo diante das catástrofes, quando o nosso mundo interior está resolvido. O problema não é o que acontece do lado de fora, e sim o que está acontecendo dentro de nós.
Veja o que nos acontece quando entendemos que somos filhos amados de Deus:
O primeiro sintoma é o da paz e da alegria. Descobrimos uma segurança crescente de que Deus é realmente meu amado Pai celestial, como afirma a Bíblia: “E nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem por nós. Deus é amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele.” (1 Jo 4.16). Quando realmente compreendemos isto, não nos sentimos amedrontados. Não precisamos buscar satisfação em outras coisas além de Jesus, nem nos firmamos em nossos ídolos, como dinheiro, posição ou posses.
Um dos maiores problemas de nossa alma é o senso de inadequação e rejeição. A eleição divina livra-nos do senso de reprovação. Deus nos ama apesar do histórico que possuímos, ou do background e do meu currículo. Deus resolveu revelar em mim a sua graça e me restaurar. A pessoa que experimenta o amor de Deus, sente-se aceita, perdoada e totalmente acolhida porque reconhece que os méritos de Cristo o cobrem realmente. Está confiado em Cristo e encorajado nEle. Porque o Espírito Santo está trabalhando.
Foi isto que aqueles irmãos ouviram do apóstolo Pedro: Eles eram forasteiros, mas eram também eleitos. O caos exterior era enfrentado com um profundo significado interior que apenas Deus pode dar.
2. A Obra do Espírito: Ele aplica as verdades de Deus em nossa vida.
Depois de falar da obra do Pai, o apóstolo Pedro fala da obra do Espírito. Este Espírito, dado a nós por Jesus, realiza a grande função de inclinar nosso coração para a santificação. “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência” (1 Pe 1.2).
Sua ação é silenciosa, mas poderosa e eficaz. O Espírito Santo é uma força ativa, que age em nosso coração. Jesus afirma que é como o vento. “O vento sopra aonde quer, ouves a sua voz, mas Não sabes de onde vem nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito”.(Jo 3.8) Aliás, a Bíblia define o Espírito Santo como um vento, um impulso. No Velho Testamento, ele é chamado de “ruah”, No Novo Testamento, de “pneuma”, e nas duas línguas a tradução mais simples seria, vento, força, sopro.
Esta força do Espírito de Deus é que nos impulsiona a santidade, e nos leva a querer e a desejar coisas que nosso coração normalmente não deseja. Este Espírito é Santificador. Ele leva o povo de Deus a ter horror ao pecado e prazer nas coisas de Deus. O Apóstolo Pedro afirma que “fomos eleitos…em santificação do Espírito, para a obediência” (1 Pe 1.2). Isto é, quando Deus nos elege, sabedor de nossa inclinação para nos distanciarmos dele, ele nos envia o Espírito Santo para inclinar nossa vida em direção ele. Sua obra em nós gera santificação. Por isto é certo afirmar que aqueles que dizem conhecer a Deus, mas se inclinam deliberadamente para o pecado, não estão sendo conduzidos e impulsionados pelo Espírito.
A. Deus opera em nós santidade - Tanto no Antigo Testamento, quanto no Novo Testamento, a obra da salvação, e da santificação, é efetuada pelo mover do Espírito. No Antigo Testamento Deus afirma “Eu sou o Senhor que vos santifico.” (Ez 37.28).
Santificação é uma obra de Deus em nós. A eleição que o Pai efetua, desencadeia uma disposição interior, uma inclinação para seu Espírito. Por isto fomos eleitos em Santificação. Deus não apenas nos convida para sermos santos. “Sede santos porque eu sou Santo” (1 Pe 1.16), mas ele dá condições para que a vida de santidade se revele em nós pelo mover do seu Espírito. Santificação e a vida de Deus em nós. Seu Espírito nos conduz à obediência genuína e ao cumprimento da vontade de Deus.
B. Deus nos convida à santidade. No item anterior observamos como o Espírito cria em nós desejo de santidade. Onde as pessoas estiverem vivendo vida santa, isto é resultado da operosidade do Espírito Santo: “Deus é quem efetua em vós, tanto o querer como o realizar.” Fp 2.13).
Não apenas a capacitação para efetuar a obra de Deus (O realizar), mas até mesmo a vontade (o querer), ambos são gerados pela ação do Espírito Santo.
Mas, ao mesmo tempo que vemos a declaração de que é Deus quem opera em nós a vida de temor e de pureza, observamos também que ele nos ordena desenvolver vida de santidade. Portanto, esta santificação, também chamada de “santificação progressiva”, tem uma ação dupla: Deus faz em nós, e nós devemos buscar a santidade. “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor” (Fp. 2.12).
Temos aqui a obra de Deus, e a ação humana. Muitas vezes, quando nos sentimos incrédulos, fracos espiritualmente, deveríamos dizer honestamente a Deus: Senhor, meu coração tem se inclinado para o pecado, mas gostaria de lhe pedir que me enviasse o seu Espírito para que minha natureza voltasse para o Senhor. Não tenho desejado ler a Bíblia, tenho amado o pecado, mas opera em mim para que eu viva para ti.
