sábado, 25 de setembro de 2021

At 20.17-35 O Grande desafio da Igreja: Conteúdo e Relevância

 



 

 

 

Introdução

 

Estou no ministério há quarenta anos e sei que muitos colegas sofreram bastante no período de pandemia, alguns de forma mais intensa outros mais amena. Eu senti fortemente tais efeitos. Durante todo este período ministerial, nunca tive um sabático, não parei minhas atividades e, graças a Deus, nunca tive problemas de saúde. Os levitas e sacerdotes no Antigo Testamento ficavam no oficio por 20 anos... eu já estou há quarenta... é certo que a expectativa de vida era muito menor, mas agora, neste momento em que somos colocados na expectativa, vem uma pergunta na minha mente: Que nova visão Deus deseja comunicar a mim particularmente, e ao seu povo, de forma geral? Há alguma coisa que preciso mudar?

 

Andrés Garza, Diretor da City to City America Latina, afirma que nestes tempos de pandemia precisamos fazer quatro perguntas que podem orientar e mudar nossa perspectiva.

 

● O que estamos fazendo e o que precisamos parar de fazer?

● O que fazemos e devemos continuar a fazer?

● O que estamos fazendo e precisamos continuar a fazer de novas maneiras?

● O que não estamos fazendo e precisamos começar a fazer?

 

O Hino oficial da Mocidade Presbiteriana, composição de Moacir Bastos, diz o seguinte:

 

Somos jovens no mundo velho, a pregar novos ideais,

Do mesmo evangelho, que pregaram nossos pais.

O mundo muda, mas cristo não.

Importa que preguemos, a salvação.”

 

Nosso mundo está em rápida transformação.

 

Então como manter o essencial, inegociável, permanente, sem nos tornarmos uma instituição anacrônica e retrógada? Como reafirmar a missão em tempos de mudanças? Como ter um ministério relevante sem negociar os princípios do pragmatismo ou da adrenalina, para gerar emoções artificiais nas pessoas, enchendo as pessoas de vãs esperanças e promessas? Como ser bíblico, crendo em verdades absolutas num tempo em que as pessoas insistem no relativismo, pluralismo e subjetivismo?

 

 

 

 

Por um lado temos igrejas ansiosas por relevância. Fazem tudo por holofotes e aplausos humanos. Fazem adaptações, negociam a Palavra a um público cada vez mais ansioso por adrenalina, flexibilizam a ética para atrair “clientes”, e fazem sermões politicamente corretos para um discipulado barato.

 

Por outro lado, igrejas que insistem em usar os mesmos métodos, sem entender as mudanças históricas, sofrendo problemas de adaptação às novas exigências modernas, igrejas com alergia ao novo. Muitos dizem que se mudarmos os métodos, mudamos a essência. Então, confundem acidente com essência, histórico com revelado, temporal com eterno. Sofrem um saudosismo eclesiológico, e querem viver de lembranças.

 

John R. W. Stott afirma que os liberais possuem relevância sem conteúdo, e que os ortodoxos, igrejas bíblicas, possuem conteúdo sem relevância. Como manter o equilíbrio sem correr o risco de polarizações?

 

Estudar o livro de Atos é uma experiência sobrenatural. Ray Stedman afirma que toda igreja em crise deveria humildemente reler o livro de Atos, com devoção e desejo de ser transformada. Na medida em que estudamos o livro, observamos como era a dinâmica da igreja, a dinâmica das missões, o treinamento e a estratégia dos apóstolos, como eram acolhidos os novos membros e como o reino avançava. Por isto, estudar o livro de Atos é fundamental quando falamos de plantação e revitalização de igrejas.

 

Apenas no capítulo vinte, numa observação superficial, encontramos no mínimo, quatorze fundamentos para a obra ministerial e a ação da igreja, obviamente não temos tempo para estudar cada um deles, mas espero que possamos refletir sobre alguns pontos para abranger o tema: Reafirmando a missão em tempos de mudanças.

 

1.     Estratégia diversificada – Jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa” (At 20.20).

 

Em Atos 20, Paulo fala de três abordagens que adotava na pregação do Evangelho.

 

A.   Publicamente – “Exposição da Palavra”. (At 20.20) – Isto pode ser percebido nitidamente na quantidade de horas empregadas para pregar e treinar os novos convertidos.

 

B.    Domesticamente – “De casa em casa” (At 20.20). Paulo visitava as pessoas e se reunia em suas casas para compartilhar o evangelho em pequenos grupos. Esta estratégia se mostrou extremamente eficaz em muitos ambientes, na forma de cultos familiares, e ainda hoje pode ser estratégica na formação de pequenos grupos.

 

C.    Individualmente“A cada um” (At 20.31). Certamente Paulo gastou tempo com discipulado, assentando-se com pessoas diferentes, tirando dúvidas e transmitindo as verdades do evangelho e os conceitos cristãos.

 

A igreja precisa usar métodos diferentes para ocasiões e públicos diferentes. “Mais da mesma coisa nos leva para o mesmo lugar”, como bem afirmou Hans Burke. Muitas vezes a deficiência do ministério consiste na insistência em usar uma única estratégia, quando deveríamos usar todas. A inflexibilidade nos métodos pode limitar o poder de influência e alcance da mensagem. Paulo usava todas as oportunidades.

