Introdução
Por mais que o imaginário popular sempre pense em Deus como alguém severo, duro, do tipo “desmancha prazer”, a Bíblia o descreve como um Deus de celebração. Uma das coisas mais complicadas no discipulado é a falta de alegria e exultação. Tem sido mais fácil encontrar pessoas neuróticas, complicadas e tristes que alegres na obra do Senhor. Gosto muito da afirmação de Santa Tereza D’Ávila: “Deus nos livre dos santos de cara amarrada”
A proposta de Deus a Faraó parece indecorosa: “Queremos celebrar uma festa no deserto!”. Faraó fica enfurecido: “este povo quer festa, está precisando de trabalho”.
Celebrar é comemorar algo importante, algo célebre. É se alegrar em Deus. Na Bíblia, celebração está ligada ao louvor e adoração a Deus. Ele merece louvor que é fruto do coração grato por tudo que ele faz. Toda a criação é convidada a celebrar ao Senhor pela sua bondade e amor.
A celebração a Deus era feita através de festas e reuniões solenes, onde se buscavam a Deus com temor e alegria. Os judeus possuíam comemorações específicas, como:
· A Páscoa (Ex 12.14 )
· Festa das Semanas (Êx 34.22)
· Festa das colheitas/primícias (Ex 23.16)
· Festa dos pães asmos (Lv 23.6)
· Festa dos Tabernáculos (Dt 16.13)
Da mesma forma encontraremos especialmente no livro de Salmos o convite para celebrarmos o nome de Deus
Sl 95.1: “Vinde, cantemos ao Senhor com júbilo, celebremos o Rochedo de nossa salvação”
Sl 100.1-2: “Celebrai com jubilo ao Senhor, todas as terras. Servi ao Senhor com alegria, apresentai-vos diante dele com cântico.”
Os atos públicos de adoração são marcados por uma adoração cheia de alegria, contentamento e gratidão a Deus. São atos de celebração diante de Deus. O povo de Deus é um povo festivo pois Deus é Deus de festas. Na Bíblia aparecem as festas fixadas no calendário hebraico e eram celebradas pelo povo de Deus. Outras festas eram pontuais, como as festas nupciais e outros banquetes. O primeiro milagre descrito de Jesus na Bíblia aconteceu numa festa de casamento em Caná da Galileia.
As festas são momentos de Alegria (Lc 15.7) e quando Jesus está presente podemos desfrutar verdadeiramente de momentos prazerosos diante do Senhor! As festas também envolvem trabalho, serviço e aceitação do convite (Mt 22.2-14).
Para leitores atentos das Escrituras Sagradas, não é difícil entender a razão de Moisés se aproximar diante de Faraó e dizer:
“Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Deixa ir o meu
povo para que me celebre uma festa no deserto.”
(Ex 5.1).
Para alguém que tinha seus deuses caprichosos, e que muitas vezes exigiam grandes sacrifícios e bizarras oferendas de sangue, até mesmo de seres humanos, a palavra de Moisés soou como algo absurdo.
Veja como a visão de Faraó destoa da visão de Deus:
1. A visão de Deus era para liberdade – A visão de Faraó era para cativeiro, para a opressão.
Veja como isto é claro no texto:
Deus convida seu povo para uma celebração, para a liberdade. “O clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e também vejo a opressão com que os egípcios os estão oprimindo. ” Faraó tinha outra filosofia: “Por que Moisés e Arão, por que interrompeis o povo no seu trabalho? Ide às vossas tarefas.” (Ex 5.5) “E foram açoitados os capazes dos filhos de Israel, que os superintendentes de Faraó tinham posto sobre eles.” (Ex. 5.14)
Na medida em que o homem se distancia de Deus ele se torna cada vez mais escravizado pelo seus pecados, vícios e pelo diabo. A Bíblia usa uma linguagem forte para demonstrar o que Cristo faz conosco: “Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do filho do seu amor” (Col 1.13). Dr. Russel Shedd afirma que “Deus montou uma operação-resgate."