Um interessante artigo me veio à mão com cinco perguntas sobre santificação e achei extremamente interessante:
q Adoração – Você está vivendo uma vida que agrada a Deus?
q Evangelismo – Estou compartilhando de Jesus a outras pessoas?
q Crescimento espiritual – Estou crescendo diariamente como cristão?
q Relacionamentos – Que relacionamento preciso reparar na minha vida pessoal e na igreja para glorificar a Deus?
q Ministério – Como estou suportando a visão do meu pastor e da minha igreja?
Talvez estas questões devessem merecer mais atenção do nosso coração nestes dias.
3. A obra do Filho
Em terceiro lugar, vem a obra do Filho: “...para obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz vos sejam multiplicadas”. (1 Pe 1.2)
No Pacto da Redenção, o sangue de Cristo exerce um papel fundamental. Na Teologia e cristã, em toda Bíblia, o sangue ocupa um lugar central. Vemos sangue aspergido por todos os lados.
No Antigo Testamento temos as narrativas sobre sacrifícios e holocaustos. O altar está encharcado de sangue. O derramamento do sangue de bois e bodes, ocupa um lugar central no culto judaico, prefigurando ou tipificando a obra expiatória de Jesus. O autor da Carta aos hebreus afirma que “Com efeito, quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e, sem derramamento de sangue não há remissão de pecados” (Hb 9.22).
No sangue de Cristo somos curados. O Povo de Deus deve aprender a clamar o sangue de Jesus, não apenas como um jargão pentecostal, mas como uma verdade bíblica essencial para nossa vida. Não é importante que o sangue apenas que tenha sido derramado, mas que ele seja aplicado pelo Espírito. Todas as coisas são planejadas pelo Pai e realizadas por Cristo. Jesus é o mediador das bencãos de Deus.
Deus planeja, o Filho executa, o Espírito Santo aplica.
Deus planejou o sacrifício, Jesus obediente e livremente aceitou o encargo de satisfazer a justiça divina, morrendo pelos pecadores na cruz, e pagando a dívida de nossa culpa. Assim também o sangue tinha um lugar especial na teologia do Antigo Testamento (Ex 24.7-8) Deus realiza sua obra definitiva em Cristo. “Assim também, Cristo, tendo-se oferecido uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação (Hb 9.28).
O ponto forte da epístola (v.2b)
Para concluir esta Introdução, o apóstolo Pedro fala de duas realidades existenciais extremamente significativas: “Graça e paz, vos sejam multiplicadas.” (1 Pe 1.2) O que pode ser mais importante para nós do que estarmos debaixo da graça e experimentando a paz que vem de Deus?
Pedro faz questão de frisar isto. Porque Deus vos elegeu, vocês podem viver debaixo de sua graça e de sua paz, experimentando estas realidades de forma ampliada.
A. Graça multiplicada para problemas monumentais – Deus não dá muito, nem dá muito tarde. Dá tudo que precisamos e no tempo certo. Isto é graça!
Aqueles irmãos estavam debaixo de forte ameaça, mas estavam seguros na providência divina e no seu cuidado. A graça de Deus estava sobre eles e os assistia. Eles precisavam daquela graça para viver, assim como nós precisamos ser alimentados e protegidos por esta graça, que nos aceita incondicionalmente, que nos restaura, e nos chama a viver de acordo com sua vocação.
B. Paz multiplicada em situações desesperadoras – Muitas vezes somos atirados por circunstâncias que parecem nos engolir e nos devorar, mas Deus sempre vai cuidar do seu povo, com o seu eterno amor. Sua paz há de se revelar no meio do torvelinho, no furor do furacão. Deus há de nos enviar o seu cuidado para que não desfaleçamos.
Só podemos experimentar tais realidades, quando compreendemos os recursos espirituais que temos a nossa disposição.
Charles Swindol, no seu livro, “vivendo acima da mediocridade”, conta a história de um garoto que participava de um time de futebol e era extremamente displicente e preguiçoso. Apesar de todos os esforços dos companheiros e do treinador, sua disposição para com o time era mínima. Um dia, o técnico recebeu uma informação de que o pai do garoto falecera, e o técnico pensou que agora, mais do que nunca ele se tornaria um problema no time. Na semana seguinte, o time tinha um jogo importante, e para surpresa do grupo, o garoto apareceu por lá. Durante o jogo, no qual o time ia muito mal, ele insistia com o técnico para poder jogar. O técnico temia em colocá-lo no time, porque na verdade ele nunca fizera nada para fortalecer o grupo, mas diante da insistência dele e considerando seu sofrimento, o técnico o colocou por alguns minutos, e aquele garoto jogou como nunca, esforçou-se, impulsionou o time, fez gols, defendeu, atacou. No final do jogo, o técnico surpreso vai conversar com ele e lhe pergunta:
‘”Por que você nunca jogou assim antes?”
E o garoto respondeu:
“Meu Pai era cego, e nunca poderia me ver jogando, agora que ele morreu, eu sei que ele pode me ver, e por isto me esforcei para que ele ficasse orgulhoso de mim”.
Apesar de podermos questionar a teologia desta ilustração, ela nos faz entender quão importante é sabermos da importância que somos para Deus, a ponto dele nos eleger, enviar seu filho e morrer por nós, e o seu Espírito para nos impulsionar a uma vida de santidade.
Que Deus nos abençoe!
Samuel Vieira
Samuel Vieira
Cambridge, MA – Agosto 02
Anápolis, Outubro 2021