 

2.     Ministração a grupos heterogêneos – “testificando a judeus e gregos” (At 20.21). É bem mais fácil comunicar a grupos homogêneos. Pregar a diferentes públicos exige maior sensibilidade, principalmente quando a mensagem precisa ser transcultural.

 

Isto pode ser percebido nas diferentes abordagens usadas por Paulo. Quando ele pregava aos judeus o ponto de partida era as Escrituras. Em Tessalônica, “Paulo, segundo o seu costume, foi procurá-los (os judeus) e, por três sábados, arrazoou com eles acerca das Escrituras” (At 17.2). O ponto de partida, portanto, era o Antigo Testamento, a Lei e os profetas.

 

Contudo, quando foi pregar aos habitantes de Listra, ele partiu da perspectiva religiosa daqueles homens, abordando o tema da criação, e assim refletiu sobre o governo de Deus (At 14.15-17). Ao se dirigir aos atenienses, sem nenhum contato com as Escrituras judaicas, ele não citou, sequer uma vez, os textos sagrados, e também partiu da criação, para anunciar o Deus verdadeiro (At 17.24-25). Nestas duas situações, ele usou a cosmovisão, a compreensão de determinadas verdades aceitas entre estas duas diferentes culturas, para comunicar a verdade sobre o Deus que fez todas as coisas pelo eu poder.

 

Como alcançar os diferentes segmentos que temos em nossa sociedade? Pessoas de comunidades ricas e pobres? Como adentrar condomínios ou favelas com uma mensagem que seja relevante para diferentes grupos? Como ser eficiente na comunicação do evangelho aos diferentes grupos sociais, como alcançar os alternativos, os de esquerda e de direita, os grupos minoritários?  Será que deveríamos adotar o princípio da unidade homogênea defendido por Rick Warren, ou deveríamos tentar mesclar diferentes grupos para dar demonstrar o poder do evangelho nesta cultura, como defende Mark Dever?

 

3.     Mensagem imutável – “...para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (At 20.24).

 

Observando com mais atenção este texto de Atos 20, é possível perceber o conteúdo da pregação de Paulo. Em nenhum momento ele prega autoajuda ou teologia da prosperidade, nem mesmo milagres e cura (apesar de ser uma característica de seu ministério, este não era o foco de sua mensagem). Sua mensagem nunca variava, mas possuía a mesma ênfase. Mesmo quando lidava com diferentes grupos e aplicasse uma estratégia diversificada, o conteúdo era o mesmo, sempre. A metodologia, abordagem e estratégia poderiam mudar, mas não a mensagem.

 

O que Paulo pregava?

 

A.   O Evangelho da graça de Deus (At 20.24). O evangelho consiste não em algo que fazemos, mas em algo que Deus fez, por isto são boas novas, e é gratuito. O evangelho foca na obra exclusiva e poderosa de Cristo, para tirar o perdido das trevas e dar direção.

 

A igreja vive numa grave crise em relação à mensagem do evangelho. Os púlpitos não falam mais de arrependimento, cruz, mensagem da salvação. O evangelho puro e simples no qual Jesus convida os pecadores para se arrependerem de seus pecados e colocarem sua confiança apenas na obra de Cristo, e não em seus esforços pessoais ou méritos.

 

O Evangelho nos aponta para a graça, o favor não merecido que recebemos de Deus, acessível a todos que creem no nome de Jesus. A graça se contrapõe aos méritos pessoais. Se você é salvo pela graça, você não tem méritos; e se você acha que tem méritos para salvação eterna, então não sente necessidade da graça. O evangelho da graça nos ensina que não fazemos as coisas para sermos agradáveis a Deus, mas fazemos tudo em gratidão ao amor unilateral que ele demonstrou para nós. Não fazemos barganha com Deus. Não damos para receber, mas por termos recebidos, liberalmente damos.

 

B.    O reino de Deus – “...em cujo meio passei pregando o reino” (At 20.25). Sua mensagem tinha como centro a soberania de Deus sobre todas as coisas.

 

O reino de Deus se revela na pessoa de Cristo. O reino nos informa que o mundo está sob o controle do Eterno Deus e não dos homens. Deus tem o governo da história, faz a história e é Senhor da história. A revelação deste reino é visível na vinda de Cristo, o Filho de Deus, iniciando um novo tempo através de sua morte e ressurreição. Pregar o reino significa anunciar que há um rei sobre todas as coisas, que "Não há um único centímetro quadrado, em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: É meu!" como bem afirmou Abraham Kuyper

 

C.    Todo desígnio de Deus – “Porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27).

 

Paulo não se esquivava de temas controvertidos, mas queria ser fiel às verdades bíblicas e proféticas. Podemos correr o risco de nos tornarmos interessados em apenas alguns temas das Escrituras e só pregarmos o que achamos interessante. Quando agimos assim, deixamos de demonstrar outras verdades preciosas da Palavra de Deus. Por isto devemos pregar toda mensagem e a mensagem toda, a todos os homens, para fugirmos do risco de pregarmos “o evangelho dos santos evangélicos”, como afirmou Juan Carlos Ortiz.