A palavra “transportar” no original no grego é "methistemi" (trasladar). No mundo antigo, quando um império obtinha uma vitória sobre o outro costumava levar toda a nobreza daquele país, retirando dali todos futuros líderes. (2 Rs 24.10-17). Esta é a mesma ideia que a Bíblia usa aqui: Deus nos tirou da mão de um império tirânico, do império das trevas ou "reino de Satanás" e nos levou para seus domínios.
"Império", não se refere a um território, mas a "autoridade, lei ou poder soberano de um rei". Dá ideia de um poder imposto, usurpado e mantido por um tirano (Co 1.13; 1 Pe 2.9). Reino sugere um poder reconhecido e legitimamente instalado. A Bíblia admite a existência de poderes sobrenaturais, e de leis espirituais que agem por detrás dos homens. O Reino da luz (governado por Deus) é oposto ao reino das trevas (governado por Satanás). Em 1 Co 15.24-28 observamos que o domínio de Jesus já existe, embora "agora, porém, não vemos todas as coisas a ele sujeitas" (Hb 2.8. Ap 11.15). O domínio deste mundo é do Senhor e de seu Cristo, que reinará pelos séculos dos séculos.
Deus não fez apenas um traslado, mas um resgate. Isto indica que os filhos de Deus já não estão mais sujeitos a escravidão do pecado, nem a obediência a Satanás. Ele nos "transportou." O tempo verbal aoristo, no grego, mostra uma ação completa. Já estamos debaixo do Reino de seu Filho.
Este resgate tem quatro características:
1.1. É um traslado das trevas a luz
1.2. E um traslado da escravidão a liberdade. Os filhos de Deus são libertadas de suas cadeias, da culpa, e são convidadas a viver em liberdade.
1.3. E um traslado da condenação ao perdão. Não mais culpa ou acusação.
1.4. E um traslado do poder de Satanás ao poder de Jesus- Cidadão do Reino de Deus. É uma transferência de uma condição e de uma geografia, de um limite territorial no qual Satanás tem o domínio.
2. A visão de Deus era para celebração – a de Faraó para o chicote.
Considere o que nos diz o texto bíblico:
Visão de Faraó: “Estais ociosos, estais ociosos; por isso, dizeis: vamos, sacrifiquemos ao Senhor” (Ex 5.17). Visão de Deus: “Deixa ir meu povo para que me celebre uma festa no deserto.” (Ex 5.1)
Deus convida para a festa, mas Faraó recusa porque ele transforma o ser humano em agente de produção, que deve viver debaixo do chicote e da opressão.
A celebração dá sentido e senso de realização. Nada pode ser mais deprimente que viver para trabalhar e não encontrar sentido no que se faz. Precisamos não apenas de trabalhar, mas precisamos de propósito no trabalho que executamos. Passar pela vida sem celebrá-la é uma tragédia! Quando não aprendemos o poder da celebração, mesmo as coisas boas se tornam pesadas e enfadonhas. Alguém afirmou que “Viver sem celebrar é como sentar-se à uma mesa repleta de iguarias, mas não sentir o sabor do que se come – é como olhar ao redor e ver o mundo em preto e branco – é viver sem cheiro, sem sabor, sem cor e brilho.”
Quando o povo retomou do cativeiro babilônico para reconstruir os muros de Jerusalém, o texto bíblico relata como eles fizeram seu culto a Deus: “
“Naquele dia alegre, foram oferecidos muitos sacrifícios, pois Deus os havia enchido de grande alegria. As mulheres e as crianças também se alegraram, e os sons de alegria do povo de Jerusalém podiam ser ouvidos de longe.” (Ne 12.43- NBV). Neemias convocou o povo a celebrar a Deus por essa grande realização. O tempo de lamento cessou; é hora de celebrar!
A celebração foi feita com alegria, louvores, canto, címbalos, alaúdes e harpas. Durante muito tempo, o povo hebreu foi alvo da zombaria e do desprezo de seus inimigos. e Deus mudou sua história. Agora Deus os alegrara com grande alegria. A vitória foi tremenda e a celebração, contagiante. A vida cristã deve parecer mais com uma festa de casamento do que com um funeral. Sempre haverá motivos para celebrarmos ao Senhor.