 

4.     Integridade irrefutável – De ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes” (At 20.33).

 

Integridade não é acessório na vida cristã, mas a essência. Não é algo periférico, mas central.

Na escolha de líderes para sua equipe, Bill Hybels sugere quatro elementos:

A.   Caráter

B.    Competência

C.    Cultura

D.   Química (em inglês Chemistry).

 

Veja como o caráter aparece em primeiro lugar.

Obviamente não basta ter caráter para ser aprovado. Muitos tem caráter mas possuem competência para determinadas funções. Muitos tem caráter mas não possuem a cultura da instituição e não entendem a filosofia da comunidade, muitos não possuem a química do time e por isto não é aprovado, mas caráter deve ser o primeiro item.

 

O que Paulo afirma é que nunca permitiu que qualquer motivo espúrio contaminasse sua liderança. As pessoas sabiam como ele se conduzia entre elas, desde o primeiro dia, e ele jamais deu ensejo para que alguém pudesse julgá-lo moralmente. Podemos ser julgados pelo nosso estilo de liderança, pelos métodos que temos, e eventualmente desagradar alguns pela direção que damos ao ministério, mas nunca podemos permitir que sejamos julgados por falha de caráter. Que o Senhor nos preserve!

 

Conclusão

 

Diante disto, gostaria de fazer algumas aplicações:

 

1.     Valores são inegociáveis, métodos devem ser permanentemente avaliados. A palavra “método” vem do grego “odos”, que significa “caminho”.

 

Portanto, estratégias e métodos devem ser mudados tantas vezes quantas forem necessárias.

 

2.     Os tempos mudam, a mensagem eterna permanece.

 

A Bíblia afirma duas coisas:

 

A.   No sermão escatológico em Mt 24: “Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão”. A palavra de Deus nunca perdeu sua relevância, nunca caducou ou envelheceu.

 

B.    Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e o será para sempre” (Hb 13.8). Este texto fala de Jesus, sua natureza imutável. Ele é Eterno, não sofre os impactos da variação da história, da política e da bolsa de valores. Ele não existe porque afirmamos sua existência ou cremos nele. Ele não é menos ou mais se alguém fala contra ele. Ele é o mesmo!

 

3.     Os tempos mudam, a missão da igreja permanece. Precisamos sempre indagar porque existimos enquanto igreja.  Qual é o nosso papel na história. Por que Deus nos plantou neste lugar, neste tempo?

 

Para muitos, a missão da igreja é fazer missão. Esta frase é impactante e de grandes efeitos, embora não possamos afirmar que ela não seja verdadeira, ao mesmo tempo, podemos esquecer que ela não é a essência, nem traduz a realidade daquilo que fomos chamados a fazer.

 

Dois textos nos ajudam nesta compreensão:

 

A.   Is 43.21: “Ao povo que criei para mim, para celebrar o meu louvor”. Quando fazemos missão glorificamos a Deus, mas o propósito último não é fazer missão. Fazer missão é obediência. Nossa missão essencial é dar glória a Deus. Se cuidarmos dos pobres, plantarmos igrejas, enviar missionários ao redor do mundo, mas isto não for para a glória de Deus, estamos perdendo a razão essencial de nossa existência.

 

B.    Pe 2.9: “Vós, porém, sois raça eleita, nação santa, sacerdócio real, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.” Existimos para o louvor do Senhor. Para anunciar a sua glória.

 

O grande desafio da igreja continua o mesmo: Dar glória a Deus!

 

Certo garoto se destacou na sua escola como bom violonista. Seu professor o indicou para uma apresentou no teatro da cidade para representar a escola. Ele ficou inseguro e animado ao mesmo tempo. Seu professor lhe garantiu que daria todas as instruções para que ele fizesse uma boa apresentação. Ele se preparou bastante até que chegou o dia tão esperado.

 

Sua apresentação de fato foi muito boa. Ele conseguiu fazer tudo aparentemente certo, e o público o aplaudiu efusivamente. Entretanto, o garoto inexplicavelmente correu para os bastidores e o mestre de cerimonia foi busca-lo dizendo que ele deveria voltar ao palco, porque as pessoas ainda o estavam aplaudindo, mas ele disse que não voltaria.

 

Então foi indagado da razão. E ele disse: Vocë viu aquele homem assentado na terceira fila do teatro? E ele disse: “claro que sim”.  E o aluno respondeu: -“Ele não me aplaudiu”. O mestre de cerimonia disse: - “mas todos os demais estão aplaudindo, não perca este momento por causa de um bobo prepotente que não quis reconhecer seus talentos”. Mas ele respondeu: - “Sabe quem é aquele homem? Ele é meu professor de violino.”

 

Esta é a grande verdade. Se tivermos o aplauso de todos, menos de Deus, nada  vale. Nós precisamos de aplausos de Deus, não de homens. O desafio dos desafios, é glorificar a Deus que nos chamou para sua obra.

 

 

 

 

 

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