A natureza pouco celebrativa da vida cristã contrasta com a exortação constante das Escrituras sobre a alegria. São mais de 800 versículos sobre alegria. A palavra graça, vem de karis, cuja raiz está relacionada a alegria. Paulo percebe isto na comunidade da Galácia: “o que foi feito da vossa exultação?” (Gl 4.15). Em geral, a ausência da alegria tem a ver com a perda do Evangelho. O legalismo, bem como a falsa compreensão do Evangelho rouba de nós a espontaneidade e a alegria de viver. Algo está errado na forma como interpretamos o Evangelho.
2. A visão de Deus é para descansar,, a visão de Faraó é para não parar.
O que diz Faraó? “Estais ociosos, estais ociosos; por isso dizeis: Vamos sacrifiquemos ao Senhor” (Ex 5.17). A visão de Deus é: “Deixa-nos ir, pois, caminho de três dias ao deserto, para que ofereçamos sacrifícios ao Senhor nosso Deus.” (Ex 5.3). Como são antagônicas a visão de Deus e do diabo.
Não é sem razão que Deus ordena o sábado. É hora de descansar. Hoje os cristãos celebram no domingo. Mas o sábado tinha uma dimensão que acredito que as pessoas de hoje tem esquecido: Era um tempo para buscar a Deus com mais intensidade.
A Confissão de Fé de Westminster, adotada pelas igrejas presbiterianas, afirma:
“Este sábado é santificado ao Senhor quando os homens, tendo devidamente preparado os seus corações e de antemão ordenado os seus negócios ordinários, não só guardam, durante todo o dia, um santo descanso de suas obras, palavras e pensamentos a respeito de seus empregos seculares e de suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto e nos deveres de necessidades e de misericórdia.”
Esta elevada apreciação do sábado conquistou o seu lugar na Inglaterra, na América do Norte, em todo o Império Britânico e também na Holanda. Embora tenha sido uma preocupação chave dos cristãos reformados, a guarda do sábado (dia do descanso) foi adotada como regra pelos cristãos de praticamente todas as denominações. Curiosamente estes países não perderam renda nem tiveram prejuízos por causa do sábado. O Judeu também o guarda e tem sido uma nação abençoada.
Faraó, entretanto, não quer que haja espaço na agenda para descanso, celebração e culto. Ele reduz o homem a uma máquina de produção, e isto tem sido uma tragédia. O ser humano precisa de sentido, de descanso, tempo para organizar ideias e pensamentos. Tempo para adorar.
Uma das maravilhosas parábolas contada por Jesus é a do filho pródigo:
O filho que fica em casa, faz tudo certinho, mas não tem alegria. Esta é a síndrome do irmão mais velho. Depois de falar do filho que decidiu viver uma vida de relativismo moral, Jesus passa a descrever a situação do filho moralista e religioso, que fica irritado com a festa. O pai gosta da festa, o filho não. Gente espiritualmente mau resolvida, não compreende a teologia da graça, a visão de Deus e ainda culpa o pai por sua vida miserável. São miseravelmente salvos.
O filho mais velho tem dificuldade com a graça demonstrada pelo pai, com o churrasco e a dança. Muitas vezes é assim que temos vivido. Temos até mesmo dificuldade em tirar férias e descansar. É uma teologia sem celebração. Vivemos numa roda viva, com pouca exultação, raiva da vida, da mulher, da igreja. Não é sem motivo que temos casamentos quebrados, filhos odiando a igreja, filhos longe do Senhor.
O irmão mais velho não entende a linguagem da graça. Vive na casa do pai, trabalha com o Pai e pelo Pai, mas não sabe o que é ser gracioso. Na sua vida não há espaço para celebração: Ele é “espiritual demais” para ser alegre, e vive marcado pela acusação, com uma visão equivocada do Pai. O pai é visto como alguém punitivo e repressor. Não gosta de festa, que não tem alegria, vive aquém daquilo que pode viver, vive na escravidão.
Por que faraó não gosta da festa?
- Porque não conhece a Deus – Ex 5.2
- Porque é vitima da performance, eficiência e pragmatismo – Ex 5.4
- Porque, para Faraó, festa é ociosidade, perda de tempo, não tem propósito Ex 5.8
- Porque Faraó tem prazer na punição, não na celebração – 5.14
O texto de Êxodo nos mostra que quando celebramos a Deus, trazemos glória para seu nome. Celebrar uma festa é cultuar a Deus. Encontramos prazer e contentamento quando glorificamos o nome de Deus.
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Conclusão
Deus chama seu povo para festejar, celebrar! Mas para concluir, há três aspectos finais que gostaria de comentar:
A. Tire de sua mente que Deus é um estraga prazer. Jesus nos convida para vivermos abundantemente. “Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância.”
Onde houver a presença de Deus, haverá genuína celebração. Igrejas celebrativas, lares marcados pela ternura e aceitação, casa cheia da graça. O nosso Deus é o Deus da vida! A questão aqui é quem nos orienta? Faraó, ou Deus? O que determina nosso modo de viver? Celebração não é uma questão de dinheiro, mas uma questão teológica. A Linguagem de faraó é “lucro e produtividade”, a de Deus, celebração, culto e louvor. Quando a visão de Deus se depara com a visão de Faraó sempre haverá conflitos, pois pensam com categorias diferentes.
Precisamos descobrir a graça de viver na graça, não se perca na sua justiça própria, desfrute da alegria que existe em Deus, deixe a mesquinhez, tome posse das bençãos que são suas, desfrute o perdão, aceitação, alegria, paz, vida abundante. Isto é para você! Deus nos convida para uma vida de alegria e celebração, a despeito das circunstâncias.
Assim lemos na Palavra de Deus:
“Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite. Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão, e o vosso suor, naquilo que não satisfaz? Ouvi-me atentamente, comei o que é bom e vos deleitareis com finos manjares. Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança perpétua, que consiste nas fiéis misericórdias prometidas a Davi.” (Is 55.1-3)
Deus está nos convidando para uma vida plena, onde encontramos alegria e contentamento real, no qual podemos nos deleitar com finos manjares. Este é o convite gracioso de Deus para cada um de nós.
B. Não há alegria, nem celebração na vida de pecado, distanciada de Deus. Satanás tem oferecido uma alegria barata, efêmera, pecaminosa.
Existe muita alegria ilusória sendo oferecida. Referindo-se ao nosso pecado, a Palavra de Deus afirma:
“Naquele tempo, que resultados colhestes? Somente as coisas de que, agora, vos envergonhais; porque o fim delas é morte. Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida eterna.” (Rm 6.21-22).
Muitos estão buscando alegria na vaidade, na luxúria, no pecado, tolamente acreditando que isto dará alegria. Eventualmente até por defenderem a ideia de que Deus é amor, criando uma falsa teologia de um Deus amoroso, mas esquecendo-se de que ele é um Deus santo. Celebração e santidade não são excludentes, mas precisamos entender que não há alegria numa vida de pecado. O pecado traz morte, vergonha, afastamento de Deus. Deus abençoa a fidelidade e a santidade.
C. A Bíblia ainda nos fala de uma festa maravilhosa que acontecerá no céu, um banquete incomparável que está sendo preparado para a Igreja do Senhor. São as bodas do Cordeiro, ou banquete de casamento de Cristo e sua igreja
“Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe a glória, porque são chegadas as bodas do Cordeiro, cuja esposa a si mesma já se ataviou, pois lhe foi dado vestir-se de linho finíssimo, resplandecente e puro. Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos santos. Então, me falou o anjo: Escreve: Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro. E acrescentou: São estas as verdadeiras palavras de Deus.” (Ap 19.7)
Deus está preparando um povo para uma grande festa. O ápice da redenção é uma vida de completa comunhão com ele, sem pecado. Esta vida nos tem sido oferecida por Jesus.
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